Artes gráficas en Portugal en el periodo de las vanguardias históricas (1909–1926) Luís Miguel Marques Ferreira ADVERTIMENT. La consulta d’aquesta tesi queda condicionada a l’acceptació de les següents condicions d'ús: La difusió d’aquesta tesi per mitjà del servei TDX (www.tdx.cat) i a través del Dipòsit Digital de la UB (diposit.ub.edu) ha estat autoritzada pels titulars dels drets de propietat intel·lectual únicament per a usos privats emmarcats en activitats d’investigació i docència. No s’autoritza la seva reproducció amb finalitats de lucre ni la seva difusió i posada a disposició des d’un lloc aliè al servei TDX ni al Dipòsit Digital de la UB. No s’autoritza la presentació del seu contingut en una finestra o marc aliè a TDX o al Dipòsit Digital de la UB (framing). Aquesta reserva de drets afecta tant al resum de presentació de la tesi com als seus continguts. En la utilització o cita de parts de la tesi és obligat indicar el nom de la persona autora. ADVERTENCIA. 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Anna Calvera Sagué Tutor Dr. Carles Ameller Programa de Doctorado Las Revoluciones Tipográficas Bienio 1997–1999 Departamento de Diseño e Imagen Seguimiento: Comisión Académica del Programa de Doctorado Estudios Avanzados en Producciones Artísticas Línea de Investigación: Diseño e Imagen VOLUMEN 1 Facultad de Bellas Artes. Universidad de Barcelona 2014 2 Esta investigação contou com o apoio financeiro da Fundação para a Ciência e Tecnologia. Ministério da Educação e Ciência. 3 4 AGRADECIMENTOS Agradeço à Dra. Anna Calvera i Sague, directora deste trabalho, pelo saber, pelo cuidado e pela amizade que sempre demonstrou ter para comigo ao longo de todo o percurso. A disponibilidade e capacidade de superação demonstrada nos momentos difíceis que atravessou foram um exemplo que guardarei para toda a vida. Ao Dr. Carles Ameller, tutor deste trabalho, agradeço a sua disponibilidade e colaboração em todos os momentos. Ao António Modesto, professor e amigo, cujos ensinamentos e conselhos sempre estiveram presentes, aos meus colegas e amigos Marcelo Drummond, Juan Arrausi, Rui Costa, Maria Ferrand, Ana Lúcia Pinto, Paulo Pereira e Mário Roda que me souberam ouvir e apoiar incondicionalmente nos bons e maus momentos porque passei, o meu muito obrigado. Agradeço ainda à Inês Mendes, pelas traduções do inglês e latim, à Olga Kouvela pelas traduções do grego, e à Elena Carbonell e à Elena Garcia pelas traduções para castelhano, além da amizade que nos une. Uma palavra de gratidão póstuma ao Prof. Doutor Aníbal Pinto de Castro, que me abriu as portas de sua casa e da sua biblioteca. Agradeço a todos os funcionários das Bibliotecas e Arquivos consultados pela simpatia e ajuda no trabalho de pesquisa. Agradeço ainda os esclarecimentos e informações prestados pela Benedita Coelho da Silva e pelo José Carlos Vilhena Mesquita. Aos meus pais que deram asas ao meu sonho de estudar em Barcelona, tudo fazendo para que este momento chegasse, o meu eterno amor. Aos meus familiares mais próximos, à Pilar e à Andrea, agradeço pelo incentivo, pela confiança e pelo sempre fundamental afecto. À Daniela, um agradecimento especial, por tolerar todo o tempo que estive ausente, pela paciência, pela ajuda, pelo incentivo e por sempre ter estado ao meu lado em todos os momentos. A sua firmeza nos momentos mais difíceis e o incentivo para que sempre seguisse em frente foram fundamentais para levar a cabo esta aventura. Ao Tomás que amplia o significado deste largo caminho, pela motivação na escrita do “livro grande que o pai está a escrever” – como ele diz –, espero um dia conseguir retribuir os momentos que não estive do seu lado. Sem os dois nada faria sentido. A todos o meu mais sincero e profundo obrigado. 5 6 “Adoramos a perfeição, porque não a podemos ter; repugna-la-íamos, se a tivéssemos. O perfeito é desumano, porque o humano é imperfeito.” Fernando Pessoa, Livro do Desassossego RESUMO Nas décadas de 1910 e 1920, os artistas da vanguarda histórica portuguesa, inspirados pelas influências que chegavam de fora, tentaram criar uma estética que desafiava a tradição e procurava definir um novo papel da arte na sociedade. Nesse percurso, a vanguarda nacional seguiu princípios gerais comuns aos diferentes movimentos de vanguarda internacionais, tão importantes quanto os que existiam em França, Itália ou Rússia, entre outros países, e dos quais partiram relevantes ondas de influência do experimentalismo nas artes, na experimentação gráfica e tipográfica do meio impresso. Um contexto onde as revistas literárias mostraram ser o instrumento ideal pelo qual as vanguardas históricas tentaram conectar ideias e/ou práticas com audiências específicas, procurando atrair novos aderentes às suas ideologias, impor as suas ideias, inovar e expressar a sua individualidade. Entendendo a importância do movimento de vanguarda histórica no contexto nacional como ponto de transição e de reforma cultural, tem-se como objectivo desta investigação verificar se a tentativa de ruptura da tradição sócio-cultural protagonizada pela vanguarda motivou uma ruptura dos modelos pré-estabelecidos tornando-a num caso específico e original, convergindo com as propostas artísticas-literárias, e ainda qual o legado dessa intervenção. Pretende-se, nessa averiguação, caracterizar os diferentes estilos gráficos, expressivos e tipográficos que marcavam o grafismo das publicações naquela época, conferindo possíveis analogias com os exemplos internacionais (de inovação e tradição). Quer-se, ainda, identificar os protagonistas responsáveis pela determinação e execução dos estilos gráficos/tipográficos aplicados nos artefactos impressos, assimilando o seu modus operandi. As revistas literárias que formam o corpus deste estudo, são aquelas que apresentavam maior relevância literária na época e manifestaram uma relação – de concordância ou de oposição – com os princípios de vanguarda. O trabalho prático incide na análise gráfica de três elementos essenciais da estrutura gráfico-editorial das revistas: a capa, o índice/sumário e as páginas que definem um modelo gráfico, ou que se distingam pela sua construção macrotipográfica. Deste estudo, em conjunto com as demais investigações técnicas e históricas contidas neste ensaio, concluiu-se que, no âmbito gráfico/tipográfico, a actuação da vanguarda baseou-se nas propostas dos futuristas italianos, procurando uma ampliação dos valores semânticos dos textos literários; questionaram os modelos tradicionais e lutaram contra os modismos de carácter ornamental, apresentando algumas soluções inovadoras no contexto nacional, que escassamente ultrapassaram os limites da composição ortogonal. O seu legado abriu o espaço à construção de uma nova semântica gráfica que se manifestou com uma vocação nacionalista, que passava pelo neoacademismo e valorização do latino clássico oitocentista, testemunhando o nascimento de uma nova linguagem gráfica. Esta seria reveladora de um retorno historicista, e haveria de conduzir o Design Gráfico nacional ao caminho do internacional Modernism. 7 8 ÍNDICE VOLUME 1 13 13 13 14 15 16 16 17 INTRODUÇÃO Motivo Tema Estrutura Localização do objecto de estudo Particularidades Questões disciplinares Objectivos I. FUNDAMENTOS 21 29 25 25 26 29 29 32 34 40 47 47 48 54 63 63 66 66 66 67 74 76 77 80 81 85 87 90 93 99 101 107 107 111 111 1. O projecto da vanguarda histórica portuguesa 1.1. Introdução 1.2. A vanguarda 1.2.1. A ideia de vanguarda 1.2.2. A génese da vanguarda artística 1.3. Panorama da Arte em Portugal no período das vanguardas históricas 1.3.1. A Arte em Portugal no início do século XX 1.3.2. O período pré-Orpheu (1910–1914) 1.3.3. A ruptura da tradição (1915–1919) 1.3.4. Anos vinte: a “euforia urbana” 1.4. O que pensavam e pediam os artistas modernos portugueses 1.4.1. A “geração de Orpheu” 1.4.2. A vanguarda artística portuguesa: um projecto de inovação 1.4.3. Os manifestos programáticos portugueses 2. Tipografia em Portugal – visão histórica 2. Introdução 2.1. Visão histórica 2.1.1. Introdução da tipografia no território nacional a) Motivos histórico-culturais e políticos b) Causas técnicas 2.2.2. Século XVI – a solidificação da actividade tipográfica nacional 2.2.3. A expansão da tipografia portuguesa 2.2.4. Século XVII – a “dinastia tipográfica” dos Craesbeeck 2.2.5. Nascimento da imprensa periódica portuguesa 2.2.6. Século XVIII – o século das Luzes 2.2.7. Século XIX – a liberdade de imprensa 2.2.8. A reforma da fundição nacional de tipos 2.2.9. A mecanização da tipografia e o crescimento da imprensa periódica 2.2.10. A litografia em Portugal 2.2.11. Século XX 2.2.12. A incerteza de um estilo gráfico 3. As revistas literárias 3.1. Introdução 3.2. As revistas literárias em Portugal 3.2.1. A origem das publicações literárias – observação histórica 9 113 117 120 120 121 122 123 124 127 127 131 135 3.2.2. Tipologia temática, função e orientação editorial das revistas literárias no período da Primeira República (1910–1926) 3.2.3. Um meio de afirmação colectiva 3.2.4. Condicionantes das edições como um produto de mercado a) Público b) Tiragem e periodicidade c) Preço d) Censura 3.2.5. Estratégias de sobrevivência 3.3. Revistas de vanguarda 3.3.1. Um espaço de afirmação e experiência 3.3.2. A “rivoluzione” gráfica futurista 3.3.3. O protagonismo da tipografia na revolução poética futurista II. ANÁLISE DOS CASOS 143 143 143 143 145 150 150 155 157 157 158 158 171 177 184 192 199 207 210 230 240 248 253 257 262 269 280 284 296 301 306 313 323 328 332 4. Considerações previas à análise do corpus 4.1. Definição das componentes de investigação 4.1.1. Objectivos 4.1.2. Metodologia da identificação/selecção do corpus de análise 4.1.3. Apresentação das revistas analisadas 4.2. Apresentação do modelo de análise e das fichas de análise 4.2.1. Ficha “revistas literárias” 4.2.2. Ficha “director de arte” 5. Análise das revistas 5.1. Nota introdutória 5.2 Análise das revistas 5.2.1. A Águia, revista quinzenal ilustrada de literatura e crítica (1910–1932) 5.2.2. Límia, revista mensal ilustrada de letras, ciencias e artes (1910–1911) 5.2.3. O Ave, gazeta de Santo Thyrso (1912–1913) 5.2.4. Dionysos, revista mensal de philosofia, sciencia e arte (1912–1928) 5.2.5. Gente Nova, órgão da Academia de Coimbra (1912–1913) 5.2.6. A Rajada, revista de crítica, arte e letras (1912) 5.2.7. A Vida Portuguesa, revista de inquérito à vida nacional (1912–1915) 5.2.8. Alma Nova (1914–1930) 5.2.9. A Boémia, revista mensal de literatura e arte (1914) 5.2.10. A Galéra, revista quinzenal de arte e ciência (1914–1915) 5.2.11. A Labarêda, revista mensal de literatura e arte (1914) 5.2.12. Nação Portuguesa, revista de filosofia política (1914–1938) 5.2.13. A Renascença, revista de crítica, literatura, arte (1914) 5.2.14. Atlântida, mensário artístico, literário e social para Portugal e Brasil (1915–1920) 5.2.15. Contemporânea – número specimen (1915) 5.2.16. Eh Real!, panfleto semanal de crítica e doutrinação política (1915) 5.2.17. Orpheu, revista trimestral de literatura (1915) 5.2.18. Centauro, revista trimestral de literatura (1916) 5.2.19. Exílio, revista mensal de arte, lettras e sciencias (1916) 5.2.20. Gente Lusa, arquivo de letras e artes (1916) 5.2.21. Portugal Futurista (1917) 5.2.22. Pela Grei, revista para o Ressurgimento Nacional pela formação e intervenção de uma opinião pública consciente (1918–1919) 5.2.23. Ícaro, revista de Coimbra (1919–1920) 5.2.24. A Tradição, revista académica coimbrã (1920) 10 337 347 351 403 429 447 452 458 465 468 474 480 491 499 505 514 518 5.2.25. A Crisálida, mensário de literatura, sciência , arte e cultura (1921); A Nossa Revista, mensário fundado pelos alunos da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (1921–1922) 5.2.26. Nova Phenix Renascida (1921) 5.2.27. Seara Nova (1921–1979) 5.2.28. Alma Nova (1914–1930) 5.2.29. Contemporânea, grande revista mensal (1922–1926) 5.2.30. Nação Portuguesa, revista de cultura nacionalista (1914–1938) 5.2.31. Bysancio, revista coimbrã, artes e letras (1923–1924) 5.2.32. Conímbriga, revista mensal de arte, letras, sciência e crítica (1923) 5.2.33. Homens Livres, livres da finança e dos partidos (1923) 5.2.34. Revista Portuguesa, literatura, crítica d’arte, sport, teatro, música, vida estrangeira (1923) 5.2.35. Athena, revista de arte (1924–1925) 5.2.36. Folhas de Arte (1924) 5.2.37. Labareda (1924–1926) 5.2.38. Lusitania, revista de estudos portugueses (1924–1927) 5.2.39. Tríptico (1924–1925) 5.2.40. Dionysos, revista mensal de philosofia, sciencia e arte (1912–1928) 5.2.41. Portugália, revista de cultura, tradição e renovação nacional (1925–1926) III. CONCLUSÕES 525 6. CONCLUSÕES IV. BIBLIOGRAFIA 535 BIBLIOGRAFIA V. ANEXOS 553 655 A. Fichas “revistas literárias” B. Fichas “director de arte” VOLUME 2 – RESUMEN EN CASTELLANO 7 9 9 9 11 11 12 12 13 15 RESUMEN INTRODUCCIÓN Razón Tema Estructura Ubicación del objeto de estudio Particularidades Asuntos disciplinarios Objetivos CONCLUSIONES 11 12 INTRODUÇÃO MOTIVO Antes de mais, gostaria de explicar as razões que conduziram a este estudo. A sua génese encontra-se ligada aos cursos de doutorado realizados no Departament de Disseny i Imatge de la Universitat de Barcelona, sendo um resultado do interesse pessoal no estudo da tipografia e do design editorial. É um trabalho que se enquadra dentro da disciplina do design gráfico e, ainda que apresente um largo e fundamental conteúdo historiográfico, pretende mostrar a visão do ponto de vista da prática do design e não a de um historiador. O tema desta investigação surgiu pela influência que fui recebendo durante o meu período como aluno de design gráfico, primeiro na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto e, posteriormente, na Facultat de Belles Arts de la Universitat de Barcelona (enquanto aluno Erasmus). Nas aulas onde se abordava o design editorial, a tipografia e a história do design o interesse surgia de forma natural, tendo sido potenciado por um conjunto de professores que encontrei no meu percurso académico naquelas instituições. Com eles aprendi a trabalhar e a emocionar-me nestas áreas de estudo. Posteriormente, no curso de doutorado na Universitat de Barcelona, onde procurei aprofundar os conhecimentos e estudar com mais detalhe as especialidades da tipografia e do design editorial, a história do design emergia sempre como uma parte determinante para o seu entendimento e contextualização. Porém, a riqueza de conteúdo que encontrava na história dos “outros”, sobretudo na valorização do próprio do lugar – como verificava nas questões relativas à Catalunha –, acentuou o meu questionamento relativo à ausência de estudos sobre as raízes do design gráfico português. Era um sentimento provocado pelo vazio aberto pela inexistência de uma história do design nacional. Mas foi a distância do país (mais emocional do que geográfica) que me deu o espaço e a perspectiva para o poder pensar, motivando o estudo de um tema relacionado com Portugal. Este princípio associado ao tema do programa de doutorado, Les Revolucions Tipográfiques, determinou a direcção que esta investigação haveria de tomar. TEMA No final da década de 1990, quando iniciei os meus cursos de doutorado, acompanhava através da revista americana Emigre (São Francisco, Califórnia: 1984–2005) um conjunto de designers internacionais que propunha uma ruptura dos convencionalismos, explorando os limites do desenho tipográfico e editorial. Aquela revista apresentava o lado inconvencional de uma via que se opunha ao Modernism1 no design gráfico e tipográfico, promovendo uma estética adaptada ao “novo” design digital. Com o tempo a Emigre acabaria por se transformar num espaço de publicação de textos e ensaios de/sobre design que hoje são fundamentais para entendermos a história do design daqueles anos. Naquela revista era proposta uma “revolução tipográfica” no tratamento da página e uso da tipografia que, salvaguardando as devidas distâncias e fundamentos, estabelecia um paralelo com as realizações de alguns movimentos da vanguarda artística e literária de inícios do século xx, entre os quais se destacaram, pelas suas relações com o design gráfico, as acções dos futuristas, dadaístas e construtivistas. Os futuristas foram os primeiros a assumir o tratamento da palavra impressa como uma ferramenta basilar e fundamental para a atingir “a expressão futurista das nossas consciências futuristas”, conforme proclamou Filippo Marinetti. Tal como na Emigre, o que os futuristas diziam nas suas «pequenas revistas» é inseparável da forma como eram formalizadas e visualizadas. Contudo, os futuristas convocaram uma ruptura dos convencionalismos na impressão e no tratamento tipográfico que irrompeu do meio literário. Em particular, foram as propostas de Filippo Marinetti que, em 1912 no Manifesto tecnico della letteratura, abririam o caminho a um tratamento 1 Referimo-nos aqui ao International Modernism. Neste estudo, com o fim de evitar confusões no uso dos termos Modernism, modernista e Modernismo, este último em referência ao estilo Arte Nova catalão, explicamos em detalhe a sua aplicação na Introdução do capítulo 1, “O projecto da vanguarda histórica portuguesa”. 13 semântico e visual da linguagem de ruptura que anteciparam diversos recursos de composição tipográfica, os quais constituiriam posteriormente parte dos recursos expressivos usado pelos designers gráficos. Olhando para Portugal, o período da vanguarda histórica representa um dos momentos máximos da expressão artística e literária nacional, tendo surgido em circunstâncias e com características que determinaram que a vanguarda nacional fosse um caso específico. A sua proposta de inovação passou pela reclamação da abertura do meio cultural português às novas e/ou diferentes estéticas que já se sentiam e reconheciam nos principais centros culturais europeus. O seu discurso apresentou influências que se identificam com diversas origens, mas foi na vertente futurista que a vanguarda nacional verdadeiramente se afirmaria. À imagem do que sucedeu com os movimentos de vanguarda internacionais, também o caso português promoveu as suas primeiras e fundamentais manifestações, radicadas em práticas artístico-literárias, em «pequenas revistas», nomeadamente nas revistas Orpheu (1915) e Portugal Futurista (1917). Ao descobrirmos a inexistência de estudos no âmbito do design gráfico sobre aquelas revistas (as referências resumiam-se a pequenas notas feitas por historiadores da Arte e da Literatura sobre o aspecto gráfico de algumas publicações cujo aspecto visual agradava), decidimos então propor como tema de investigação uma análise àquelas revistas, enquadrando-o no âmbito do design gráfico e, de uma forma mais abrangente, das artes gráficas em Portugal no período que envolvia a acção das vanguardas históricas. Aquele foi um tempo de grandes transformações comportamentais e de pensamento, no qual a acção da vanguarda histórica portuguesa não aconteceu de forma isolada, convergindo para a sua génese outras histórias. Nesse sentido, aquelas publicações não podiam ser vistas como ilhas isoladas, sendo por isso necessário abrir o período da análise a um intervalo temporal e a um conjunto mais alargado de revistas literárias nacionais. Como o movimento de vanguarda nacional se relacionava com o futurismo italiano, entendeu-se que o ano da publicação do Manifesto do Futurismo de Filippo Marinetti, 1909, deveria definir o início do arco temporal sob o qual ia decorrer o nosso estudo, fechando-se esse período no ano de 1926 no qual coincidia o fim da publicação da revista Contemporânea, considerada aquela que encerrava o período de actividade da vanguarda histórica nacional. Por outro lado, esta abertura temporal entendeu-se como necessária para poder identificar e demonstrar a existência de modelos gráficos estabelecidos, verificando dessa forma se o envolvimento dos artistas de vanguarda no meio gráfico, motivados pela vontade de atingir uma global e “autêntica expressão tipográfica” da sua manifestação poética, resultou na criação de novos arquétipos gráficos. À imagem das demais tipologias de publicações periódicas, as revistas literárias também são tidas como uma importante fonte de informação sobre os factos (modelos socioculturais e políticos) que marcaram uma determinada época. A sua análise possibilita não só reconstituir as ideias dos seus colaboradores ou as opções gráficas e estéticas na sua edificação, mas pode também nos fornecer as pistas para a identificação de uma atitude projectual própria da disciplina do design gráfico. Nesse sentido, a sua análise permitiu verificar se a tentativa de quebrar de tradição, protagonizada pelos artistas da vanguarda, se limitou aos valores artístico-literários e sócio-culturais, ou motivou – pela intervenção activa no grafismo das publicações pelas quais se expressou – uma renovação dos arquétipos do design gráfico nacional. ESTRUTURA Este estudo estruturou-se ao redor das revistas literárias, e foi dividido em dois grandes blocos. O primeiro, Fundamentos, é dedicado às questões teóricas e foi subdividido em três partes. Na primeira abordou-se a questão da vanguarda histórica portuguesa, iniciando pelo 14 conceito de vanguarda e a génese da vanguarda artística; estabeleceu-se um panorama da Arte em Portugal no início do século xx, de forma a podermos concluir sobre o que pensava e pedia a vanguarda histórica portuguesa. Na segunda parte traçou-se uma visão histórica da tipografia em Portugal, fazendo um recorrido diacrónico desde a introdução da tipografia no país até ao período do nosso estudo, terminando na década de 1920. A terceira parte dos Fundamentos foi dedicada às revistas literárias, repartindo essa questão em duas fracções: 1) a primeira inicia com uma definição daquela tipologia de publicações periódicas, passando pela observação histórica da sua origem em Portugal. Determinamos a tipologia temática, função e orientação editorial das revistas literárias no período do estudo; analisamos o meio como um elemento de afirmação colectiva e caracterizamos o objecto de estudo enquanto um produto de mercado, finalizando com a observação das estratégias de sobrevivência. 2) A segunda remete para as revistas de vanguarda enquanto espaço de afirmação e experiência do grupo que representa. Abordamos a proposta de “rivoluzione” gráfica futurista, fechando com o protagonismo que a tipografia desempenhou na revolução poética futurista. O segundo grande bloco é inteiramente dedicado à análise do corpus, abrindo com um conjunto de considerações prévias onde se definiram as componentes da investigação. Aqui aprofundamos os objectivos e a metodologia usada na identificação e selecção do corpus de análise, rematando com a apresentação das 38 revistas subjugada à seguinte ordenação: ano de início de publicação e, dentro destes, sequência alfabética dos títulos. No segundo momento destas considerações prévias apresenta-se o modelo de análise usado no estudo gráfico das revistas. Esse modelo foi apoiado na elaboração de duas fichas de análise, uma dedicada às revistas literárias e outra aos directores de arte, apresentadas em anexo. Estes elementos de análise descritiva permitiram sistematizar o trabalho de investigação e, posteriormente, contribuíram para a criação de uma visão de conjunto, fundamental para o desenvolvimento de relações entre as diversas revistas. A análise individual de cada uma das revistas foi exposta segundo a ordem utilizada na sua apresentação, explorando-se todos os dados obtidos na observação empírica do objecto de estudo. LOCALIZAÇÃO DO OBJECTO DE ESTUDO Esta investigação apoiou-se em fontes documentais, e a metodologia usada na sua edificação consistiu na recolha de informação em fontes primárias e secundárias. Sendo um estudo empírico, como fontes primárias classificamos as revistas literárias, o objecto central do nosso estudo. Com o fim de localizar os originais das revistas e a informação sobre as personagens envolvidas na sua elaboração, foram consultados os seguintes arquivos públicos e particulares: Biblioteca Nacional de Portugal (Lisboa), Arquivo & Biblioteca da Fundação Mário Soares (Lisboa), Biblioteca Pública Municipal do Porto, Biblioteca Municipal de Coimbra, Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, Biblioteca da Fundação de Serralves (Porto), Biblioteca da Faculdade de Letras da Universidade do Porto e Hemeroteca Municipal de Lisboa. Na consulta dos periódicos foram ainda consultados os seguintes fundos digitais: Alma Mater, da Biblioteca Digital de Fundo Antigo da Universidade de Coimbra, disponível em (informação actualizada a 13 de Março de 2014); Biblioteca Nacional Digital, um projecto da Biblioteca Nacional de Portugal, disponível em (informação actualizada a 13 de Março de 2014); o Arquivo e Biblioteca Online da Fundação Mário Soares, disponível em (informação actualizada a 13 de Março de 2014); e a Hemeroteca Digital, da Hemeroteca Municipal de Lisboa, disponível em (informação actualizada a 13 de Março de 2014). Além destas instituições, procuraram-se ainda as revistas literárias em diversos alfarrabistas de Lisboa, Porto e Coimbra, o que permitiu a obtenção de alguns exemplares originais e versões fac-similadas. 15 No que respeita às fontes secundárias, foram obtidas em diversos arquivos informações e dados bibliográficos relacionados com o design gráfico, a tipografia, literatura e história da arte. Além dos supracitados, consultou-se em Barcelona a Biblioteca da Facultat de Belles Arts de la Universitat de Barcelona, a Biblioteca da Escola Superior de Disseny Elisava de Barcelona, a Biblioteca de Catalunya e a Biblioteca Bergnes de las Casas de Barcelona (actualmente parte integrante da Biblioteca de Catalunya). Em Londres, Inglaterra, foi consultada a National Art Library do Victoria & Albert Museum e a St. Bride Library. Relacionado especificamente com o tema de estudo foram visitadas as seguintes exposições: “Zing Tumb Tumb: The Futurist Graphic Revolution” na Estorick Collection of Modern Italian Art (Londres, 1999); e “Modernismo e Vanguarda nas Colecções do Museu do Chiado (1900–1940)” no Museu de Francisco Tavares Proença Júnior (Castelo Branco, 2001). Pudemos ainda contar com a consulta da biblioteca particular do Professor Doutor Aníbal Pinto de Castro (1938–2010), catedrático da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, na época Director da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, do Instituto de Língua e Literatura Portuguesas e do Instituto de Estudos Italianos. PARTICULARIDADES Como referimos, este estudo não contou com nenhum outro sobre o mesmo tema a nível nacional, não se podendo questionar, afirmar ou desmentir dados de outros investigadores. Recorreu-se contudo a estudos de outros âmbitos sobre a época das vanguardas históricas, especificamente da Literatura e da Arte, que nos pareceram fundamentais para o seu enquadramento. A inexistência de uma história do design gráfico nacional português constituiu também um constrangimento, conduzindo à elaboração de um enquadramento histórico mais abrangente. No entanto, esta questão acabou por representar um dos pontos principais neste estudo, colocando-se em elenco um conjunto de ideias que pretenderam fornecer subsídios para a elaboração de uma história do design português. Apesar da dificuldade que supõe este tipo de trabalho, tendo em conta que não se pretendeu elaborar uma investigação historiográfica, é importante afirmar que esta investigação apenas trata de uma parte específica do design editorial, incidindo especificamente nas publicações periódicas literárias. Fica ainda por estudar uma diversidade de artefactos gráficos para que a narrativa da história do design gráfico ou da tipografia se considere completa ou encerrada. QUESTÕES DISCIPLINARES Relativamente às questões disciplinares, optámos por colocar as referências e as notas em pé de página, assinaladas no texto apenas por uma numeração sobrescrita. A numeração das referências e textos é reiniciada em cada capítulo, e estão diferenciadas do corpo central do texto pela utilização de um corpo menor. As legendas das figuras foram colocadas na parte inferior das mesmas, em corpo menor, sendo mencionadas no texto nos pontos em que nos parece pertinente o seu uso. A numeração parcial das figuras está subjugada ao capítulo no qual está inserido, pretendendo-se assim uma maior clareza na sua localização quando são mencionadas noutras partes do texto. Optámos por colocar as citações e referências no idioma original, grafadas em itálico quando não estão em português, surgindo a tradução quando necessária em pé de página. Devemos ainda referir que se manteve a ortografia original nas referências e citações, ocorrendo ocasionalmente a existência de conflitos ortográficos relativamente à sua forma actual. Por opção pessoal não adoptamos neste estudo o actual Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, estabelecido em 1990, e que ainda se encontra em fase de adopção em Portugal. No texto decidiu-se colocar as datas de nascimento das personagens mais representativas e quando se tornam necessárias para um melhor entendimento do texto. A profusão de citações nalgumas partes do texto deve-se a uma necessidade de fidelidade às fontes originais de informação, questão que se considera fundamental num trabalho académico. A reprodução das imagens em branco e negro ou a cor foi condicionada por questões que nos são alheias, estando sujeita às determinações impostas pelas diferentes bibliotecas e arquivos na reprodução das 16 mesmas. Nalguns casos a qualidade das imagens não é a ideal já que apenas foram disponibilizadas reproduções de fotocopiadora, ou foram obtidas por processos fotográficos em condições precárias. OBJECTIVOS A elaboração desta investigação foi conduzida pelos seguintes objectivos: – Investigar o período das vanguardas históricas em Portugal, contextualizando-o e percebendo o que o motivou e tornou num caso singular. – Averiguar e caracterizar os diferentes estilos gráficos, expressivos e tipográficos que marcavam o grafismo das publicações naquela época, percebendo as condicionantes que determinavam a sua aplicação. – Analisar as possíveis analogias com os exemplos internacionais (de inovação e tradição). – Identificar os protagonistas responsáveis pela determinação e execução dos estilos gráficos/tipográficos aplicados nos artefactos impressos, assimilando o seu modus operandi. – Examinar se os estilos gráficos usados pela vanguarda rompem com os modelos préestabelecidos, convergindo com as propostas artísticas-literárias, tornando-os num caso específico e original. – Conferir a existência de possíveis influências dos modelos internacionais de vanguarda nas opções gráficas e estéticas das revistas através das quais a vanguarda se manifestou. – Verificar em que medida a acção dos protagonistas da vanguarda motivou, através da intervenção activa no grafismo das publicações pelas quais se expressou, uma renovação dos arquétipos do design gráfico nacional e qual o legado dessa intervenção. – Contribuir com subsídios para a elaboração de uma história do design gráfico português. A presente tese motivou a elaboração de um conjunto de comunicações onde foram sendo apresentadas como resultados prévios deste estudo: FERREIRA, Luís. O grafismo das revistas literárias no período das vanguardas históricas (1909–1926). “UDesign’13 – 2º Encontro Nacional de Doutoramentos em Design”. Porto: Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, 2013. Uma investigação sobre “grafismo editorial na era da geração de Orpheu (1910–1926)”. EIMAD – Encontro de Investigação em Música, Artes e Design. Organização: Instituto Politécnico de Castelo Branco – Escola Superior de Artes Aplicadas Castelo Branco: Escola Superior Agrária IPCB, 13–14 de Dezembro de 2012 FERREIRA, Luís. A “geração de Orpheu” e os vestígios de uma “rivoluzione” tipográfica futurista em Portugal. In: AMADO, P; VELOSO, A; MARTINS, O.; DIAS, N. – II Encontro Nacional de Tipografia. Aveiro: Universidade de Aveiro, 2012. ISBN 978-972-789-348-5. Atas da Conferência. FERREIRA, Luis. Graphic design (production) in the era of Fernando Pessoa (1910–1926). Abstract book and Proceedings. Connecting. A conference on the multivocality of design history & design studies. Helsinki: University of Art and Design Helsinki. Estonian Academy of Arts. 2006. ISBN 951-558-210 17 18 I. FUNDAMENTOS 19 20 1. O PROJECTO DA VANGUARDA HISTÓRICA PORTUGUESA 1.1. Introdução Partindo da proposição de Peter Bürger em Teoria da Vanguarda de que “uma teoria crítica dos objectos artísticos que se esforce por esclarecer a sua actividade deve enfrentar-se com o seu carácter histórico”,1 o estudo do nosso objecto de análise não dispensa o esclarecimento dos suportes teóricos e da sua contextualização num período histórico temporal-sequencial, necessários para se atingir o rigor e a acuidade crítica da relação entre o desenvolvimento do objecto de análise e o âmbito das categorias estéticas entre as quais se move. Encontrando-se o nosso objecto de análise inserido no período das Vanguardas Históricas em Portugal, assume-se de particular importância o esclarecimento dos suportes teóricos que remontam ao contexto cultural português e a sua possível relação com outros que lhe sejam exteriores. Desde já, somos levados a esclarecer um assunto que tem como base algumas confusões terminológicas que, não se limitando a Portugal, residem neste país no emprego, algumas vezes indevido, dos termos “modernismo” e “modernista” (o partidário do modernismo) como denominação das manifestações e protagonistas da vanguarda histórica portuguesa. De tal facto constitui exemplo sintomático a questão colocada por Fernando Guimarães em Os problemas da modernidade: “Será pacífico confundir ou identificar Modernismo e Vanguarda?”,2 onde deixa de pé o problema de um conceito que, adoptado de forma polémica, “nunca ficou claramente definido”.3 Nesse sentido, uma modesta tentativa de esclarecimento é desde logo merecida neste estudo, clarificando o termo Modernismo relativamente ao seu significado e, sobretudo, ao seu uso confinado ao contexto sócio-cultural português. Se internacionalmente Modernism corresponde, segundo Anna Calvera,4 ao movimento e corrente estética que se designa por Movimento Moderno – referindo-se sobretudo a um tipo de arquitectura e design, dito moderno, surgido a princípios do século XX (1906) –, tendo como ponto de partida o protoracionalismo alemão e a fundação do Deutscher Werkbund, consolidando-se internacionalmente depois da Segunda Guerra Mundial; em Portugal, conforme Fernando Guimarães,5 o seu uso surge muitas vezes associado à ideia de vanguarda, situando-se em redor da publicação da revista literária Orpheu (1915), uma condição que parte de um equívoco que esclareceremos adiante. Mas o enredo relacionado com o uso terminológico de “Modernismo” não é novo. Conforme Matei Calinescu assinala em As cinco faces da Modernidade, “a história da palavra «Modernismo» demonstra que ela não era usada, na Europa ou em qualquer outro lugar, antes da Polémica entre os Antigos e os Modernos ter atingido o seu clímax, isto é, antes 1 Bürger, Peter. Teoria da vanguarda. Lisboa: Vega, 1993: p. 43. Guimarães, Fernando. Os problemas da modernidade. Lisboa: Editorial Presença, 1994: p. 13. 2 3 Consultar: França, José-Augusto. O Modernismo na Arte Portuguesa. Venda Nova: Biblioteca Breve – Instituto da Cultura Portuguesa, 1979. A mesma ideia é colocada em: Quadros, António. O Primeiro Modernismo Português, Vanguarda e Tradição. Mem Martins: Publicações Europa-América, 1989. 4 Ver: Calvera, Anna. La idea de disseny a casa nostra: ideal de modernitat o model de modernització? [texto policopiado]. MuVIM. València. Jornades sobre Disseny. [conferência, Março de 2005] Para um estudo abrangente do Modernism, ver: Weston, Richard. Modernism. London: Phaidon Press, 2001. 5 Guimarães, Op. Cit., 1994: p. 9. Ver também: França, José-Augusto. (In)definições de cultura: textos de cultura e história, artes. Lisboa: Editorial Presença, 1997. Quadros, Op. Cit., 1989. 21 das primeiras décadas do século XVII”,6 sendo no auge dessa Querelle des Anciens et des Modernes e especificamente no contexto literário inglês que o sufixo ismo foi adicionado ao termo moderno pelos defensores da tradição clássica, sugerindo dessa forma que a atitude dos modernos era tendenciosa. Porém, na opinião de Jacques Le Goff, as tentativas conscientes para a reabilitação e uso do termo terão surgido apenas na segunda metade do século XIX e início do século XX quando, com base na herança da Querelle, surgiram movimentos de ordem literária, artística e religiosa que se reclamaram ou foram rotulados de “modernismo”.7 É nesse contexto que, diz-nos Calinescu, o primeiro a usar o rótulo de “modernismo” foi o escritor nicaraguense Rubén Darío (1867–1916) que, fundando o movimento el Modernismo (cerca de 1890), com ele designou um vasto movimento contemporâneo de renovação estética literária, visto como “uma síntese de todas as principais tendências inovadoras que se manifestaram nos finais do século XIX francês”,8 ou seja, numa rejeição da autoridade cultural de Espanha, procurava um paralelismo com essas “tendências inovadoras” literárias francesas do symbolisme, parnasse, décadisme, entre outras. Em Portugal, e posteriormente no Brasil,9 o uso dos termos “modernismo” e “modernista” surgiu aplicado a práticas artísticas e literárias de vanguarda ocorridas nas décadas de 1910 e 1920,10 sendo fruto de um equívoco jornalístico numa crítica ao Salão da Primavera da Sociedade Nacional de Belas Artes (Lisboa, 1914),11 publicada no Jornal de Notícias (Maio de 6 Ver: Calinescu, Matei. As 5 faces da Modernidade. Lisboa: Vega Editora, 1999: p. 71. Calinescu refere-se aqui à Querelle des Anciens et des Modernes. Desenvolvida no meio literário, o mote principal da origem da Querelle consistia na discussão da legitimidade dos poetas darem livre curso à sua inspiração pessoal; uma aspiração legítima e desejável, surgida em oposição ao poeta como fiel intérprete dos cânones consagrados desde a antiguidade. Para um maior conhecimento sobre os desenvolvimentos da Querelle, consultar: Aldrige, Alfred. “Ancients and Moderns in the eighteenth century”. Em: Wiener, Philip (ed.). The dictionary of the history of ideas. (Tomo I). New Yorq: Charles Scribner’s Sons, 1973–1974: pp. 77–87. Contém bibliografia. Consultar também: Goff, Jacques Le. “Antigo/moderno”. Em: Enciclopédia Einaudi: Memória-História. (Vol. 1). Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1997: pp. 374–378. 7 Segundo Jacques Le Goff, “três movimentos muito diferentes alinharam-se – um, por reivindicação, outros dois pelo conteúdo – sob esta etiqueta [modernismo], em 1900: a) um movimento literário, limitado à área cultural hispânica; b) um conjunto de tendências artísticas, das quais a mais importantes foi o Modern Style (arte nova); c) vários esforços de investigação dogmática, no seio do cristianismo e, principalmente, do catolicismo”. O modernismo literário, remontando a cerca de 1890, diz respeito a um conjunto de escritores de língua castelhana, tendo como expoente máximo Rubén Darío, que elegeram o termo, segundo Jacques Le Goff, “para manifestarem a tendência comum para a renovação dos termos e das formas”. O modernismo religioso, em sentido restrito, diz respeito a um movimento interno da Igreja católica nos primeiros anos do século XX, colocando em causa o domínio retrógrado da Igreja sobre a vida política, intelectual e quotidiana; este movimento reformista cristão, surgido em Itália em 1904, foi condenado pelo Papa Pio X na carta encíclica Pascendi dominici gregis (1907). A questão terá derivado do conflito antigo/moderno – opunha o movimento teológico e exegético ao catolicismo social – no interior do catolicismo que residiu à volta de dois problemas: 1) o dogma e a exegese bíblica; 2) a evolução social e política. Modern Style (designação inglesa). Jacques Le Goff faz uma anexação terminológica contestável ao campo do ‘moderno’ de um conjunto de movimentos estéticos que, cerca de 1900, na Europa e Estados Unidos marcam a rejeição das tradições académicas – o termo do modelo antigo (greco-romano) em arte – encontrando-se estritamente ligados a três aspectos ideológicos da revolução industrial: o liberalismo, o naturalismo e a democracia; estes tomaram ou receberam vários nomes consoante os países em que se manifestou – Jugendstil na Alemanha, Nieuwe Kunst nos países baixos, Sezessionstil na Áustria, Style Liberty na Itália, Art Nouveau em França, Arte Nova em Portugal –, afirmando Le Goff, que apenas um se chamou Modern Style. Estranhamos no entanto, que apesar de se referir a Antoní Gaudí como caso individual em Espanha, acaba por omitir a designação com a qual se classifica esse importante movimento estético catalão, o Modernisme. Ver: Goff, Op. Cit., 1997: pp. 378–381. Sobre a questão do modernismo literário e o modernismo religioso, consultar: Calinescu, Op. Cit., 1999: pp. 71–84. (contém informação bibliográfica específica) 8 Calinescu, Op. Cit., 1999: p. 72. Ver: França, Op. Cit., 1997: pp. 271–286. Os termos também adoptados no Brasil correspondem, ali, à Semana de Arte Moderna, de São Paulo (1922). Sobre esta questão, consultar: Fabris, Annateresa. O futurismo paulista. São Paulo: Editora Perspectiva: EDUSP, 1994. 10 9 França, Op. Cit., 1997: p. 271. Esta questão será abordada pormenorizadamente e contextualizadamente no capítulo 1.3.3. A ruptura da tradição (1914–1919). 11 22 1914). Passou então à linguagem comum, caracterizando artistas e objectos artísticos adjacentes a atitudes de modernidade e com “uma conotação pejorativa, pelo menos de desconfiança, senão de ironia”.12 Um equívoco que, como refere José-Augusto França em (In)definições de cultura, por uma “facilidade de catalogação” haveria de perdurar, continuando actualmente a ser empregue regularmente por críticos e historiadores da arte e da literatura. No nosso estudo, tendo em conta a possibilidade de conflito de ideias no uso daqueles termos e com o fim de evitar interpretações erróneas, tomaremos as seguintes opções: – grafar a itálico as palavras “modernismo” e “modernista” sempre que esta surgir em citações de origem portuguesa, ou por necessidade de coerência no discurso em relação às fontes originais – corresponderá dessa forma (excepto quando indicado), respectivamente, a “vanguarda histórica portuguesa” e a “vanguardista”; – utilizar a designação “Modernismo catalão” no caso de nos referirmos à Arte Nova na Catalunha; – empregar o termo inglês Modernism para designar o “movimento moderno” internacional. Ultrapassado este breve esclarecimento, devemos ainda justificar o porquê da indagação dos suportes teóricos relativos ao movimento de vanguarda português. Sendo este contemporâneo a outros tão importantes quanto os que existiam, entre outros, em França, Itália ou Rússia, interessa-nos analisar semelhanças e sincronismos que possam ocorrer com os movimentos de vanguarda desses centros internacionais. Centros dos quais partiram relevantes ondas de influência nas artes, primeiramente, para toda a Europa e, posteriormente, Estados Unidos da América (E.U.A.).13 É ainda, objectivamente, um interesse que advém não só porque esses países foram eminentes centros do experimentalismo nas artes, mas também e sobretudo, porque o foram de igual forma na experimentação tipográfica.14 Pretendendo este estudo atingir uma observação crítica sobre o grafismo das revistas literárias ligadas ao movimento de vanguarda nacional do início do século XX, propomo-nos iniciar esta nossa análise observando as circunstâncias e as características que determinaram que a vanguarda nacional fosse não só possível, mas também um caso específico; ou seja, existem nela “assinaláveis diferenças”, relativamente a outros movimentos internacionais seus contemporâneos, passíveis de serem analisadas. Uma ideia que se fundamenta nas hipóteses apresentadas por António Quadros em O Primeiro Modernismo Português, Vanguarda e Tradição – obra que se apresenta como um dos estudos fundamentais sobre a vanguarda portuguesa –,15 onde distingue os seguintes factos: a) são outros e outras são as suas ideias, personalidades e sensibilidades; 12 França, Op. Cit., 1997: p. 271. 13 Refira-se que se considera geralmente que a Arte Moderna nos E.U.A. se deu a conhecer e tornou efectiva a sua influência a partir da sua primeira grande exposição realizada no Armory Show (New York, 1913). Ver: Remington, R. Roger. American Modernism. Graphic Design 1920 to 1960. London: Laurence King, 2003: p. 69. Ver ainda: Argan, Giulio. Arte e crítica de arte. (2ª ed.). Lisboa: Editorial Estampa. 1995: p. 51. 14 Ver: Drucker, Johanna. The visible word: Experimental Typography and Modern Art, 1909–1923. Chicago: The University of Chicago Press, 1994. Ver ainda: Spencer, Herbert (ed.). The Liberated Page: An anthology of major typographic experiments of this century as recorded in Typographica magazine. London: Lund Humphries Publishers, 1987. Segundo os supra-citados autores, a estes países poderíamos ainda juntar outros igualmente significantes na experimentação tipográfica nessa época como, por exemplo, a Alemanha, a Polónia, a Checoslováquia, a Holanda ou a Inglaterra. 15 Ver: Jackson, David. As primeiras Vanguardas em Portugal. Bibliografia e antologia crítica. Madrid: Iberoamericana, 2003: p. XXIX. Este autor na sua bibliografia e antologia crítica distingue ainda como estudos fundamentais, juntamente com a obra de Quadros, os ensaios de José-Augusto França, Óscar Lopes, Nuno Júdice, José Blanco e David Mourão Ferreira, entre outros. 23 b) c) d) e) f) g) h) i) têm uma produção quantitativamente muito diferente; revelam, atendendo à criatividade dos poetas e artistas específicos que os integram, uma qualidade estética e intelectual própria; surgem em formas de relação diversas com o respectivo meio; dialogam cada um ao seu modo com as dissemelhantes tradições culturais do ambiente em que radicam; têm um ritmo e um faseamento singulares, devido ao seu diverso comportamento em face das resistências (ou estímulos) encontrados; apareceram e desenvolveram-se em circunstâncias diversas e irrepetíveis; exerceram uma actividade personalizada (revistas, manifestos, conferências, livros, exposições, intervenções na cidade e no país, etc.); e, enfim, sofreram um destino desigual, sendo também desiguais os seus momentos de emergência, apogeu, decadência e desaparecimento ou transformação.16 Assim, e com o fim de atingir uma funcionalidade metodológica, observaremos seguidamente o caso específico português dando aqui uma necessária e especial atenção às seguintes questões: a definição do conceito de vanguarda; o contexto artístico nacional no qual se insere o projecto da vanguarda histórica portuguesa; apresentação dos seus protagonistas e das linhas programáticas que orientaram o aparecimento das suas manifestações; as manifestações específicas da vanguarda nacional. 16 Quadros, Op. Cit., 1989: p. 20. 24 1.2. A Vanguarda 1.2.1. Ideia de vanguarda Parece existir uma ideia um tanto quanto indefinida em redor do conceito de vanguarda, que faz com que o carácter marginal e pouco determinado, comum a todos os movimentos ligados a esse conceito, acabe por ser aceite como constituinte da própria ideia de vanguarda. Uma primeira hipótese que apontamos para a indefinição que caracteriza o conceito será, possivelmente, a quantidade de usos que se podem encontrar e que o termo tem tomado ao longo da história da arte e da literatura, e que se configuram como traços, talvez, demasiado vagos e abrangentes. Ainda assim, pelo próprio enquadramento do estudo, será importante tentar traçar aqui uma definição do conceito, que permita que a nossa investigação não sofra com esses exemplos de indefinição e que possamos caminhar para uma conclusão clara. Comecemos então por clarificar a ideia de vanguarda, recuando à própria evolução etimológica do termo e do conceito. Numa primeira abordagem, o termo “vanguarda” significa algo que está na frente (que se posiciona à cabeça de uma sequência) ou designa, também, um grupo de indivíduos que se destaca pelas ideias pioneiras ou mais avançadas (desenvolvendo técnicas e conceitos novos) em determinado movimento cultural, artístico, científico, ou qualquer outro grupo social. Segundo Matei Calinescu,17 o étimo “avant-garde” (guarda avançada) apresenta uma raiz francesa que remonta à Idade Média, procedendo originariamente de uma metáfora do discurso militar: “guarda avançada” é o dispositivo dianteiro de um corpo militar em linhas de combate. Essa conexão específica com o discurso militar ter-se-á, provavelmente, mantido inalterado até ao período da Revolução Francesa (1789–1799), momento a partir do qual o termo haveria de transitar progressivamente, pela via da política revolucionária – o termo terá surgido pela primeira vez como título do jornal militar L’Avant-Garde de l’armée des Pyrenées orientales (1794),18 fundado pelos Jacobinos (o grupo mais radical dessa Revolução), através do qual pretendiam defender os seus ideais –, para o domínio cultural e estético onde desempenharia um papel fundamental na sua evolução. Assumindo esta hipótese evolutiva do termo vanguarda, poder-se-ia afirmar que a sua aplicação consciente em política, literatura e arte, religião, etc., só teria surgido durante a primeira metade do século XIX.19 Ainda segundo essa mesma hipótese evolutiva do étimo, isto é, pela relação terminológica que o vocábulo apresenta desde a sua raiz com o âmbito militar, entende-se o sentido político-ideológico que a noção de vanguarda manteve na sua transferência para o domínio da linguagem cultural, justificando não só a afinidade existente entre o discurso cultural e o discurso político de vanguarda, mas também a vigência de signos militares em ambos discursos. No âmbito cultural, é nesse encadeamento evolutivo que a noção de vanguarda se aplicou, desde então, aos grupos de pensadores e artistas que se apresentavam como os primeiros (a “guarda avançada”) no combate de uma causa. Uma atitude resultante de uma opção concreta, caracterizável pela apresentação de uma 17 Para um aprofundamento da semântica do termo “vanguarda”, consultar: Calinescu, Op. Cit., 1999: pp. 91–131. [contém bibliografia] Ver também: Maior, Dionísio. Introdução ao Modernismo. Coimbra: Almedina, 1996: pp. 123–126. Refira-se que Matei Calinescu e Dionísio Maior apresentam, nas obras supra-citadas, distintas datas para o início de edição do referido jornal, respectivamente, o ano de 1794 e 1790. As datas aqui apresentadas correspondem às anunciadas no sítio da Bibliothèque Nationale de France, onde a publicação se encontra (parcialmente) disponível para consulta digital. Consultar: [consulta: 17 de Março de 2014] 18 19 Calinescu, na obra citada (pp. 93–101), apresenta um amplo e interessante debate sobre a questão do mais antigo uso cultural do termo vanguarda. No entanto, encontrando-se essa discussão distante do nosso objectivo, optamos por considerar este período de uma forma abrangente, isto é, englobando as diferentes possibilidades apresentadas pelo referido autor. 25 consciência doutrinária, que tinha ainda como intuito servir ideais sociais e políticos, de uma forma instrumentalista e com contornos ideológicos. Nesta breve asserção, na qual procurámos delinear uma definição do termo e do conceito de vanguarda, concluímos salientando duas condições importantes dentro do contexto deste estudo, que se configuram como fundamentais para uma significativa existência e actividade de qualquer vanguarda (social, política ou cultural) propriamente designada: (1) a possibilidade de os seus representantes serem concebidos, ou conceberem-se a si próprios como estando em avanço em relação ao seu tempo (obviamente isto não pode passarse sem uma filosofia da história progressiva ou pelo menos orientada para um objectivo); e (2) a ideia de que existe uma luta feroz que deve ser prosseguida contra um inimigo que simboliza as forças de estagnação, a tirania do passado, as velhas formas e modos de pensamento, que a tradição nos impõe como grilhões que nos impedem de avançar.20 1.2.2. A génese da vanguarda artística Segundo Peter Bürger em Teoria da Vanguarda,21 “os movimentos europeus de vanguarda podem definir-se como um ataque ao status da arte na sociedade burguesa”. Uma ofensiva que não alude ao conteúdo das obras, sendo sim “dirigida contra o funcionamento da arte na sociedade, que decide tanto sobre o efeito da obra quanto sobre o seu conteúdo particular”. Tomando este pensamento de Bürger como ponto de partida, tentaremos averiguar seguidamente as bases que constituíram os alicerces da vanguarda artísticocultural e que proporcionaram o posterior aparecimento dos seus movimentos históricos. Uma análise que não prescinde da observação do respectivo contexto ideológico em que essa evolução decorre, e que a particulariza. Não parece ser fácil encontrar uma indicação exacta para o momento em que o termo vanguarda foi utilizado pela primeira vez num sentido cultural. Contudo, em continuidade com o observado anteriormente, pode-se afirmar que a existência de um carácter de vanguarda estruturado no contexto artístico-cultural – segundo a evolução do termo e do conceito – só poderia ser concebido na segunda metade do século XIX. Roland Barthes22 (num artigo de 1956) afirma a este respeito que a noção terá surgido, aparentemente, no momento histórico em que, para alguns artistas, a burguesia surgiu como uma força esteticamente retrógrada, que deveria ser contestada. Contextualizemos resumidamente essa ideia. No século XIX, no período posterior à Revolução Francesa – que colocou fim a tantos princípios tidos durante séculos como verdadeiros –, as sociedades industriais europeias enfrentaram-se com uma profunda crise de identidade. Uma crise que teve origem na apologia divergente entre os valores absolutistas do antigo regime e os novos valores liberais, que passaram a reger o mundo ocidental actual. Ou seja, essas sociedades viram-se divididas, nos diferentes contextos culturais, políticos e sociais, entre a defesa de valores do passado e os novos valores sociais, éticos e estéticos emergentes da modernidade.23 20 Calinescu, Op. Cit., 1999: p. 112. Bürger, Op. Cit., 1993: p. 90. Consultar: Barthes, Roland. Ensaios críticos. Lisboa: Edições 70, 1977. 21 22 Laurel, Maria. Itinerários da Modernidade. Paris, espaço e tempo da modernidade poética em Charles Baudelaire. Coimbra: Edições Minerva Coimbra, 2001: p. 74. 23 26 Sem embargo, quando chegados à segunda metade de oitocentos, os modernos conceitos de liberdade e de progresso24 – decorrente da Revolução Industrial – que vinham sendo conquistados pela sociedade, aproximavam-se já da sua maturidade.25 Nesse contexto e dando sentido à origem político-revolucionária do termo vanguarda, um subgrupo de escritores e artistas iria agregar a esses conceitos, no meio artístico-cultural, os novos e avançados valores liberais, anarquistas e socialistas.26 Uma associação que tinha como fim a tentativa de derrubar os constrangimentos impostos pelas tradições formais da arte, transformando assim, de forma definitiva, as bases sobre as quais se organizava o pensamento filosófico, o político, a produção artística e a acção dos intelectuais. Sintetizando por outras palavras, na segunda metade de oitocentos – um século que e que Ernest Gombrich27 designa com propriedade de “revolução permanente” –, no meio artísticocultural o termo vanguarda passou a designar um subgrupo de personalidades avançadas que, transferindo o espírito da crítica radical das formas sociais,28 conduziu a Arte para a sua autonomia. Uma autonomia que resultou da possibilidade que o artista moderno tinha então de afirmar a liberdade do seu pensamento artístico-filosófico, e a partir do qual pode, progressivamente, apresentar como forma de vida a auto-realização expressiva – o individualismo romântico, o “eu” a que tudo seria reduzido e pelo qual, conforme o pensamento de Jürgen Habermas,29 a realidade passava à expressão artística por uma refracção subjectiva da alma sensível.30 Acentue-se que essa auto-realização expressiva teve como base a liberdade do artista em relação ao vínculo do mecenato, a partir da qual deixara não só de estar sujeito às exigências de um cliente (condição característica do artista clássico), mas também de se poder libertar dos constrangimentos impostos pela representação mimética (conceito que, originado na Grécia, alcançara o seu máximo desenvolvimento no Classicismo e no Neoclassicismo). 24 Os processos artesanais – entendendo o artesanato como um elemento de mediação entre a arte pura e os processos técnicos – que, de grosso modo, permaneceram dominantes até meados do século XIX nos países ocidentais mais avançados, graças ao crescimento económico provocados pela Revolução Industrial, foram sendo abandonados em favor da produção mecânica. Daí resultaria um consequente abandono do trabalho tradicional e artesanal, e onde a oficina deu lugar à fábrica. Para um aprofundamento desta questão, consultar: Mumford, Lewis. Arte e técnica. Lisboa: Edições 70, 2001. 25 Consultar: Micheli, Mario De. Las Vanguardias Artísticas del Siglo XX. Madrid: Alianza Editorial, 1998. 26 Refira-se que as ideias socialistas de Karl Marx (1818–83) e Friedrich Engels (1820–95) haviam sido lançadas em 1848 no seu Das Manifest der Kommunististischen Partei (Manifesto do Partido Comunista), e que o filósofo russo Mikhail Bakunin (1814–76), considerado um dos “pais” da filosofia anarquista, é deles contemporâneo. 27 Consultar: Gombrich, Ernest. A história da arte. (16ª ed. revista e expandida). Lisboa: Público, 2005: pp. 499– 533. 28 Calinescu, Op. Cit., 1999: p. 104. 29 Habermas, Jürgen. O discurso filosófico da modernidade. Lisboa: Dom Quixote, 1990: p. 29. Refira-se aqui o exemplo de Charles Baudelaire (1821–1867). O artista francês, ao escrever Le peintre de la vie moderne (1863), pretendia acabar com a sistemática comparação entre modernos e antigos, promulgando ainda a ideia de “le caractère de la beauté presente”. Segundo Maria Laurel, Baudelaire “assentava as suas convicções precisamente em torno de princípios como a individualidade do artista, a sua originalidade e a sua autonomia inventiva. Princípios que o situam ao nível do criador, inigualável porquanto simultaneamente único e estéril, rejeitando a hipótese de gerar seguidores. Coerente com estes parâmetros, o artista não poderá conceber a sua obra num contexto [burguês] de progresso na medida em que se encontra (ou desejaria encontrar-se) subtraído à acção do Tempo, da continuidade cronológico-evolutiva em que o progresso se afirma. O artista é o seu próprio princípio e em si reside o seu próprio fim. Não se insere num mundo em progresso, mas num universo estéril, em que o fluir do Tempo não significa necessariamente um aperfeiçoamento progressivo, nem um caminhar para melhor.” Consultar: Laurel, Op. Cit., 2001: pp. 43–44. 30 Gombrich diz-nos a este respeito que a ideia de beleza, durante o século XVIII, passara por um processo pelo qual perderia os seus aspectos de transcendência, tornando-se numa categoria puramente histórica. Assim, para se poderem fazer julgamentos de gosto válidos dever-se-ia derivar os critérios individuais da experiência histórica, pensando, como faziam os românticos, em termos de uma beleza relativa. Para uma abordagem resumida à questão da “ruptura da tradição” na arte ocorrida entre os finais do século XVIII e inícios do século XIX, consultar: Gombrich, Op. Cit., 2005: pp. 476–497. Sobre as questões do Belo, consultar: Bodei, Remo. La forma de lo bello. Madrid: La Balsa de la Medusa, 1998. 27 Nessa direcção, a vanguarda artístico-cultural caminhou contra o espírito academista da sociedade burguesa apresentando, como bandeira, uma nova concepção da Arte com a qual pretenderam revolucionar o seu conceito tradicional, ou seja, na qual a obra de arte largava o seu papel unívoco de “representar” e passava a “ser”. Este foi um processo que não terá sido presumivelmente fácil, pois não só teve que enfrentar os preconceitos neoclássicos instalados, como também se defrontou com a dificuldade na habituação a formas menos estandardizadas de beleza, que exigiam naturalmente um maior investimento cognitivo e emotivo ao qual nem todos estariam dispostos. Poder-se-ia então afirmar que a vanguarda artística teve a sua génese a partir da divisão entre os pensamentos artístico-filosófico e o sócio-político, como um empenho autocrítico da estrutura da sociedade na qual a arte surgia. Como atitude de crítica, a vanguarda cultural seria adoptada nas diferentes disciplinas artísticas, com correspondência na literatura, música e filosofia, iniciando um longo questionamento sobre a sua própria materialidade, ou ainda a identificação do Belo com o absolutamente inútil – o “l’art pour l’art” postulado por Théophile Gautier (1811–1872) e ilustrado pelo Parnasianismo ou pelo Simbolismo da segunda metade de oitocentos. Seriam no fundo estes os sinais da profunda divisão entre os valores estéticos e os valores sociais da modernidade, “a qual assumirá novas formas de manifestação no esteticismo finissecular, e nas vanguardas e modernismo do século XX”.31 31 Laurel, Maria. Op. Cit., 2001: p. 40. 28 1.3. Panorama da arte em Portugal no período das vanguardas históricas 1.3.1. A Arte em Portugal no início do século XX A situação da Arte portuguesa no início do século XX caracterizou-se por um prolongamento do século anterior. Nesse período, a produção artística moveu-se entre as tendências de duas grandes escolas: o Romantismo e, posteriormente, o Naturalismo. O Romantismo foi uma escola estética surgida paralelamente ao Romantismo literário, como reacção ao Classicismo e ao Neoclassicismo. Caracterizou-se por uma temática literária e filosófica, apresentando as suas primeiras manifestações nacionais em meados de oitocentos, e tendo como principais figuras os pintores Tomás da Anunciação (1818–1879), Cristiano da Silva (1829–1877) e Francisco Metrass (1825–1861). A escola Naturalista portuguesa, partindo do princípio estético do Realismo, apresentava incidência nos temas naturais e da vida quotidiana. Manifestou-se com maior destaque nas paisagens de Silva Porto (1850–1893) e Marques de Oliveira (1855–1927), nas cenas de vida quotidiana e do folclore de José Malhoa (1855–1933), e nos retratos de Columbano Bordalo Pinheiro (1857–1929). A persistência do Naturalismo no século XX deve-se, segundo Rui Gonçalves,32 à inexistência do Realismo e do Impressionismo nas artes portuguesas. Ainda que se pudesse referir aqui uma excepção, devido à presença de características realistas na literatura nacional, Dionísio Maior33 diz-nos que a estética literária e, por essa via, toda a arte portuguesa a partir da década de 1870 seria definitivamente marcada pelo naturalismo de Zola.34 No entanto, o Naturalismo português, alheado que estava do extremismo da crítica social realista, perderia gradualmente a sua preocupação para com os problemas sociais, e na sua fase final (a partir da década de 1910) pouco mais era do que uma simples constatação da vida quotidiana. Fixado o gosto naturalista na sociedade portuguesa, os seus artistas contavam com um apoio institucional garantido, circunstância à qual não seria estranho o facto de alguns deles serem professores das Academias de Belas-Artes de Lisboa e Porto, únicas no país (fundadas em 1836):35 com o seu reconhecimento assinalado, na sociedade nacional, foram influentes nas opções estéticas de um país mimético, e que se revia nos temas rurais dos naturalistas. Esta aceitação, que se pode entender pela facilidade que pressupõe uma cognição mimética defronte do questionamento simbólico da poética, como propõe o Simbolismo, conduziu a que o Naturalismo fosse tido como uma espécie de forma de arte institucional ao nível nacional, servindo paralelamente de barreira à adopção de novas estéticas que eventualmente pudessem surgir. Em 1901, fundou-se em Lisboa a Sociedade Nacional de Belas-Artes (SNBA), resultado da fusão de duas associações de artistas – a Sociedade Promotora (1860) e o Grémio Artístico (1890) – das quais manteve os princípios: o ensino e, fundamentalmente, a promoção do gosto naturalista. A SNBA foi criada como associação cultural, e daria corpo à maior ambição da geração oitocentista: a criação de um grande salão de exposições em Portugal – com aprovação governamental em 1906, seria construído na sede da sociedade e inaugurado em 32 Sobre a persistência do Naturalismo em Portugal, ver: Gonçalves, Rui. História da Arte em Portugal: pioneiros da modernidade. (Vol. 12). Lisboa: Publicações Alfa, 1993: pp. 33–47. 33 Maior, Op. Cit., 1996: p. 80. 34 Para um estudo mais aprofundado da estética naturalista de Zola (ensaios, manifestos e outros artigos), ver: Zola, Emile. El naturalismo. Barcelona: Ediciones Peninsula, 2002. 35 Fundadas por Passos Manuel (1801–1862): entrou no poder na Revolução Liberal de 1836, assumindo a pasta do Reino; lançou as bases de renovação do ensino público, com a criação de liceus nas capitais de distrito; incentivou ainda as ciências, a indústria e a agricultura. 29 1913. No ano seguinte tornar-se-ia Instituição de Utilidade Pública renovando os seus princípios de actuação: “promover e auxiliar o progresso da Arte em todas as suas manifestações; defender os interesses dos artistas e em especial dos seus associados (...); cooperar com o Estado e com as demais entidades competentes em tudo o que interesse à Arte Nacional e ao desenvolvimento da cultura artística”.36 Não negando o papel pioneiro da SNBA, no âmbito cultural e na actividade pedagógica do país, partiriam desta as vozes que foram os maiores entraves à aceitação da Arte Moderna em Portugal. O seu primeiro presidente seria José Malhoa, que José-Augusto França defende como não “apreciador do ensino académico”,37 ideia que contestamos, pois é Malhoa que se apresenta no início do novo século como a figura maior do gosto Naturalista nacional. Aliás, José-Augusto França parece entrar em conflito de ideias quando afirma que a primeira exposição38 (1911) a apresentar as novidades estéticas vindas de Paris, pelos bolseiros que lá se encontravam a estudar, passou “à margem de um gosto social que, monárquico ou republicano, neste período conturbado, pendia sempre para o naturalismo oitocentista, satisfeito ao nível do sentimentalismo rústico de Malhoa”.39 Não seria, portanto, nem a mudança do regime monárquico para o republicano a alterar a ordem do gosto nacional; o gosto oficial inclinava-se para as formas académicas. As Academias apresentavam ainda, portanto, pouca capacidade produtiva. O país encontrava-se assim numa posição, quase inevitável, onde dificilmente poderia existir uma tradição de bem-fazer: sendo muito recentes, as academias não tinham ainda tempo de poder questionar o ensino que praticavam, reflectindo um atraso que julgamos compreensível em relação ao panorama europeu, continuando sujeitas ao ensino de Silva Porto e Carlos Reis (1863–1940). Apesar de o Simbolismo se manifestar desde finais do século XIX no ambiente português, não mostrou ser suficiente para implicar uma mudança dos valores estéticos. Portugal sofria de uma falta de preparação para poder enfrentar uma nova consciência formal, à qual não será alheia a referida ausência de uma experiência prática do Impressionismo. Para tal terá contribuído o precário desenvolvimento económico e social que, não acompanhando o progresso europeu, provocaria resultados nefastos no desenvolvimento cultural do país: a taxa de analfabetismo elevada e a falta de reformas políticas conduziram o país a um funcionamento reactivo, ou seja, Portugal encontrava-se num momento no qual se presenciava a uma imagem espelhada, mas muito desfasada, dos acontecimentos culturais da Europa. Nesse contexto, dificilmente poderia existir um comércio de arte desenvolvido, estando o panorama artístico português votado a um paradoxal protagonismo ignorado, e a um desconhecimento da real função da Arte. Contrariando esse panorama da Arte dominado pelo Romantismo e o Naturalismo, nos finais do século XIX destaca-se António Carneiro (1872–1930), pintor aristocrata nascido no Porto. Começaria em finais de oitocentos a mostrar as suas tendências Simbolistas, e que seriam significativas para o nascimento da Arte Moderna em Portugal. Partilhamos a ideia de Paulo Henriques de que a sua actividade nunca foi devidamente reconhecida, como fundamental 36 [consulta: 4 Abril 2013]. França, José-Augusto. A Arte em Portugal no Século XX: 1911–1961. (3ª ed.). Venda Nova: Bertrand, 1991: p. 22. Exposição Livre 37 38 França, José-Augusto. A arte e a sociedade portuguesa no século XX: 1910–2000 (4ª edição). Lisboa: Livros Horizonte, 2000: p. 13. 39 30 para o “crescimento do pensamento modernista”.40 Muito do seu trabalho foi publicado na revista A Águia (1910–1932), revista da qual foi director artístico a partir do momento em que esta passou a ser “órgão da Renascença Portuguesa”,41 e que constituiria o palco das discussões e críticas entusiásticas que conduziriam ao despontar do movimento de vanguarda português. António Carneiro, caracterizado por uma obra plástica idiossincrática, mostrava-se mais interessado em apresentar a visualização dos seus pensamentos do que na representação do que via. Terá sido influenciado, na sua expressão plástica, pelo trabalho de Pierre Puvis de Chavannes (1824–1898),42 cuja obra conheceu “durante o período em que estudou em Paris”,43 mas o trabalho seria ignorado durante muito tempo pelos jovens artistas, sujeitos ao ensino académico naturalista. A obra mais significativa de António Carneiro é o tríptico A Vida (1899–1900), um trabalho profundamente simbólico da sua melancolia e dramatismo. A sua obra terá, porventura, surgido num ambiente pouco preparado para a recepção e reconhecimento das suas metáforas que anunciavam a chegada do Movimento Moderno em termos conceptuais. Pode ser caracterizada por uma estrutura literária, de forte pendor conceptual na forma como utiliza um sistema de símbolos para a visualização de ideias abstractas, e que necessita de uma capacidade de observação e cognição para o seu reconhecimento. Era para esta forma de arte que o público português não estava preparado, mais habituado a uma arte que apresentava, de uma forma quase literal, as paisagens e as pessoas com as quais estava familiarizado – estava aqui colocada a oposição entre o ver e o questionar que a obra de Arte Moderna requeria. Como veremos, tão-pouco seria a mudança de regime, com a instauração da República em 1910, que implicaria mudanças culturais. Uma sociedade portuguesa fechada constituía, assim, um impedimento ao surgir de obras determinadas a combater o academismo reinante. A dificuldade da relação do público com a obra de Arte Moderna, agravada pela falta de literatura especializada onde a discussão teórica tivesse lugar, e que ao mesmo tempo educasse o gosto e o conhecimento das novas estéticas, a exemplo do que se passava já nos principais centros culturais europeus, conduziu a uma desconsideração e desinformação, resultando não raras vezes na renúncia à produção de Arte Moderna por parte de alguns dos jovens artistas nacionais. Em Portugal trabalhar-se-ia ainda durante muitos anos segundo o ensinamento académico, no qual o pintor é apenas um mero executante. António Carneiro continuava o seu sonho simbolista, de um só quadro e de uma revista (A Águia) que carregava o peso dos restos do Romantismo. 40 Henriques, Paulo. “Isolations. Art in the Portugal of Fernando Pessoa”. Em: Serra, João, et. al. Modern Art in Portugal 1910–1940: The artist contemporaries of Fernando Pessoa. Zurich: Stemmle, 1998: p. 34. 41 A revista A Águia, fundada em Dezembro de 1910 (dois meses depois da proclamação da República), tornar-se-ia a partir de 1912, e com o início da segunda série da revista, propriedade e órgão de expressão cultural da sociedade Renascença Portuguesa. Essa sociedade, fundada no Porto por Teixeira de Pascoaes (1877–1952), Jaime Cortesão (1884–1960), Leonardo Coimbra (1883–1936) e Álvaro Pinto, seria ainda responsável pela criação de um movimento literário (essencialmente poético) chamado Saudosismo. Esse conjunto de intelectuais saudosistas, desencantados com o ambiente sócio-cultural do país, sobretudo o artístico-literário, pretendia através de um plano de ideias, ou estratégias, proceder à reconstrução da cultura nacional. Deste modo, procuraram uma “[re]definição da autenticidade, da essência portuguesa”, isto é, pretendiam criar uma atitude perante a vida que constituísse a feição típica da literatura portuguesa, tanto culta como popular, valorizando assim o traço definidor da “alma” e do sentimento tipicamente português, a “saudade”. Nesse sentido, rejeitavam a cultura que nessa época era difundida a partir dos grandes centros culturais europeus, revelando assim “a alma portuguesa a todos os portugueses” como propunha Teixeira de Pascoaes, o principal vulto do Saudosismo. Para uma visão mais aprofundada sobre o Saudosismo, ver: Maior, Op. Cit., 1996: pp. 44–51. 42 Puvis de Chavannes, pintor francês e discípulo de Delacroix, é reconhecido sobretudo pelos seus murais em edifícios públicos e pela forma como trabalhou a cor, a técnica e a composição: formas simplificadas e uso de cores não naturalistas numa evocação à disposição própria dos simbolistas. Seria influente no Simbolismo e PósImpressionismo. 43 Henriques, Op. Cit., 1998: p. 35. 31 1.3.2. O período pré-Orpheu (1910–1914) Portugal entrava na segunda década, segundo as palavras de Aquilino Ribeiro (1885–1963)44 escritas na Ilustração Portuguesa em crónica enviada desde Paris, “à espera da revolução das artes em Portugal”.45 Segundo José-Augusto França, a Arte Moderna em Portugal encontra o seu início no ano de 1911,46 coincidindo com a “Exposição Livre”. Esta data significa, no entanto, mais o princípio de uma atitude do que a sua realização. Nesse sentido, estamos mais de acordo com a data apontada por Paulo Henriques, coincidente com a realização do primeiro “Salão dos Humoristas” em 1912, a partir da qual a “’guerra’ começou”.47 Em 1911, sete portugueses e um brasileiro que estudavam ou residiam em Paris,48 com uma maior consciência da Arte Moderna praticada além fronteiras, trouxeram uma “Exposição Livre”49 a Lisboa que nada parecia acrescentar ao normal panorama estético português,50 pois não iriam muito além do Naturalismo. Entre os oito jovens (ou “sete mais um”, se considerarmos as diferenças de nacionalidade), destacou-se Emmerico Nunes (1888–1968) pela apresentação de algumas caricaturas. Apesar das críticas de mediocridade surgidas na imprensa da época indicando que a “pintura livre foi uma fórmula arranjada para se lançar às escolas oficiais, aos academismos e classicismos, a todas as coisas antigas, dogmatizadas e consagradas”,51 o espírito destes jovens parecia ter uma boa intenção: pretendiam fugir aos dogmas do ensino, ao academismo. Liderados por Manuel Bentes (1885–1961), este afirmava em nome de todos: “Queremos ser livres! (...) Fugimos aos dogmas do ensino, às imposições dos mestres e, quando possível, às influências das escolas, porque cremos que os artistas têm uma só escola – a Natureza; um dogma único – o Amor”.52 Esta atitude, segundo José-Augusto França, chegava a território nacional atrasada em relação a uma Europa que avançava já por outros caminhos. Sem embargo, pensamos que esse atraso do país em relação ao centro da actividade cultural (Paris), apesar de real, se pode entender como próprio das periferias menos desenvolvidas – situação na qual poderíamos definir Portugal em relação ao território europeu. Esta crítica sustenta-se no estudo desenvolvido por Maria José Canelo, na análise do campo cultural, que evidencia a 44 O reconhecido romancista português Aquilino Ribeiro vivia nessa data em Paris do seu trabalho como jornalista. Tinha fugido para a capital de França em 1907 depois de ter sido preso devido ao seu envolvimento com o movimento revolucionário republicano. Regressou a Portugal em 1910 após a proclamação da República, mas em breve voltaria a Paris para prosseguir os estudos que havia iniciado na Sorbonne. Em: Ilustração Portuguesa, nº 166, Lisboa, 26 de Abril de 1909, p. 520. Ver: França, Op. Cit., 2000; França, Op. Cit., 1991. Henriques, Op. Cit., 1998: p. 35. 45 46 47 48 “Francisco Smith (em Paris desde 1902), Manuel Bentes (desde Novembro de 1905), Emmerico Nunes (desde Outubro de 1906), Francisco Álvares Cabral, Domingos Rebelo, Alberto Cardoso, o brasileiro Roberto Colin; e também Eduardo Viana (ido com Bentes e Manuel Jardim, 1905), que aderirá dias mais tarde à exposição.” Ver: França, Op. Cit., 1991: p. 22. 49 José-Augusto França diz-nos que esta exposição reuniu, num salão, um conjunto de obras de jovens pintores que frequentavam as academias livres de Montparnasse, em Paris, e que assim “davam conta em Março de 1911, em Lisboa,” da polémica antiacadémica que por lá se vivia. Da ideia de “academias livres”, defende França, terá saído o nome da exposição. Ver: França, Op. Cit., 1991: p. 23. Segundo José-Augusto França, apesar de “contemporâneas das primeiras propostas do primeiro cubismo, as composições dos oito jovens artistas ficavam-se numa situação naturalista, com um ou outro elemento expressionista, ao nível da “pochade” de impressão, só por ilusão impressionista, sem maior aventura estética, nem maior curiosidade”. Ver: França, Op. Cit., 1991: p. 25. Em: Ilustração Portuguesa, nº 268, Lisboa, 10 de Abril de 1911, p. 477. Em: A Capital, Lisboa, 7 de Abril de 1911. 50 51 52 32 “maior capacidade dos portugueses se identificarem com identidades outras, do que criarem um forte núcleo identitário próprio”.53 Paris era nessa época o destino natural dos jovens que pretendiam fugir ao academismo das escolas de Lisboa e Porto. As bolsas eram uma forma de o atingir e, apesar de muitas vezes não cobrir as necessidades, valia o esforço e sacrifício de uma vintena de jovens, na sua maioria pintores, que procurou a sorte e o aprender na capital francesa. De entre um grupo de 20 artistas (quase todos pintores), este grupo de sete jovens portugueses era apenas uma amostra, e que apontou o caminho para a modernidade da Arte em Portugal. Depois desta primeira exposição nacional com espírito não académico, seguiu-se outra em 1912 com características em tudo semelhantes: o primeiro “Salão dos Humoristas”. Esta exposição, que iniciaria a “guerra”, aproximaria ainda mais os jovens pintores do espírito não académico, distinguindo-se definitivamente do gosto naturalista: um ataque aos academistas. A exposição teve como característica o uso da ironia e do humor como forma de subversão dos valores institucionalizados, uma arma própria do pensamento do Movimento Moderno. Nesta primeira apresentação de jovens humoristas, destacamos pelo desempenho que teriam no evoluir da arte nacional, de entre os 28 expositores: Emmerico Nunes54 que enviava desenhos da Alemanha; Jorge Barradas (1894–1971); Almada Negreiros (1893–1970); Christiano Cruz (1892–1951). Estes jovens artistas tentavam uma abordagem mais original, e segundo José-Augusto França,55 surgiam com uma abordagem formal nos desenhos caricaturistas diferente da que praticava a geração naturalista; distinguiam-se também pelo conteúdo, menos comprometido com questões partidárias. As críticas a esta exposição seriam em parte positivas. Numa crítica de Fernando Pessoa56 a uma exposição individual de Almada Negreiros, no ano seguinte, referir-se-ia a esse grupo de jovens humoristas como “brilhantes” e “talentosos”, mas sem capacidade de “génio” que os permitisse elevar as suas críticas. Fernando Pessoa estaria aqui a referir-se à suposta leveza e carência de seriedade crítica, pela qual a sociedade tomaria aquelas caricaturas. Apesar da falta de reflexão teórica que nos deixa supor esta crítica de Fernando Pessoa, começava-se a impor um novo rumo na arte dos tempos mais próximos. A aceitação desta outra forma de fazer arte não era pacífica, continuando a sociedade, republicana ou monárquica, a preferir o Naturalismo oitocentista. Quando em 1913 Christiano Cruz escreve Guerra à bota-de-elástico57 estaria a atacar o domínio da retórica naturalista e consequentemente a sociedade que a apoiava. O artista insurgia-se contra essa arte portuguesa oitocentista que invadia a segunda década do século XX. Em 1913 aconteceria uma segunda “Exposição dos Humoristas Portugueses”, menos expressiva, onde se misturavam alguns artistas tradicionais com jovens, em que, de entre os 29 expositores, destacamos Milly Possoz (1888–1967), uma jovem senhora que, tendo também estudado em Paris, lograva distinguir-se numa colectividade de homens. A crítica não foi benevolente com os jovens artistas, confirmando-se num texto crítico anónimo d’A 53 Canelo, Maria. “Nações em revista(s). As revistas literárias e a reconstrução da identidade nacional nos modernismos brasileiro, português e norte-americano”. Em: Ramalho, Maria; Ribeiro, António (orgs.). Entre ser e estar. Raízes, percursos e discursos de identidade. Porto: Afrontamento, 2002: p. 443. Maria Canelo considera no seu estudo que Portugal na realidade se encontra numa posição de semi-periferia, se levarmos em linha de conta que seria o centro na relação das colónias com a Europa (Grã-Bretanha, sobretudo), mas encontrando-se numa situação de periferia em relação a esta. 54 Encontrava-se na Alemanha, em Munique, desde 1911 (era meio alemão pela mãe). França, Op. Cit., 2000: p. 12. Em: A Águia de 1913; II: 134. 55 56 57 “Abaixo a bota-de-elástico!”, Diário da Tarde, Lisboa, 27 de Maio de 1913. “Bota-de-elástico” – expressão pejorativa usada na língua portuguesa para designar uma pessoa antiquada, aferrada às tradições, ao convencional; retrógrado. 33 Capital, que os acusava de imitar a caricatura estrangeira, “desprezando e deixando esquecer os tipos e costumes genuinamente portugueses que caracterizam a nossa sociedade”.58 A influência estrangeira criticada é entendida por nós como um processo natural, ou seja, os jovens artistas estudando na sua maioria em Paris conheceriam certamente a famosa publicação francesa L’Assiette au Beurre (publicada entre 1901 e 1911), assim como Emmerico conheceria a alemã Simplicissimus (publicada entre 1896 e 1914); sendo ambas de carácter satírico, iluminariam certamente o caminho dos jovens portugueses. Esta ideia de comunhão de pensamento, existente neste período, na Europa é importante na construção do Movimento Moderno e sai fortalecida quando analisamos o caminho da Arte Moderna portuguesa. Reforçamos esta reflexão com a importância do papel dos artistas que viviam em Paris, quer através de bolsas estaduais, quer pelos próprios meios, e que traziam consigo os ensinamentos e ideias estrangeiras que se iam difundindo por toda a Europa. Era este um momento em que se estreitava a distância entre periferia e o centro, movimento que proliferou nos inícios do século XX numa Europa cultural, proporcionando uma interacção na qual Paris desempenhava um papel dominante em geral, e nas artes visuais em particular. Isso sentia-se em Portugal. Quase todos os artistas que embarcaram na nova aventura da modernidade passaram por Paris, ali estudando ou praticando, e de regresso conheceriam Fernando Pessoa que faria a ligação, ou a ponte, entre todos; paradoxalmente sendo o menos Europeu de todos, é quem, com o seu desempenho, melhor definiria o que foi ser moderno em Portugal, tornando-se sem dúvida no mais famoso artista português. Um exemplo é o destaque que Fernando Pessoa dá, em texto crítico publicado n’A Águia,59 a outro episódio de 1913: a exposição individual de caricaturas de Almada Negreiros. Na crítica, Fernando Pessoa destaca a “poliaptidão do artista” que, apesar da “incerteza em encontrar-se, ou uma assemelhável imitação ou adaptação a vários géneros”, apresentava uma interessante “personalidade e originalidade através dessas influenciações e tentativas”. Nasceria aqui uma amizade entre as duas personalidades que marcariam a Arte portuguesa do século XX. Este desassossego que surgia no ambiente artístico nacional acontecia, no entanto, à margem de um gosto nacional que, independente de classe social ou política, continuava a pender para o Naturalismo oitocentista. 1.3.3. A ruptura da tradição (1915–1919) Apesar do espírito crítico e conservador da sociedade portuguesa, os humoristas não pararam. Em 1915, avançavam para o Porto, realizando a Exposição de Humoristas e Modernistas. O termo “Modernista”, que como referimos na introdução deste capítulo será usado em Portugal durante muito tempo, não corresponde aqui ao Movimento Moderno internacional, nem ao usado em igual data em Espanha. O termo surgiu, com um sentido genérico e incerto, em textos críticos60 no jornal Diário de Notícias (entre 15 e 29 de Maio de 1914) relativamente a um conjunto de artistas – Eduardo Viana, Domingos Rebelo (1891–1977), Dordio Gomes (1890–1976), Milly Possoz e Armando Basto (1889–1923) – que se 58 Em: A Capital, Lisboa, 5 de Junho de 1913. Em: A Águia de 1913; II: 134. Assinados F. M. 59 60 34 apresentaram no Salão da Primavera da SNBA; os artistas encontravam-se numa parede de “modernistas” com uma arte “revolucionária” que “constituía uma novidade artística”. A exposição e o uso do termo não tiveram então grande repercussão em Lisboa; o termo seria retomado no Porto na exposição de 1915. A arte nos quadros dos “modernistas” foi descrita como tendo “muita alegria, cor e muita graça”,61 e pretendia dar a conhecer ao público portuense a Arte Moderna. O uso equivocado da terminologia pelos jornalistas portugueses desse período, que conduziu à errónea introdução do termo “Modernismo”, é evidente numa crítica a essa exposição de 1915. O jornalista, assumindo o seu gosto oitocentista, escreve um comentário ao lisboeta Christiano Cruz afirmando que no seu trabalho o “impressionismo exagerou-se de tal forma que já parecia aquela morta tentativa de pintura futurista”.62 Pela observação da obra de Christiano Cruz,63 podemos afirmar que existe um equívoco na referência ao Futurismo – a sua obra caracteriza-se por um cunho expressionista. O Futurismo tinha já surgido na imprensa nacional, em 1910, pelo poeta Luís Bicudo64 (1884–1918) com a publicação da tradução do Manifesto Futurista, de Filippo Marinetti, nas páginas do jornal Diário dos Açores, não tendo nesse momento provocado qualquer tipo de reacção nacional. Mais tarde, em 1912, teria uma nova tentativa de introdução que Alfredo Margarido defende ser o momento no qual “o Futurismo teria sido reconhecido entre nós graças ao artigo que o então jovem Aquilino Ribeiro consagrou, na Ilustração Portuguesa, à exposição promovida, na rue de Richenpanse, pela Galeria Bernheim-Jeune, em 1912”.65 A exposição a que se refere é certamente a que se efectuou nessa galeria de Paris, entre 5 e 24 de Fevereiro, intitulada Les peintres futuristes italiens.66 Gérard-George Lemaire67 diz-nos que um artigo publicado no L’Intransigeant prova que o escândalo e o sucesso futuristas foram assegurados nessa exposição. Apesar deste texto, em que Aquilino Ribeiro se baseou 61 Nuno Simões em entrevista ao Primeiro de Janeiro, Porto, 6 de Maio de 1915. Silva Passos em: A Capital, Lisboa, 21 de Maio de 1915. 62 63 Durante o período áureo dos Humoristas foi um dos artistas mais activos. Seria enviado para França para lutar na Primeira Guerra Mundial em 1917, tendo regressado em 1918. Entraria então num período de depressão que o levou a abandonar a vida artística, emigrando para África (Angola e Moçambique) onde trabalharia como veterinário. 64 Luís Francisco Rebelo Bicudo. Poeta açoriano, de uma família aristocrática micaelense, professou, no entanto, ideias republicanas, tendo-se filiado na Maçonaria quando ainda era estudante no Liceu de Ponta Delgada e participado em actividades antimonárquicas durante o curso de Direito, que seguiu em Coimbra de 1903 a 1908. Após a formatura, matriculou-se no Curso Superior de Letras de Lisboa, mas logo abandonou o projecto de aí prosseguir os estudos, preferindo viajar pela Europa, o que fez de 1909 a 1912. No decurso dessa viagem tomou conhecimento do Futurismo italiano através do órgão daquele movimento – a revista Poesia, que se publicava em Milão –, assim como do Manifesto de Filippo Marinetti, saído no Fígaro, de Paris, em 20 de Fevereiro de 1909, e de uma entrevista do seu autor concedida pouco depois à revista francesa Comoedia, os quais (Manifesto e entrevista) verteu em vernáculo e citou, na íntegra, num artigo que redigiu em Génova em Julho de 1909 e publicou em 5 de Agosto do mesmo ano no Diário dos Açores, de Ponta Delgada. Nesse artigo, filiava o Futurismo na “filosofia tresloucada” de Nietzsche (“um doido”, dizia) “cujos continuadores” (entre os quais os futuristas) considerava “histéricos e nevróticos produtos da degenerescência do século”. Do “criador da nova escola literária” (Marinetti) informava, no entanto, ser um “célebre poeta italiano que também e brilhantemente escrevia em francês”. Quando morreu (suicidando-se, aos 33 anos de idade), o Futurismo em Portugal estava no auge (o Portugal Futurista tinha-se publicado meses antes), mas a sua versão do texto fundador daquele movimento na Europa (a primeira em língua portuguesa) ficara à margem da História. Ele mesmo, de resto, não se tinha deixado seduzir pela “violência destruidora e incendiária” do programa futurista, conservando-se fiel aos moldes tradicionais em que se iniciara, como poeta, em Coimbra, pelos começos do século, ligado ao grupo vitalista da revista Arte & Vida (1903/1904), de Manuel de Sousa Pinto e João de Barros. A sua obra ficou até hoje dispersa. Em: Dicionário Cronológico de Autores Portugueses. (Vol. III). Lisboa: Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro, Publicações Europa-América, 1994. 65 Margarido, Alfredo. “O Cubismo Apaixonado de Mário de Sá-Carneiro”. Em: Jackson, Op. Cit., 2003: pp. 509–519. Ver também, Aquilino Ribeiro, “A Pintura Futurista” em A Ilustração Portuguesa, n.º 316, Lisboa, 11 de Março de 1912, pp. 345–347. 66 Nesta estavam patentes obras de Filippo Marinetti, Luigi Russolo, Gino Severini, Carlo Carrà e Umberto Boccioni. Lemaire, Gérard-Georges. Futurisme. Paris: Editions du Regard, 1995: p. 151. 67 35 em passagens de La pittura futurista. Manifesto tecnico,68 só em 1914 começaria o caminho que conduziria a Arte portuguesa ao Futurismo. Em 1914, a Primeira Guerra Mundial fez regressar a Portugal os poetas e pintores que se encontravam em Paris. O ânimo que traziam seria convertido em grupos artísticos, salões e planos de revistas. No Porto seguir-se-ia por duas vias: pelo caminho do humorismo, com o grupo dos “Modernistas”; e por um grupo mais moderado e de tendência mais ornamental, os “Fantasistas” (fundado por Leal da Câmara [1876–1948] regressado de Paris onde fora colaborador do L’Assiette au Beurre). Em Lisboa, o “humorismo” que vinha perdendo paulatinamente o fôlego, daria lugar ao Futurismo. No Porto, no ano de 1915, em duas exposições distintas, surgia pela primeira vez, nos programas expositivos, um novo género gráfico: o cartaz, que José-Augusto França designa, pelo “grito de progresso em cidades modernas”.69 Primeiro numa exposição organizada pelo grupo “Modernista”, e posteriormente com o grupo “Fantasista”, dedicando-lhe inteiramente uma sala – distinguir-se-iam, nestas manifestações, Almada Negreiros, António Soares (1894–1978) e Armando Basto. A arte portuguesa evoluía então, manifestando-se principalmente em duas grandes “correntes estéticas”: o Naturalismo e o Modernismo. Apesar de percorrerem um caminho paralelo, este fazia-se em aparente contradição que era ampliada pela forma como alguns dos jovens “modernistas” iam participando paralelamente nos salões anuais da SNBA ao lado dos naturalistas. Em meados da década o gosto “oficial” continuava, assim, a pender para o academismo, favorecido por uma incapacidade de imposição dos “modernos”: estes pareciam sentir-se satisfeitos com as intrigas e as críticas negativas à volta das suas actividades – um prazer quase masoquista – que poderíamos caracterizar como de conveniência. É nesse contexto que, “condensados” num período de três anos (1915–1918) no seio da cultura portuguesa, se vão conhecer importantes desenvolvimentos estéticos que vão encontrar terreno fértil para a sua evolução – sobretudo pela via literária – apresentandose a revista como meio de expressão preferencial. Os desenvolvimentos que se vão registar na pintura desse período, estarão ligados certamente à presença do casal Delaunay em Portugal entre 1915–1916. Sonia (1885– 1979) e Robert Delaunay (1885–1941), fugindo da guerra, chegariam a Portugal no Verão de 1915, instalando-se em Vila do Conde, uma cidade do litoral norte. Supõe-se que terão sido aconselhados por Amadeo de Souza-Cardoso (1887–1918), que conhecendo-os de Paris – para onde tinha ido em 1906 para estudar arquitectura e de lá regressando em 1914 devido à guerra – passaria a frequentar a sua casa com Eduardo Viana (1881–1967), tendo sido os dois jovens bastante influenciados pelo casal. Oriundo de uma família rica do norte de Portugal, Amadeo de Souza-Cardoso percorreu um longo caminho em Paris sem as condicionantes impostas pelas bolsas estatais. Na sua obra pictórica inicial podemos notar influências do Jugenstil alemão70 e da obra de Amedeo Modigliani (1884–1920), grande amigo seu e com quem expôs conjuntamente em Paris em 1911; ou ainda das esculturas de Constantin Brancusi (1876–1957), seu vizinho de atelier parisiense. Amadeo de Souza-Cardoso apresentou-se assim como o artista português que mais se aproximava dos valores da Arte Moderna da época, percorrendo um caminho que o distanciava dessas influências iniciais e o iria aproximar dos cubistas. A qualidade do seu trabalho seria apreciada por Guillaume Appollinaire, abrindo-lhe as portas ao convite para 68 Este Manifesto, de 11 de Abril de 1910, foi assinado por Umberto Boccioni, Carlo Carrà, Luigi Rossolo, Giacomo Balla e Gino Severini. Ver também: Hulten, Pontus (org.). Futurismo & Futurismi. Milano: Bompiani, 1992: p. 506. 69 França, Op. Cit., 1991: p. 45. França, Op. Cit., 1991: p. 78. 70 36 aquela que foi a primeira exposição de Arte Moderna nos Estados Unidos, o Armory Show de 1913. Nesse mesmo ano conheceu o casal Delaunay, por quem seria convidado a expor no Primeiro Salão de Outono da Galeria Der Sturm de Berlim, e que lhe trouxe a oportunidade de novos contactos. Amadeo de Souza-Cardoso percorreu então um prolífico caminho que o conduziu pelas diferentes fases cubistas (abstraccionista, analítica e sintética), até ao Expressionismo alemão. No seu regresso a Portugal, a sua obra caminharia para o Orfismo, influência do trabalho que Robert Delaunay realizou em Portugal durante o mesmo período. Como referimos anteriormente, o meio literário foi onde se desenvolveram os principais progressos da Arte portuguesa no caminho para o Futurismo. A revista Orpheu (referência ao mito do poeta cantor), iniciativa de Mário de Sá-Carneiro (1890–1916), apresentar-se-ia como o ponto de charneira no processo de ruptura com a tradição. O seu primeiro número, em Março de 1915, apresentou-se ainda como uma espécie de continuidade do projecto editorial d’A Águia, atingindo no segundo e último número, dirigido por Mário de Sá-Carneiro e Fernando Pessoa (o terceiro ficaria em provas de prelo por falta de dinheiro de Mário de Sá-Carneiro, sendo publicado apenas em 1984), em Junho do mesmo ano, um carácter futurista de oposição ao espírito da sociedade portuguesa; surgiu ainda um programa de conferências futuristas que acabariam por não se realizar. Almada Negreiros publicaria, nesse mesmo ano, um importante texto do Futurismo literário nacional: Manifesto Anti-Dantas e por extenso; um texto que pretendia atacar os valores conformistas burgueses e do academismo literário, contra os quais se suicidaria no ano seguinte Mário de Sá-Carneiro. Almada Negreiros atacava Júlio Dantas (1876–1962), um académico que dominava a literatura conservadora e que mantinha o trono da dramaturgia de sucesso entre a classe dominante. Júlio Dantas tinha sido bastante crítico em relação à Orpheu, e quando em Outubro do mesmo ano estreia a sua peça de teatro Soror Mariana, Almada Negreiros lança o seu manifesto tentando desmontar toda a arquitectura da literatura conservadora acoplada a Júlio Dantas e que dominava Portugal nessa altura: “UMA GERAÇÃO, QUE CONSENTE DEIXAR-SE REPRESENTAR POR UM DANTAS É UMA GERAÇÃO QUE NUNCA O FOI! É UM COIO D’INDIGENTES, D’INDIGNOS E DE CEGOS! É UMA RÊSMA DE CHARLATÃES E DE VENDIDOS, E SÓ PÓDE PARIR ABAIXO DE ZERO! ABAIXO A GERAÇÃO! MORRA O DANTAS, MORRA! PIM!” (...) “PORTUGAL QUE COM TODOS ESTES SENHORES CONSEGUIU A CLASSIFICAÇÃO DO PAIZ MAIS ATRASADO DA EUROPA E DE TODO O MUNDO! O PAIZ MAIS SELVAGEM DE TODAS AS AFRICAS! O EXILIO DOS DEGREDADOS E DOS INDIFERENTES! A AFRICA RECLUSA DOS EUROPEUS! O ENTULHO DAS DESVANTAGENS E DOS SOBEJOS! PORTUGAL INTEIRO HA-DE ABRIR OS OLHOS UM DIA – SE É QUE A SUA CEGUEIRA NÃO É INCURAVEL E ENTÃO GRITARÁ COMMIGO, A MEU LADO, A NECESSIDADE QUE PORTUGAL TEM DE SER QUALQUER COISA DE ASSEIADO! MORRA O DANTAS! MORRA PIM!” 71 (assinado) José de Almada-Negreiros, poeta d’Orpheu futurista e tudo. Em 1916, Amadeo de Souza-Cardoso que tinha entrado em contacto com o grupo do Orpheu, e que teria uma importante colaboração preparada para o terceiro número da revista, realizou uma exposição que estaria patente em Lisboa e no Porto, e que nas palavras de José-Augusto França “foi o maior e definitivo acontecimento deste período – o único que diz respeito à produção de obras de arte e à sua circulação. Muito irregular como qualidade, mal seleccionada, a sua repercussão igualaria a do Orpheu, mas, acto, espectáculo público, ela possui qualidade maior de desafio e de escândalo”.72 Esta afirmação pode ser atestada 71 Para preservar o carácter do manifesto optamos por manter a grafia original – todo em caixa alta. França, Op. Cit., 2000: p. 17. 72 37 pelas críticas surgidas nos jornais, na queixa de que, com Amadeo de Souza-Cardoso, “a doença futurista tivesse transposto as fronteiras do nosso lindo Portugal”.73 Amadeo de Souza-Cardoso seria agredido na rua, e a sociedade levantou-se contra o pintor, em parte por uma errónea ligação a um futurismo que não existe na sua obra, mas que lhe terá sido atribuída pelo apoio que recebeu do grupo lisboeta de vanguarda. No entanto, o êxito sobretudo no Porto parece ser certo, confiando na carta que Amadeo de Souza-Cardoso enviou a José Pacheco (artista que assinava José Pacheko – grafia que passaremos a usar), quando negoceia a exposição dos seus quadros na galeria aberta por este nesse ano, e onde afirma que “mais de 25 000 pessoas têm visitado a exposição”.74 Esta galeria de José Pacheko passaria a ser por mérito próprio o “Salão dos Futuristas”. A respeito das exposições, Almada Negreiros redigiria o Manifesto da exposição de Amadeo Souza-Cardoso (12 de Dezembro de 1916) onde escreveria que o artista é a “primeira descoberta de Portugal na Europa no século XX.” Almada Negreiros dedicar-lhe-ia ainda em 1917 a edição K4 o quadrado azul, poesia terminus diz-se aqui o segredo do genio intransmissivel. Quatro meses depois, em Abril de 1917, sob a responsabilidade de Almada Negreiros, acontecia em Lisboa a apresentação do Futurismo à sociedade portuguesa na “Primeira Conferência Futurista” com a leitura de quatro textos: Ultimatum Futurista às Gerações Portuguesas do século xx, de Almada Negreiros; o Manifesto Futurista da Luxúria (1913), da belga Valentine de Saint-Point; e os textos de Marinetti Music-Hall (1913), e Tuons le Clair Lune (1909). Faltava um local onde as vozes se convertessem em escrita; este aconteceria em Novembro de 1917 na revista Portugal Futurista, mas que não chegou às bancas, nem ao público, pois seria apreendida pela polícia na saída da oficina tipográfica, pouco antes da revolução que instauraria a ditadura de Sidónio Pais (5 de Dezembro de 1917). Parecem não existir certezas em relação às razões que levaram à apreensão da revista, mas eventualmente terá sido pela agressividade que se pode encontrar nos textos. No entanto, a polémica gerada à sua volta faria com que cumprisse a sua função. A revista foi um projecto de Guilherme Santa-Rita (1889–1918), conhecido por Santa-Rita Pintor, que tinha colaborado activamente na Orpheu 2, vindo de Paris com projectos de publicação dos manifestos dos futuristas italianos e do lançamento do Futurismo em Portugal. Santa-Rita tinha emigrado para Paris em 1910, tendo reprovado na sua prova de admissão à École des Beaux-Arts em 1911. Segundo José-Augusto França, a sua adesão ao movimento deu-se imediatamente a seguir ao momento em que “viu ali a exposição dos futuristas italianos”,75 em 1912. A exposição a que se refere será certamente a efectuada na Galeria Bernheim-Jeune, a mesma que, nesse ano e como referimos anteriormente, levou Aquilino Ribeiro a escrever o artigo para a Ilustração Portuguesa. Nesse mesmo ano realizou uma pintura futurista – Decomposição dynamica de uma mesa + estylo do movimento –, que podemos ver entre as quatro reproduzidas na Orpheu 2.76 A correspondência que Mário de Sá-Carneiro enviava a Fernando Pessoa atesta que este estava em contacto com Santa-Rita Pintor em Paris: “Tenho andado muito com o Guilherme de Santa-Rita”;77 este teria introduzido Sá-Carneiro no meio artístico parisiense, dando-lhe 73 Em: A Lucta, Lisboa, 7 de Novembro de 1916. 74 Carta n.º9, de 11 de Novembro de 1916. Em: Portugal Futurista. 4ª edição fac-similada. Nuno Júdice (estudo). Lisboa: Contexto, 1990: s.n. 75 França, Op. Cit., 1991: p. 54. 76 Este é um testemunho da obra do pintor da qual, actualmente, apenas restam dois quadros por vontade própria do artista que em testamento pedia que a sua família destruisse a sua obra. 77 Sá-Carneiro, Mário de. Cartas a Fernando Pessoa. (vol. 1). Lisboa: Ática, 1978: p. 25. 38 também a conhecer o Cubismo que demonstrou desconhecer, afirmando que Max Jacob (1876–1944) era um cubista “que ninguém conhece e publicou dois livros em tiragens de 100 exemplares”.78 As cartas permitem-nos verificar que o Cubismo não encontrava nos artistas portugueses o seu reconhecimento, excepto em Santa-Rita Pintor e Amadeo de Souza-Cardoso; este último não mantinha em Paris relações com os artistas nacionais, sendo retratado por Mário de Sá-Carneiro de forma depreciativa: “Desse Amadeu Cardoso tenho ouvido falar muito elogiosamente ao Santa-Rita e vi uns quadros dele, sem importância e disparatados no Salão de Outono” (...) “Sei que é um tipo blaguer, snob, vaidoso, intolerável, etc., etc. Parece que não se pode ser cubista sem se ser impertinente e blaguer...”79 Santa-Rita Pintor regressou para Lisboa em 1914, onde seria, com Fernando Pessoa, Almada Negreiros e Amadeo de Souza-Cardoso o dinamizador do movimento Futurista português. Em 1916 afirmava: “Futurista declarado em Portugal há um, que sou eu”;80 pela impossibilidade de continuação do projecto Orpheu, avançou para a edição da Portugal Futurista. Uma análise desta revista permite-nos verificar que a falta de uma teoria aplicada à prática é evidente, assim como a reflexão crítica, à qual não será estranha a ausência de criação nacional, quer literária quer artística, atestada pela quantidade de autores estrangeiros presentes na publicação – textos de Filippo Marinetti, Umberto Boccioni e Carlo Carrà; e de Blaise Cendras e Guillaume Apollinaire, que Paulo Henriques afirma terem sido, possivelmente, escolhidos por influência dos Delaunay81 – entre os portugueses Fernando Pessoa, Álvaro de Campos (pseudónimo futurista de Fernando Pessoa), Almada Negreiros, Raul Leal, Amadeo de Souza-Cardoso e Mário de Sá-Carneiro. Quatro meses após a saída da revista que idealizara, já no ano de 1918, Santa-Rita Pintor morreria, sendo a sua obra destruída pela família conforme vontade do artista – última atitude futurista – deixando para sempre um clima marginal e misterioso à volta da sua personalidade. Alguns meses mais tarde morria também Amadeo de Souza-Cardoso, quando preparava o seu regresso a Paris por inadaptação à sua terra natal, terminando aqui o percurso de um dos mais ricos artistas plásticos nacionais. Entre a morte dos dois pintores aconteceria uma manifestação futurista que merece aqui a devida referência: a apresentação dos Bailados Portugueses. Os futuristas nacionais animados com a actuação dos Ballets Russes de Diaghilev em Lisboa – espectáculos que foram anunciados, promovidos e aplaudidos na Portugal Futurista –, decidiram avançar com o projecto de realização dos Bailados Portugueses. Nesse sentido, os artistas nacionais,82 com Almada Negreiros à cabeça, apresentaram em palco (Teatro de São Carlos, em Lisboa) duas peças que vinham projectando – Bailado do Encantamento e Princesa dos Sapatos de Ferro – e que terão tido um sucesso maior que os seus congéneres russos.83 Seriam estes os únicos acontecimentos de importância nesse ano de 1918 que, com a partida de Almada Negreiros para Paris (1919–1920), fecham um ciclo que se tinha iniciado no princípio da década. 78 Sá-Carneiro, Op. Cit., 1978: p. 40. Os livros a que se refere são Saint Matorel (1911) e Oeuvres burlesques et mystiques du frère Matorel (1912), e que foram ilustrados por Pablo Picasso – o que Mário de Sá-Carneiro também deveria desconhecer. 79 Sá-Carneiro, Op. Cit., 1978: p. 91. Carta de 26 de Abril de 1916 a Homem-Cristo de Melo, director d’A Ideia Nacional, publicada na mesma revista, n.º 22, de 27 de Abril de 1916. 81 80 Henriques, Op. Cit., 1998: p. 40. Os espectáculos contaram com a presença de Ruy Coelho (música – em colaboração com Martinho de Melo), Raul Lino (arquitectura), José Pacheko (cenografia), e os bailarinos Almada Negreiros (que foi autor ainda da poesia, pintura e coreografia), Cotinelli Telmo, Reis Santos, Street Campos e as meninas Breyner). 83 Os bilhetes estiveram sempre esgotados, contando com a significativa presença do Presidente Sidónio Pais. Ver: Gonçalves, Op. Cit., 1993: p. 87. Sobre a presença dos Ballets Russes em Lisboa e a actuação dos Bailados Portugueses, ver também: Sasportes, José. Trajectória da dança teatral em Portugal. Lisboa: Instituto da Cultura Portuguesa, 1979. 82 39 Neste período assistiu-se assim a uma série de acontecimentos agitadores, nos quais se captou a atenção do público – em grande parte devido ao papel desempenhado pelas publicações literárias – exercendo Fernando Pessoa um papel fundamental para a sedentarização da linguagem da Arte Moderna em Portugal, estando directamente envolvido com todo processo de mudança. A razão de tão curta duração da Vanguarda em Portugal talvez encontre justificação nas palavras de Fernando Pessoa: o movimento vanguardista “nenhuma influência” teve na vida portuguesa, pois “não havia vida portuguesa”.84 O país não estava preparado para esta aventura pelos caminhos da Arte Moderna; um país que em 1917 aplaudia mais um quadro de José Malhoa, O Fado, uma obra emblemática do Naturalismo português. Salientamos aqui este breve período pela sua importância e pelo que significou para Arte portuguesa, ganhando com o Modernismo, por abastardado que seja o rótulo, uma forte ligação entre a literatura e a arte, ou até uma proximidade com a Arte Moderna e a contemporaneidade europeia. Parece-nos no entanto que Portugal não estava preparado para esta aventura e se, como afirmaria mais tarde (cerca de 1930) Almada Negreiros, “isto de ser moderno é como ser elegante: não há uma maneira de vestir mas sim uma maneira de ser”,85 então para muitos dos primeiros vanguardistas portugueses foi, sobretudo, uma maneira de vestir, uma questão de moda que, como todas, acabou por passar. O país afundado em mais uma crise social não apresentava as condições de um centro europeu mais evoluído, com outros contextos sociais e culturais. Assim, a sociedade portuguesa, com a sua ligação aos valores estéticos oitocentistas (que nunca largara), caminhava de novo para um isolamento artístico-cultural, muito distante das evoluções que se desenrolavam na Europa central da época. 1.3.4. Anos 20: a “euforia urbana” Em 1919, depois de um período de actuação intensa dos jovens artistas portugueses, que arrancou com os humoristas em 1912 e seguiu com as “experiências” Modernas de 1915 e 1917, a actividade do movimento de vanguarda português caminhava para uma conclusão. Nos primeiros anos da década de 20 podemos, ainda, encontrar esporadicamente registos de um Futurismo inócuo: Almada Negreiros afirmava em 1921, reivindicando para o seu “grupo” esse movimento, “Um Futurista dirige-se a uma senhora”;86 a revista Contemporânea87 anunciava um espectáculo futurista em 1923, mas não encontramos registos da sua realização; em 1924 o magazine popular ABC88 elogia o Futurismo em Weimar. Entretanto António Ferro (1895–1956), editor involuntário89 da Orpheu, lançou em 1921 um manifesto, Nós, que abordaremos adiante em seu devido lugar, que seria poderia 84 Fernando Pessoa em: A Ideia Nacional, n.º 20, Lisboa, 13 de Abril de 1916, p. 4. Ver: França, Op. Cit., 1997: p. 271. Diário de Lisboa, Lisboa, 2 de Junho de 1921. Contemporânea, n.º 3, Lisboa, Julho de 1922. ABC, Lisboa, 3 de Julho de 1924. 85 86 87 88 Foi imposto por Mário de Sá-Carneiro por interesse: “Convém que seja ele [António Ferro] porque é menor e se surgir qualquer complicação a sua responsabilidade não tem consequências”. António Ferro tinha 19 anos quando foi publicado o primeiro número da Orpheu (a maioridade era atingida aos 21 naquela data), e no caso da ocorrência de algum problema jurídico este não teria consequências – porém o facto constituía uma ilegalidade na época. Ver: Sá-Carneiro, Op. Cit., 1978: pp. 116–118. Ver também: Quadros, António. “António Ferro, do Orpheu à ‘Política do Espírito’”. Em: Jackson, Op. Cit., 2003: p. 422. Ver ainda: Rodrigues, António (ensaio). António Ferro na idade do Jazz-Band. Lisboa: Livros Horizonte, 1995: p. 13. 89 40 ser entendido como o presságio do desaparecimento do Futurismo em Portugal: “Cheira a defuntos, cheira a defuntos em Portugal... Não andamos, não andamos transladamo-nos... É preciso gerar, criar... (...)”.90 Nesta década que se iniciava, a ideia defendida por José Augusto-França de que a vida portuguesa “voltou a mergulhar no século XIX”,91 justificada com o cansaço da primeira geração depois de um período de emoções tão concentrado – como se os sobreviventes caíssem numa espécie de apatia, corroída pela paciência do trabalho dos seus inimigos –, fundamenta-se na forma como, socialmente, se continuava a viver dentro de um clima de intrigas e lutas – não havendo grandes alterações nas estruturas nacionais, com a continuação de uma economia estática e um orçamento catastrófico – mantendo-se o ambiente praticamente inalterado em relação à segunda metade do século XIX. No entanto, a vida artística portuguesa viria na realidade a caminhar noutro sentido: um período de “euforia urbana”,92 que encerrava o denominado Primeiro Modernismo português e iniciava o caminho para o Segundo Modernismo nacional (correspondente ao internacional Modernism). Lisboa, segundo censo de 1920,93 contava 485 mil pessoas – num país com 6 milhões e 33 mil habitantes – aumentando num espaço de dez anos para os 590 mil (uma subida de 20% em oposição à média nacional de 13%). O crescimento urbano da capital opunha-se ao das restantes cidades nacionais que, exceptuando o Porto com cerca de 232 mil em 1930, não passavam dos 25 mil habitantes. A vida artística, que se concentrava cada vez mais nas duas maiores cidades nacionais, inclinava-se então para o retrato da vida urbana – interessante sentimento Moderno num país ainda 80% rural – usando, para tal, instrumentos da vida moderna: o meio impresso e o café ou o clube. O meio impresso, sobretudo em duas revistas de literatura e arte editadas entre 1922 e 1926: a Contemporânea e a Athena, títulos que por si só demonstram as suas diferentes orientações. O café A Brasileira do Chiado e o Bristol-Clube, ambos em Lisboa, tornaram-se os ambientes escolhidos para a apresentação e discussão intelectual das novas propostas estéticas e culturais. A revista Contemporânea foi projecto de José Pacheko que se dizia “arquitecto pela graça de Deus” (com os estudos não terminados). José Pacheko cedo partira para Paris (1910), e segundo Gustavo Nobre instalou-se “em atelier cedido por Amadeo de Souza-Cardoso”.94 Por lá foi convivendo, entre outros, com Amadeo de Souza-Cardoso, Santa-Rita Pintor e Mário de Sá-Carneiro, mas da sua actividade parisiense pouco se sabe,95 apenas que os Bailados Russos o marcariam toda a sua vida: “conservaria os seus programas até morrer”. Em 1913 regressou momentaneamente a Lisboa, sendo o definitivo retorno em 1914 (pela Guerra), juntando-se então ao grupo de artistas da Orpheu. Autor da capa do primeiro número desta revista e de dois livros de Mário de Sá-Carneiro, Dispersão (1913) e Céu e Fogo (1915) – todas de carácter simbolista –, andava então com os planos do projecto da revista Contemporânea, lançando inclusivamente, em Março de 1915, um número espécimen que não teria continuidade até 1922. 90 Edição de autor publicada em Lisboa. Ver capítulo: 1.4.3. Os manifestos programáticos portugueses. França, Op. Cit., 2000: p. 23. Henriques, Op. Cit., 1998: p. 42. Ver: França, José-Augusto. Os anos vinte em Portugal. Lisboa: Presença, 1992: p. 238. Nobre, Gustavo. “José ’Pacheko’”. Em: Jackson, Op. Cit., 2003: p. 442. 91 92 93 94 Segundo Gustavo Nobre, no seu espólio um só desenho está datado (24-2-1911), correspondendo ao período passado em Paris. Ver: Nobre, Op. Cit., 2003: p. 443. 95 41 “Eu agora espiritualmente encontro-me quase só, demais já nem, infelizmente, recebo cartas do nosso querido Sá-Carneiro.”96 Assim escrevia, em 1916, José Pacheko para Eduardo Viana, reflectindo a tristeza da morte do seu amigo, que o afectara profundamente. Nesse mesmo ano inaugurou a já referida Galeria das Artes e dirigiu artisticamente a segunda série da revista Ideia Nacional. Tentaria ainda, sem sucesso, lançar o terceiro número da Orpheu com Fernando Pessoa. No ano seguinte entrou na aventura futurista assinando conjuntamente, com Almada Negreiros e o músico Ruy Coelho, o manifesto Os Bailados Russos em Lisboa, publicado na Portugal Futurista. Com esses dois artistas embarcaria numa longa lista de projectos relacionadas com o bailado,97 concertos e espectáculos populares (não é certo que todos tenham sido realizados). Uma questão não referenciada nos vários autores analisados, é a preferência dos artistas de vanguarda pelas formas de entretenimento popular, em detrimento do teatro clássico, a ópera ou o ballet, e que constituiriam, também, uma forma de inspiração. Na Portugal Futurista, surgia também em consonância a tradução do manifesto futurista, de Filippo Marinetti, Il Teatro di Varietà (Milão, 29 de Setembro de 1913), publicado no Daily-Mail de 21 de Novembro de 1913 sob o nome Music Hall, onde o autor faz a apologia do entretenimento popular. Em Agosto de 1919, José Pacheko, Ruy Coelho, o pintor Manuel Jardim (1884–1923) e o poeta Acácio Leitão (1894–1945), tentariam lançar uma Sociedade Portuguesa de Arte Moderna, para a realização de concertos, exposições, conferências e edições. Um sonho que cedo se desfez devido à falta de apoio das entidades estatais para com a Arte Moderna, e que segundo José-Augusto França não terão, por essa razão, entendido nacionalizar. Continuamos a estar perante a questão da deficiente formação cultural nacional, e a falta de dinamismo dos artistas desta segunda linha de actuação, favorecendo os valores estéticos estabelecidos: a objectividade realista do Naturalismo oitocentista, que não exigia muita reflexão. Com uma posição de destaque, e sempre envolvido em actividades com as quais pretendia transformar as artes na década de vinte, José Pacheko, em 1921, surgiu à cabeça de um movimento que tentou tomar o domínio da SNBA, com intenção de modernizar esta organização: “os velhos que fiquem, mas nobremente, generosamente abram as portas da Sociedade aos que querem entrar e fazer qualquer coisa de novo”.98 Segundo Gustavo Nobre,99 propunha a admissão de cerca de três centenas de novos sócios, quase todos não artistas, mas ligados ao meio artístico, para “renovar” e “purificar” a SNBA. O movimento fracassou devido a uma prudente e profilática alteração dos estatutos, que criava dois tipos sócios: os efectivos (os que já eram sócios – uma larga maioria) e os titulares (intelectuais não praticantes), permitindo a entrada desse grupo de pessoas, mas com direitos limitados. Aquelas actividades, apesar de não terem significado intelectual e cultural, mostravam um José Pacheko activo e como figura cultural emergente. E se as actividades expositivas tãopouco eram significativas, o meio impresso voltava a emergir como local de discussão e apresentação dos novos argumentos. No ano seguinte (Maio de 1922), Pacheko lançava a “sua revista” Contemporânea (financiada por um empresário – Agostinho Fernandes), tendo como intenção impor a arte viva no gosto dos compradores burgueses. “Revista feita expressamente para gente civilizada” e também “para civilizar gente”,100 pretendia e declarava ser o veículo para a integração social da Arte Moderna, e que faria a ligação entre o Primeiro e o Segundo Modernismo português. Afirmava então no texto introdutório, em 96 Carta citada em: Nobre, Op. Cit.,2003: p. 446. Ver: Nobre, Op. Cit., 2003: p. 448. Em: Diário de Lisboa, Lisboa, 5 de Setembro de 1921. Nobre, Op. Cit., 2003: p. 448. Assim se anunciava em subtítulo. 97 98 99 100 42 forma de carta: “(...) Mas sou um pobre moço que vivia a vida estéril da geração que o precedeu e que um dia foi despertado para viver a vida da sua própria geração. Ah! Meu caro amigo! Não sabe você o trabalho que dá esta coisa simples – viver a própria vida. Todos nós, de há muitas gerações para cá, vimos para o mundo sem nos desligarmos da vida que nos procedeu. Esquecemo-nos todos, artisticamente – de cortar o cordão umbilical. A minha geração está realizando esse trabalho. Não são, como você ingenuamente os capitula – futuristas. São apenas – contemporâneos. E com que esforço, n’um país que o não é! E sabe você o que é ser contemporâneo? Você é capaz de se rir. De se supor, perfeitamente e inegavelmente, ‘contemporâneo’. No entanto você – engana-se.” Apesar dos insucessos reportados anteriormente, encontramos exposto neste texto o empenho em continuar a tentar levar a Arte Moderna e a modernidade ao público português, apartando-se já da ideia de Futurismo que tantos equívocos provocara. À semelhança da Orpheu e da Portugal Futurista seria na parte literária que esta revista se destacaria, constituindo-se como um fórum dos modernistas, com colaborações de um extenso e importante grupo de escritores. Indicamos, entre outros: Fernando Pessoa, Álvaro de Campos (heterónimo de Pessoa), Almada Negreiros, Mário de Sá-Carneiro, Raul Leal, António Ferro, o italiano Filippo Marinetti, o modernista brasileiro Oswaldo de Andrade, e o espanhol Ramón Gómez de la Serna. A Contemporânea foi ainda palco para textos de autores com ligações ao Futurismo, ao Simbolismo e ao Saudosismo, e apresentando uma extensa colaboração artística que incluiu, entre outros: Almada Negreiros, que aí desenvolveria a sua vertente mais gráfica, António Carneiro, Jorge Barradas, Eduardo Viana, e os escultores Francisco Franco (1885– 1955) e Diogo de Macedo (1889–1959). Segundo França,101 a revista é ainda reconhecida como um grande facto cultural no período em que foi publicada (1922–1926), quer pelo seu projecto gráfico da autoria de José Pacheko, quer pela promoção que fez a conferências, exposições, concertos, serões de arte, prémios literários e artísticos, e até a uma “Universidade Nova”.102 Paralelamente, surgiu a revista Athena, em Outubro de 1924, com uma linha editorial que pode ser subentendida na resposta dada numa entrevista à pergunta “A que veio a Athena?”, concedida pelo seu director Fernando Pessoa: “Dar ao público português, tanto quanto possível, uma revista puramente de arte, isto é, nem de ocasião e início como o Orpheu, nem quase de pura decoração como a admirável Contemporânea.”103 Entende-se assim este projecto, como a procura de uma alternativa possível nesses anos vinte: uma tentativa de colmatar a inexistente reflexão teórica sobre a Arte em Portugal, e não mais o de iniciar um movimento como o da Orpheu. Não deixa de ser curiosa a posição de Pessoa, porquanto não deixava de participar num projecto que apelidava de “decorativo”, isto é, sem uma reflexão teórica consistente. Esta posição, no entanto, entendemos como própria de quem há muito se apercebera que a aventura da revolução vanguardista, de 1915–1917, desvanecera, mas que, perseguindo a sua afirmação como individualidade, não podia deixar de participar nesse projecto legítimo – a criação e uso dado aos seus heterónimos (não participavam os mesmos em ambas as publicações), seria certamente parte da sua estratégia. 101 Ver: França, Augusto. “Nota sobre a Contemporânea”. Em: Jackson, Op. Cit., 2003: pp. 363–366. Ver também: Pires, Daniel; Oliveira, António (ed.). Pacheko, Almada e Contemporânea. Lisboa: Centro Nacional de Cultura: Bertrand Editora, 1993. 102 Uma relação destas actividades pode ser encontrada em: Contemporânea, III volume, n.º 9 de Março de 1923: p. 164. A lista apresenta: 5 conferências; 5 exposições; 5 concertos; 1 serão de arte; a Universidade Nova, e 1 conferência de propaganda presidida pelo Presidente da República. Diário de Lisboa, Lisboa, 3 de Novembro de 1924: p. 5. 103 43 A Athena foi um projecto de Fernando Pessoa que, como assinala Teresa Sousa de Almeida, “procurou fazer dela um espaço de uma utopia”104 (resolução da carência de reflexão teórica) apresentando para tal, sob diferentes heterónimos – Fernando Pessoa, Alberto Caeiro, Álvaro de Campos ou Ricardo Reis –, textos com distintas orientações estéticas. Esta ideia é, aliás, reforçada pelo testemunho do próprio na entrevista supracitada: “Exclui-se primeiro o critério da homogeneidade (escola ou corrente); assim se acentua que a arte é essencialmente multiforme, o que é uma das primeiras coisas que tem de aprender muita gente que já o sabe. Nas estampas da Athena verá reproduções da obra de um clássico, de um romântico, de um contemporâneo”. Se a Contemporânea foi o “fórum dos modernistas”, a Athena representou o papel de um “local de reflexão”, onde se procedia à reunião da arte e da ciência. Assim escreveu Fernando Pessoa no texto de apresentação da sua primeira edição: “pela arte nos aperfeiçoamos a nós; pela ciência aperfeiçoamos em nós o nosso conceito, ou ilusão, do mundo.”105 A arte surge aqui como produto de um indivíduo, colocando em discussão a problemática do sujeito: a afirmação da modernidade. Na opinião de Teresa Sousa de Almeida, “era o momento para o modernismo se poder pensar enquanto proposta teórica, fazendo o balanço do passado ou propondo novas vias para o futuro.”106 É nesse sentido que destacamos estas duas revistas, como elementos essenciais para o entendimento da Arte em Portugal neste período: constituíram-se como os locais necessários para a materialização de uma reflexão e solidificação teórica, das propostas do Movimento Moderno português, que seria fundamental para a sua afirmação. Paralelamente à abertura que ia sendo concedida, pelo labor das revistas que destacámos, esse foi um momento em que meios de comunicação novos (magazines como o ABC ou Civilização) e velhos (jornais como Diário de Notícias, O Século ou o Diário de Lisboa), paulatinamente abririam espaço nas suas páginas para a Arte Moderna. Também os cafés e bares – locais de encontro próprios do crescente clima urbano e de uma sociedade moderna – se tornariam, nesse período, locais de debate e, como veremos, canais de disseminação das novas propostas estéticas. Emparelhando com estas manifestações urbanas, dois eventos marcantes ocorreriam na SNBA nessa década, devendo ser previamente assinalados: a “Exposição dos Cinco Independentes” (1923) e os “Salões de Outono” (1925 e 1926) ambos na SNBA. O primeiro, composto por obras de cinco artistas que estiveram em Paris, dos quais três com obra marcante: os escultores Francisco Franco (1885–1955) e Diogo de Macedo (1889– 1959), e o pintor Dordio Gomes. Os outros dois – Henrique Franco (1883–1961) e Alfredo Miguéis (1881–1942) – com obra académica. Segundo Diogo de Macedo,107 estes artistas que se declaravam “independentes de tudo e de todos”, começaram a afirmar-se como uma nova geração Moderna de espírito moderado: “clássica nos princípios e revolucionária nos fins”. O primeiro “Salão de Outono”, em Janeiro de 1925, foi organizado por Eduardo Viana, e toda a geração esteve presente (30 artistas no total), estando expostas as pinturas que decorariam posteriormente o café A Brasileira do Chiado. José Pacheko, em 1924 nas páginas da sua revista, aceitou e estimulou a ideia do jornalista Norberto de Araújo, do Diário de Lisboa, de se decorar as paredes d’A Brasileira do Chiado com quadros dos pintores novos (que lá ficariam até 1970), posteriormente às obras de restauro que lá se 104 Almeida, Teresa Sousa de. “Athena ou a encenação necessária”. Em: Athena. (2ª edição fac-similada). Lisboa: Contexto, 1994: s.p. 105 Pessoa, Fernando. Athena, nº 1, Lisboa, Outubro de 1924: p. 5. Almeida, Op. Cit., 1994: s.p. Diogo de Macedo em entrevista em: Diário de Lisboa, Lisboa, 21 de Outubro de 1923. 106 107 44 executavam, e que segundo José-Augusto França permitiriam corrigir o projecto “de gosto fin de siècle do famoso arquitecto”108 Norte Júnior, com quem José Pacheko tinha trabalhado em jovem. Os artistas participantes – Eduardo Viana, António Soares, Jorge Barradas, Almada Negreiros, Stuart Carvalhais, José Pacheko, Bernardo Marques – não receberam críticas positivas, regressando um clima que não se sentia desde a década passada. Nem o jornalista que tinha lançado a ideia seria benevolente na sua crítica: “mal sucedidos ou imperfeitamente realizados.”109 Salientamos, ainda assim, a qualidade das duas paisagens de Eduardo Viana, o mais significativo pintor dos anos vinte em Portugal – destacou-se com uma pintura influenciada pela obra de Paul Cézanne (1839–1906) e o Orphismo dos Delaunay; no entanto, os quadros que apresentou nessa exposição caracterizaríamos melhor como fauvistas –, executados nas vésperas de nova emigração. Com a partida de Eduardo Viana para Paris, foi José Pacheko quem organizou o segundo “Salão de Outono”, em Novembro de 1926, já depois do fim da “sua revista”. Esta segunda exposição contaria com a colaboração do Bristol-Clube, decorado, entretanto, pelos “modernos” e que emprestava as treze pinturas presentes. Para além destas, conforme relata José Augusto-França,110 no âmbito da exposição encontravam-se também projectos de arquitectura (24), seis desenhos, cinquenta trabalhos decorativos, doze cartazes do atelier Arta (a primeira empresa de publicidade de Lisboa) e diversos trabalhos gráficos da Imprensa Libânio da Silva – a imprensa onde se imprimiu a Contemporânea e a Athena. No catálogo anunciavam-se ainda manifestações de atletismo. Estas manifestações – cartaz, trabalhos decorativos, trabalhos gráficos e o atletismo – típicas e caracterizadoras da sociedade moderna, tendo já alguns antecedentes como a presença do cartaz nas exposições Modernistas do Porto em 1915, tomavam agora uma maior dimensão e importância. O Bristol-Clube, “um meio de arte para aqueles que amam, na vida moderna, a expressão rítmica sonora e colorida duma estética nova” e onde “todos os artistas e mesmo todos os escritores modernos encontraram naquela casa a sua casa”,111 seria um espaço equivalente ao d’A Brasileira na relação com a Arte Moderna portuguesa. Destacamos não só o clube, pelo que contribuiu para a divulgação da arte, mas também o seu proprietário, Mário Ribeiro, e o empresário financiador da Contemporânea, Agostinho Fernandes, que desempenhariam um importante papel de mecenas de muitos dos artistas modernos desta geração. Estes dois eventos, o Salão de Outono de 1925 e o de 1926, são representativos de um percurso, por si só, caracterizador dos problemas de afirmação do Movimento Moderno português: são as paredes de um café (de tradição intelectual e literária – mantendo até hoje esse carisma), o Brasileira do Chiado, e de um clube nocturno de luxo, o Bristol-Clube, que se apresentaram então como uma espécie de Museu de Arte Contemporânea que o Governo criara nas traseiras da Escola de Belas-Artes de Lisboa – de cariz ainda naturalista e sob a direcção de Carlos Reis e posteriormente de Columbano Bordalo-Pinheiro – colocando frente a frente as obras modernas e o ensino tradicionalista da Arte, ainda vigente nas Academias portuguesas. Para um entendimento global do estado da questão da Arte em Portugal nesse período, é devida aqui uma referência à escultura nacional. Esta disciplina artística teve também, no século XIX e no princípio do século XX, um desenvolvimento enraizado no Naturalismo. O escultor de maior relevo nacional, e com obra mais consistente nesse período, seria António Teixeira Lopes (1866–1942). No Porto, com uma posição mais discreta estava António 108 França, Op. Cit., 1991: p. 109. Norberto de Araújo em: Diário de Lisboa, Lisboa, 18 de Março de 1926. Para uma descrição pormenorizada ver: França, Op. Cit., 1991: p. 101. Em: Contemporânea, n.º1, III Série, Lisboa, Maio de 1926. 109 110 111 45 Soares dos Reis (1847–1889), que com uma obra, também, predominantemente naturalista, apresentaria um trabalho de carácter simbolista que deve ser assinalado: Desterrado, 1872 (Museu Nacional de Soares dos Reis – Porto). Também nesta disciplina, muitos dos seus jovens estudantes, teriam um percurso que passava por Paris, onde seriam influenciados pela obra do incontornável Auguste Rodin (1840–1917). No entanto, não se registam significativas quebras com a tradição, os motivos e estratégias conceptuais do Naturalismo. A nova geração teve como figura de destaque Francisco Franco (estudou em França de 1921 a 1926), que depois do seu regresso desenvolveria uma obra com carácter Neoclássico – influências de uma viagem que terá feito a Itália em 1923;112 este seria, mais tarde, adoptado como o modelo oficial do autoritário Estado Novo. A escultura, na nossa perspectiva, não acompanhou a dinâmica Moderna da pintura ou do pensamento estético que timidamente se desenvolvia na década de vinte, numa contínua tentativa de ruptura com o tradicionalismo da Arte portuguesa. Assim concluímos que foi este um período de acontecimentos modestos, característicos da vida artística de um país com um Governo próximo da bancarrota, que não tinha tempo nem meios para educar artisticamente e formar uma consciência da sua época. Os anos vinte terminavam, acabando definitivamente com o suspiro vanguardista da década anterior, apesar das tímidas tentativas de ruptura e modernização do pensamento artístico aqui destacadas: as revistas Contemporânea e Athena, e as duas exposições n’A Brasileira do Chiado e no Bristol Clube. Em 1926, uma nova vida política começaria em Portugal, com o fim da Primeira República e a subida ao poder da ditadura de António de Oliveira Salazar (28 de Maio de 1926).113 A partir daqui seriam relançados novos dados neste “jogo”, e que não se podem abordar sem ter em linha de conta todo um novo conjunto de constrangimentos e reorientações, da política cultural e social, impostos pelo poder ditatorial do Estado Novo. Restava um país pobre, no qual a sociedade portuguesa não podia produzir uma cultura de aproximação à Europa. Avizinhava-se o final da década, vendo Almada Negreiros partir para Madrid, onde ficaria meia dúzia de anos; o falecido Amadeo de Souza-Cardoso teve uma exposição póstuma em 1925, numa Paris que lhe sabia reconhecer o valor; via também morrer os grandes mestres naturalistas, Columbano Bordalo Pinheiro e José Malhoa, deixando atrás de si discípulos medíocres. Mas o Naturalismo voltava a respirar, com evocações e homenagens: exposição de tributo a José Malhoa em 1928; atribuição, em 1929, da direcção do Museu de Arte Contemporânea a Sousa Lopes (1879–1944), pintor de orientação naturalista. O ambiente continuava a ser provinciano – assim o definia Pessoa no seu texto “Caso Mental Português”, em 1932 –, uma cultura e sociedade de periferia. 112 Ver: Henriques, Op. Cit., 1998: p. 48. E que duraria até à revolução de 25 de Abril de 1974. 113 46 1.4. Que pensavam e pediam os artistas modernos portugueses 1.4.1. A “geração de Orpheu” Equacionamos anteriormente, em breves linhas, os suportes teóricos do conceito de vanguarda. Delineamos, também, o panorama da arte em Portugal no período que correspondente ao nosso estudo. Importa agora, conforme o proposto na introdução (1.1) deste capítulo – “O projecto da vanguarda histórica portuguesa” –, proceder a uma abordagem mais atenta e detalhada dos fundamentos teóricos, das metodologias e dos resultados das propostas da vanguarda nacional. Assim, iremo-nos concentrar aqui exclusivamente nas questões que favoreceram a constituição de uma consciência doutrinária, condição sine qua non para nos podermos referir a um movimento estético ou enunciar os ideais da vanguarda portuguesa. Neste contexto será importante, desde logo, redefinir o período temporal no qual vamos fazer esta nossa abordagem às questões teóricas. Ainda que tenhamos referenciado previamente a ocorrência de episódios basilares sucedidos a partir de 1912 (Salão dos Humoristas em Lisboa),114 constatamos que aqueles eventos careciam ainda de uma reflexão ou suporte teórico. A necessidade de reajustamento de datas surge dessa carência, tendo em conta o âmbito do que abordaremos aqui. Nesse sentido e segundo a análise crítica de António Quadros,115 pode-se afirmar que as primeiras manifestações teóricas da vanguarda cultural portuguesa surgiram radicadas em práticas artístico-literárias, registadas num período de cerca de dez anos que mediou o início da publicação da revista Orpheu (1915) e o fim da revista Contemporânea (1915; 1922–1926). Um período que poderia, ainda, definirse entre o início da Primeira Guerra Mundial e o colapso da República democrática portuguesa.116 Cremos, no entanto, que a referência feita por Quadros àquelas duas revistas literárias denota mais do que um limite temporal: a sua escolha reside no facto de terem sido as revistas literárias o principal suporte material para a apresentação e divulgação dos diversos textos críticos e, sobretudo, dos manifestos que favoreceram a constituição de uma consciência programática e doutrinária da vanguarda artística portuguesa. Do conjunto de revistas literárias da vanguarda portuguesa, e importantes pelas mesmas razões dos dois títulos limite supracitados, formaram ainda parte a Exílio (1916), a Centauro (1916), a Portugal Futurista (1917) e a Athena (1924–1925). Nesse período, as primeiras tentativas de fixação de um conjunto de ideias que servissem de fundamento teórico da vanguarda portuguesa foram protagonizadas por um subgrupo de artistas nacionais surgido do âmbito geral da arte portuguesa, sobretudo do meio literário. Esse subgrupo formou-se, então, através da reunião de personalidades (poetas e artistas plásticos), atraídas por uma mesma vontade de integração num determinado espaço ideológico de ruptura com a tradição cultural e artística. Assim, e antes de nos referirmos especificamente à doutrina das ideias, será talvez importante observar quem foram os protagonistas da modernização do pensamento artístico português. Esse subgrupo, encontrando-se quase todos dentro da mesma faixa etária – entre os 20 e os 30 anos à data de publicação da Orpheu –, constituiria uma geração de artistas que, influenciados em grande medida pelas novas estéticas vanguardistas procedentes de Paris, Londres e Berlim, se uniu pela construção de uma ideologia própria. Recordemos que, em 114 Ver neste estudo “2.2. O período pré-Orpheu: 1910–1914. Ver: Quadros, Op. Cit., 1989: p. 31. 115 116 Ver: Lopes, Óscar. “Outras personalidades do Primeiro Modernismo”. Em: Jackson, Op. Cit., 2003: p. 235. Neste caso referir-nos-íamos no limite inicial ao regresso dos artistas a território nacional causado pelo conflito mundial, estando o seu limite final relacionado com o início da ditadura de António Oliveira Salazar (1926). 47 1915, os artistas nacionais que se encontravam a estudar e a trabalhar no estrangeiro tinham regressado, motivados pelo início do conflito mundial iniciado no ano anterior117 . Estes terão juntado a sua energia e influências aos que, já em Portugal, haviam iniciado o processo de modernização da arte nacional. Reunidos, constituíram uma geração que teve como primeiro local de encontro e expressão a revista Orpheu, ou seja, foi nesta publicação que pela primeira vez, desejando demarcar-se do panorama cultural geral, procuraram deliberadamente “expressar o modo do tempo, o moderno, a vanguarda.”118 Por essa razão e, também, pela sua qualidade literária intrínseca, a revista Orpheu tornar-se-ia o “símbolo, e até uma designação frequentemente usada com referência à geração que por ele se anuncia.”119 Identifiquemos então as principais personalidades da “geração de Orpheu” – devido ao grande número dos envolvidos directa e indirectamente, nomearemos aqui apenas os que tiveram maior destaque e envolvimento nas diferentes actividades da vanguarda.120 Os diferentes graus de importância que os protagonistas detiveram no contexto da doutrina das ideias, leva-nos a adoptar aqui a subdivisão que António Quadros121 efectua ao subgrupo de poetas e artistas intérpretes da vanguarda cultural portuguesa, ou, “geração de Orpheu”. Assim, temos de um lado, os que Quadros designa por restrito subgrupo dos “verdadeiramente inovadores, no conteúdo e na forma”, pelas suas propostas teóricas, poesias, desenhos, colagens ou grafismos, e que conduziu toda a geração: Mário de SáCarneiro, Fernando Pessoa, Almada Negreiros, Santa-Rita Pintor, Amadeo de Souza-Cardoso, José Pacheko e António Ferro. Do outro, os ainda ligados ao Simbolismo ou ao Saudosismo e que surgiram por “companheirismo geracional e pela solidariedade dos cafés lisboetas”, entre os quais se destacaram os poetas Luís de Montalvor, Ronald de Carvalho, Raul Leal, Augusto de Santa-Rita, Camilo Pessanha, António Botto, Ângelo de Lima, Armando CôrtesRodrigues e Mário de Saa, ou os artistas plásticos Eduardo Viana, Christiano Cruz, Emmerico Nunes, Milly Possoz, Manuel Bentes, Bernardo Marques, Correia Dias e Jorge Barradas. Resumindo, pode-se afirmar que, dentro do contexto artístico e literário, a “geração de Orpheu” foi um subgrupo de artistas que se distinguiu dos demais, apresentando como principal fundamento teórico a inovação. Uma inovação na qual viam o meio ideal para objectivar uma pretendida ruptura com o passado, ou seja, na inovação viam a forma de alcançar o rompimento da continuidade cultural (tradição) que em Portugal, nesse período, não ia além das formas do naturalismo de Zola.122 1.4.2. A vanguarda artística portuguesa: um projecto de inovação Maria Galhoz123 num estudo dos textos da revista Orpheu diz-nos que esta representou para a “geração” uma aventura cultural. Uma aventura não somente literária, mas que encerrava 117 Ver neste estudo: 1.3.3. A ruptura da tradição (1915–1919). Quadros, Op. Cit., 1989: p. 21. 118 Monteiro, Adolfo. “O Orpheu como símbolo e realidade”. Em: Jackson, Op. Cit., 2003: p. 324. Ver ainda: Maior, Op. Cit., 1996: p. 69. Outros autores optam por usar a designação “grupo do Orpheu”. Ver: Quadros, Op. Cit., 1989: p. 20. Ver também: Lopes, Óscar. “Outras personalidades do Primeiro Modernismo”. Em: Jackson, Op. Cit., 2003: p. 235. 120 Para outros nomes, consultar: Lopes, Óscar. “Outras personalidades do Primeiro Modernismo”. Em: Jackson, Op. Cit., 2003: pp. 235–255. Ver também: Saraiva, Arnaldo. “O extinto e inextinguível Orpheu”. Em: Jackson Op. Cit., 2003: pp. 263–274. 121 119 Ver: Quadros, Op. Cit., 1989: pp. 20–26. Maior, Op. Cit., 1996: p. 80. Ver: Galhoz, Maria (introdução). Orpheu 2. (3ª ed.). Lisboa: Ática, 1984: pp. XLVII–LXVIII. 122 123 48 como principal preocupação a Arte que se fazia no momento em Portugal, e que tinha como objectivo imperativo a reinvenção dessa mesma Arte. Ainda que a presença de arte pictórica só tenha surgido no segundo número da Orpheu, o primeiro apresenta já componentes literários fundamentais para o desenvolvimento das ideias de vanguarda. Mas a proposta fundamental inicial era a renovação da originalidade da arte, através da qual pretendiam atingir uma revitalização da cultura nacional. Esta é, aliás, a ideia que se pode sentir na resposta que Fernando Pessoa dá numa entrevista,124 que se supõe de 1915, quando questionado sobre as intenções que presidiram à realização da revista Orpheu: – O que quer Orpheu? – Criar uma arte cosmopolita no tempo e no espaço. A nossa época é aquela em que todos os países, mais materialmente do que nunca e pela primeira vez intelectualmente, existem todos dentro de um, em que a Ásia, a América, a África e a Oceânia são a Europa. Basta qualquer cais europeu – mesmo aquele cais de Alcântara – para ter ali toda a terra em comprimido. E se chamo a isto europeu, e não americano, por exemplo, é que é a Europa, e não a América, a fons et origo deste tipo civilizacional, a região civilizada que dá o tipo e a direcção a todo o mundo. Por isso a verdadeira arte moderna tem de ser maximamente desnacionalizada – acumular dentro de si todas as partes do mundo. Só assim será tipicamente moderna. Que a nossa arte seja uma onde a dolência e o misticismo asiático, o primitivismo africano, o cosmopolitismo das Américas, o exotismo ultra da Oceânia e o maquinismo decadente da Europa se fundam, se cruzem, se interseccionem. E, feita esta fusão espontaneamente, resultará uma arte-todas-as-artes, uma inspiração espontaneamente complexa… Nestas palavras de Pessoa fica-nos a ideia de que, desde o seu início, os pressupostos ideológicos que norteavam o pensamento da “geração de Orpheu” os conduziu a perspectivar-se como protagonistas de uma “arte moderna”, uma “arte cosmopolita no tempo e no espaço”. Refira-se contudo que a revista Orpheu tivera “Europa” como primeira proposta para o seu título, mas que seria abandonado, deixando uma alusão ao espírito cosmopolita dos seus principais impulsionadores: Mário de Sá-Carneiro e Fernando Pessoa.125 Arnaldo Saraiva126 refere-nos que são importantes e reconhecidos dois factos, entre os que pertenceram à “geração”, potenciadores da vontade de implantação de uma arte moderna e cosmopolita em Portugal: a) o intercâmbio de textos que foi sendo realizado entre os que viviam no estrangeiro e os que se encontravam em Portugal; b) a sua diversa origem ou formação: Fernando Pessoa, nascido em Lisboa, foi educado na África do Sul; Almada, nascido em São Tomé, já tinha passado por Paris, tal como, entre outros, Sá-Carneiro, Raul Leal, Pacheko, Santa-Rita Pintor ou Amadeo; Luís Montalvor, nascido em São Vicente (Cabo Verde), vivera no Brasil; Alfredo Guisado, nascido em Lisboa, descendia de gente da Galiza; Emmerico Nunes, germano descendente, viveu em Munique. 124 Pessoa, Fernando. Obra poética e em prosa. [org. António Quadros]. [Tomo II]. Porto: Lello & Irmão, 1986: p. 1318. No livro afirma-se não existir uma certeza relativamente a esta entrevista, sendo 1915 a data indicada. O cais de Alcântara referido no texto, situado em Lisboa, era na época o principal porto comercial marítimo do país e graças ao comercio existente com as colónias africanas e asiáticas e, ainda, com o Brasil, um dos mais importantes da Europa. 125 A história de preparação e nascimento de Orpheu encontra-se narrada na correspondência entre Pessoa e SáCarneiro, iniciada em 1912 e terminada com a morte de Sá-Carneiro em 1916. Ver: Sá-Carneiro, Mário de. Obras completas de Mário de Sá-Carneiro – Cartas a Fernando Pessoa I. (2ª Ed.). Lisboa: Ática, 1992. Sá-Carneiro, Mário de. Obras completas de Mário de Sá-Carneiro – Cartas a Fernando Pessoa II. (2ª Ed.). Lisboa: Ática, 1992. Sobre o nome Orpheu e a sua escolha, ver: Quadros, Op. Cit., 1989: pp. 127–139. 126 Ver: Saraiva, Arnaldo. “O extinto e inextinguível Orpheu”. Em: Jackson, Op. Cit., 2003: p. 268. 49 A proposta de inovação apresentada pela “geração” em Orpheu passava, assim, pela reclamação da abertura do meio cultural português às novas e/ou diferentes estéticas que já se sentiam e reconheciam nos principais centros culturais europeus. Uma abertura que se via, desta forma, como necessária não só para poder quebrar a tradição, mas também, para conseguir entrar em sintonia com as novas referências da vanguarda cultural europeia. Esta ideia podemos encontrar noutro texto de Fernando Pessoa, supostamente de 1916, na qual comenta as concepções estéticas que presidiram a elaboração revista Orpheu: “A nossa revista acolhe tudo quanto representa a arte avançada (…) Descendemos de três movimentos mais antigos – o «simbolismo» francês, o panteísmo transcendentalista português, e a baralhada de coisas sem sentido e contraditórias de que o futurismo, o cubismo e outros quejandos são expressões ocasionais (…)”127 Parece existir aqui um reforço das ideias que Pessoa tinha referido na entrevista supracitada, ou seja, apresenta aqui uma ideia de acolhimento de influências com as quais pode proceder à referida “fusão” da qual resultaria a “arte-todas-as-artes”. Dionísio Maior não hesita em apelidar esta diversidade de influências de “polifonia discursiva”,128 identificando o discurso da “geração”, sobretudo em Orpheu, nas influências do Simbolismo poético francês, dos vanguardismos formais franceses e do Futurismo de Marinetti, de Nietzsche e do Expressionismo alemão, e ainda da influência anglo-americana de Walt Whitman (1819–1892).129 Isso é constatável ao averiguarmos as influências existentes no primeiro número da revista. Aí nota-se que o projecto Orpheu iniciou sem uma directriz estética unívoca,130 confirmando dessa forma um ecletismo estético patente nas referências dos diferentes protagonistas. Apesar da diversidade de influências da “geração de Orpheu” no seu início – razão que está na base da divisão desta em dois subgrupos de artistas efectuada por Quadros (referida anteriormente) – não impediu que estes fossem conduzidos por uma intenção comum: a inovação. Essa intenção foi, no entanto, efectuada partindo de premissas não unívocas. Assim, é admitindo os conceitos defendidos por António Quadros131 que, para uma compreensão mais apurada das propostas teóricas e estéticas destes agentes/personagens da vanguarda portuguesa, faremos uma separação das ideias defendidas pela “geração” em duas vertentes: uma anti-tradicionalista e iconoclastas, e outra futurista. A primeira pretendia a eliminação da tradição, recorrendo, para tal, à destruição das imagens e símbolos tradicionais; nasceu pela via do Simbolismo, na poesia sobretudo “do exemplo de Stéphane Mallarmé”,132 passando ainda pelo Fauvismo, o Cubismo, o Expressionismo ou o 127 Pessoa, Fernando. Páginas íntimas de auto-interpretação. Lisboa: Ática, 1966: p. 134. Maior, Op. Cit., 1996: p. 73. Para uma consulta mais detalhada dos diferentes discursos estéticos que estão na base da proposta de vanguarda de Orpheu consultar: Galhoz, Op. Cit., 1984: pp. XXXV–XXXVII. 129 Ver: Maior, Op. Cit., 1996: p. 80–89. Walt Whitman, poeta norte-americano de grande influência dos simbolistas franceses, foi uma importante referência na obra de Fernando Pessoa. 130 128 Ver: Galhoz, Op. Cit., 1984: p. XXXVIII. 131 Quadros, Op. Cit., 1989: pp. 30–31. Ver também: Júdice, Nuno. “Da afirmação simbolista à decadência”. Em: Jackson, Op. Cit., 2003: p. 327. 132 Nuno Júdice diz-nos que Stéphane Mallarmé terá sido da maior influência na obra poética simbolista portuguesa. Dentro dessa influência, destacou-se o texto Narciso, apresentado no segundo número da revista Orpheu (1915), escrito pelo poeta simbolista Luís de Montalvor e tendo como fonte de inspiração uma das obras mais importantes desse autor, L’après-midi d’une faune (1865). Esta obra de Mallarmé, versando sobre os vagos pensamentos de um fauno (ser mitológico) numa sossegada tarde de verão, foi, segundo Júdice, de grande influencia na revista simbolista que Montalvor dirigiria, intitulada Centauro, e que tal como Orpheu também esta tomou o seu nome da mitologia. Ver: Júdice, Nuno. “Da afirmação simbolista à decadência”. Em: Jackson, Op. Cit., 2003: p. 327. 50 Abstraccionismo. A segunda, com o desejo de transpor o passado, transcender o presente e criar o futuro, tomou a sua revolta e o seu inconformismo do Futurismo e desembocou no aparato que envolveu a publicação da revista Portugal Futurista. Se a primeira vertente foi muito influente na obra da “geração de Orpheu”, o que se pode afirmar como próprio da vanguarda, e que nos interessa tratar aqui, é o “conjunto de factores agressivos e inovadores que ou as substituem, ou as acompanham, ou lhes dão uma tonalidade inédita.”133 Estes encontram-se patentes, sobretudo, na vertente futurista que os “verdadeiramente inovadores” vão apresentar. Esta ideia de Quadros, das duas vertentes, reflecte-se na coexistência no primeiro número de Orpheu, de uma estética simbolista e decadentista134 (influência de Baudelaire), e outra futurista. Ainda que o poeta simbolista Luís de Montalvor, director daquele número da revista, reivindique na sua introdução “o direito de em primeiro lugar se desassemelhar de outros meios, maneiras de formas de realizar arte”,135 mostrando um desejo de inovação, os únicos verdadeiramente vanguardistas seriam, naquele número, Álvaro de Campos/Pessoa e Sá-Carneiro.136 Entendendo que o que a “geração” procurava era a ruptura, não surpreende que a revista Orpheu, no segundo número, ao enveredar por um caminho verdadeiramente de vanguarda, veja Pessoa e Sá-Carneiro a tomar o lugar de Montalvor na sua direcção.137 Aquela substituição parece significar que, do primeiro para o segundo número, a revista procurou definir-se. Era este o momento em que a “geração de Orpheu” se encontrava já unida por “linhas de força técnico-artísticas e estético-semânticas semelhantes.”138 Isto é, enquadrava-se numa unidade de acção e de actuação, tendo construído um critério programático geral inerente ao subgrupo, e definindo uma unidade teórica, na qual partilhavam semelhantes referências culturais e artísticas, políticas e ideológicas, míticas e simbólicas. Deste modo, guiados por uma ideia de excepção e de diferença, podiam propor a definição de novos padrões estéticos e literários, os quais alcançariam à posteriori um valor de destaque na vida cultural do país. Nesse sentido, reafirmamos aqui a condição que Orpheu adquiriu como ponto de charneira no processo de ruptura com a tradição e constituindo, como afirma Rui Gonçalves, “a primeira manifestação clara da nova consciência da modernidade.”139 Refira-se contudo que o terceiro número não editado da Orpheu – conhecido pelas provas de prelo existentes –, a ser editado, apresentaria já um carácter inequivocamente futurista. A influência desse movimento de vanguarda, conforme expusemos, é apresentado por Quadros Sobre outros autores que sofreram influência de Mallarmé, ver ainda: Saraiva, Arnaldo. “O extinto e inextinguível Orpheu”. Em: Jackson, Op. Cit., 2003. pp. 270–271. 133 Quadros, Op. Cit., 1989: p. 31. Para um estudo mais aprofundado sobre o Decadentismo, consultar: Calinescu, Op. Cit., 1999: pp. 137–195. Ver: Orpheu. (edição fac-similada). Lisboa: Contexto, 1989: s. p. Monteiro, Adolfo. “O Orpheu como símbolo e realidade”. Em: Jackson, Op. Cit., 2003: p. 323. 134 135 136 Pessoa e Sá-Carneiro indicam em nota de redacção que a substituição se deveu a “várias razões, tanto de ordem administrativa, como referentes à assunção de responsabilidades literárias perante o público”, e que essa substituição não envolveu “a mínima discordância” ilustrada pela sua continuidade como colaborador. Ver: Orpheu. (edição fac-similada). Lisboa: Contexto, 1989: s. p. 138 Maior, Op. Cit., 1996: p. 74. Apesar de que mesmo entre os mais vanguardistas do primeiro número de Orpheu – Pessoa e Sá-Carneiro – não se poder descartar a presença de influências simbolista e saudosista, parece-nos que no segundo número a substituição de Luís de Montalvor, na direcção da revista, por aqueles dois e, não sendo director, aos quais se poderia juntar o nome de Almada Negreiros, foi fundamental para o redireccionamento discursivo da mesma tornando-se assim o símbolo da vanguarda artística portuguesa. Sobre esta questão, ver: Monteiro, Adolfo. “O Orpheu como símbolo e realidade”. Em: Jackson, Op. Cit., 2003: p. 323. 139 137 Gonçalves, Op. Cit., 1993: p. 62. 51 como uma das duas vertentes fundamentais da vanguarda artística portuguesa. A essa influência, cujo projecto Orpheu se integrou, não será estranho o facto de o movimento futurista europeu tentar, como nos diz Nuno Júdice,140 efectuar uma síntese da literatura com um conjunto mais vasto das diversas artes (pintura, música, teatro, bailado, arquitectura). Será curioso relembrar aqui que o Futurismo foi praticamente ignorado nas suas duas primeiras introduções em Portugal (Publicação do Manifesto Futurista em 1909 no Diário dos Açores; crónica de Aquilino Ribeiro em 1912 na Ilustração Portuguesa). Lembre-se ainda que Sá-Carneiro não só antipatizara inicialmente com Santa-Rita Pintor – o grande impulsionador do Futurismo em Portugal141 – como, também, manteria sempre uma desconfiança em relação às ideias que este pretendia introduzir na Orpheu. Ainda assim, os dois artistas embarcariam na mesma aventura no segundo número da Orpheu. Em todo o caso, deve-se salientar que, se essa revista foi o lugar de reunião dos vanguardistas portugueses, no âmbito da literatura Sá-Carneiro foi, mais do que o seu coração, o vínculo da evolução romanesca que conduziu de Zola a Proust,142 sentida na ruptura que enceta com a tradição naturalista resultando numa aproximação proustiana à exploração do eu subjectivo. Terminada a revista Orpheu, a aventura vanguardista mais agressiva e inovadora143 expressaria a sua continuidade no Teatro da República (actual Teatro São Luís, em Lisboa) com a apresentação da “Primeira Conferência Futurista” de José de Almada-Negreiros, em Abril de 1917, e poucos meses mais tarde (Novembro) na revista Portugal Futurista – questão que retomaremos mais adiante. Refira-se contudo que esses factores de agressividade e inovação, dos artistas mais vanguardistas da “geração”, ou substituíram, ou acompanharam a estética simbolista e decadentista tão influente em todos eles e que marcara ainda duas revistas de 1916 – a Exílio e a Centauro – que antecederam aquelas explosões futuristas. Tais factores, como veremos, foram particularmente salientes nos manifestos programáticos da vanguarda nacional dominados pela corrente futurista. Nesse sentido, António Quadros144 diz-nos que o texto de Álvaro de Campos (heterónimo futurista de Fernando Pessoa) “Apontamentos para uma esthetica não-aristotelica”145 (1924– 1925) é, ainda hoje, uma peça importante e fundamental para pesquisadores e críticos literários que pretendem identificar ou questionar a possível originalidade da teorização estética da vanguarda portuguesa. Um texto que, apresentado pouco antes do fim do período temporal referido aqui como base de análise, representava já uma afirmação da concretização do projecto de modernidade. A importância desse texto de Álvaro de Campos reside no facto de ter surgido como uma afirmação feita em forma de balanço146 da proposta de vanguarda portuguesa. Editado em 140 Júdice, Op. Cit., 1981: s.p. 141 Santa-Rita Pintor declarava-se futurista desde 1912 e durante alguns anos seria o único a fazê-lo. Ver: Gonçalves, Op. Cit., 1993: pp. 64–68. Ver também: Sampaio, José. “Santa-Rita Pintor”. Em: Jackson, Op. Cit., 2003: pp. 539–560. 142 Ver: Júdice, Nuno. “O Modernismo do Orpheu na poética de Mário de Sá-Carneiro”. Em: Jackson, Op. Cit., 2003: p. 537. 143 Ver: Quadros, Op. Cit., 1989: p. 31. Ver também: Maior, Op. Cit., 1996: p. 126. 144 Ver: Pessoa, Op. Cit., 1986: p. 1O96. Ver também: Gonçalves, Op. Cit., 1993: p. 108. Ver: Campos, Álvaro. “Apontamentos para uma esthetica não-aristotelica – I”. Em: Athena. Revista de Arte. N.º 3 Lisboa: Sociedade Editora Athena; Imprensa Libanio da Silva, Dezembro de 1924: pp. 113–115. Ver também: Campos, Álvaro. “Apontamentos para uma esthetica não-aristotelica – II”. Em: Athena. Revista de Arte. N.º 3 Lisboa: Sociedade Editora Athena; Imprensa Libanio da Silva, Janeiro de 1925: pp. 157–160. 146 145 Este é um momento que diferentes autores consideram de transição entre a vanguarda histórica e o que seria o Modernism ou, como intitula Teresa de Almeida o estudo prévio à edição fac-similada da revista, “entre o Primeiro e o Segundo Modernismo [itálico nosso]: a saudade de Orpheu” e onde se fez “o balanço do passado (…) propondo novas vias para o futuro”. Ver: Almeida, Op. Cit., 1994: s. p. 52 dois capítulos na revista Athena, surge nele em evidência o conflito que a “geração de Orpheu” moveu contra a tradição naturalista na Arte portuguesa, ou mais especificamente, nas artes plásticas e literatura.147 No primeiro capítulo, Álvaro de Campos comprovando o seu carácter futurista,148 diz-nos que o artista moderno deve “formular uma estética baseada, não na ideia de beleza, mas na de força – tomando, é claro, a palavra força no seu sentido abstracto e científico; porque se fosse no vulgar, tratar-se-ia, de certa maneira, apenas de uma forma disfarçada de beleza. Esta nova estética, ao mesmo tempo que admite como boas grande número de obras clássicas [...], estabelece uma possibilidade de construírem novas espécies de obras de arte que quem sustente a teoria aristotélica não poderia prever ou aceitar”. Um texto onde, Álvaro de Campos, à ideia beleza contrapõe a ideia de força ou energia vital marcada pela sensibilidade, num eco do pensamento de Nietzsche.149 Uma ideia que se reforça no segundo capítulo do texto, onde Álvaro de Campos apresenta a arte como um esforço para dominar ou tentar dominar os outros. Um domínio que se obtinha por “dois processos”: “captar e subjugar”. O processo de captação e o processo de subjugação surge assim, na arte não aristotélica, como afirmação da individualidade do artista que tudo subordina à sua sensibilidade, construindo uma doutrina que não é senão ele próprio: “A sensibilidade é pois a vida da arte” e “ao contrário da estética aristotélica, que exige que o individuo generalize ou humanize a sua sensibilidade, nesta teoria o percurso indicado é o inverso: é o geral que deve ser particularizado, o humano que se deve pessoalizar, o «exterior» que se deve tornar «interior».”150 Álvaro de Campos termina a argumentação sobre o valor da individualidade afirmando no final do texto: “De resto, até hoje, data em que aparece pela primeira vez uma autêntica doutrina não aristotélica da arte, só houve três verdadeiras manifestações de arte não aristotélica. A primeira está nos assombrosos poemas de Walt Whitman; a segunda está nos poemas mais que assombrosos do meu mestre Caeiro; a terceira está nas duas odes – a Ode Triunfal e a Ode Marítima – que publiquei no Orpheu. Não pergunto se isto é imodéstia. Afirmo que é verdade.” Uma proposição que corresponde à divisão teórica da estética em apolínea (intelectualista e racionalista) e dionisíaca (estética vitalista e/ou não-intelectualista), para usarmos os termos de Nietzsche em A Origem da Tragédia (1871). Álvaro de Campos estabeleceu naquele texto uma relação de sentido entre a tendência histórica de teor intelectualista representada por Aristóteles, em conjunto com todos os seus continuadores racionalistas e idealistas, e a tendência, dele contemporânea, que se afirmava com Nietzsche, Walt Whitman, Marinetti e, em Portugal, com a “geração de Orpheu”, de teor vitalista nãointelectualista e onde a arte surge em oposição à ciência.151 Um texto no qual se reflecte a oposição e questionamento da formulação estético tradicional, imposta pelos vanguardistas nacionais, fundamentada nos princípios aristotélicos da noção de mimesis ou imitação, reafirmando assim a recusa a esses princípios tradicionais de mimesis como proposta predominante da arte moderna. Uma ideia à qual não era alheia a consciência do que então, no plano artístico, se fazia pela Europa.152 Uma ideia muito próxima da apresentada, por exemplo, por Albert Gleizes (1881–1953) e 147 Guimarães, Fernando. Artes plásticas e literatura: do Romantismo ao Surrealismo. Porto: Campo das Letras, 2003: p. 72. Ver: França, Op. Cit., 1991: pp. 71–72. Ver: Almeida, Op. Cit., 1994: s.p. Gonçalves, Op. Cit., 1993: pp. 109–110. Ver: Gonçalves, Op. Cit., 1993: p. 108. Maior, Op. Cit., 1996: p. 121. 148 149 150 151 152 53 Jean Metzinger (1883–1956) em Du Cubisme (1911), na qual afirmavam que “o único erro da arte é a imitação”; ou da que, dois anos mais tarde, foi apresentada por Guillaume Apollinaire no primeiro capítulo (Les peintres cubistes) do seu livro Méditations esthétiques (1913): “O cubismo diferencia-se da antiga pintura porque não é arte de imitação, senão de pensamento (…).”153 Dionísio Maior refere sobre este assunto que, de certo modo, se abre aqui outra “possibilidade de equacionação do problema, (…) tendo em conta o condicionamento exercido pelo perfil do valor de modernidade sobre o cenário cultural modernista.”154 Referese à questão da secularização; um processo iniciado com as correntes iluministas e concluído com a recusa vanguardista da ideia de representação conforme o princípio clássico de mimesis. Segundo Argan,155 a representação mimética tinha “uma implicação religiosa”, dado que a essência ou conteúdo do que fora criado não podia ser senão o criador; ou seja, a representação, que implica a ideia de um valor integrado na realidade, é negada pelo artista vanguardista com a recusa à concepção tradicional da forma. Daqui a pertinência do estabelecimento da ligação entre o valor de modernidade e a problemática da ruptura. Sintetizando, pode-se dizer que este texto de Pessoa-Álvaro de Campos de perfil estético não-aristotélico resume, no fundo, a proposta de inovação que a “geração” produziu para arte portuguesa.156 Um texto que se emparelha no conjunto de importantes protótipos textuais que definiram a doutrina das ideias da “geração de Orpheu” e que abordaremos seguidamente. 1.4.3. Os manifestos programáticos portugueses À semelhança do que os paralelos movimentos de vanguarda internacionais faziam naquela época por toda a Europa, a “geração de Orpheu” teve como característica marcante a agressividade discursiva – componente caracterizadora do experimentalismo vanguardista. Com ela visavam, fundamentalmente, atingir uma estratégia de transição, ou transformação, do pensamento artístico em Portugal. Pela polémica panfletária com que o projecto vanguardista de Orpheu se apresentou, e o repúdio com o qual foi recebido pelo estabelishment da época, os seus protagonistas ficaram a mercê das mais mordazes críticas por parte da sociedade e do academismo bem pensante. Contra essa reacção, vista muitas vezes como positiva uma vez que publicitava as suas acções, a afirmação das individualidades vanguardistas encontrou uma protecção. Uma afirmação que teria como alicerces a construção de uma base teórica, comum às diversas artes, com o fim de se impor como vanguarda do pensamento artístico moderno. Segundo Nuno Júdice,157 na construção da sua base teórica comum, o vanguardismo nacional seguiu princípios gerais comuns aos diferentes movimentos de vanguarda: a) a preocupação de atingir o maior número possível de pessoas, procurando não só conquistar público, mas também possíveis reacções negativas; 153 Recordemos que Sá-Carneiro, Amadeo Souza-Cardoso e Santa-Rita Pintor, tendo estado em Paris, tinham entrado em contacto com as propostas cubistas. Estas seriam aliás tema de algumas cartas que Sá-Carneiro enviou a Pessoa. Ver: Sá-Carneiro, Op. Cit., 1992. Ver: Maior, Op. Cit., 1996: p. 119. Ver: Argan, Op. Cit., 1995. 154 155 156 Importa ainda assinalar que as principais teorias artístico-poéticas produzidas por Fernando Pessoa, a figura central da vanguarda portuguesa, se encontram precisamente resumidas nesse texto, sendo em grande medida regidas pelos princípios da estética não-aristotélica. Júdice, Op. Cit., 1981: s.p. 157 54 b) efectua, com esse fim, a apresentação das suas ideias em reuniões ou apresentações em lugares públicos (o café, ou clube), em oposição ao “salão” novecentista; c) a utilização de um órgão literário – a revista – para a exposição das suas diferentes manifestações. De entre as diferentes manifestações vanguardistas, e para melhor entendermos os propósitos da “geração de Orpheu”, interessam-nos aqui analisar as manifestações semântico-programáticas, isto é, os manifestos programáticos158 que constituíram a base teórica da vanguarda nacional. No entanto, antes de nos referirmos especificamente aos manifestos programáticos nacionais, devemos ter em consideração que o “manifesto”, num sentido lato, é um texto que aparece particularmente em “épocas de crise” cultural.159 Os primeiros manifestos do Futurismo, de Marinetti e seus companheiros, são um exemplo paradigmático dessa situação: a crise civilizacional declarada neles160 conduziria em breve espaço temporal à Primeira Guerra Mundial (1914–1918), à Revolução Russa (1917) e aos períodos de fascismo, de nazismo e do salazarismo em Portugal. Essa forma (manifesto) de expor as ideias usando uma linguagem literária e provocatória, adoptada pelos futuristas, teve dois tipos de influência: a retórica política161 ; e a intensa produção de manifestos em consequência da crescente influência das “correntes de índole anarquista”162 e revolucionária,163 existente desde meados do século XIX. Usado como forma de comunicação, o “manifesto” pressupunha, inevitavelmente, a existência de um público que estivesse disposto a receber os ideais ali expostos. Essa necessidade comunicacional encontrou no jornal e na revista,164 geralmente literária, o seu meio de comunicação privilegiado – recorde-se a publicação do Manifesto (1909) de Marinetti na primeira página do jornal francês Le Fígaro e, posteriormente, na revista Poesia. Outra consequência poderá ser a adopção de um tom imperativo, messiânico e persuasivo no seu discurso: imperativo pela sua linguagem de agressão e interpelação – a “alusão breve, a declaração assertiva e injuntiva, a frase exclamativa e exortativa, o verbo no modo imperativo, a frase na primeira pessoa (do plural e/ou do singular), a reiteração anafórica, a ironia, o sarcasmo, a diatribe, a injúria explícita, a metáfora, a hipérbole, o terrorismo intelectual”;165 messiânico porque precede166 ou prepara o ambiente para o surgimento da 158 Os manifestos da vanguarda portuguesa que aqui referiremos encontram-se analisados de forma sistemática em: Silvestre, Osvaldo. A vanguarda na literatura portuguesa. O Futurismo. Coimbra: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 1990 [Dissertação de Mestrado]. 159 Silvestre, Op. Cit., 1990: p. 120. Quadros, Op. Cit., 1989: pp. 278–279. 160 Júdice, Nuno. “Do Futurismo em Portugal ao «Portugal Futurista»”. Em: Portugal Futurista. (Ed. fac-similada). Lisboa: Contexto, 1981: s.p. 162 161 Silvestre, Op. Cit., 1990: p. 120. 163 Pontus Hulten indica-nos como exemplo dos numerosos livros e teorias: Les Fleurs du mal (1857) de Baudelaire; Das Kapital (1867) de Marx; Göttendämmerung (1888) de Nietzsche; Die Überwindung des wissenschaflicher Materialismus (1895) de Wilhelm Ostwald; The Time Machine (1895) de H. G. Wells; Matière et Mémoire (1896) de Bergson; Les Villes tentaculaires (1896) de Emile Verhaeren; La città morta (1898) de Gabriele D’Annunzio; Die Traumdeutung (1900) de Freud; Teosofia (1904) de Rudolf Steiner; La nuova arma (la Macchina) (1905) de Mario Morasso; Il crepuscolo dei filosofi (1906) de Papini; L’Evolution créatrice (1907) de Bergson; Réflexions sur la violence (1908) de Georges Sorel; La Vie unanime (1908) de Jules Romains. Ver: Hulten, Op. Cit., 1986: p. 19. 164 Ver: Hulten, Op. Cit., 1986: p. 17. Ver também: Celant, Germano. “Manifesti”. Em: Hulten, Op. Cit., 1986: p. 505. 165 Ver: Silvestre, Op. Cit., 1990: p. 122. Ver: Hulten, Op. Cit., 1986: p. 17. 166 55 obra à qual é autónomo; persuasivo porque pretende induzir à aceitação da doutrina e, posteriormente, da obra que anuncia. Pode-se assim afirmar que, os manifestos programáticos, visando uma estratégia de transição, se perspectivavam no futuro reagindo contra as formas do tradicionalismo. Uma atitude que poderíamos considerar característica do discurso das vanguardas, mas onde teríamos que diferenciar o Dadaísmo uma vez que, este movimento, fazendo a apologia da desordem total recusou tanto o passado como o futuro.167 Os manifestos programáticos que a vanguarda portuguesa apresentou, pelas características do caso nacional que temos vindo a apontar, apresentaram um paralelismo ideológico com os primeiros manifestos futuristas, sobretudo com os de Marinetti e dos pintores futuristas italianos Boccioni, Carrà, Russolo, Balla e Severini (publicados entre 1909 e 1913), e com a ideia de “antitradição futurista de Apollinaire.”168 Um exemplo desse paralelismo ideológico é a publicação de alguns desses textos, que os vanguardistas nacionais fizeram na Portugal Futurista: um resumo das ideias de Marinetti, Boccioni e Carrà escrito por BettencourtRebelo; e a transcrição do Manifeste des Peintres Futuristes (de 11 de Abril de 1910, em versão francesa) dos cinco pintores italianos supra-indicados, do Manifesto Futurista da Luxúria (de 11 de Janeiro de 1913) de Valentine de Saint-Point e, ainda, do Music-Hall (de 21 de Novembro de 1913) de Marinetti. Uma proximidade aos ideais de Marinetti que é, também, notória numa das cartas que SáCarneiro escreve a Pessoa, recomendando-lhe o envio de alguns exemplares da Orpheu aos futuristas italianos e referindo-se, ainda, à extinta revista Poesia (1905–1909) que fora dirigida por Marinetti: “Se a revista existisse – nós poderíamos muito possivelmente ser seus colaboradores. Por tudo isto, não deixe de enviar o Orpheu aos homenzinhos.”169 Tendo em conta as influências que marcaram os ideais do vanguardismo nacional, podemos afirmar que os “manifestos programáticos portugueses” foram a “teorização de um programa” que consistia numa proposta de inovação estética e ideológica da Arte, e a negação da tradição dominante na arte (naturalismo). Conforme António Quadros170 , nesse caminho futurista apontaram os seguintes textos e manifestos: ODE TRIUNFAL (1914) de Pessoa-Álvaro de Campos Segundo o estudo de José Seabra,171 este poema publicado em Orpheu 1 (p. 77–83) 172 foi o único a apresentar uma “tonalidade futurista” neste número da revista, que preparou o terreno para a vanguarda nacional: “Ah, poder exprimir-me como um motor se exprime! / Ser completo como uma máquina! / Poder ir na vida triunfante como um automóvel último modelo! (…) Ó fábricas, ó laboratórios, ó music-halls, ó Luna-Parks, / Ó couraçados, ó pontes. Ó docas flutuantes – / Na minha mente turbulenta e encandescida / Possuo-vos como 167 Ver: Maior, Op. Cit., 1996: p. 136. Ver também: Tzara, Tristan. Manifiesto Dada de 1918. Em: Micheli, Op. Cit., 1998: pp. 293–302. 168 Júdice, Op. Cit., 1981: s.p. Sá-Carneiro, Op. Cit., 1992: pp. 57–58. 169 Ver: Quadros, Op. Cit., 1989: pp. 31–37. Sobre os manifestos e o seu valor literário, ver: Silvestre, 1990. Ver também: Picchio, Luciana. Il manifesto come genere letterario. Premesa a uno studio dei manifesti modernisti portoghesi e brasiliani: I manifesti portoghesi. “Miscellanea di studi in memoria di Erilde Melillo Reali”. Napoli: Istituto Universitário Orientale, 1989: pp. 219–237. 171 170 Ver: Seabra, José. “Marinetti e o Futurismo em Portugal”. Em: Jackson, Op. Cit., 2003. pp. 275–287. Orpheu. (edição fac-similada). Lisboa: Contexto, 1989. 172 56 uma mulher bela / Completamente vos possuo como uma mulher bela que não se ama, / Que se encontra casualmente e se acha interessantíssima…” A importância deste texto reside no facto de ter sido, possivelmente, o primeiro a publicar-se com um carácter futurista e porquanto, conforme nos diz Seabra, só após Pessoa enviar este “canto às sensações” a Sá-Carneiro é que este “se dá por rendido ao Futurismo” e às ideias de Marinetti, que até então tinha minimizado: “Não tenho dúvida em assegurá-lo, meu amigo, você acaba de escrever a obra-prima do Futurismo. Porque, apesar talvez de não pura, de não escolarmente futurista – o conjunto da ode é absolutamente futurista. Meu amigo, pelo menos a partir de agora Marinetti é um grande homem… porque todos o conhecem como o fundador do Futurismo, e essa escola produziu a sua maravilha.”173 MANUCURE (1915) de Mário de Sá-Carneiro Este poema publicado em Orpheu 2 (pp. 98–107),174 com um cunho decisivamente futurista175 no conteúdo linguístico: “Ó emotividade zebrante do Reclamo, / ó estética futurista – up-to-date das marcas comerciais / Das firmas e das tabuletas” e na forma: “Números e letras, firmas e cartazes – / Altos-relevos, ornamentação!… – / Palavras em liberdade, sons sem fio” onde apresenta uma clara influência do “parole in liberta” e “l’immaginazione senza fili” (1913) de Marinetti. Para tal, investiu na apresentação gráfica do poema, isto é, na força conotativa formal (gráfica) tomada da técnica publicitária e que passou pela utilização de diferentes tipos de letra, ornamentos, tabuletas de firmas comerciais, onomatopeias e variação dos corpos tipográficos. MANIFESTO ANTI-DANTAS E POR EXTENSO (1915) de Almada Negreiros No mesmo ano que se editou Orpheu, Almada Negreiros (assinou como Poeta d’ORPHEU, Futurista e Tudo) escreveu este texto que Dionísio Maior considera como o primeiro manifesto da vanguarda nacional.176 Considera-o assim porque, à diferença dos poemas referidos anteriormente, este texto é portador de uma mensagem que se declara, com “um certo grau de violência verbal”, contra um contexto histórico que condiciona a sua produção, recepção e sentido. Publicado em forma de folheto e com uma apresentação gráfica inovadora:177 o carácter imperativo do discurso relacionado com o texto totalmente escrito em caixa alta e o uso da exclamação; o uso de interjeições – Pim! – para transmitir uma forte carga emotiva; e o uso de onomatopeias – pim-pam-pum – com o fim de imitar o som; o uso de ornamentos tipográficos – mão negra indicando – sempre que Almada refere a necessidade de “matar” Júlio Dantas.178 “UMA GERAÇÃO, QUE CONSENTE DEIXAR-SE REPRESENTAR POR UM DANTAS É UMA GERAÇÃO QUE NUNCA O FOI. É UM COIO D’INDIGENTES, D’INDIGNOS, E DE CEGOS! É UMA RESMA DE CHARLATÃES E DE VENDIDOS, E SÓ PODE PARIR ABAIXO DE ZERO! ABAIXO A GERAÇÃO! 173 Carta escrita desde Paris a 20 de Junho de 1914. Ver: Sá-Carneiro, Op. Cit., 1992: pp. 151–152. Orpheu. (edição fac-similada). Lisboa: Contexto, 1989. Ver: Quadros, Op. Cit., 1989: p. 131. Ver: Maior, Op. Cit., 1996: pp. 137–138; e nota de rodapé 110. Ver: Negreiros, Almada. Manifesto Anti-Dantas e por extenso. (ed. fac-similada). Lisboa: Ática, 1999. Sobre as questões gramaticais e de sintaxe consultar: Maior, Op. Cit., 1996: pp. 143–144. 174 175 176 177 178 57 MORRA O DANTAS, MORRA! ☛ PIM!” O Manifesto Anti-Dantas apresentava uma crítica às instituições que corporizavam o academismo e o tradicionalismo, surgindo ali figuradas na personalidade de Júlio Dantas: “O DANTAS É A VERGONHA DA INTELECTUALIDADE PORTUGUESA! O DANTAS É A META DA DECADÊNCIA MENTAL!” Almada pretendia com este manifesto desferir um ataque à tradição, apresentando ainda uma recusa explícita a toda a geração vinculada com o academismo formal e submissa às regras normalizadores da cultura nacional – a estética naturalista. MANIFESTO DA EXPOSIÇÃO AMADEO DE SOUZA-CARDOSO (1916) de Almada Negreiros Este manifesto, escrito a 12 de Dezembro de 1916 na sequência das exposições que Amadeo realizou esse ano no Porto e em Lisboa, foi escrito por Almada motivado pela recepção negativa por parte do público, razão pela qual Amadeo seria agredido na rua.179 Foi primeiramente distribuído pelo próprio Almada à porta da exposição lisboeta e, posteriormente, inserida uma parte como anexo na publicação que Almada Negreiros dedicou a Amadeo de Souza-Cardoso – K4 Quadrado Azul, poesia terminus diz-se aqui o segredo do génio intransmissível (1917).180 Um manifesto onde Almada declara que “Amadeo de Souza-Cardoso é a primeira Descoberta de Portugal na Europa no século XX” e que “a Descoberta do Caminho Marítimo prá Índia é menos importante que a Exposição de Amadeo de Souza-Cardoso na Liga Naval de Lisboa”. Criticando a opinião maioritária e tradicionalista sobre Arte em Portugal, afirma que “um português, genialmente do século XX, desce da Europa, condoído da pátria entrevada, para lhe dar parto da sua inteligência”. Percebe-se também a apologia da europeização cultural que a vanguarda nacional pretendia, e que encontrava na modernidade da obra de Amadeo e na sua vivência de Paris o símbolo ideal dessa intenção. Almada prossegue dizendo que para eles, os futuristas, que desconhecem a história e só conhecendo a Vida que por eles passa, a exposição de Amadeo “é o documento conciso da Raça Portuguesa no século XX”, uma raça que “precisa é de nascer pró século em que vive a Terra”. Conforme afirma Dionísio Maior,181 Almada tenta impor uma vontade acentuadamente egocêntrica, usando neste manifesto um método discursivo argumentativo que tencionava incitar o leitor – o público – a começar “já hoje”, acrescentando ainda em forma imposição: “Não esperes, porém, que os quadros venham ter contigo, não! Eles têm um prego atrás a prendê-los. Tu é que irás ter com eles”. Quatro meses depois das exposições de Amadeo, a 14 de Abril de 1917, Almada realizou-se a “Primeira Conferência Futurista” no Teatro República em Lisboa. Segundo França182 , os 179 Silvestre, Op. Cit., 1990: p. 130. 180 Negreiros, José de Almada. Obras completas: textos de intervenção. (Vol. VI). Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1993: pp. 29–30. Ver também: K4 Quadrado Azul, poesia terminus diz-se aqui o segredo do génio intransmissível. (ed. fac-similada). Lisboa: Assírio & Alvim, 2000. 181 Maior, Op. Cit., 1996: pp. 148–149. 182 França, Op. Cit., 1991: pp. 64–65. A descrição do programa da “Primeira Conferência” e um comentário, de Almada, sobre o ali sucedido pode ser lido em: Portugal Futurista. (Ed. fac-similada). Lisboa: Contexto, 1981: p. 35. Para uma explicação da escolha dos manifestos Music-Hall e Da Luxúria consultar: Gersão, Teolinda. “Para o estudo do Futurismo literário em Portugal”. Em: Portugal Futurista. (ed. fac-similada). Lisboa: Contexto, 1982: pp. XXXIV– XXXV. A mesma autora apresenta a possibilidade de o título desta revista portuguesa ter influência de uma “revista bimensal de Florença, L’Italia Futurista, cujo primeiro número é de 1 de Junho de 1916 e se publicou até 14 de Fevereiro de 1918”. Ver, na obra citada: p. XXXIII. 58 textos ali lidos foram: “Ultimatum futurista às gerações portuguesas do século XX” de Almada, o “Manifesto futurista da luxúria” (1913) de Valentine de Saint-Point, e os textos de Marinetti “Tuons le clair de lune” (1909) e “Music-Hall” (1913). Textos que, em Novembro do mesmo ano, seriam publicados na revista Portugal Futurista com, entre outros, os textos inéditos dos poetas Guillaume Apollinaire e Blaise Cendrars, o “Ultimatum” de Pessoa-Álvaro de Campos e as pinturas de Amadeo e Santa-Rita Pintor. Destacamos pois os dois textos nacionais de Almada e Pessoa-Álvaro de Campos. ULTIMATUM FUTURISTA ÀS GERAÇÕES PORTUGUESAS DO SÉCULO XX (1917) de Almada Negreiros Este manifesto183 surge na sequência das ideias que apontamos no Manifesto da exposição de Amadeo de Souza-Cardoso: o discurso do eu e da sua vontade impositiva. “Eu não pertenço a nenhuma das gerações revolucionárias. Eu pertenço a uma geração construtiva. […] Eu sou aquele que se espanta da própria personalidade e creio-me portanto, como português, com o direito de exigir uma pátria que me mereça. Isto quer dizer: eu sou português e quero portanto que Portugal seja a minha pátria. / Eu não tenho culpa nenhuma de ser português, mas sinto a força para não ter, como vós outros, a cobardia de deixar apodrecer a pátria.” Almada faz um apelo à “geração”, que é quem “dispõe de toda a força criadora e construtiva” para que o ajudem a criar “uma nova pátria”. “Vós, oh portugueses da minha geração, nascidos como eu no ventre da sensibilidade europeia do século XX criai a pátria portuguesa do século XX. […] Ide buscar na guerra da Europa toda a força da nossa nova pátria.” Uma afirmação que revela a influência do pensamento de Marinetti na apologia da guerra como a força que pode revitalizar Portugal. Uma guerra antitradicional, antiacadémica e que é a garantia da abertura à construção de novos valores. “É a guerra que liquida a diplomacia e arruína todas as proporções do valor académico, todas as convenções de arte e de sociedade explicando toda a miséria que havia por debaixo. […] Enfim: a guerra é a grande experiência.” Atribuindo a culpa da decadência de Portugal aos domínios político, estético-artístico, sociológico e ético-moral,184 Almada define soluções para ultrapassar esse momento. “Para criar a pátria portuguesa do século XX não são necessárias fórmulas nem teorias; existe apenas uma imposição urgente: Se sois homens sede Homens, se sois mulheres sede Mulheres da vossa época. Vós, ó portugueses da minha geração, que, como eu, não tendes culpa nenhuma de serdes portugueses. Insultai o perigo. / Atirai-vos prá glória da aventura. / Desejai o record. / Dispensai as pacíficas e coxas recompensas da longevidade. / Divinizai o Orgulho. / Rezai a Luxúria. / Fazei predominar os sentimentos fortes sobre os agradáveis.” É ainda um manifesto no qual o autor faz a apologia de diferentes aspectos configuradores da modernidade, essenciais para a criação da “nova pátria”: a aventura – “é preciso criar o espírito da aventura”; o tempo presente – “é preciso ter a consciência exacta da Actualidade”; o cosmopolitismo – “é preciso criar e desenvolver a actividade cosmopolita”; a cidade – “é absolutamente necessário resolver o maravilhoso citadino”; e os “criadores” do século XX – “Edison, Marinetti, Pasteur, Elchrïet, Marconi, Picasso”. 183 Ver: Portugal Futurista. (Ed. fac-similada). Lisboa: Contexto, 1981: pp. 36–38. Ver: Maior, Op. Cit., 1996: pp. 158–159. 184 59 ULTIMATUM (1917) de Pessoa-Álvaro de Campos; Também publicado na Portugal Futurista,185 este manifesto, que Quadros186 considera “mais espectacular” que o Ultimatum de Almada, abordou a situação sócio-cultural europeia começando por desprezar um grande número de nomes sonantes da literatura e da política, com um “Mandado de despejo aos mandarins da Europa! Fora!” “Homens, nações, intuitos, está tudo nulo! / Falência de tudo por causa de todos! / Falência de todos por causa de tudo! / De um modo completo, de um modo geral, de um modo integral: / Merda!” [esta última palavra, no original, está composta noutro tipo de letra, a negrito, em caixa alta e com um corpo maior] Um manifesto niilista, segundo o qual só era possível o progresso da sociedade após a destruição do que socialmente existia, futurista e nietzschiano: “Em todo o caso proclamo a necessidade da vinda da Humanidade dos Engenheiros. / Faço mais: garanto absolutamente a vinda da Humanidade dos Engenheiros! / Proclamo, para um futuro próximo, a criação científica dos Super-homens! / Proclamo a vinda de uma Humanidade matemática e perfeita! / Proclamo a sua Vinda em altos gritos! / Proclamo a sua Obra em altos gritos! / Proclamo-A, sem mais nada, em altos gritos! / E proclamo também: Primeiro: O Super-homem será, não o mais forte, mas o mais completo!* E proclamo também: Segundo: O Super-homem será, não o mais duro, mas o mais complexo!* E proclamo também: Terceiro: O Super-homem será, não o mais livre mas o mais harmónico!* *[as três afirmações surgem compostas num corpo maior e a negrito] Numa referência directa ao Super-homem, o redentor cultural anunciado por Nietzsche em Also Sprach Zarathustra, também Álvaro de Campos anuncia neste manifesto a vinda de um Super-homem. Devemos salientar que esta afirmação surge em continuidade com o que Pessoa, ortónimo, havia anunciado em 1913: a vinda de um Supra-Camões para a literatura nacional contemporânea. Este manifesto é, pois, coincidente com o Ultimatum de Almada na violência e agressividade do ataque efectuado à sociedade portuguesa,187 procurando ambos na ideologia futurista a ruptura com o passado, a “destruição futurista das obras-primas imortais”,188 e a glorificação da individualidade criativa. NÓS (1921) de António Ferro Este manifesto189 publicado primeiramente em Lisboa (edição de autor) completa, segundo Dionísio Maior,190 o conjunto de manifestos da vanguarda portuguesa. Seria posteriormente publicado no terceiro número da revista brasileira Klaxon (São Paulo, 1922), órgão do vanguardismo brasileiro, expresso na Semana de Arte Moderna (1922) em São Paulo, e com o qual terá feito a ligação.191 185 Ver: Portugal Futurista. (Ed. fac-similada). Lisboa: Contexto, 1981: pp. 30–34. Quadros, Op. Cit., 1989: p. 34. Ver: Sousa, Maria Machado de. “O Futurismo do Portugal Futurista”. Em: Jackson, Op. Cit., 2003. p. 355. Marinetti, Filippo. “O Music-Hall”. Em: Portugal Futurista. (Ed. fac-similada). Lisboa: Contexto, 1981: p. 41. Ver: Ferro, António. Obras de António Ferro – Intervenção Modernista. Lisboa: Verbo, 1987: pp. 149–152. 186 187 188 189 Maior, Op. Cit., 1996: p. 180. Ver também: Quadros, Op. Cit., 1989: pp. 31–37. 191 António Ferro levou ainda ao Brasil duas conferências, “A arte de bem morrer” e “A idade do jazz-band”, e a peça de teatro Mar Alto, que no ano seguinte, devido à sua ousadia, foi proibida em Lisboa um dia depois da sua estreia. Ver: Quadros, Op. Cit., 1989: pp. 35–36; 319. Sobre o Futurismo brasileiro ver: Fabris, Op. Cit., 1994. 190 60 Com um estilo semelhante ao Ultimatum de Pessoa-Álvaro de Campos, este “manifesto” de Ferro insurge-se também contra a vida sócio-cultural nacional e apresentando, ainda e uma vez mais, a sobrevalorização do “eu”: “Cheira a defuntos, cheira a defuntos em Portugal… / Não andamos, não andamos, transladamo-nos… / É preciso gerar, criar… (…) ó etceteras da Vida!… / Morram, morram vocês, / Viva eu, viva EU, viva a HORA que passa… / Nós somos a Hora oficial do Universo: / meio-dia em ponto com o sol a prumo!” Ferro insurge-se contra os que “do outro lado estão”, o “Dantas”, os “embalsamados” cujos “livros são cemitérios de palavras”, pois “as letras negras são vermes”, aludindo ainda às “telas dos pintores [que] são pântanos” e dizendo que “não há escultores, há ortopédicos”. Assim, em oposição, exalta os que representavam o moderno: “Dum lado estaremos nós”, os artistas “de hoje e de amanhã”, Gabriel d’Annunzio, Nijinsky, Marinetti, Picasso, Cocteau, Balise Cendrars, Picabia, Stravinsky, Baskt, Bernard Shaw, Colette, Ramón Gómez de la Serna e “EU”. Apoiando-se no estilo de Marinetti, da apologia do bélico e da paixão pelo perigo, afirma: “Sejamos rebeldes, revolucionários”, declarando “a Grande Guerra na Arte!” Foi, assim, neste conjunto de manifestos que se esboçou teoricamente o projecto de inovação da vanguarda nacional. Retomamos aqui o pensamento de Peter Bürger, que tomamos como base para esta análise, onde defende a atitude intervencionista da vanguarda: “os movimentos históricos de vanguarda negam (…) as características da arte autónoma: a separação da arte em relação à praxis vital, a produção individual e a consequente recepção também individual. A vanguarda intenta a superação da arte autónoma para uma recondução da arte em direcção à praxis vital.”192 Assim, poderíamos concluir que, o projecto de vanguarda portuguesa, se sobrelevou contra as convenções tradicionais da representação estético-cultural – os processos miméticos ou, a ideia da arte como representação –, atingindo o seu clímax com a publicação da revista Portugal Futurista.193 Um projecto que se apresentou segundo quatro direcções de interpretação nucleares: a) uma estratégia de transição, consentânea com a ideia de vanguarda, na qual as estruturas e os esquemas artístico-culturais foram colocados em causa; b) a questão da secularização; c) a contemporaneidade; d) e o cosmopolitismo. No entanto, depois dessa fase caracterizada pela indagação e afirmação de uma linguagem de vanguarda, concretizada segundo os princípios futuristas e anti-iconoclastas referenciados, assistiu-se a um claro declínio nas actividades de renovação estética e social, sem que isso tenha implicado o abandono da linguagem de vanguarda. Nesse sentido, assistir-se-ia posteriormente em Portugal uma progressiva acentuação dos valores tradicionais ou, a uma actualização da tradição, que levaria o pensador francês André Coyné a afirmar, “a vanguarda portuguesa foi a única, de todas as vanguardas europeias, que ulteriormente reencontrou a tradição, no sentido ultra-religioso do termo.”194 Confirma-se desta forma a ideia, apresentada por Peter Bürger em Teoria da Vanguarda, de que as revoluções falhadas acabam sempre por reforçar o que procuravam transformar. 192 Bürger, Op. Cit., 1993: p. 96. 193 Recorde-se que a revista foi apreendida à porta da oficina tipográfica onde foi impressa, não chegando a ser distribuída. 194 Quadros, Op. Cit., 1989: p. 17. [citação em epígrafe] 61 62 2. TIPOGRAFIA EM PORTUGAL – VISÃO HISTÓRICA 2.1. Introdução Robin Kinross aborda em Modern Typography, an essay in critical history1 a questão da historicidade da tipografia e da imprensa, afirmando que esta é, ou tem sido, um objecto de estudo abordado sob diferentes perspectivas. Uma observação que vai mais além da mera constatação da divergência dos modelos históricos, objectivando que essas diferenças de resultados se encontram pré-determinadas pelos fins que as distintas abordagens perseguem. Estas indefinições são também um reflexo das variações que o próprio significado dos termos tipografia e imprensa tiveram ao longo dos tempos. Alterações que se podem entender à luz da natural evolução daqueles processos, mas que em alguns casos dependeram do entendimento intelectual que os diferentes autores das definições tiveram desses mesmos processos. Recordemos, por exemplo, o caso da definição de tipografia que Stanley Morison (1889–1967) apresenta em First principles of typography, na qual afirmava que aquela arte tinha “un fin esencialmente utilitário y solo accidentalmente estético”.2 Uma definição que reflecte objectivamente o envolvimento de Morison no movimento de reforma tipográfica,3 que propunha um revivalismo das formas históricas, tão influente em Inglaterra nas décadas de 1920 e 1930. Cremos, assim, ser pertinente apresentar previamente uma proposta de definição dos termos tipografia e imprensa, para que este estudo não sofra de possíveis contradições. Tipografia, termo constituído etimologicamente com a união do antepositivo tip(i/o), do grego túpos (marca impressa, figura, símbolo, emblema), com o pospositivo grafia, do grego graphé (escrita, escrito, convenção, documento, descrição), significa segundo o Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa: “a arte e a técnica de compor e imprimir com o uso de tipos; conjunto de procedimentos artísticos e técnicos que abrangem as diversas etapas da produção gráfica (desde a criação dos caracteres até à impressão e acabamento), especialmente no sistema de impressão directa com o uso da matriz e relevo”. Actualmente, no âmbito do Design Gráfico onde se inclui este estudo, entende-se por tipografia o arranjo (composição) e especificação do uso de elementos estandardizados (tipos) com o fim de escrever/imprimir, independentemente da técnica ou sistema utilizado (digital, mecânico ou manual).4 Imprensa, derivando na língua portuguesa do vocábulo castelhano imprenta, designa a tipografia como procedimento/acção para a impressão/reprodução sobre papel pelo meio de um relevo/plano impregnado com tinta. Analogamente, pode designar também, na língua portuguesa, a máquina destinada a imprimir e estampar (prelo, prensa) ou, ainda, o material impresso através da acção tipográfica. Aqui, adoptaremos o termo somente para designar o 1 Ver: Kinross, Robin. Modern Typography, an essay in critical history. (2ª ed.). London: Hyphen Press, 2004: pp. 16– 17. Ver: Morison, Stanley. Princípios fundamentales de la tipografia. Barcelona: Ediciones del Bronce, 1998: p. 95. 2 3 Robin Kinross, na obra supracitada (capítulo 6: New Tradicionalism), apresenta uma esclarecedora abordagem sobre esta questão, referindo sobre este texto de Morison: “the text [First principles of typography] was concerned to assert the inviolability of certain values: ‘reason’, ‘convention’, ‘the reader comprehension of the text’”. Termos que determinam a definição de tipografia apresentada por Morison. 4 Ver: Kinross, Robin (ed.). Anthony Froshaug: typography & texts, documents of a life. London: Hyphen Press, 2000; Baines, Phil; Haslam, Andrew. Tipografia: función, forma y diseño. Barcelona: Gustavo Gili, 2002: pp. 6–10; Livingston, Alan; Livingston, Isabella. The Thames and Hudson dictionary of Graphic Design and designers. London: Thames and Hudson, 1998. Em Portugal, o termo “tipografia” pode ainda designar o estabelecimento destinado à prática do ofício da tipografia. Com o fim de evitar um uso indistinto da palavra, designaremos neste estudo o estabelecimento por “oficina tipográfica”. 63 método de multiplicação de mensagens visuais, compostas por palavras, símbolos ou imagens, passíveis de serem lidas, em parte ou na sua totalidade, sem o auxílio de qualquer outro meio.5 Observando a pluralidade de significados que os termos apresentam, é inteligível que os resultados de um estudo sobre a história da tipografia ou da imprensa encontrem, consoante os arquétipos sobre os quais se fundamenta, distintos produtos. Kinross determina, nesse âmbito, quatro possíveis modelos de abordagem: 1) As Histórias da Imprensa, que se caracterizam por apresentar como tema principal os desenvolvimentos técnicos, tendendo por defeito a constituir histórias dos meios e métodos de impressão. Esta tipologia constitui, por isso, uma importante forma de preservação e fixação da história dos materiais e das práticas do passado. 2) Com uma tradição que remonta ao fim de oitocentos, surge a História Bibliográfica. Esta deriva dos estudos bibliográficos, das histórias do livro ou, ainda, da paleografia, centrando-se no estudo dos textos impressos, na sua transmissão e, por necessidade de conhecimento material dos textos impressos, nos seus processos de impressão. 3) Uma terceira variante surge do “emergente” campo da História da Cultura. Tomando o livro e a imprensa como elementos chave da mudança histórica, olha ainda para os ofícios da imprensa e da publicação entendendo que estes podem não só representar uma fonte documental, mas constituir também material de estudo e de análise da vida passada. 4) A História da Tipografia, na qual Kinross engloba o seu livro Modern Typography – apresentado como uma tentativa de crítica aos demais do mesmo género. Apesar de considerar esta tipologia como a menos delimitada (the vaguest) no seu campo de actuação, define-a como sendo a mais próxima da prática da disciplina do Design e dos tipógrafos, dado que concentra a sua abordagem, sobretudo, na história dos tipos de letra, nos produtos impressos e no seu design. Adoptando esta hipótese classificatória de Kinross, pode-se afirmar que actualmente nos deparamos com a inexistência de uma obra de referência que analise a História da Tipografia ou do Design em Portugal. Ainda assim, é importante mencionar a existência de um conjunto de obras sólidas6 nacionais, versando sobretudo sobre as áreas dos estudos da História do Livro, da História da Imprensa, dos Estudos Bibliográficos e Paleográficos. Contudo, dado o carácter tendencialmente exclusivo dessas disciplinas, essas obras restringem-se de forma natural às questões relacionadas com os seus âmbitos de estudo ou à observação de períodos restritos. Dessa forma, não sendo o seu fim coincidente com o da História da 5 Ver: Spencer, Herbert. The visible word. (2ª ed.). Londres: Lund Humphries; Royal College of Art, 1969: p. 7. Anselmo, Artur. Estudos da História do livro. Lisboa: Guimarães Editores, 1997. Anselmo, Artur. Origens da imprensa em Portugal. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1981. Canaveira, Rui. História das artes gráficas. Lisboa: Associação Portuguesa das Indústrias Gráficas e Transformadoras do Papel, 1996. Canhão, Manuel. Os caracteres de imprensa e a sua evolução histórica, artística e económica em Portugal. Lisboa: Grémio Nacional dos Industriais de Tipografia e Fotogravura, 1941. Canhão, Manuel. Nos domínios da arquitectura do livro. Lisboa: Grémio Nacional dos Industriais Gráficos, 1952. Dias, João. Craesbeeck: Uma dinastia de impressores em Portugal. Lisboa: Associação Portuguesa de Livreiros Alfarrabistas, 1996. Deslandes, Venâncio. Documentos para a história da tipografia portuguesa nos séculos XVI e XVII. (Ed. fac-similada). Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1988. Ferreira, Joaquim Antero. Oficina Alvares Ribeiro: uma família de impressores, editores, livreiros e papeleiros, do Porto e de Vizela (Portugal), do século XVIII ao XIX. Barcelona: Facultat de Belles-Arts de la Universitat de Barcelona, 2003 [Dissertação de Doutoramento]. Peixoto, Jorge. Relações de Plantin com Portugal: notas para um estudo de tipografia do século XVI. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1962. Peixoto, Jorge. História do livro impresso em Portugal. Coimbra: (sin nomine), 1967. Ribeiro, José. A Imprensa Nacional de Lisboa: apontamentos e subsídios para a sua história 1768–1912. Lisboa: Imprensa Nacional, 1912. Rocha, João. O essencial sobre a imprensa em Portugal. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1988. 6 64 Tipografia, esgotam a sua análise, não apresentando uma reflexão crítica sobre a prática da Tipografia/Design Gráfico ou, ainda, do valor estético dos artefactos gráficos. Com o fim de promover o bom entendimento deste estudo sobre “as Artes Gráficas em Portugal no período das vanguardas históricas” e, especificamente, sobre o grafismo das revistas literárias ligadas ao movimento de vanguarda nacional no período de 1909–1926, acreditamos ser fundamental a apresentação de uma abordagem, resumida, da história da tipografia em Portugal. Uma abordagem na qual se procura relacionar ideias com consequências, não apenas ideias com produtos finais. Nesse sentido, esta abordagem estabelecerá um diálogo não só com os modelos históricos existentes, relacionados com a tipografia e a imprensa (ver nota 6 deste capítulo), mas também com outras áreas historiográficas que nos permitam entender os momentos e factos que se apresentaram como mais relevantes para a contextualização deste estudo. Uma abordagem onde, sempre que necessário, relacionaremos a arte de imprimir com os restantes factos da actividade humana (política, filosofia, arte e a história das ideias). Iniciaremos assim esta abordagem observando o momento da introdução da tecnologia dos tipos móveis em Portugal, finalizando-a no período correspondente ao do nosso estudo (década de 1920). Pelo seu carácter, parece-nos também óbvia a limitação explícita desta abordagem não só aos factos presentes, mas também a Portugal e aos países que, de alguma forma, intervieram ou afectaram o normal decurso da história da tipografia em Portugal. Consideramos, no entanto, pela sua inexistência, necessária e urgente a realização de um estudo mais aprofundado desta temática, abordando ainda os períodos anteriores e posteriores aqui não referenciados. 65 2.2. Visão Histórica 2.2.1. Introdução da tipografia no território nacional Ocorrida na segunda metade de quatrocentos, a introdução da tipografia – processo estereográfico que usava tipos metálicos móveis7 como meio de impressão – em Portugal, assim como em grande parte da Europa, não deve ser vista como um acto isolado do seu contexto histórico-cultural e político, nem das evoluções técnicas que coadjuvaram a sua criação por Johannes Gutenberg (c. 1400–1468) em meados daquele século, no actual território da Alemanha, e permitiram a divulgação/instalação daquela tecnologia em território nacional. Assim, parece-nos importante iniciar esta abordagem observando separada e resumidamente o contexto histórico-cultural e políticos e as circunstâncias técnicas,8 que abriram os horizontes para que a introdução da tipografia em Portugal se transformasse em realidade. a) Motivos histórico-culturais e políticos Tal como sucedeu nos restantes países onde a tipografia se foi instalando, logo após a sua criação, o seu aparecimento em Portugal encontra-se indubitavelmente ligado à necessidade de multiplicação de textos e, sobretudo, na crescente demanda do livro. Essas questões fundamentavam-se numa carente existência de livros que suprimissem as exigências sócioculturais que as motivavam. Tal como numa grande parte Europa ocidental, em Portugal as estruturas sociais começaram, posteriormente ao final da Idade Média, a sofrer alterações que modificariam de forma definitiva a forma de viver. A desagregação do mundo feudal e a transição para uma sociedade baseada na economia de mercado (burguesia), na qual as cidades se transformaram no “centro” em detrimento dos castelos da nobreza ou das províncias feudais, teve profundos reflexos no nosso país9. Com a evolução das cidades favoreceu-se a melhoria das condições de vida, surgindo uma classe média culta com pessoas mais ávidas de conhecimento, que motivaria o crescimento do ensino público, o fim do monopólio clerical na alfabetização da sociedade e a expansão dos estudantes nas universidades. Refira-se todavia que esta questão do ensino teria um reflexo tardio em Portugal, como veremos mais adiante. Caminhava-se para o individualismo renascentista que contribuiria para a evolução, e domínio, da ciência e do conhecimento nos diferentes campos do saber e da Arte. Criavam-se, assim, as condições necessárias para uma maior demanda de livros (o suporte material dos textos e o seu lógico meio de divulgação) e um congruente incremento do seu mercado. Em Portugal, foi ainda no século XIV que as fronteiras com Castela se garantiram definitivamente, entrando o Reino numa fase de valorização. Com o desenvolvimento do galaico-português a enriquecer o léxico nacional, na literatura assiste-se à valorização da prosa,10 que até então apenas tivera um tratamento jurídico e conventual, aproveitando o 7 Refira-se que a invenção do conceito dos tipos móveis terá ocorrido na década de 1040 na China. Inventado por Pí Sheng (1022–1063), usava argila cozida. Ver: McMurtrie, Douglas. O livro (3ª ed.). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 1997: pp. 115–121. Ver também: Meggs, Op. Cit., 2000: p. 24–26; Bringhurst, Op. Cit., 2005: p. 133. 8 Para uma análise mais aprofundada destas questões, consultar: McMurtrie, Op. Cit., 1997. (contém uma extensa bibliografia). Ver também: Meggs, Op. Cit., 2000. 9 Ainda que, entre os historiadores nacionais, não se questione o reflexo que a desagregação do mundo feudal teve no nosso país, a existência e afirmação do Feudalismo em Portugal não parece ser consensual. Segundo Joaquim Serrão, a autoridade régia nacional terá sido sempre demasiado forte para impedir uma repartição de direitos que pusesse em causa a supremacia da corte. Ver: Serrão, Joaquim. História de Portugal (1080–1415) (5ª ed.). (Vol. I). Lisboa: Verbo, 1995: p. 315. Ver também: Mattoso, José. “A Nobreza e a Revolução de 1383”. Em: Jornadas de História Medieval (actas): 1383 / 1385 e a Crise Geral dos séculos XIV / XV. Lisboa: História & Crítica, 1985: pp. 391–402. Ver ainda: Mattoso, José. “Lutas de Classes?”. Em: Saraiva, José (dir.). História de Portugal (vol. III). Lisboa: Publicações Alfa, 1983: pp. 193–199. 10 Refira-se que foi no século XIV que os fundamentos da literatura moderna – Dante, Petrarca e Boccaccio – foram lançados. Ver: Serrão, Op. Cit., 1995: p. 389. 66 ambiente que a consolidação do Estado, os novos estratos sociais e o vigor cultural largamente propiciavam. Este era um indício de maturidade cultural num país que, fora das maiores cidades, tinha uma população maioritariamente analfabeta. Devemos ainda, neste contexto, destacar as acções levadas a cabo pela Casa Real Portuguesa, que se mostrariam como fundamentais na promoção do meio impresso, particularmente do livro. Assim, e não pretendendo desvalorizar o papel desempenhado pelas autoridades religiosas ou economicamente poderosas, igualmente indispensáveis na promoção do meio impresso, destacamos aqui as acções levadas a cabo pelo então rei de Portugal D. Afonso V (1432–1481), considerado um protector das Artes e das Letras. Conforme afirmou Ruy de Pina (c. 1440–c. 1522) na Chronica d’El Rey D. Affonso V, aquele “foi o primeiro Rei d’estes reinos que ajuntou bons livros, e fez livraria em seus paços”.11 Acrescente-se, ainda, com “data de Janeiro de 1481 uma carta-de-privilégio de D. Afonso V a favor de livreiros estrangeiros, considerando que a existência de «muitos livros» no país é «um bem comum», isentando de sisa [imposto de transição] e de mais formalidades de natureza fiscal a compra e venda de «livros de forma» trazidos para o reino por aqueles livreiros; este diploma, além de reconhecer a existência e importância de livros no reino, incentiva a sua multiplicação”.12 Cremos, no entanto, que os privilégios concedidos por D. Afonso V e o seu desempenho como responsável pela introdução da tipografia em Portugal, não seriam consequentes sem a sua necessária continuidade. Assim, somamos a esses privilégios, os concedidos pelo seu sucessor D. João II (1455–1495) que, empossado em 1481, se empenharia na manutenção das regalias concedidas e na boa aceitação da arte de imprimir concedidas pelo reino. Tendo observado as circunstâncias sócio-culturais e políticas que coadjuvaram no florescimento de um novo e crescente mercado para o material de leitura, devemos ter em atenção que as necessidades sociais do meio impresso não teriam, por si só, sido bastantes para a criação e divulgação da tipografia. Assim, referiremos seguidamente as questões técnicas e materiais que facilitaram e complementaram esse processo. b) Causas técnicas Recordemos que até ao momento do invento de Gutenberg, o processo de impressão era feito manualmente por copistas ou fazendo recurso da impressão com blocos de madeira. Estes eram, no primeiro caso, processos bastante lentos e caros13 e apresentando, no segundo, pouca resistência e falta de rigor para uma exigente e crescente procura de livros, que se fazia sentir então na Europa. É nesse sentido que, àqueles primeiros motivos, devemos somar um conjunto de requisitos técnicos sem os quais a tecnologia tipográfica não teria sido inventada e prosperado: 1) A utilização de um alfabeto. Como referimos anteriormente (ver nota 7 deste capítulo), o conceito dos tipos móveis tinha sido inventado muito antes na China (século XI). Mas, uma das principais razões apontadas, por diferentes autores, para que estes não tivessem ali uma grande evolução, seria a questão da utilização de um vasto conjunto de signos linguísticos (ideogramas com base não fonética) na escrita chinesa. Ou seja, naquele país, o uso de Sobre as evoluções da literatura nacional neste contexto histórico, ver: Mattoso, José (Dir.) História de Portugal (Vol. II). Lisboa: Círculo de Leitores, 1993: pp. 540–543. 11 Segundo a Biblioteca Nacional de Lisboa, supõe-se que a crónica tenha sido publicada depois de 1500 não existindo no entanto data concreta. A citação apresentada corresponde a: Pina, Rui de. Chronica d’El Rey D. Affonso V (III vol.). Lisboa: (s. n.), 1904: p. 151. 12 Rocha, Op. Cit., 1988: p. 5. 13 Segundo Meggs, um livro de cerca de 200 páginas requeria quatro ou cinco meses de trabalho de um copista e de 25 peles de cordeiro para os pergaminhos, os quais tinham preços bastante elevados. Ver: Meggs, Op. Cit., 2000: p. 58. 67 um conjunto de mais de 5 mil caracteres básicos tornava complexa a utilização dos tipos móveis, sendo para eles mais prática a utilização da impressão com blocos de madeira (método xilográfico). Pelo seu lado, o desenvolvimento do sistema alfabético na cultura ocidental tinha evoluído para um conjunto de cerca de duas dezenas de letras, o que facilitaria a criação dos tipos metálicos independentes, móveis e reutilizáveis.14 2) A existência de papel em abundância. Como afirma McMurtrie, “se o papel não fosse conhecido a impressão podia ter-se feito ainda em velino [pergaminho fino preparado com a pele de animais recém-nascidos ou nados-mortos]”.15 Porém, os resultados seriam certamente menos satisfatórios e sobretudo, sem a disponibilidade de papel em abundância, a velocidade e eficiência da impressão tipográfica não faria muito sentido. Mas como nos diz McMurtrie na obra supracitada, o papel (inventado na China em c. 105 da era cristã) teve a sua introdução no território europeu no século XII, depois de um longo percurso que o trouxe do Oriente, sendo o seu fabrico generalizado em alguns países da Europa (Espanha, Itália, França e Alemanha) nos finais do século XIV. Assim, o seu uso era já normal em impressões, com blocos de madeira, anteriormente à sua aplicação na impressão tipográfica. Em Portugal, ainda que a sua introdução tivesse sucedido em meados do século XIII, vindo da Espanha e da Itália, e a primeira fábrica tivesse sido construída em Leiria em 1411,16 continuaria a depender da sua importação (agora de França) até finais do século XVII / inícios do século XVIII, quando foi construída a importante fábrica de papel da Lousã (arredores de Coimbra). Apesar das limitações nacionais, pode-se afirmar que o sucesso do livro impresso e, por essa via, da tipografia em Portugal, se deve em parte ao desenvolvimento que a indústria do papel registava nessa época. 3) Uma tinta que aplicada nas superfícies metálicas dos tipos passasse ao papel. A tinta usada para imprimir com tipos metálicos, por uma razão de aderência, não podia ser como a usada nas impressões xilográficas (uma tinta “aguarelada” que não aderia àquele meio). Para a impressão tipográfica, a tinta tinha dois componentes, o verniz e a cor, que eram fabricados separadamente e depois combinados. Tinta esta que, supõese, derivou daquela inventada pelo pintor flamengo Jan van Eyck (c. 1390–1441) em 1410.17 Assim, a produção de tinta adequada à impressão tipográfica não teria constituído um problema na Europa e em Portugal, pois bastaria uma pequena adaptação das tintas usadas pelos pintores. 4) Uma prensa (prelo) que permitia comprimir o metal entintado contra o papel. Para se imprimir com tipos metálicos necessitava-se de uma prensa resistente, forte e que pudesse exercer uma pressão uniforme. Esta questão não terá representado uma dificuldade, pois facilmente se puderam adoptar os modelos das prensas usadas, por exemplo, na elaboração do vinho ou do azeite. McMurtrie diz-nos, ainda, modelos semelhantes seriam já usados na impressão de desenhos em têxteis, uma indústria existente há vários séculos. Esta facilidade de adaptação, referida por McMurtrie, leva14 Meggs, Op. Cit., 2000: p. 63. Para um estudo da evolução do sistema alfabético, consultar: McMurtrie, Op. Cit., 1997: pp. 57–75. Ver ainda: Ouaknin, Marc-Alain. Les mystères de l’alphabet. Paris: Éditions Assouline, 1997. 15 McMurtrie, Op. Cit., 1997: p. 151. Para uma visão geral sobre o papel e as suas origens consultar nesta obra: pp. 77–93. [Contém bibliografia] 16 Ver: Serrão, Joel; Marques, A. (dir). Nova História de Portugal – Portugal na crise dos séculos XIV e XV. (vol. IV). Lisboa: Editorial Presença, 1987: p. 52. Ver ainda: Peixoto, Jorge. “Notas sobre o papel: em Portugal. Em: McMurtrie, Op. Cit., 1997: p. 92. 17 Parece existir muita discussão em torno à veracidade dessa afirmação. Ainda assim e porque não é esse o âmbito do nosso estudo, optámos por tomar essa afirmação como a que melhor satisfaz a presente análise. Ver: Gombrich, Ernest. A história da arte. (16ª ed. revista e expandida). Lisboa: Público, 2005: p. 240. Ver também: McMurtrie, Op. Cit., 1997. p. 152. 68 nos a crer que em território nacional tampouco terá constituído um problema. Embora em Portugal no século xv a indústria têxtil dependesse da importação, a produção de vinho e azeite eram das mais evoluídas.18 5) Processos de gravação de tipos e matrizes, a construção de moldes e a sua adequada fundição. Segundo McMurtrie,19 também a arte de gravar em metal seria já bastante conhecida na Europa, sobretudo entre os ourives e medalhistas, para os quais o recurso a punções e matrizes seria um método recorrente na gravação de inscrições. Mesmo o uso de moldes e a fundição de tipos separados era um processo que os encadernadores já usariam, para imprimir em relevo ou dourar letras nas encadernações. No território nacional, em quatrocentos, a metalúrgica era um ofício generalizado (no uso de cobre, bronze, estanho e chumbo), e ainda que a ourivesaria fosse relativamente pobre em quantidade, havia já artífices capazes de fabricar obras de grande perfeição.20 Assim supõe-se que estes processos tampouco seriam um obstáculo em Portugal. Neste processo criativo da tecnologia dos tipos móveis, podemos então concluir, faltaria apenas o talento de uma personalidade que, atento às necessidades do ambiente sóciocultural da Europa, fizesse uma síntese do conjunto dos requisitos técnicos e materiais que, como observamos, estariam já praticamente todos disponíveis. A “chave” fundamental da invenção de Gutenberg, que aprendera o ofício de ourives, terá sido então o molde do tipo usado para cunhar as letras individualmente, de forma exacta, resistente e de rápido manuseamento.21 Ou seja, a base da sua ideia foi a forma de produzir tipos individualmente, partindo da divisão dos componentes de um texto (letras, números, sinais de pontuação, ligaduras, abreviaturas, entre outros) em elementos singulares. Como o sistema alfabético usado na cultura ocidental necessita de um alinhamento exacto, a sua conquista passou também pela possibilidade de produzir esses tipos com uma quadratura exacta, permitindo a sua união em linhas sucessivas de texto. Fundamental foi, ainda, a criação de uma liga metálica (80% de chumbo, 15% de antimónio e 5% de estanho) que, não só se adaptasse ao método de moldagem, mas fosse, também, suficientemente resistente para poder realizar impressões consecutivas, sem perder qualidade e permitindo, posteriormente, o seu uso renovado. Foi precisamente esta possibilidade técnica acessível e económica de produzir tipo, concebida por Gutenberg, que conquistaria uma Europa activa culturalmente, carente de livros e precisando de um método para os reproduzir rapidamente, em abundância e com bons índices de qualidade. Resumidos os contextos histórico-cultural e político, e as circunstâncias técnicas que abriram o espaço para a divulgação da tipografia, abordemos agora mais concretamente o momento da sua introdução em Portugal. Segundo a hipótese definida por Artur Anselmo, apesar desta carecer de provas palpáveis (o que segundo o autor tem levado a um “amontoado de hipóteses inconsistentes”), a data encontrar-se-á entre 1470–1480.22 Ainda que o objectivo deste estudo seja outro, devemos esclarecer que a discussão dessa polémica gira à volta da possibilidade (segundo textos da época) de existência de incunábulos impressos anteriormente a essas datas. Porém, a 18 Ver: Serrão, Op. Cit., 1987: pp. 98–99. McMurtrie, Op. Cit., 1997: pp. 154–156. Ver: Serrão, Op. Cit., 1987: p. 58, 122 e 457. Meggs, Op. Cit., 2000: p. 63. 19 20 21 22 Ver: Anselmo, Op. Cit., 1997: pp. 27–33. Ver também as notas de Jorge Peixoto em: McMurtrie, Op. Cit., 1997: pp. 216–217 (contém bibliografia). 69 inexistência de provas físicas leva a que não se possa determinar se esses títulos teriam sido impressões xilográficas ou tipográficas. Adoptando a tese de Anselmo que se apoia nas datas de impressão dos primeiros livros no território nacional, apresentaremos, seguidamente, as hipóteses mais fundamentadas relativas a esses primeiros episódios, definidores da linha base, da História da Tipografia em Portugal: – Primeiro livro: Pentateuco, de Samuel Gacon, em Faro (1487); – Primeiro livro em latim: Breviarium Bracharense, de J. Gherlinc, em Braga (1494); – Primeiro livro em português: Vita Christi, de Valentim Fernandes, em Lisboa (1495); – Primeiro tipógrafo português: Rodrigo Álvares no Porto (1497). A hipótese considerada actualmente23 como a mais correcta para o primeiro livro, por comprovação da sua existência e data, é o Pentateuco (os primeiros cinco livros24 da Bíblia de Moisés que compõem o Torá – ensinamentos), impresso em hebraico na cidade de Faro (região do Algarve) em 1487. A impressão deste incunábulo deve-se ao editor judeu Samuel Gacon,25 existindo um único exemplar original (com 110 páginas, em duas colunas de 30 a 35 linhas por página, com caracteres quadrados) na British Library, em Londres. Apesar da comunidade judaica se encontrar em Portugal desde o século VI, é no período aqui abordado que assistiremos a um incremento dessa população em território nacional, procedente maioritariamente de Espanha, de onde vinha em fuga à Inquisição Espanhola Independente, criada em 1483 pelos Reis Católicos, Fernando e Isabel, e apoiada pelo papa Sixtus IV. Em Portugal encontrariam uma situação social e política ideal26 para se estabelecerem, trazendo consigo a necessidade de imprimir as obras de divulgação da sua religião. Com preocupações próprias de uma religião fechada e exclusiva (encontrando por isso pouco reflexo na sociedade portuguesa), a importante actividade tipográfica judaica apresentou um desempenho pouco significativo na cultura portuguesa. A origem da tipografia hebraica em Portugal, conforme indica Douglas McMurtrie, será certamente a italiana pois “Soncino e Veneza, na Itália, tornaram-se centros importantes da impressão hebraica do século XV”,27 sendo nesse país que se registam as impressões das primeiras Bíblias em hebraico. Todavia, a produção de obras hebraicas seria uma característica notória da primitiva imprensa de Portugal. 23 A outra hipótese, actualmente afastada, remetia também para o Pentateuco impresso pelos judeus Samuel Zorba e Eliezer de Toledo em Lisboa, em 1489. Assinalamos esta segunda hipótese para acentuar a importância do povo judeu na divulgação da tipografia nos seus primórdios, ainda que a sua justificação fosse outra (motivos religiosos). Génese, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronómio. 24 Judeu de origem nobre que teve oficina gráfica em Portugal, na cidade de Faro, entre 1487 e 1492. Não se sabe ao certo se teria sido apenas editor ou também impressor. Em algumas das suas obras aparece como Samuel Porteiro, uma referência possivelmente ao título oficial que detinha e que corresponde às funções de porteiro, que têm uma grande tradição na organização judiciária portuguesa e no ordenamento jurídico hebraico. Não existem registos provados de actividade posterior. Em Pesaro, na Itália, e já no século XVI, encontrar-se-ão os caracteres de Samuel Gacon, levados por descendentes seus, alguns dos quais, aliás, também se instalaram na Turquia. Fontes: Anselmo, Op. Cit., 1981. Canaveira, Rui. Dicionário de tipógrafos e litógrafos famosos [em linha]. [Consulta: 21 Maio 2005] [consulta: 21 Maio 2005] [consulta: 15 Maio 2005] [consulta: 15 Maio 2005] 26 25 Como exemplo desse clima político favorável, mencionamos aqui que o conselheiro e tesoureiro do rei Afonso V era o Rabino Isaac Abravanel. McMurtrie, Op. Cit., 1997: p. 301. 27 70 Embora D. João II encetasse uma perseguição a esta comunidade, alguns permaneceriam por cá; quando, em 1492, fogem de Espanha pelo decreto que expulsa cerca de 80 mil judeus, o reino português exigiria o pagamento de uma taxa em troca da permissão da sua estadia no país por apenas oito meses. No entanto, muitos acabariam por ser vendidos como escravos à nobreza portuguesa. O passo definitivo na perseguição aos judeus seria dado por D. Manuel I (1469–1521): este, sucedendo no trono a D. João II em 1495, assinaria, no ano seguinte, em vésperas de casamento com Isabel de Espanha, filha dos Reis Católicos, um decreto que ordenava a expulsão dos judeus de Portugal ou a sua conversão ao cristianismo, optando aqueles, na sua maioria, por sair do país. Assim terá terminado o breve período de existência da tipografia hebraica em Portugal. Embora seja aqui fundamental, sobretudo, pelo papel pioneiro representado na história da tipografia portuguesa, não desconsideramos que do ponto de vista técnico, e conforme afirma Artur Anselmo, esta seria “uma das mais avançadas da época: as suas edições são cuidadas, impressas em bom papel ou pergaminho, sobriamente decorados e com tintagem bem distribuída”, sendo ainda a composição de texto “feita com caracteres de excelente recorte”.28 Depois desse primeiro e breve predomínio hebraico, Portugal passaria na última década de quatrocentos29 por um período de influência alemã apresentando então a “arte tipográfica extraordinário esplendor”.30 Segundo Artur Anselmo, esta ter-nos-ia chegado com o tipógrafo e impressor alemão Johann Gherlinc.31 Este emigrara da Alemanha para a Catalunha – dizendo-nos o autor que a tipologia dos caracteres tipográficos remetem para a oficina de Heinrich Botel, de Lérida –, de onde, fugindo à peste bubónica, chegaria a Portugal. Sabendo que em 1489 imprimiu em Barcelona a obra Diurnale Vicense, e não existindo uma data concreta para a sua chegada, indicamos o início da última década de quatrocentos como a mais provável para a sua fixação na cidade nortenha de Braga. À continuidade das circunstâncias sociais e políticas, favoráveis ao estabelecimento de impressores estrangeiros no território – D. Manuel I prolongava os privilégios atribuídos a todos os impressores, aos quais acrescentava a isenção de impostos na compra de papel, tinta e todo o material próprio do ofício – somamos agora outro elemento que consideramos importante, e que justificaria o estabelecimento desse impressor nessa cidade: a demanda de livros religiosos. Braga afirmava-se já nesse tempo como a maior arquidiocese do país, legitimando uma grande necessidade na produção de livros litúrgicos. Entendendo que essa 28 Anselmo, Op. Cit., 1981: p. 345. Em 1495, D. Manuel I herdava o reino mantendo os privilégios a todos os impressores, acrescentando ainda a isenção de impostos na compra de papel, tinta e material próprio do ofício. 30 29 Peixoto, Jorge. “Notas sobre a expansão da tipografia portuguesa”. Em: McMurtrie, Op. Cit., 1997: p. 216. Tipógrafo alemão cujo nome também aparece com as seguintes grafias: Gherlinch, Gherling, Guarlinch, Garlinç, Garlinch, Garlin. Trabalhou em Barcelona, ao que parece chamado por Bartolomé de Nigro, comerciante de Génova. Nos anos de 1487 e 1488 imprimiu vários breviários para Génova. Terá também trabalhado em Monterrey na Galiza e possivelmente em França. Em 14 de Outubro de 1486, Gherlinc constituía uma sociedade com o comerciante genovês Jerónimo de Nigro para a impressão de livros em Barcelona, tendo relações com Heinrich Botel, que por seu lado foi sócio de Paulo Hurus (também conhecido como Pablo de Constanza). Uma das principais obras impressas por Gherlinc é a Grammatica, seu libellus de efficiendis orationibus, de Bartolomé Mates, impressa em Barcelona, ao que se julga no ano de 1488. Sabe-se que Gherlinc imprimiu também em Monterrey, Salamanca e talvez Orense. Nesta segunda fase da sua actividade imprimiu: a Bulla indulgentiarum de Inocêncio VII, que não tem indicações tipográficas e de que se conhece um exemplar na Hispanic Society of America, em Nova York; Certificado de indulgências de Inocêncio VII, em português, que também não tem indicações tipográficas e de que se conhecem dois exemplares à guarda da Biblioteca da Universidade de Cambridge; Breuiarium Auriense, impresso em Salamanca em 1501, e de que existe um exemplar na catedral de Toledo; Certificado de confraternidade e indulgência para os benfeitores da catedral de Orense, impresso em 1503, sem indicação de lugar e de que existem três exemplares guardados nos Arquivos da Catedral de Orense. Parece ter trabalhado também em Monterrey, mas de tal actividade não existem provas impressas. Entre 1513 e 1521 aparece em Toulouse um mestre Jean de Garlys ou de Guerlins, impressor na casa de Mananti e que se manteve em actividade até 1521. Não há, no entanto, a certeza de ser a mesma pessoa. Fontes: Canaveira, Rui. Dicionário de tipógrafos e litógrafos famosos [em linha]. [Consulta: 21 Maio 2005]; Anselmo, Op. Cit., 1997. 31 71 seria, na época, uma importante fonte de trabalho, encontramos aí um motivo provável para o estabelecimento daquele impressor nesse burgo. Johann Gherlinc destacar-se-ia por ter impresso, em 1494, o primeiro incunábulo em língua latina, o Breviarium Bracarense, do qual existem actualmente dois exemplares (um na Biblioteca Nacional de Lisboa e outro na Câmara Municipal de Cantanhede). Este impressor ficaria, no entanto, pouco tempo naquela cidade (sabe-se que em 1501 imprimia já em Salamanca) não tendo produzido grande volume de obras. Sendo fabricante de punções e abridor de matrizes justifica, não só, “a enorme profusão de famílias de caracteres tipográficos que deixou nos seus trabalhos”,32 mas também, a sua independência na procura de locais favoráveis ao seu negócio de impressor e tipógrafo. O século XV, prestes a finalizar, veria continuar o ímpeto de influência alemã na Tipografia portuguesa, com Valentim Fernandes da Morávia (n.a.–1519). Apesar deste impressor ser originário, como o nome indica, dessa região da Europa Central – actual República Checa – parece que cedo teria emigrado para a Alemanha, onde tomaria contacto com a tipografia. Artur Anselmo33 diz-nos que o terá feito possivelmente na cidade alemã de Augsburg,34 e sendo verdade que emigrara enquanto jovem (supõe-se que tenha nascido em meados do século XV), esta probabilidade é aceitável, dado que, na Morávia, o primeiro livro impresso tipograficamente apresenta a data de 1486, na cidade de Brno. Será uma interessante junção de relações e amizades que nos ajuda a explicar como Valentim Fernandes, um impressor de tão longínquas paragens, chegaria a tão destacada posição, sendo ainda responsável por uma importante e extensa obra.35 Valentim Fernandes era um homem culto (facto normal entre os impressores da época) e mantinha relações de amizade com um importante comerciante alemão, Anthon Wesler,36 que se instalaria em Lisboa com o fim de explorar o comércio de especiarias iniciado com a descoberta do caminho marítimo para a Índia (1498) por Vasco da Gama (c. 1469–1524). Esse comerciante era genro do secretário da cidade de Augsburg (Alemanha), Conrad Peutinger,37 com quem Valentim Fernandes construíra uma importante amizade, através da qual, se supõe, terá chegado à corte do imperador Maximiliano I (1459–1519). O imperador era primo do rei D. João II de Portugal, tendo em diversas ocasiões tido contacto e recebido ajudas do rei português. Terá sido esta a provável38 via que lhe concedeu acesso à corte de Lisboa, pela qual terá conquistado a importante amizade da rainha D. Leonor39 (1458–1525). Este impressor, Valentim Fernandes, do qual conhecemos apenas o nome aportuguesado, foi responsável pela primeira obra impressa em língua portuguesa, a Vita Christi (em quatro volumes), encomendada pela rainha D. Leonor e com data de 1495. Não se sabe a data 32 Anselmo, Op. Cit., 1997: p. 41. Anselmo, Op. Cit., 1981. 33 Esta cidade alemã é importante na história da tipografia pelo grande número de incunábulos que lá se imprimiram. 35 34 Para um estudo mais aprofundado da obra e vida deste impressor, ver: Anselmo, Op. Cit., 1981: pp. 146–164; Deslandes, Op. Cit., 1988: pp. 25–33. 36 Ver: Anselmo, Op. Cit., 1997; Canaveira, Rui. Dicionário de tipógrafos e litógrafos famosos [em linha]. [Consulta: 21 Maio 2005] 37 Conrad Peutinger (1465–1547), um antiquário e humanista de Augsburg, filho de uma família de comerciantes, tornar-se-ia secretário dessa cidade em 1497, depois de se ter estudado leis e letras em Pádua, Bolonha e Florença. Servidor distinto da sua cidade, desempenharia ainda funções de conselheiro do Imperador Maximiliano I, gozando da sua amizade, que frequentemente lhe atribuía missões de natureza diplomática e literária. 38 Canaveira, Rui. Dicionário de tipógrafos e litógrafos famosos [em linha]. [Consulta: 21 Maio 2005] 39 Viúva de D. João II. 72 concreta em que Valentim Fernandes iniciou a sua actividade em Lisboa, sabendo-se, no entanto, que em 1493 esteve em Sevilha. É provável que tenha chegado a Lisboa depois dessa data e com material tipográfico adquirido na cidade andaluza, provavelmente a Pedro Brun. Segundo Rui Canaveira, os volumes da Vita Christi foram impressos com caracteres que parecem provenientes “da escola tipográfica de Sevilha, especialmente os caracteres góticos e a letra maiúscula E que tem uma configuração especial que só aparece em Sevilha, nas oficinas de Pedro Brun, de Meinardo Ungut e Stanislao Polono, bem como na casa de impressão dos chamados Companheiros Alemães, todos em actividade em 1495.” 40 Consideramos verosímil esta hipótese uma vez que, e segundo Artur Anselmo, à excepção de Johann Gherlinc, não haveria em Portugal fabricantes de punções e abridores de matrizes, sendo assim normal e necessário que a maior parte dos impressores portugueses ou estrangeiros a laborar no território nacional, se abastecesse com material vindo de Espanha. A sua relação com a realeza portuguesa manter-se-ia até à data de sua morte, evidenciada não só pelas obras que lhe são encomendadas, como pelo importante cargo para o qual é nomeado, em 1503, pelo rei D. Manuel I:41 corrector dos mercadores de Lisboa, com funções de tabelião. Podemos assim afirmar que o início do século XVI, pela extensão da sua actividade e pela qualidade da sua obra, teve em Valentim Fernandes o mais importante impressor a laborar em Portugal; a sua última obra impressa apresenta data de 1518, julgando-se que terá morrido no ano posterior. Finalizamos esta abordagem aos principais eventos que definem o início da actividade tipográfica em Portugal, referindo-nos ao que é considerado o primeiro impressor genuinamente português: Rodrigo Álvares. Nascido em Vila Real (norte de Portugal), iniciaria a sua actividade de impressor e editor no Porto em 1497, imprimindo ali para o bispo D. Diogo de Sousa duas únicas obras: As Constituições que fez ho Senhor dom Diogo de Sousa e os Evangelhos e Epístolas com as suas exposições en romãce.42 Continua aqui a confirmar-se a nossa afirmação, realizada no início deste capítulo, de que as origens da tipografia em Portugal estiveram estreitamente ligadas às autoridades religiosas. O local onde Rodrigo Álvares terá realizado a sua formação profissional de base não é definido, mas segundo Rui Canaveira existem duas hipóteses,43 constituindo-se como a mais provável a afirmação de que pode ter sido discípulo de Gherlinc. Esta hipótese sustenta-se na semelhança entre os tipos usados nos trabalhos impressos no Porto e os do Breviarium Bracharense, impresso três anos antes em Braga. A segunda hipótese aponta para a possibilidade de uma aprendizagem com o impressor alemão Paulo Hurus em Saragoça, que refutamos por falta de fundamentação. Ficam assim apresentados aqueles que consideramos os primeiros passos da tipografia em Portugal. Um país que, nessa época, era constituído por uma população praticamente analfabeta, exceptuando a nobreza e o clero, e onde a imprensa dependia directamente das autoridades reais, religiosas e de personalidades economicamente poderosas. Se a chegada de impressores estrangeiros foi em grande parte promovida pelo clero, a importância 40 Canaveira, Rui. Dicionário de tipógrafos e litógrafos famosos [em linha]. [Consulta: 21 Maio 2005]. A mesma ideia é admitida em: Anselmo, Op. Cit., 1981: p. 352. 41 A transcrição dos documentos que verificam esta informação encontra-se na obra: Deslandes, Op. Cit., 1988. 42 Da primeira obra conhecem-se dois exemplares: um incompleto, faltando-lhe a folha de subscrição tipográfica final, que se encontra na Biblioteca Pública Municipal do Porto; o outro, completo, na Biblioteca do Paço Ducal de Vila Viçosa. Dos Evangelhos e epístolas é conhecido um único exemplar de 1497, completo, na Biblioteca Nacional. A sua relação com o bispo portuense terá continuado, existindo no Porto uma reimpressão das Constituições sinodais, do qual existe um exemplar na Biblioteca Pública Municipal do Porto, mas sem indicação de data nem local de impressão. 43 Canaveira, Rui. Dicionário de tipógrafos e litógrafos famosos [em linha]. [Consulta: 21 Maio 2005] 73 internacional do país como nação mercantil, potenciada pelas conquistas marítimas, atraíram muitos comerciantes estrangeiros para Lisboa; esse interesse seria seguramente um motivo, mais que suficiente, para que indivíduos com outras actividades, como a tipográfica, adivinhassem aí a possibilidade de novos mercados. Não será assim estranho que, pelas razões apontadas, após um primeiro período de características hebraicas, a fase dos incunábulos em Portugal ficasse marcada pelos impressores alemães com Johann Gherlinc, Valentim Fernandes e pela aprendizagem (as duas hipóteses para isso indicam) de Rodrigo Álvares. 2.2.2. Século XVI – A solidificação da actividade tipográfica nacional Foi no decorrer do novo século, com o aumento da imigração europeia para Portugal, que a Tipografia lusitana passaria, em seguida, por períodos breves de influência espanhola e italiana, encontrando-se no segundo quartel de seiscentos submetida, de forma quase absoluta, à influência francesa com evidência para o impressor German Gaillard,44 tornado impressor da casa real portuguesa em 1530. Este francês estabeleceu-se em Lisboa cerca de 1519 (a este ano se atribui a sua primeira impressão), supondo-se que terá adquirido o material tipográfico aos herdeiros de Valentim Fernandes.45 Esta ideia também defendida por Artur Anselmo, sustenta-se na análise dos tipos, gravuras e tarjas decorativas usadas nas obras de ambos impressores, abrindo o caminho para a seguinte hipótese: as oficinas tipográficas, dentro do sistema normal de continuidade dos ofícios, apesar de nos encontrarmos ainda num período em que o impressor itinerante desempenhava um importante papel na difusão da Tipografia, apresentavam o princípio do seu seguimento na sucessão familiar – as importantes dinastias de impressores são disso um exemplo acabado. No entanto, à falta de descendência, seriam trespassadas permanecendo no mesmo lugar ou viajando, então, para locais geograficamente distantes. Essa ideia permite, juntamente com a itinerância de alguns fundidores e gravadores de matrizes (que forneceriam os impressores), entender e justificar semelhanças de tipos encontrados em diferentes zonas do país ou da Europa. Em 1530, German Gaillard seria chamado a montar uma oficina tipográfica no mosteiro de Santa Cruz de Coimbra que funcionou até 1577, mas no ano seguinte regressou a Lisboa. O destaque que este impressor francês tem aqui, para além da sua importante obra, fica a dever-se ao facto de ter sido ele o primeiro a utilizar tipos móveis de caracteres musicais em Portugal e ser, ainda, responsável pela primeira obra impressa dedicada à Abissínia46 (actual Etiópia), a Carta das Novas, de 1521. Portugal, que no século XVI começava a ter as primeiras escolas fora do ambiente clerical, “funcionando em casas dos mestres de ler, e as próprias Universidades ensinavam as primeiras letras”,47 via assim um caminho para a expansão do ofício dentro das suas próprias fronteiras, começando a libertar-se das importantes influências estrangeiras. Esse papel caberia ao impressor português Luís Rodrigues (de 1539 a 1549), em Lisboa, “o qual abraçou, de vez, o gosto renascentista, um pouco italianizante.”48 Este, “aparece num alvará de D. João III com a qualificação profissional de «livreiro» da Casa Real”,49 numa confusão 44 O seu nome surge, em distintos locais, aportuguesado nas seguintes formas: Germão Galharde, Germam Galharde, Germão Galharte ou Galhard. 45 Deslandes, Op. Cit., 1988: pp. 38–41. Conhece-se desta apenas um único exemplar, propriedade da British Library, em Londres. Rocha, Op. Cit., 1988: p. 15. Peixoto, Jorge. “Notas sobre a expansão da tipografia portuguesa”. Em: McMurtrie, Op. Cit., 1997: p. 217. Anselmo, Op. Cit., 1997: p. 77. 46 47 48 49 74 comum, na época, entre os títulos de “livreiro” e “impressor” que se deve à circunstância de nos primórdios da tipografia se reunir, quase sempre numa mesma pessoa, as funções de editor, impressor e livreiro. Tendo obtido o importante e protector alvará régio para imprimir as Ordenações do Reino, Luís Rodrigues constituiria rapidamente uma fortuna suficiente para abrir a sua própria oficina tipográfica. Foi esta a oficina tipográfica que “mais contribuiu para o progresso da arte tipográfica em Portugal”50 no século XVI. Esta importância é seguramente atribuída pela sua qualidade, a qual é certamente consequência de uma viagem que efectuou a Paris, onde “se abastece de material tipográfico (caracteres e estampas)”51, adquirido segundo Anselmo aos herdeiros de Geoffroy Tory (1480–1533), e contrata pessoal especializado. O gosto renascentista de Luís Rodrigues não esconde a influência que terá trazido dos trabalhos de Geoffroy Tory, que apresentava uma importante influência italiana na sua obra, desenvolvendo assim um importante estilo renascentista francês na composição formal dos livros. Este francês, conjuntamente com o desenhador de tipos Claude Garamond (c. 1480– 1561), inspirariam durante muitos anos as formas visuais dos objectos impressos, aderindo então Portugal a um estilo que, em breve, marcaria a sua influência em todo o continente europeu e que constituiu, como assinala Philip Meggs, “el primer estilo internacional de diseño tipográfico”.52 Podemos dizer que o século XVI foi uma fase de crescimento da Tipografia – fenómeno nacional que acompanhava o de toda a Europa, conduzindo rapidamente à abertura de casas impressoras de Norte a Sul, estabelecendo-se, para além das cidades já referidas, em Coimbra, Leiria e Évora –, e que acontecia em resposta às necessidades de disseminação do conhecimento religioso, sócio-cultural e científico. Numa Europa onde o absolutismo monárquico dominava, a produção gráfica continuava naturalmente ligada e condicionada pelo poder da igreja e do estado. O livro tipográfico permanecia, assim, como o elemento-chave para a evolução da imprensa. A composição gráfica (estilo) das edições e o desenho das letras abraçava os princípios renascentistas, sendo neste período que se estabeleceriam uma série de inovações na estruturação do livro tal como o conhecemos hoje: frontispício, tipos romanos e itálicos, números de página – os tipos góticos eram até essa data os usados, sendo a entrada dos tipos romanos em Portugal feita de forma gradual: a caixa alta em 1534; a caixa baixa no ano seguinte; finalmente, em 1536, o romano itálico. As principais influências da tipografia renascentista europeia, que provinham anteriormente de Veneza pelo desenhador de letras francês Nicolas Jenson (c. 1420–1480) e pelo humanista e impressor italiano Aldus Manutius (1449–1515), passariam a partir do segundo quartel de quinhentos, com a importação dessa influência renascentista italiana – veneziana no caso específico da tipografia –, a ser emanadas pela França,53 nascendo em Paris a “era dorada de la tipografia”,54 tendo como principais figuras os já mencionados Geoffroy Tory e Claude Garamond. Este século ficaria ainda assinalado por uma das importantes contribuições de Christophe Plantin (1514–1589): a gravura calcográfica em placas de cobre. O sistema, que já era 50 Deslandes, Op. Cit., 1988: p. 48. Este juízo surge também em: Anselmo, Op. Cit., 1997: p. 87. 51 Anselmo, Op. Cit., 1997: p. 80. Meggs, Op. Cit., 2000: p. 103. 52 53 O rei Francisco I (1494–1547), no trono a partir de 1515, apoiaria os humanistas e os artistas, patrocinando o crescimento do estilo renascentista francês. 54 Meggs Op. Cit., 2000: p. 93. 75 conhecido,55 vinha substituir a xilogravura na ilustração de livros, situando-se a diferença não só no carácter da técnica (deixava de se talhar na madeira os brancos dos desenhos e passava-se a gravar os negros em placas de metal), mas também na inovação que supunha a capacidade, no tratamento e criação das imagens, de utilização das meias tintas. 2.2.3. A expansão da tipografia portuguesa. Portugal beneficiou duplamente dessa época de mobilidade demográfica e mental, característica do século que descrevemos anteriormente, graças ao seu papel no período áureo dos Descobrimentos marítimos. É assim que, não se limitando ao próprio país, com os homens embarcariam as ideias, livros e materiais para a sua produção, desempenhando uma importante função na expansão da tipografia: seria o primeiro país a aplicar a tipografia na instrução – da religião, língua e cultura nacionais – dos nativos dos territórios descobertos na Expansão Marítima, “tendo fundido caracteres Malabares, Abissínios e Japoneses”.56 Seria, ainda, responsável pela introdução da tipografia nos seguintes países: na Índia, em 1556, por acção dos jesuítas que supostamente iriam para a Abissínia, mas por impedimento imposto pelo rei da Etiópia ficariam em Goa; no território chinês (em Macau), em 1588, também pelos jesuítas tendo como destino o Japão, mas como o cristianismo tinha sido proscrito no ano anterior acabariam por ali ficar; no Japão, onde se imprimiu primeiro livro em 1591, um ano depois das autoridades levantarem a proibição ao cristianismo abrindo as portas aos jesuítas.57 Salientemos aqui que o propósito da introdução da tipografia nesses territórios foi feito com um motivo bem vincado: doutrinar os povos na fé cristã, utilizando o livro impresso tipograficamente como novo processo de difusão da fé. No entanto, Portugal só levaria material tipográfico para o Brasil, onde havia chegado em 1500, no século XVIII, ficando a introdução da tipografia no “Novo Mundo”, no século XVI, sob responsabilidade do reino Espanhol, primeiro no México e depois no Peru. Paradoxalmente, depois de ter sido um pioneiro na sua expansão intercontinental da tipografia – proeza compartilhada com Espanha –, Portugal apresentou algumas reservas na sua continuação, sendo o caso brasileiro paradigmático. Segundo nos diz Rui Canaveira, esse país, com um território mais extenso que a Europa, apresentava no início do século XIX apenas três oficinas tipográficas dignas de registo: uma no estado do Rio de Janeiro, outra no da Bahia e uma pequena em Pernambuco. As causas apontadas por Artur Anselmo são reveladoras da importância que o meio tipográfico representava na época, afirmando que o atraso da sua introdução no território sul-americano se deveu ao facto de “as autoridades portuguesas temerem os efeitos políticos de uma tal inovação. (...) Só no ano de 1747 é que temos conhecimento seguro de haver tipografias no Brasil”. Refere-se aqui Anselmo a um pequeno folheto, impresso no Rio de Janeiro a 1 de Janeiro desse ano, do qual se conhecem actualmente seis exemplares. “Mas no próprio ano de 1747, pela ordem régia de 10 de Maio, foram sequestradas ‘todas as letras de imprensa, que fossem encontradas no estado do Brasil, e intimar a seus donos e aos oficiais impressores a proibição de imprimirem qualquer livro ou papel avulso, sob pena de serem presos e remetidos para o reino’.”58 Só em 1808, quando a família real se retirou para o Rio de Janeiro devido aos avanços das 55 Ver: Ramirez, Juan. Medios de masas e historia del arte (5ª ed.). Madrid: Ediciones Cátedra, 1997: p. 27. 56 Rodrigues-Ferreira, Paulo. “Portugal”. Em: Amstutz, Walter (editor). Who’s who in graphic art (vol. 1). Zurich: Amstutz & Herdeg Graphis Press, 1962: p. 401. 57 Segundo citação de Rui Canaveira, do livro: Lefebvre, Lucien; Martin, Henri-Jean. L’apparition du livre. Sine loco: Èditions Albin Michel, 1971. Ver também: Peixoto, Jorge. “Notas sobre a expansão da tipografia portuguesa”. Em: McMurtrie, Op. Cit., 1997: pp. 469–472. 58 Peixoto, Jorge. “Notas sobre a expansão da tipografia portuguesa”. Em: McMurtrie, Op. Cit., 1997: p. 472. 76 “Invasões Francesas”, seria criada a Impressão Régia nessa cidade. A independência do Brasil seria declarada 14 anos mais tarde. Anselmo diz-nos ainda que o atraso, registado igualmente em território africano, se deveria também ao deficiente desenvolvimento cultural destas regiões e a uma menor carência das ordens religiosas – ao invés das necessidades que supunham a conversão religiosa dos povos do oriente –, que juntando à proximidade geográfica e frequência das trocas comerciais, possibilitavam o fornecimento de material impresso directamente a partir de Lisboa. Será certamente o momento de analisarmos os porquês desta actividade aparecer, nos seus primórdios, quase sempre relacionada com fortes instituições: nobreza, ordens religiosas, ordens militares e governamentais. Os impressores e/ou editores necessitariam de constituir capital antes de poder laborar por conta própria; esta ideia, apresentada por Artur Anselmo,59 reforça então o significado de nesta época os impressores importantes se irem sucedendo de forma diacrónica. Maior significado toma quando falamos de um país de pequenas proporções como Portugal, que no século XVI começou a estabelecer privilégios editoriais, concedidos pelo rei (geralmente por períodos de dez anos), que impediam qualquer outro indivíduo de imprimir ou vender a mesma obra. Essas medidas restritivas seriam ainda ampliadas com o início da Inquisição portuguesa60 (1536), estabelecendo regras apertadíssimas para a edição de material impresso: até à sua interrupção, em 1768, nada se podia imprimir em território nacional sem autorização inquisitória, que controlava qualquer actividade relacionada com a Tipografia, o que terá provocado que alguns livros levassem “na folha de rosto a indicação de terem sido impressos além-fronteiras”.61 João Rocha diz-nos ainda que a censura da Inquisição portuguesa não se limitou a eliminar os livros, no reino de D. Sebastião I (1554–1578): acrescentava-se “a pena civil, que ia da perda da quarta parte dos bens ou de metade com degredo para o Brasil ou África até à morte natural...” 2.2.4. Século XVII – A “dinastia tipográfica” dos Craesbeeck O século XVII, depois de um progresso adequado ao meio gráfico português adquirido no século anterior (com a época dos incunábulos, das influências internacionais e renascentistas), seria de abrandamento, tal como no resto da Europa. Politicamente, Portugal terminara o século XVI sob governação espanhola: em 1578, morrera o rei D. Sebastião I na batalha de Alcácer-Quibir, contra os mouros, e não deixando herdeiros, abrira uma crise sucessória no reino português; três anos mais tarde, Filipe II (1527–1598) de Espanha62 tornar-se-ia rei de Portugal (1581),63 tendo a governação espanhola durado 59 Anselmo, Op. Cit., 1997: p. 14. Criada por Bula de 23 de Maio de 1536. Rocha, Op. Cit., 1988: p. 24. 60 61 Em Portugal designaram-se os reis espanhóis Filipe II, Filipe III e Filipe IV por, respectivamente, Filipe I, Filipe II e Filipe III. 63 Depois da morte do rei D. Sebastião I na batalha de Alcácer Quibir, foi aclamado o cardeal D. Henrique como governador do reino de Portugal, de quem não se podia esperar sucessão. Para a sucessão do cardeal perfilaram-se sete pretendentes, dos quais apenas cinco baseavam as suas pretensões em fundamentos aceitáveis. Estes cinco eram: Filipe II de Espanha, que alegava ser filho de D. Isabel, filha primogénita de D. Manuel, que casara com Carlos V; o duque de Sabóia, que dizia ser filho da infanta D. Beatriz, filha do referido monarca, que casara com seu pai o duque de Sabóia; D. António, prior do Crato, que alegava ser filho natural do infante D. Luís, igualmente filho do rei D. Manuel; o duque de Parma, por ser neto, por sua mãe, do príncipe D. Duarte, filho também de D. Manuel; e a duquesa de Bragança, D. Catarina, que alegava ser filha do mesmo príncipe. Os dois que menos direitos tinham, eram Catarina de Médicis, rainha de França, dizendo-se descendente de D. Afonso III e de sua primeira mulher, a condessa Matilde de Bolonha, e finalmente o Papa, que se dizia herdeiro natural dos cardeais, e entendia portanto 62 77 sessenta anos. A restauração da independência, relativamente a Espanha, seria conseguida a 1 de Dezembro de 1640. Filipe IV (1605–1665) deixara o país numa situação de grande pobreza, vendo Portugal o seu império ultramarino ameaçado pelos ingleses e holandeses. Na Tipografia, o domínio europeu da França tinha terminado devido às guerras religiosas, iniciadas em 1562, e que haveriam de durar quarenta anos. Como consequência, muitos impressores “huyeron a Suiza, Inglaterra y a los Países Bajos para escapar del conflicto religioso, de la censura y de las rígidas leyes comerciales”.64 O centro europeu da Tipografia deslocava-se agora para a Flandres e Holanda, nas cidades de Antuérpia e Amesterdão. Filipe II de Espanha, primeiro de Portugal, patrocinava o impressor francês Christophe Plantin, que se instalara em Antuérpia, constituindo então a “más grande y más fuerte casa impresora del mundo”65 (o seu genro, Jan Moretus (1543–1610), seria o seu sucessor, razão pela qual a casa impressora – hoje um Museu – ficaria conhecida por Plantin-Moretus). Enquanto a Holanda, que enriquecia como nação mercantil e navegante, se começava a impor convertendo os livros numa importante matéria de mercado, domínio no qual se destacou uma dinastia de impressores fundada por Louis Elzevir (1540–1617). Através do uso de fontes tipográficas holandesas bastante legíveis conseguiam livros pequenos, cómodos, práticos e com preços bastante acessíveis, ampliando assim o mercado de livros. Muitos dos tipos usados pelos Elzevir seriam cortados por Christoffel van Dick (1601–1672), mantendo-se como o estilo padrão até à chegada dos tipos modernos. Em Portugal, a influência neerlandesa chegaria no final do século XVI com a família de impressores holandeses, os Craesbeeck, que se instalou em Lisboa fugindo às lutas religiosas nas Províncias Unidas. Portugal teria então a sua “dinastia tipográfica” com os Craesbeeck e os Mellos, tal como a dos Aldos em Veneza, a dos Plantin-Moretus em Flandres e a dos Elzevier na Holanda. Peeter van Craesbeeck (c. 1572–1632) fizera a sua aprendizagem em Antuérpia junto de Plantin e de Moretus,66 instalando-se em Lisboa num momento em que, pelo reinado de Felipe II, muitos comerciantes flamengos ali se instalavam formando uma comunidade onde ele se inseriria – nela encontravam-se familiares comerciantes. A sua data de chegada a Portugal tem sido questionada, mas é normalmente apontada pelo ano de 1597, data que consta no que se considera o seu primeiro livro impresso em Portugal (não há registo de trabalhos anteriores), o Index Librorium Prohibitum (Índice dos Livros Proíbidos) – uma reimpressão do livro com o mesmo nome, editado no ano anterior em Roma, por iniciativa papal, e destinado ao público português.67 Pedro Craesbeeck (assim passou a assinar) abriu a sua oficina tipográfica em Lisboa com uma quantidade limitada de material trazido da Flandres, desenvolvendo em consequência poder usufruir do reino de um cardeal. Dos cinco primeiros, que apresentavam títulos valiosos, apenas três disputavam seriamente entre si a coroa: Filipe II, D. António (prior do Crato), e a duquesa de Bragança. Sem a morte do cardeal D. Henrique ainda mais se acendeu a intriga. Filipe II, em Espanha, seguia com ansiedade a marcha dos acontecimentos, decidindo conquistar o reino pela força das armas. Não encontraria muita dificuldade em conquistar o território e a 16 de Abril de 1581 era coroado rei de Portugal. Fonte: Amaral, Manuel. O portal da história [em linha]. [Consulta: 25 Maio 2005] 64 Meggs, Op. Cit., 2000: p. 105. Meggs, Op. Cit., 2000: p. 105. 65 Foi admitido aos onze anos nas suas oficinas, em 1583, como aprendiz e seis anos depois era já oficial compositor. Esta informação encontra-se detalhadamente descrita num livro do cartório do Museu Plantin-Moretus em Antuérpia, e transcrita no livro de Venâncio Deslandes; no mesmo se afirma que terá partido para Espanha em 1592, não se sabendo o que terá ocorrido entre essa data e a que é apontada como de chegada a Portugal (1597). Ver: Deslandes, Op. Cit., 1988: p. 146; Peixoto, Op. Cit., 1962: pp. 74–82. 67 A questão coloca-se no facto de tão importante obra ter sido entregue a um impressor recém-chegado. Ver: Dias, Op. Cit., 1996. 66 78 um estilo gráfico simples mas, como pudemos observar,68 de grande elegância. Trazia consigo ideias nas quais se nota a influência de Christopher Plantin:69 imprimindo livros pequenos e baratos, não colocando em causa a qualidade, rapidamente lhe concederam o dinheiro suficiente para expandir o negócio, abrindo (como Plantin) em 1608 uma oficina junto a uma Universidade (em Coimbra), não tendo aí muito sucesso. Tão importante e de qualidade era a sua obra que Filipe II, em 1619, o nomearia impressor real. Os seus filhos, entretanto educados na Flandres, Lourenço Craesbeeck (1599–1673) e Paulo Craesbeeck (1605–1664) – o primeiro impressor e o segundo livreiro – formariam o império na arte da impressão sonhado pelo pai. Lourenço dirigia uma oficina junto da Universidade de Évora que o pai abrira, mas com a morte de Pedro, em 1632, sucede-lhe o seu primogénito mantendo os privilégios como Impressor del Rey. Mas os sonhos da dinastia cedo passariam por uma crise. Lourenço Craesbeeck fundou nova casa em Coimbra em 1638, ficando o seu irmão Paulo à frente dos destinos da oficina lisboeta e acumulando os cargos de impressor e livreiro. Esta situação, que constituía uma ilegalidade, duraria os dez anos que Lourenço ficou em Coimbra, beneficiaria nos primeiros anos da confusão política instalada com a Restauração de 1640, mas não poderia durar muito tempo. Surgiu aqui uma questão que tem causado alguma polémica: segundo João Dias, para solucionar esta ilegalidade, Paulo teria passado a assinar as obras com o nome Lourenço de Anvers, nome emprestado de um primo residente nessa época em Lisboa, sendo esta ideia reforçada pelo facto de que o material tipográfico usado na impressão das obras é igual; Rui Canaveira e Venâncio Deslandes70 apontam este nome como sendo o de uma pessoa independente que imprimiu em Lisboa entre 1641 e 1647. Parece-nos, no entanto, estranho que, assim sendo, apresentem ambos não só as mesmas datas de nascimento e morte, como o mesmo material tipográfico, resultando a alegação de João Dias a mais provável. É importante esclarecer aqui esta polémica porque, como veremos adiante, o nome de Lourenço de Anvers terá um lugar de destaque na história da Tipografia em Portugal. Pedro Craesbeeck “o moço” (c. 1624–1665), filho de Paulo e assim apelidado para evitar confusões com o avô, combatera nas guerras da restauração, ganhando dessa forma as graças de D. João IV (1604–1656) que lhe concederia, em 1642, por carta régia, os direitos de livreiro e impressor da corte,71 mantendo assim as duas funções na família e resolvendo as questões levantadas com a ida de seu tio para Coimbra. Com a volta de Lourenço para Lisboa em 1648 (a oficina de Coimbra fecharia em 1651), a família reunia-se e, no ano seguinte, passaria a assinar como Officina Craesbeeckiniana (mais tarde passaria a Officinas Craesbeeckianas). Com a morte de Paulo em 1664 começava a morrer o sonho de uma família. Lourenço Craesbeeck não tinha descendência e Pedro “o moço” era livreiro. A continuidade da Officina 68 Ver o supra-citado livro, no qual se encontra um excelente resumo fac-similado da sua obra. Segundo Jorge Peixoto, sabe-se que para além de Pedro Craesbeeck, que aprendeu a arte nas oficinas plantinianas, coloca-se a possibilidade de ter havido outros impressores que actuaram em Portugal a fazer ali o seu aprendizado. Parece ser também certo que manteve relações com autores portugueses da época, nomeadamente os que se encontravam a fazer os seus estudos teológicos em Itália. No entanto, com os dados existentes não se pode determinar com segurança a influência técnica de Plantin em Portugal: falta documentação capaz e o método comparativo das obras não é conclusivo – Plantin dispunha de recursos e estava dentro das linhas de força que orientavam a técnica tipográfica da época, sendo a sua produção de tipo industrial e a portuguesa artesanal; assim, as exigências técnicas e estéticas de uns e de outros eram distintas. Sobre esta questão, consultar: Peixoto, Op. Cit., 1962. 70 69 Ver: Canaveira, Rui. Dicionário de tipógrafos e litógrafos famosos [em linha]. [Consulta: 21 Maio 2005]; Deslandes, Op. Cit., 1988: p. 225. D. João IV usava então os serviços de um tipógrafo de nome António Álvares. 71 79 ficava, assim, nas mãos do filho de um segundo casamento de Paulo, António Craesbeeck de Mello (1640–1684) que se converteria, em 1664, no impressor real e com os direitos exclusivos de impressão de todos os documentos do governo e tribunais. O seu filho Teotónio Craesbeeck de Mello72 (1665–1688) sucederia ao pai ainda menor de idade, em 1684, continuando a ser o impressor real por mais quatro anos. O sonho de uma “dinastia tipográfica” terminaria, quase um século depois de ter chegado a Portugal, na baixa lisboeta, numa briga de rua em 1688. A viúva de Teotónio ainda pretendeu seguir o negócio, mas cedo se deu conta de não ter as capacidades para tal, terminando apenas de imprimir os compromissos assinados. Nesse período de quase um século (1597–1688), a capacidade produtiva das Officinas Craesbeeckianas foi notável (imprimiram cerca de setecentas e cinquenta edições), alinhando com o resto da Europa, numa época importante da História da Literatura em que se publicaram amplamente obras de autores fundamentais como o inglês William Shakespeare (1564–1616), o espanhol Miguel de Cervantes (1547–1616) ou o português Luís Vaz de Camões (c. 1524–1580); seria também pela impressão das obras deste importante autor português que muita reputação é actualmente reconhecida àquela dinastia de impressores. 2.2.5. Primórdios da imprensa periódica portuguesa Num século sem desenvolvimentos tecnológicos importantes – a gravura calcográfica continuava a desenvolver-se (água-forte sobre cobre) favorecendo o uso de imagens como complemento do texto – começava a surgir um novo tipo de publicação: as folhas soltas com notícias. A Tipografia, desde a invenção de Gutenberg, tinha como principal argumento para o seu desenvolvimento apenas o livro. Este novo meio de comunicação que surgia daria em pouco tempo origem ao que hoje chamamos “imprensa periódica”. Tal como no resto da Europa, cedo começariam a ser editados diferentes tipos de publicações como “os almanaques, os reportórios, os calendários e os prognósticos, mas todas elas sem carácter de periodicidade e regularidade”.73 A diferença mais relevante em relação ao livro existente até então, é que estes novos meios dirigiam-se a todo o tipo de público e não mais exclusivamente ao público erudito ou religioso. Em Portugal, a imprensa periódica74 teve o seu embrião em folhas volantes que se denominavam normalmente Relações de Novas Gerais ou Notícias Avulsas, e que a partir de finais de quinhentos relatavam os acontecimentos considerados importantes na vida do país. Esta tipologia de documentos impressos, destinada a todo o tipo de público, sofreria em 1627 pela primeira vez, em território nacional, uma censura prévia à sua distribuição. Esta limitação à liberdade de expressão foi determinada por Carta Régia em consequência do desagrado sentido pelo rei Filipe III em relação às notícias que, nessas folhas, surgiam a seu respeito. O meio noticioso que se vulgarizava numa Europa mercantilista, depressa se viu sujeito a uma apertada censura ou à atribuição de elevados impostos para a sua publicação. No entanto, e apesar dos entraves, em pouco tempo a força deste novo meio mostrar-se-ia, constituindo-se como um elemento base de muitas revoluções que se começavam a engendrar em territórios europeus e coloniais, e que teriam o seu pleno desenrolar no século seguinte. 72 Nascera Teotónio Dâmaso de Mello, mas recuperaria o nome Craesbeeck. 73 Rocha, Op. Cit., 1988: p. 21. Para um aprofundamento do tema, consultar: Tengarrinha, José. História da imprensa periódica portuguesa. (2ª ed.). Lisboa: Caminho, 1989. 74 Fazemos aqui uma breve referência ao que se considera como primeiro periódico, com impressão regular, e que surgiu na Alemanha em 1609, intitulando Avisa Relation oder Zeitung. 80 Alguns anos passariam até que, em Novembro de 1641, surgiu uma folha mensal – esta designação de “folha” provém da sua forma física normal: uma folha impressa, por vezes dobrada em quatro laudas – de carácter político e noticioso à qual coube a honra de ser o primeiro periódico português a ter publicação regular. Intitulada Gazeta em que se relatam as novas todas, que houve nesta corte, e que vieram de várias partes no mes de Novembro de 1641, surge nos registos da Biblioteca Nacional de Lisboa como tendo sido impressa, em Lisboa, por Lourenço de Anvers. Recordamos aqui que, como referido anteriormente e segundo João Dias, Lourenço de Anvers seria a mesma pessoa que Lourenço Craesbeeck. Importando unicamente neste estudo um relato dos momentos e episódios que marcaram a história da Tipografia em Portugal, e a ser verdade a afirmação desse autor, reafirmaríamos a importância dessa família de impressores no contexto nacional. A publicação da Gazeta seria interrompida pela “Lei de 19 de Agosto de 1642, «em razão da pouca verdade de muitas [notícias] e do mau estilo de todas elas»”.75 O segundo periódico nacional, o Mercurio portuguez, teria uma vida mais longa: começando a ser publicado em Janeiro de 1663, também em Lisboa, finalizaria em Julho de 1667, sendo aqui referenciado por incluir no seu corpo notícias estrangeiras juntamente com as nacionais. Depois do fim do Mercurio portuguez, passariam quase cinco décadas até que, em 1715, surgiu a Gazeta de Lisboa, uma espécie de folha oficial que começava a apresentar um público fixo (na sua maioria assinantes). O desenvolvimento da imprensa periódica teria um crescimento paulatino, relacionando-se directamente com as condições sociais, culturais, económicas e, sobretudo, com o domínio da censura sobre a liberdade que, como foi referido anteriormente, abrandaria com o fim da Inquisição em 1768. Ainda assim, só a partir da segunda década do século XIX é que a imprensa periódica apresentaria um crescimento regular e seguro, resultado da nova mentalidade trazida pela Revolução Liberalista de 1820 e que, conforme nos diz João Rocha, por Decreto de 31 de Março de 1821, colocava “termo final a três séculos de censura em nome da Fé, instituída em Portugal por D. João III”; como resultado, “só em Fevereiro de 1821 saíram em Lisboa 17 jornais políticos”.76 A imprensa periódica, que diversificava os seus conteúdos surgindo o periodismo literário e cultural, passaria então a tomar para si uma parte da responsabilidade na divulgação do conhecimento que fora desde sempre dominado pelo livro. Assinalaremos posteriormente, neste estudo, como o jornalismo ajudará, com a sua dinâmica própria, a conferir ao meio gráfico novas evoluções ao nível técnico e formal. 2.2.6. Século XVIII – O século das Ciências Depois daquele que foi, em toda a Europa, um período de escassez de progressos e criatividade, o século XVIII apresentava outro ciclo de originalidade no meio gráfico. Salientamos aqui alguns dos factos que nos parecem relevantes e que, de forma resumida, são caracterizadores das diferenças registadas no desenvolvimento da Tipografia entre esse século e o anterior. Em França era o momento do Romain du Roi (1702), tipo desenhado para a Imprimerie Royale (oficina tipográfica real), de Luís XIV (1638–1715), com os princípios matemáticos de Louis Simonneau (1645–1714) e desenvolvido por Philippe Grandjean (1666–1714). A falta de uma estandardização das medidas tipográficas levaria aos estudos iniciados por Pierre Simon Fournier le Jeune (1712–1762), que em 1737 publicou a primeira Tabela de Proporções. Este editaria mais tarde o livro Modèles des Caractères de l’Imprimerie (1742), 75 Rocha, Op. Cit., 1988: p. 21. Rocha, Op. Cit., 1988: p. 26. 76 81 apresentando tipos romanos baseados no Romain du Roi, com variações de pesos que conduziriam à origem do que designamos por “família tipográfica”. A Inglaterra, nação que apresentava um crescimento mercantil, industrial e económico assinalável, começaria então a emergir e a impor-se, também, no meio tipográfico, libertando-se dos “modelos” holandeses que importava e dos quais, até então, dependia. Acrescente-se que para tal beneficiava ainda, para além de um progresso consistente, de um nível cultural significativo e de um sistema de ensino solidificado que permitiu o desenvolvimento do negócio livreiro. Um processo que, no meio gráfico, começaria com William Caslon (1692–1766), apresentando em 1734 caracteres bastante legíveis, que propunham uma alteração formal marcando uma diferença entre hastes grossas e finas das letras – influência dos tipos holandeses e em oposição ao estilo francês com as hastes mais uniformes. Mas o grande desenvolvimento chegaria com John Baskerville (1706–1775), reformulando modelos estabelecidas não só do desenho tipográfico mas também da impressão. Para tal, desenhou e fundiu novos tipos, criando o estilo tipográfico que se define hoje como “de transição”: tipos mais abertos, com maior contraste entre traços finos e grossos e com a modulação axial vertical. Destacar-se-ia ainda por: melhorar o processo de impressão, aperfeiçoando o sistema das máquinas e desenvolvendo uma nova tinta; desenvolver e inventar novos papéis (papel velino); projectar e publicar os livros que imprimiu, desenvolvendo o livro tipográfico puro, sem ornamentação. O trabalho de John Baskerville, que paradoxalmente seria ignorado no seu próprio país, influenciaria então os fundidores de tipos do continente europeu.77 Entre eles, destacaramse, sobretudo, o italiano Giambattista Bodoni78 (1740–1813) e a importante família Didot de Paris. Constituiriam ambos o expoente máximo do designado Estilo Moderno na tipografia: um tipo romano caracterizado pela diferença acentuada entre hastes grossas e finas e remates filiformes. Um estilo influenciado pelos ideais iluministas que, pela ciência e pela racionalidade crítica, possibilitaram o questionamento das formas dogmáticas do desenho tipográfico. Os Didot, uma dinastia de impressores, editores, fabricantes de papel e fundidores franceses, são aqui referidos pelo que aportaram ao meio tipográfico. Pertencente à segunda geração, François Ambroise Didot (1730–1804) corrigiria o sistema de medição de Fournier, adoptando o sistema de pied du roi e rejeitando a nomenclatura usada, criando, em 1785, o sistema de pontos que se usa hoje em dia. Este sistema seria gradualmente adoptado nos restantes países, excepto em Inglaterra e nos Estados Unidos. Firmin Didot (1764–1836), filho de François Ambroise e que o sucederia na fundição dos tipos Didot, em 1795 fazia os primeiros ensaios com êxito da estereotipia, um processo pelo qual se duplica uma composição tipográfica, transformando-a em forma compacta por meio de moldagem de uma matriz, possibilitando o incremento das tiragens. 77 Em França a Romain du Roi era propriedade exclusiva do rei, não podendo ser usada pelos impressores comerciais. Isso conduziria a que os fundidores de tipos franceses copiassem o trabalho de Grandjean. O êxito do tipo de Baskerville encontrava assim o caminho livre para se impor como influência no continente. 78 Giambattista Bodoni desenvolveria os avanços tecnológicos iniciados por John Baskerville, melhorando a tinta e a superfície do papel, e que ajudariam muitos dos seus êxitos tipográficos. Este impressor italiano terá, segundo Jorge Peixoto, mantido uma relação de boa amizade com o pintor Francisco Vieira Portuense (1765–1805). O português rumara para Itália em 1789 como pensionista da Companhia de Vinhas do Alto Douro, tendo exercido naquele país grande actividade e relacionando-se com artistas locais. Vieira Portuense, que residiria em Parma entre 1973 e 1976, conheceria a Giambattista Bodoni que pela sua relação de amizade (posteriormente mantida por correspondência) terá oferecido ao pintor portugês alguns dos seus trabalhos gráficos. Esses documentos fazem hoje parte, conjuntamente com um exemplar do Manuale Tipografico de 1818, da Colecção Bodoniana da Biblioteca Nacional, em Lisboa. Sobre esta questão, consultar: Peixoto, Jorge. Relações artísticas e de amizade entre o célebre impressor italiano Bodoni e Francisco Vieira Portuense. Braga: (sin nomine), 1974. 82 Aproximamo-nos, nesta contextualização resumida, da última década do século marcada por mudanças culturais e políticas. No contexto sócio-cultural, a Europa vivia um período de revolta contra o despotismo da monarquia francesa, resultando na Revolução Francesa (1789). Os exageros formais do Rococó, com ela relacionados conduziriam, por oposição, a um retorno das formas clássicas, romana e grega, uma tendência acentuada pelas escavações em Herculano, Pompeia e Roma. Na Tipografia salienta-se a influência das matemáticas e da geometria no desenho tipográfico, e o estilo Neoclássico no seu máximo expoente, distintamente evidenciado com a edição do Manuale Tipografico de Giambattista Bodoni, em 1818, em publicação póstuma. Enquanto em França e Inglaterra se assiste à evolução técnica e formal do meio tipográfico, em Portugal sofria-se as consequências do reinado luxuoso de D. João V (1689–1750). Este rei, apelidado o Magnânimo pelas suas obras grandiosas, o fausto e a ostentação, tinha como modelo Luís XIV de França, que sempre procurou imitar. Com este soberano instalarse-ia o Absolutismo no país sendo, ainda, acusado de delapidar a riqueza do reino (com a construção de obras grandiosas e improdutivas). Tentou ainda desenvolver a indústria de um país “aferrado a uma tradição agrícola secular e cuja industrialização se fazia lentamente”,79 mas as suas políticas de desenvolvimento reduziriam a indústria a uma situação incipiente. Importa considerar, no entanto, que o monarca português foi um protector das Ciências, das Letras e das Artes. Mas uma das mais importantes criações na área cultural seria a fundação, em 1720, da Academia Real da História Portuguesa80 (ARHP): esta deixaria “muitos e valiosos trabalhos, em magníficas edições executas por artistas mandados vir do estrangeiro (...) e que elevaram as nossas artes gráficas a grande perfeição”.81 Nome fundamental seria o do fundidor de tipos gaulês Jean Villeneuve82 (c. 1690–1777), que foi contratado para executar novos tipos para a ARHP e ensinar a sua arte, em 1732. Este fundidor ficaria conhecido em Portugal por João Villeneuve, assinando assim o primeiro livro que imprimiu em Portugal:83 Primeira origem da arte de imprimir, dada à luz pelos primeiros caracteres. Lisboa: Officina de Joseph Antonio da Sylva, 1732. Uma obra onde, agradecendo a sua contratação, pretende demonstrar a qualidade dos tipos fundidos por João Villeneuve, com influência do tipo Elzevier. Segundo Rui Canaveira,84 a sua produção terá atingido uma boa qualidade, satisfazendo as necessidades das diversas oficinas tipográficas em laboração e acabando nessa época com a dependência de importação de tipos estrangeiros. Por falta de documentação, não sabemos se terá sido por essa razão, como afirma Canaveira, que desde então seria proibida a importação de tipos estrangeiros. 79 Zûquete, Afonso (dir.). Nobreza de Portugal e do Brasil (volume I). Lisboa: Editorial Enciclopédia, 1960: 576. Pretendia com ela estudar a História Eclesiástica (era fervorosamente religioso), a História do Reino e das suas conquistas. 81 80 Zûquete, Op. Cit., 1960: 587. Antero Ferreira supõe que Villeneuve tenha nascido entre 1690 e 1695 e iniciado a sua actividade como fundidor de caracteres em 1720–1722, gravando caracteres hebraicos para a Impremiere Royale (Louvre, Paris), local onde trabalharia como gravador de punções orientais. Ferreira diz-nos também que Villeneuve terá vindo para Portugal em 1729–1730 num momento em que, como referimos no texto, Portugal atravessava um período de prosperidade económica, e Paris vivia uma grave crise financeira. Registe-se ainda que parece existir a possibilidade de uma estadia anterior àquela data de Villeneuve no país, que Ferreira fundamenta num existência de um anúncio (ou aviso) publicado na Gazeta de Lisboa de 31 de Agosto de 1715. Para um estudo mais aprofundado sobre Villeneuve, consultar: Ferreira, Op. Cit., 2003: pp. 434–451. 83 82 Esta obra encontra a sua consulta disponível online em , no sítio da Biblioteca Nacional Digital. 84 Canaveira, Rui. Dicionário de tipógrafos e litógrafos famosos [em linha]. [Consulta: 21 Maio 2005] 83 Só mais tarde, inserida no programa cultural do governo sob a administração do Marquês de Pombal85 (1699–1782), personalidade fundamental no desenvolvimento do país no século XVIII, foi “criada e instituída, por Alvará de 24 de Dezembro de 1768, a Impressão Régia”.86 Esta designar-se-ia posteriormente por Régia Oficina Tipográfica, Imprensa Régia e, desde 1833, Imprensa Nacional: não por necessidade mas, segundo o Alvará citado, para que “possa fazer-se útil e respeitável pela perfeição dos caracteres; e pela abundância e asseio das suas impressões”. A fundação da Impressão Régia em Lisboa completou a obra do Marquês de Pombal em relação ao desenvolvimento intelectual de Portugal, aproximando o país dos que dispunham já desse organismo real (refira-se a título de exemplo o caso francês), tantas vezes fundamental para o desenvolvimento da História da Tipografia. Nesse sentido, e nos termos do mesmo Alvará, à Impressão Régia foi “unida a fábrica dos caracteres” que até então estivera a cargo da Junta do Comercio fundada por João de Villeneuve, a quem seria então destinada a “continuação do ensino de aprendizes da mesma fábrica de letra, para que não faltem no reino os professores desta utilíssima arte”. E porque “sendo presentemente necessário que no corpo de uma Impressão Regia não falte qualquer circunstancia que a faça defeituosa, e sendo um dos ornatos da impressão as estampas, ou para demonstrações, ou para outros muitos utilíssimos fins” foi nomeado Joaquim Carneiro da Silva87 (1727–1818), “abridor de estampas conhecidamente perito, o qual terá obrigação de abrir todas as que forem necessárias para a Impressão, e se lhes pagarão pelo seu justo valor, e de mais ensinará continuadamente os aprendizes”. Carneiro da Silva editaria posteriormente os seus princípios do desenho tipográfico e gravação de punções numa interessante obra, Breve tratado theorico das letras typographicas, offerecido a Sua Alteza Real O Principe Regente Nosso Senhor (Lisboa: Officina Typografica, 1803).88 Mais tarde, entre 1802 e 1815, este cargo estaria sob a responsabilidade do célebre gravador 85 Sebastião José de Carvalho e Melo. O título de Marquês de Pombal foi-lhe atribuído em 1769. Foi ministro do rei D. José I, sendo nomeado secretário de Estado dos negócios da guerra e estrangeiros em 1750. Adquiriu no conselho do rei uma grande influência, pela sua inteligência superior e pela vontade enérgica do futuro marquês de Pombal. Era um reformador na mais larga acepção da palavra. Tinha decidido levantar o seu país à altura da civilização europeia, não recuando para isso diante de embaraços de espécie alguma. Quando o terramoto de 1 de Novembro de 1755 converteu Lisboa em ruínas, teve a oportunidade de mostrar o seu génio organizador e a sua assombrosa energia. Tratou da reedificação de Lisboa com uma rapidez espantosa – seria esta a verdadeira origem do seu grande poder. A sua energia produzira uma impressão profundíssima no rei D. José, que desde então começou a dispensar-lhe uma cega confiança. Seguiu-se um período de reformas que renovaram inteiramente a face de Portugal, que resumiremos num rápido esboço: reorganizou o exército; fortaleceu a marinha; o comércio e a agricultura também foram favorecidos; protegeu eficazmente a indústria, subvencionando e desenvolvendo as indústrias da chapelaria, relojoaria, do vidro e do papel; tomou a iniciativa do fabrico da porcelana, protegeu a indústria das lãs, e fundou a fábrica real da Covilhã; favoreceu muitíssimo a agricultura; desenvolveu o comércio, criando a Aula do Comércio e fundou diversas companhias; reformou a administração civil e económica do país; emancipou os índios do Brasil; acabou na Índia com a distinção entre gentios e cristãos; no reino, com a distinção entre cristãos-novos e cristãos-velhos; com o clero procedeu energicamente, e deu à Inquisição um regimento que a anulava completamente; na instrução pública reformou completamente a Universidade pondo-a a par dos estabelecimentos científicos desse tempo no estrangeiro; fundou a instrução primária portuguesa solidamente, desenvolveu a instrução secundária; organizou toda a administração pública; suprimiu a escravatura no continente de Portugal; suprimiu para a imprensa a censura eclesiástica. Seria afastado do governo em 1777, consequência de ideias não ponderadas que quase conduziram o país à guerra com Espanha, França e Inglaterra. Fontes: Amaral, Manuel. O portal da história [em linha]. [Consulta: 26 Maio 2005] Serrão, Joaquim. História de Portugal. Lisboa: Verbo, 1986. 86 Consultar: Ribeiro, Op. Cit., 1912: pp. 3–6. 87 Artista português, gravador de grande competência, ensinou gravura na Impressão Régia, onde foi Mestre, no sentido de formar desenhadores e gravadores, constituindo um importante centro de artistas tendo a gravura portuguesa do século XVIII atingido um nível de distinção. Pamplona, Fernando de. Dicionário de Pintores e Escultores portugueses. 3ª ed. (V Tomo). Lisboa: Civilização, 1991: p. 191. Esta obra encontra a sua consulta disponível online em , no sítio da Biblioteca Nacional Digital. 88 84 Francesco Bartolozzi89 (1727–1815), chamado a Lisboa pelo então presidente do Real Erário, D. Rodrigo de Sousa Coutinho90 (1745–1812). Apesar dos desenvolvimentos na vida intelectual e cultural em Portugal durante o reinado de D. João V, a sua estratégia política pouco preocupada com os gastos extremos conduziria a uma estagnação e a uma série de crises no país – a economia paralisaria, somando-se as Invasões Francesas e as revoluções políticas –, num processo que só culminaria em 1833, encontrando-se então o país num estado deplorável no qual a imprensa não era excepção.91 2.2.7. Século XIX – a liberdade de imprensa Portugal iniciava o século XIX enfrentando um manifesto atraso económico e um débil desenvolvimento industrial relativamente aos países europeus mais desenvolvidos, que se agravaria com o período de crises governativas que o país iria atravessar. Estas teriam o seu início com as Invasões Francesas, ocorridas em território nacional entre 1807 e 1814, tendo como consequência imediata a ida da Casa Real e da corte para o Brasil, facto que instauraria um clima de instabilidade governativa muito grande. Findas as Invasões, a crise governativa seria ampliada com as lutas entre liberalistas e absolutistas – um processo que diferentes países europeus começaram a atravessar no último quartel do “século das luzes”, resultando em mutações nos sistemas políticos e económicos, culminando já no século XIX com a consolidação da burguesia liberal. O início desse processo revolucionário trouxe consigo a introdução do pensamento liberalista e, por consequência, os princípios humanistas, embora o caminho trilhado pelo Liberalismo em Portugal tenha sido difícil, tendo que enfrentar durante largo tempo (cerca de 30 anos) as tentativas constantes de manutenção do regime absolutista. O futuro triunfo liberalista seria inconcebível sem o papel activo da imprensa periódica,92 que em Portugal atravessaria o seu “período de ouro”,93 sobretudo pelo significado que teria para os direitos das sociedades da 89 Francesco Bartolozzi gravador Italiano, nascido em Florença, mudou-se para Inglaterra em 1764 trabalhando nesse país como gravador oficial do rei Jorge III – foi co-fundador da Royal Academy em 1768. Bartolozzi tornou-se famoso por ter gravado as obras de muitos dos artistas mais importantes da época, dirigindo um atelier que empregou muitos estudantes e assistentes. Em Portugal, Francesco Bartolozzi introduziu o método da gravura pontilhada (pointillé), que consistia no emprego da água-forte, em oposição ao trabalho de buril que havia sido usado por Carneiro da Silva. 90 Depois de 17 anos como diplomata em Turim (Itália) regressou a Portugal, em 1795, sendo nomeado presidente do Real Erário, tendo desempenhado um papel fundamental no desenvolvimento das Ciências portuguesas. 91 Estes factos encontram-se resumidamente afirmados num relatório apresentado pela Imprensa Nacional em 1861. Ver: Canaveira, Op. Cit., 1996: p. 209–248. 92 As forças liberalistas dominavam nessa época as ilhas açorianas, com evidência para a ilha Terceira, concentrando aí as forças opositoras ao governo absolutista do continente e preparando a tomada do poder. Estas forças eram apoiadas por imigrantes, com ideais comuns, refugiados em Inglaterra em consequência do desacordo com o Absolutismo reinante no território nacional. Segundo Canaveira, estes portugueses, de classe média/alta, conhecedores e conscientes “do papel da imprensa na divulgação das ideias, e do seu poder de informação, convencimento e encorajamento”, promoveriam a instalação da primeira oficina tipográfica na ilha Terceira (e do arquipélago açoriano), em 1829, em favor dos ideais liberalistas. Para tal, enviaram desde Inglaterra o material necessário para a sua concretização, começando por imprimir pequenas folhas volantes com notícias dos exilados, e estendendo-se rapidamente a outros tipos de impressos oficiais. Em 1830 editariam o primeiro jornal mas, por motivos políticos, a oficina tipográfica seria transferida para a ilha S. Miguel (Será num jornal desta ilha, o Diário dos Açores, que o poeta Luís Bicudo publicará pela primeira vez em Portugal o Manifesto Futurista de F. T. Marinetti). Salientamos a actividade gráfica originada na ilha Terceira, do arquipélago açoriano (constituído por um conjunto de nove ilhas), pretendendo aludir ao modesto, mas importante e reconhecido, papel desempenhado pelo meio impresso no desenvolvimento político e social do país. Refira-se que o escritor Teófilo de Braga (1843–1924), nascido nesta ilha e que foi tipógrafo na sua juventude, presidiu ao primeiro Governo Provisório da República (1910– 11), sendo mais tarde (1915) eleito Presidente da República. Ou, ainda, Antero de Quental (1842–1891), outra personalidade da literatura e política portuguesa nascido na ilha de S. Miguel nos Açores, e que também trabalhou como tipógrafo, primeiro na Imprensa Nacional e posteriormente em Paris. Ver: Canaveira, Op. Cit., 1996: p. 147; Serrão, Op. Cit., 1986. 93 Os números de periódicos fundados por reinados são assinaláveis: D. Maria II (1819–1853) iniciado em 1826 viu surgir 749 títulos; D. Pedro V (1837–1861) com 365; D. Luís I (1838–1889), 311. 85 época, renovando o “papel impresso” a sua actuação como um instrumento de luta e de crítica social e política.94 Mas será com algum desfasamento em relação à grande maioria da Europa que a mudança de sistema governativo português se efectuará. Não surpreende assim que, em consonância com os problemas económicos e industriais do país, a actividade tipográfica no primeiro quartel deste século XIX fosse residual. Dependia em grande medida da edição de livros e das “folhas de notícias”, tendo reflexo inclusivamente no número reduzido de oficinas existentes. Segundo os dados apresentados por Adrien de Balbi (1782–1848), citados por Rui Canaveira,95 no “Essai Statistique sur le Royaume de Portugal et d’Algarve comparé aux autres etats de l’Europe” (Paris, 1822), constatamos que em 1821 não existiam em Portugal mais do que 18 casas impressoras (12 em Lisboa, 5 no Porto e 1 em Coimbra). Como afirma Balbi em termos de comparação, e para dar uma ideia da exiguidade dos números, essa quantidade é equivalente à que contabilizava, em igual data, a cidade sueca de Estocolmo, disparidade que se acentua se a compararmos com o governo de Milão (que dizia apenas respeito às províncias da Lombardia), que contava com 71 oficinas. A análise comparativa efectuada por Adrien de Balbi salienta, ainda mais, a precariedade da indústria gráfica portuguesa quando nos apresenta os dados relativos ao volume de obras impressas nessa época: uma média de 141 obras por ano, contando com os jornais literários e incluindo (ainda) as obras impressas no Brasil. Números, por si só, significativos da letargia da imprensa portuguesa nessa época. Reforçamos a importância do texto de Adrien de Balbi que, para além de analisar a situação nacional das Artes Gráficas, nos permite também desvelar a principal origem de tão insignificante actividade. Como referimos anteriormente, em 1768 o Marquês de Pombal tinha determinado o fim da Inquisição, instaurando em seu lugar uma censura régia. A mudança efectuada desviava o poder censor da Igreja para o Estado, concentrando-se preponderantemente nas obras que pudessem denegrir a imagem do governo. No entanto, a destituição do Marquês de Pombal, em 1777, abriu as portas a que D. Maria I96 (1734– 1816), por Decreto de 21 de Junho de 1787, voltasse a aproximar a censura da vontade da Santa Sé. Notar-se-ia, então, que a governação progressista que a precedera não fora suficiente para apagar, na sociedade portuguesa, uma tradição católica secular enraizada, Consultar: Rocha, Op. Cit., 1988; Serrão, Op. Cit., 1986. 94 Esse desempenho na propaganda política, só possível em sociedades liberais, foi originado na Revolução Francesa e na reclamação da liberdade de imprensa – esta teria reflexo imediato no crescimento do número da imprensa periódica. Como nos conta Müller-Brockmann, “en Francia, la prensa llegó a convertirse en un poder político” exercendo “una poderosa influencia sobre la opinión pública”. Ver: Müller-Brockmann, Josef. História de la comunicación visual. Barcelona: Gustavo Gili, 1988: p. 39. 95 Adrian Balbi, geógrafo italiano, nascido em Veneza. A publicação de seu Prospetto politico-geografico dello stato attuale del globo (Veneza, 1808), deu-lhe o título de director da cadeira de geografia na Faculdade de San Michele de Murano. Em 1820 visita Portugal, onde colige material para sua publicação Essai statistique sur le royaume de Portugal el d’Algarve comparé aux autres etats de l’Europe, publicado em Paris em 1822, onde o autor viveu de 1821 a 1832. Em 1826 publica o primeiro volume do Atlas ethnographique du globe, ou classification des peuples anciens et modernes d’après leurs langues, um trabalho de grande erudição. Em 1832 surge o Abrégé de Geographie, que, numa forma alargada, foi traduzido para as principais línguas da Europa. Balbi retira-se para Pádua, onde morre em 1848. Ver: Dictionary of famous people [em linha]. [consulta: 20 Maio 2005] A citação surge em: Canaveira, Op. Cit., 1996: pp. 154–157. 96 Aclamada rainha em Maio de 1777, seria a responsável pela demissão de Marquês de Pombal nesse mesmo ano. Três preocupações absorveram o seu espírito durante o seu reinado: reparar as “ofensas” a Deus, moralizar a vida pública e governar de uma forma mais progressiva. A sua grande preocupação foi, no entanto, apaziguar os conflitos com Espanha (por causa do Brasil), Inglaterra e França. Destacamos ainda o impulso que deu à actividade cultural, tendo criado algumas importantes instituições, como: a Real Academia das Ciências de Lisboa; a Aula Pública de Debucho e Desenho, no Porto, e a Aula Régia de Desenho, em Lisboa (que dariam, em 1836, origem às Academias de Belas Artes); fundou a Real Biblioteca Pública de Lisboa. Por sofrer de doença mental, seria afastada da governação em 1792, sucedendo-lhe o seu filho D. João VI. Fontes: Amaral, Manuel. O portal da história [em linha]. [Consulta: 26 Maio 2005] Serrão, Op. Cit., 1986. 86 voltando a imprensa nacional a estar sob a alçada da censura religiosa; a Inquisição regressava em 1793 (Decreto de 17 de Dezembro). O regresso dos condicionamentos próprios da Inquisição, que tinham afectado decisivamente a evolução do Humanismo Renascentista português, limitava fortemente a produção intelectual e literária, rompendo de vez com a analogia cultural em relação à Europa. A imprensa nacional dependia de sobremaneira, para o seu desenvolvimento e incremento, da recepção do público e, consequentemente, do seu nível educacional que, em Portugal, estivera condicionado até à reforma pombalina (1772), momento em que se instaurou e oficializou o ensino menor. O condicionamento censório só seria quebrado depois da Revolução de 1820 (liberalista) que, impondo o fim da Inquisição, abriria o caminho ao princípio de uma nova mentalidade relativamente ao meio impresso nacional. Portugal adoptaria, com a urgência imposta pela Revolução, a Constituição de Cádiz de 1812, com ligeiras adaptações necessárias à conjuntura nacional, colocando em prática de imediato o disposto no artigo 371.º (Título IX – De La Instrucción Pública): Todos los españoles tienen libertad de escribir, imprimir y publicar sus ideas políticas sin necesidad de licencia, revisión o aprobación alguna anterior a la publicación, bajo las restricciones y responsabilidad que establezcan las leyes. A última frase da lei era, no entanto, suficientemente ambígua para permitir que em Portugal se continuasse nos anos seguintes, entre fragilidades liberalistas e tentativas de restauração do poder absolutista, a viver em constantes oscilações entre liberdade de imprensa e censura. A situação só encontraria uma clarificação com a Constituição de 1838, assumidamente liberal; esta dispunha no Artigo 13.º (Título III: Dos direitos e garantias dos portugueses): Todo o Cidadão pode comunicar os seus pensamentos pela imprensa ou por qualquer outro modo, sem dependência de censura prévia. § 1.° – A Lei regulará o exercício deste direito; e determinará o modo de fazer efectiva a responsabilidade pelos abusos nele cometidos. § 2.° – Nos processos de Liberdade de Imprensa, o conhecimento do facto e a qualificação do crime pertencerão exclusivamente aos Jurados. A liberdade de expressão e de imprensa que tanto se auspiciava abriu, então, o caminho para um novo período áureo onde a imprensa periódica e do sector editorial redobrariam o seu desenvolvimento correspondido pelo interesse do público burguês, assumindo a literatura como a via de transformação política, cultural e social.97 Encontrava-se, também, a abertura necessária para o crescimento da actividade tipográfica em Portugal. Um crescimento que seria reforçado com a Regeneração de 1850 – movimento político que propôs estabelecer de forma definitiva o liberalismo –, através de reformas económicosociais e administrativas que pretendiam repor o equilíbrio perdido com as lutas políticoideológicas que até aí se tinham verificado em Portugal. 2.2.8. A reforma da fundição de tipos nacional Apesar dos esforços levados a cabo pela Impressão Régia no que respeita à qualidade dos objectos impressos – era o exemplo do que melhor se produzia tipograficamente em Portugal –, pelos relatos que nos chegam, no resto das oficinas tipográficas portuguesas a qualidade não seria a melhor. Segundo as afirmações de Custódio de Oliveira, administrador da Impressão Régia, em Diagnosis typographica dos caracteres gregos, hebraicos e arabicos... a que se ajuntam alguns preceitos da arte typographica, para melhor correcção e uso dos 97 Rocha, Op. Cit., 1988: p. 31. 87 compositores da imprensa regia (Lisboa: Impressão Regia, 1804), a falta de qualidade do material impresso nas oficinas privadas nacionais, dever-se-ia ao desconhecimento técnico dos administradores dessas oficinas. Assim, “para evitar os abusos, e defeitos a que estiverem habituados” os seus compositores e impressores subordinados, estes deveriam efectuar uma melhor fiscalização da qualidade do trabalho ali realizado. Custódio de Oliveira fundamenta esta sua análise afirmando que, estando todos abastecidos com caracteres tipográficos da mesma qualidade (eram fornecidos nacionalmente pela Impressão Régia), seria a falta de conhecimento técnico dos particulares que colocava em causa a qualidade do material impresso. O texto de Adrien de Balbi confirma-nos a questão da falta de qualidade dos impressores portugueses, afirmando que não se poderiam comparar em qualidade com os impressores ingleses, franceses, italianos ou espanhóis. Assim, e pelo cargo ocupado por Custódio de Oliveira, salvaguardamos algumas reservas à sua análise do problema, que nos parece tendenciosa. A Diagnosis typographica apresentava, no entanto, uma questão que importa salientar: pretendia mostrar ao Governo nacional a necessidade de uma formação superior na “Arte Tipográfica” para a qual não existia em Portugal nenhuma escola. Mas também a fundição de tipos nacional, indubitavelmente ligada ao progresso e qualidade das Artes Gráficas, não estaria nas suas melhores condições. Nas palavras de Adrien de Balbi, no já citado texto, “les fondeurs portugais ne sont pas encore parvenus à donner aux caractères ce degré de netteté qu’on trouve dans ceux de France, d’Italie, d’Angleterre et d’Espagne”. Lembremos que a importação de tipo estrangeiro estava proibida à data da análise de Balbi (1821), vivendo a fundição de tipos da Imprensa Nacional numa letargia desde a morte de João Villeneuve98 (1777), à qual se somava a quebra de empenho dos poderes públicos no seu desenvolvimento.99 A proibição de importação de tipo acabaria não por acaso com a subida dos liberalistas ao poder. Conhecedor do poder da imprensa na formação da opinião pública, o constitucionalista liberal Borges Carneiro100 acusaria a Imprensa Nacional de uma atitude prepotente e falseamento da livre concorrência, vendendo “poucos tipos e só a quem ela queria, no intuito de prejudicar as tipografias privadas”.101 Reclamava assim, juntamente com a liberdade de imprensa, a reabertura da possibilidade de importação de tipo estrangeiro (lei de 14 de Março de 1821), que chegaria sobretudo de França com mais qualidade e a um preço mais acessível que o tipo nacional. Diz-nos José Ribeiro102 que se abriu ainda a possibilidade de qualquer particular poder fundir tipo tendo como fim o desenvolvimento dessa indústria nacional, o que acabaria por suceder, atingindose então um novo e vivificante ciclo na fundição de tipos em Portugal. 98 Ribeiro, Op. Cit., 1912: p. 14. Refira-se ainda que em 1756, por um período de dez anos, se autorizara a admissão, livre de direitos, da importação de tipo estrangeiro, mas que não terá tido qualquer consequência para a fundição de tipos nacional. Ver: Silva, Libânio. Manual do tipógrafo (2ª ed.). Lisboa: Grémio Nacional dos Industriais Gráficos, 1962: p. 53. 99 Sintoma dessa falta de apoio é o requerimento feito em 1820 por Alexandrino José das Neves, à frente da fundição da Imprensa Nacional, no sentido de se alargar a exploração das minas de antimónio e chumbo nacionais (metais usados no fabrico de tipos). Canaveira, Op. Cit., 1996: p. 184; Canhão, Op. Cit., 1941. Manuel Borges Carneiro (1774–1833) foi um dos protagonistas dos acontecimentos políticos de 1820. Formado em Cânones no ano de 1800 (como consta no Arquivo da Torre do Tombo), seguiu a carreira da magistratura, vindo mais tarde a ser um dos mais decididos e vigorosos adeptos da revolução liberalista de 1820. Na organização de um governo provisório foram convocadas cortes constituintes para elaborarem uma constituição política, da qual fez parte como constitucionalista. Nessas cortes de 1820 organizar-se-iam as bases da constituição e depois a própria constituição – nela seria, entre outras medidas de importância, extinta a Inquisição. Posteriormente, na retoma do poder pelos absolutistas seria demitido dos seus cargos tendo-se recolhido à vida privada, continuando os seus estudos e trabalhos literários. Voltaria ao poder, em 1826, com o regresso de um governo de pendente liberal razão pela qual, quando em 1828 D. Miguel se declara rei absoluto, seria preso; ali morreria numa epidemia de Cólera cinco anos mais tarde. Ver: Serrão, Op. Cit., 1986. Ribeiro, Op. Cit., 1912: pp. 46–47; Canhão, Op. Cit., 1941: pp. 38–39. Ribeiro, Op. Cit., 1912: p. 47. 100 101 102 88 Deve-se aqui um lugar de destaque a Alexandrino José das Neves. Entrara para director da fundição de tipos da Imprensa Nacional em 1818, “atendendo-se à prontidão e boa vontade com que se prestara a confiar aos empregados, não só as ideias que havia adquirido em Londres, aonde fora mandado para se instruir em todas as partes da sua preciosa arte mas também os instrumentos indispensáveis à igualdade e elegância dos punções, à justificação das matrizes e à perfeita fundição de tipos, muito antes de ser nomeado mestre”.103 Mas com a permissão da fundição privada Alexandrino das Neves demitiu-se da oficina estatal (1821), estabelecendo-se por conta própria, e iniciando uma concorrência que em breve aumentaria,104 sem, no entanto, conseguir impor o seu estilo inglês – adquirido na sua formação. Conforme José Ribeiro, “o estado da tipografia, em 1844, nas nações mais adiantadas, fazia uma tão grande diferença do estado em que ela se encontrava na mesma época em Portugal”105 que a oficina estatal, pressionada pela concorrência privada e, sobretudo, pela importação de material estrangeiro, se vê obrigada a recorrer ao mercado francês106 – à Imprimerie Royale e às oficinas Didot – para adquirir máquinas de impressão e novas matrizes (63 jogos de diferentes corpos e 76 matrizes de vinhetas de combinação) com mais qualidade. Seria um processo de remodelação que demoraria alguns anos, e no qual a Imprensa Nacional adoptaria, em 1851, o sistema de pontos criado por Françoise Ambroise Didot (1785). No entanto, pelos dados encontrados, supomos que, esse sistema de medição já estaria anteriormente em uso no país. Os documentos apontam para a fundidora Silva & Bezan, que se estabeleceu em Portugal em 1849 e onde se destacaram os fundidores gauleses Bezan, Muratet e François Lallemant.107 Segundo José Ribeiro, esta fundição tipográfica facultou prontamente material tipográfico elegante, apresentando “um sistema inegavelmente mais perfeito”108 e ainda mais barato do que a fundição da Imprensa Nacional, que se veria assim obrigada a investir na qualidade e a reduzir preços. Não sabemos a que se sistema referiria mas é possível que, sendo os fundidores franceses, fosse já o sistema de pontos Didot. Assim, entende-se que quando, em 1850, a oficina estatal contratou Muratet entretanto saído da fundidora privada, este tenha proposto de imediato que se fundissem todos os caracteres da casa pelo “tipómetro Didot”.109 Interessante é verificar que Frederico Marecos, administrador da Imprensa Nacional, afirme num relatório publicado no Diário do Governo de 7 de Julho de 1849 que já se “fundiam e 103 Ribeiro, Op. Cit., 1912: p. 44. Canaveira, Op. Cit., 1996: pp. 184–187. Ribeiro, Op. Cit., 1912: p. 76. 104 105 106 Nessa época, segundo Philip Gaskell, o mercado internacional de tipos e materiais de fundição era dominado pela Inglaterra e França. O administrador da Imprensa Nacional optaria pelo mercado francês, baseando-se em duas questões: a qualidade do material de impressão (matrizes, punções, máquinas entre outro necessário para a impressão), sobretudo o saído da oficina Didot; um preço mais acessível que o material de origem inglesa que, segundo José Ribeiro, seria a primeira opção. Sobre a aquisição do material consultar: Ribeiro, Op. Cit., 1912: p. 50. Sobre o mercado internacional, consultar: Gaskell, Philip. Nueva Introducción a la Bibliografía Material. Gijón: Ediciones Trea, 1999: p. 258. Não se encontraram dados sobre estes impressores. Sobre François Lallemant reside ainda uma outra questão: nos livros consultados o seu nome surge Lallemand, mas optamos pela grafia que surge na Biblioteca Nacional, patente nos registos bibliográficos das obras impressas por aquele fundidor e impressor. Ribeiro, Op. Cit., 1912: p. 94. 107 108 109 Ribeiro, Op. Cit., 1912: pp. 94–95. O autor diz-nos ainda que se terão adoptados os manuais dos tipógrafos franceses, mas dos quais não refere os títulos. 89 justificavam os tipos, pelo sistema de pontos, como estava modernamente adoptado nos países mais adiantados na arte tipográfica”. Seria normal, tendo em conta que cinco anos antes tinham adquirido material novo em França, mas somos levados a supor que não haveria ninguém na fundidora nacional capaz de implementar aquele sistema de forma correcta. A nossa ideia fundamenta-se ainda nos dados que constam no Relatório de 1861110 (capítulo VII), onde se relata que a adopção do sistema Didot, que provocou uma “completa revolução”, só seria definitivamente efectuado em 1851, data posterior àquela em que Muratet teria proposto a sua aplicação. Diga-se ainda a este respeito, que segundo Philip Gaskell,111 apesar de ser um sistema amplamente aceite em toda a Europa continental na primeira metade do século, só neste período se colocaria fim uma adiada padronização dos corpos dos tipos e da sua unidade de medida. É ainda daquele grupo de franceses que sairá outra inovação. François Lallemant, que adquire posteriormente a fundidora Silva & Bezan ficando esta com o seu nome e passando também a imprimir, terá segundo o exposto no Relatório de 1861 (capítulo IX) efectuado em 1854–1855 as primeiras impressões tipográficas a cores, com qualidade, em Portugal. Acrescente-se, ainda, que será nesta oficina que o importante impressor português, Libânio da Silva (1854–1916), aprenderá o ofício de tipógrafo e que abriria mais tarde a sua própria oficina, conhecida por ser a preferida pelos políticos e artistas nacionais. Libânio ficará ainda famoso por ter escrito, em 1908, o Manual do Typographo que durante as décadas posteriores servirá de referência prática e no ensino nacional desta arte gráfica. A fundição de tipos nacional iria decrescer lentamente até atingir, com a deflagração da Primeira Guerra Mundial em 1914, um estado residual, uma situação da qual não mais recuperaria.112 2.2.9. A mecanização da tipografia e o crescimento da imprensa periódica Com atraso relativamente aos países europeus mais desenvolvidos, respirava-se o estímulo político e social essencial para o processo de industrialização nacional, ao qual se juntava a melhoria das vias de comunicação (renovação das redes rodoviárias e dos portos marítimos, a construção das linhas ferroviárias),113 a instalação do telégrafo e, sobretudo, o aumento da instrução pública. Foi nesse contexto que a Revolução Industrial abraçou Portugal de forma indelével, afectando a vida social, económica e tecnológica, apenas a partir de meados de oitocentos. O crescimento dos centros urbanos, da indústria e do mercado, potenciado pela facilidade de transporte que permitia um acesso fácil e rápido a lugares afastados, juntamente com a melhoria das comunicações, provocaria alterações significativas na forma de viver. Alterações que atingiriam praticamente todos os sectores sócio-económicos, e que conduziriam a Tipografia em Portugal para um trecho fundamental da sua evolução histórica, tanto nos métodos de produção como nos elementos da linguagem formal. Estavam reunidas as condições necessárias para o seu desenvolvimento: liberdade de imprensa e de expressão, industrialização, desenvolvimento económico e cultural. 110 Relatório da Comissão nomeada pela Associação Typographica Lisbonense; para dar o seu parecer ácerca do Specimen de Typos ultimamente apresentado pela Imprensa Nacional. Lisboa: Imprensa Nacional, 1861. Este documento, no capítulo IX, dá-nos mais algumas pistas em relação a este tema. Apresenta a fundição de Silva & Bezan, e os seus artistas estrangeiros, como a responsável pela “grande revolução que na fundição dos caracteres typographicos se operou n’este paíz”. Refere ainda que A. das Neves, apesar do seu papel percursor na fundição privada de tipos, não terá usado o sistema Didot até 1850. Gaskell, Op. Cit., 1999: p. 353. Canhão, Op. Cit., 1941: pp. 64–65. 111 112 A primeira linha de caminho-de-ferro portuguesa, efectuando a ligação Lisboa-Carregado, abriu ao público a 30 de Outubro de 1856. 113 90 O prelo construído totalmente em madeira (semelhante ao de Gutenberg) não sofrera praticamente transformações significativas, nem mecanicamente importantes,114 durante três séculos e meio. Basicamente substituíram-se por peças metálicas as que até então eram de madeira, estando, normalmente, as poucas evoluções efectuadas relacionadas com o acelerar do ritmo de produção (dos livros). Alterações que apenas melhoraram e tornaram, paulatinamente, mais sólido o seu mecanismo. Apesar do ritmo de impressão ter aumentado progressivamente, no início do século XIX as máquinas continuavam a ser movimentadas pela força humana, constituindo como único meio de aumentar a produção o trabalhar com vários prelos ao mesmo tempo. As evoluções no sentido da mecanização que se sentiam em alguns dos países mais evoluídos da Europa (Inglaterra, França e Alemanha), teriam em Portugal um tímido início. O prelo construído totalmente em ferro fundido, inventado entre 1800 e 1803 por Earl Charles Stanhope (1753–1816) e que substituíra o prelo de madeira, chegaria a Lisboa trazido pelas tropas inglesas, em 1808, quando estas vieram combater, juntamente com as portuguesas, as forças napoleónicas que invadiam o território nacional.115 Este novo prelo permitia impressões mais delicadas, formatos significativamente maiores e necessitando para isso, através de um conjunto de sistemas mecânicos, de um esforço bastante menor, possibilitando um incremento na velocidade de impressão.116 Em Portugal, até finais do primeiro quartel do século XIX, a tipografia veria a sua existência limitada aos prelos trazidos pelos ingleses, encontrando-se todos na Imprensa Régia, não surpreendendo pelas razões apontadas anteriormente que no resto do país se continuasse a usar os medievais prelos de madeira. Seria por meio das descobertas de novas fontes de energia (como o vapor) aliadas a investigações sobre a mecanização,117 que na indústria se chegaria a máquinas cada vez mais rápidas e automatizadas. Assim, no início do século XIX, o impressor alemão Friedrich Koenig (1774–1833) iniciava uma série de aperfeiçoamentos no sistema do prelo – que até então utilizava uma forma de impressão plana contra uma área de pressão plana –, que o conduziria à máquina planocilíndrica118 a vapor. Esta foi inventada em 1814,119 em Inglaterra, permitindo um incremento substancial na velocidade do processo de impressão, e representando um avanço considerável em relação ao meio tipográfico não mecanizado – num primeiro momento passava-se de 150 folhas por hora, com o prelo de Stanhope, para 400 folhas120 por hora –, possibilitando ainda a utilização da litografia (que abordaremos mais adiante) de forma industrial e o aumento do formato do papel, acompanhado por uma melhoria na qualidade do produto final impresso. Esta modernização dos meios de impressão, que aliviava significativamente o esforço humano, provocaria uma maior divisão laboral, consequente com a respectiva individualização dos processos, não tendo uma 114 Gaskell, Op. Cit., 1999: p. 143. 115 Segundo José Ribeiro, a Imprensa Nacional ficou com os prelos de ferro em troca de prelos de madeira pois estes, pelo seu peso e maior facilidade de transporte, “melhor convinham à impressão das ordens de serviço dum exército em campanha”. Ribeiro, Op. Cit., 1912: p. 27. 116 Sobre o prelo Stanhope consultar: Gaskell, Op. Cit., 1999: pp. 244–247. Em 1781 James Watt patenteara uma série de dispositivos com o fim de aplicar o movimento alternativo das máquinas a vapor, produzindo um movimento circular em torno de um eixo, em moinhos e outras máquinas. 118 Impressora tipográfica em que a pressão se efectua mediante um plano e um cilindro. Para imprimir, o papel é forçado contra a superfície de impressão por um cilindro de pressão. 119 Foi uma encomenda do jornal inglês The Times, iniciando-se a sua utilização na impressão da edição do dia 29 de Novembro de 1814. 120 Esta quantidade evoluiria gradualmente, atingindo o seu auge com as máquinas estereográficas de 4 cilindros a vapor que chegariam na segunda metade da década de vinte de novecentos, atingindo 4.000 folhas por hora impressas em ambos os lados. Ver: Meggs, Op. Cit., 2000: pp. 132–133; Gaskell, Op. Cit., 1999: p. 312. 117 91 expansão fácil121 em toda a Europa. O receio dos trabalhadores perderem os seus empregos causaria enormes contendas laborais – com a mecanização necessitava-se agora apenas de um homem para manobrar a máquina, colocando o papel, reduzindo-se ainda a quantidade de máquinas necessárias para cobrir as mesmas necessidades produtivas. A Portugal, a invenção de Friedrich Koenig chegaria em 1844 com as duas primeiras máquinas adquiridas pela Imprensa Régia em França (uma terceira de grandes dimensões chegava em 1855, aportando uma capacidade de resposta mais capaz às crescentes necessidades nacionais) – aquisição efectuada no processo de modernização da oficina estatal e no qual se modernizou também a fundição tipográfica,122 e que abordámos anteriormente. As reformas de meados do século, referidas anteriormente, tinham produzido evoluções significativas no crescimento numérico da indústria gráfica portuguesa: de 18 oficinas tipográficas em 1821, passava-se para 133 (das quais, cerca de vinte eram litografias) em 1863, imprimindo-se então, anualmente, 525 obras (entre livros e folhetos), 202 publicações periódicas e outros impressos tipográficos.123 Eram no entanto números ainda deficientes para a quantidade de oficinas que iam surgindo. O crescimento registado na imprensa portuguesa na primeira metade desse século, que noutros países seria a força que em parte conduzira à mecanização,124 não teve uma correspondência nos meios técnicos usados nem na qualidade formal dos projectos editoriais. Se a questão técnica se deveria em parte à ainda frágil industrialização do país, a principal causa residia na proliferação de pequenas oficinas tipográficas e litografias que, por todo o país, era feita de forma inadequada. Com o surgir de diferentes tipologias de material impresso – sobretudo a imprensa periódica que proliferou nesse século –, muitos terão visto na tipografia uma forma de enriquecimento fácil, fundando as suas oficinas com material barato e de qualidade duvidosa – as novas máquinas eram dispendiosas, o papel bom era caro e os tipos fundidos no país apresentavam pouco cuidado. Como nos indica Libânio da Silva, ainda com o intuito de redução de custos, contratavam-se compositores, revisores e impressores com uma formação muito deficiente. Não seria ainda estranha a esta situação, a concorrência desleal imposta pela Imprensa Nacional, que dominando o mercado (detinha o monopólio de todos os impressos e obras do Estado) conseguia preços inalcançáveis pela concorrência,125 disputando ainda as encomendas feitas às oficinas privadas. Uma questão fundamental num país que apresentava ainda grandes lacunas culturais: segundo o censo de 1878, contava entre uma população de 4.160.315 pessoas com 82,75% de analfabetos.126 O espaço para o crescimento e evolução nacional desta indústria,127 que continuava a necessitar do mercado livreiro para sobreviver, era assim muito limitado. Apesar das dificuldades de instrução pública, em Portugal chegava-se também ao momento dos grandes jornais diários. Os progressos económicos e, apesar de tudo, um aumento da 121 A primeira encomenda que Koenig recebe da Alemanha, pelo impressor e editor Von Cotta, surge apenas em 1822. Apontamos ainda a data da primeira planocilíndrica em França, que seria posteriormente um mercado preferencial: Paris, em 1828. 122 Ribeiro, Op. Cit., 1912: pp. 100–102. Ver: Canaveira, Op. Cit., 1996: p. 157. Kinross, Op. Cit., 2004: p. 35. Silva, Libânio da. Manual do typographo. Lisboa: Biblioteca de Instrucção Profissional, 1908: pp. V–VII. Fonte: Instituto Nacional de Estatística [Consulta: 26 Maio 2005] 123 124 125 126 127 Contrariamente ao nível de instrução do país, a classe operária dos tipógrafos, sobretudo a dos compositores, era instruída e culta, estando na origem das primeiras revindicações laborais e a ela devendo-se o surgimento dos primeiros contratos colectivos de trabalho em Portugal (1904). Também seria importante o seu desempenho no movimento sindical português e quando, em 1875, se funda o Partido Socialista português, este é resultado da acção de um gravador, Azedo Gneco, sendo o programa responsabilidade do tipógrafo, da Imprensa Nacional, Nobre Franco. 92 alfabetização nacional que se notaria a partir de meados de oitocentos, paralelamente ao desenvolvimento de um novo conceito de jornalismo, criavam o ambiente ideal para a multiplicação do número de jornais e revistas. Em alguns países da Europa (França e Inglaterra) e nos Estados Unidos tinha surgido o conceito de indústria jornalística, que pressupunha uma actividade industrial e mercantil bem definida: a produção em série; normas precisas de construção; existência de uma profissão dotada de saberes e tecnologias próprias; recepção por parte do público com vista à recuperação do investimento efectuado128 . Fundamental neste trajecto de mudança foi a introdução de publicidade no meio impresso, que aliada ao aumento de tiragem permitiria diminuir substancialmente o preço final dos meios impressos. Dava-se o passo essencial na aproximação a um público mais vasto. Após 1851 os periódicos multiplicaram-se, e expandiram-se para além de Lisboa, Porto e Coimbra, chegando a todo o país. Passava-se de um jornalismo de elite para um jornalismo popular, ao qual o lucro não seria, de forma alguma, alheio. Em Portugal este tipo de imprensa seria lançado, em 1864, com o jornal Diário de Notícias lançado por Eduardo Coelho129 (1835–1889), vendido a 10 réis (os jornais custavam então cerca de 40 réis),130 apresentando cinco anos mais tarde já uma tiragem de 17.000 exemplares (1869). Um número significativo se considerarmos que nessa data se vendiam diariamente em Lisboa 50.000 jornais,131 e que proporcionaria em 1890 a chegada, para a Tipografia Universal de Lisboa onde se imprimia este periódico nacional, da primeira máquina rotativa Marinoni.132 A proliferação de periódicos (jornais e revistas) em Portugal não se limitou às tipologias existentes começando a aparecer, ainda no século XIX, os almanaques. No jornalismo corrente começava também a ganhar forma e valor o periodismo satírico que, com influência do exemplo francês, fazia uso da caricatura e que se converteria num eficaz instrumento político-ideológico. 2.2.10. A litografia em Portugal O crescimento da quantidade de imagens no meio impresso estaria ligado a uma nova tecnologia de impressão, com origem contemporânea ao prelo de Stanhope: a litografia133 128 As primeiras manifestações deste tipo de jornalismo surgiram, em 1836, na França com as experiências de Émile Girardin (1802–1881) no jornal La Press. 129 Em 1857 entrou para a Imprensa Nacional como oficial compositor, ali permanecendo dois anos seguindo depois a carreira de jornalista. Ver: Rocha, Op. Cit., 1988: p. 33. Canaveira, Op. Cit., 1996: p. 158. 130 131 132 Esta máquina deve o seu nome a Hyppolyte Marinoni (1823–1904). Este trabalhou na empresa Gaveau que fabricava as máquinas de impressão Minerva, tornando-se, em 1847, sócio dessa mesma empresa. Émile Girardin, editor do jornal francês La Presse, encarregou à Gaveau o estudo e fabrico de uma máquina de impressão com processo rotativo, tendo Marinoni requerido a primeira patente para essa máquina em 1886. Antes, em 1872, tinha já instalado uma máquina rotativa, que podia imprimir até 10.000 exemplares por hora, no jornal La liberté do mesmo editor. Canaveira, Op. Cit., 1996: p. 92. 133 Palavra com origem nas palavras gregas líthos (pedra) e graphía (escrita, impressão) e que significa literalmente “impressão sobre pedra”. 93 inventada por Aloys Senefelder (1771–1834) na Baviera em 1796.134 Desde a invenção da tipografia, no século XV, este era o primeiro sistema que alterava na sua essência o processo de impressão. Até então recorria-se a uma diferença de planos na matriz impressora para a definição das áreas a imprimir e as áreas de vazio. Com a litografia passava-se a um processo mecânico planográfico em que as áreas a imprimir e de vazio se encontravam no mesmo plano, baseando-se no princípio químico antagónico entre a água e a gordura (não se misturam). A facilidade de uso e realização admitida por este processo de impressão, assim como a sua aceitação e entusiasmo (a gravura a preto, a branco e a cores era facilmente conseguida), conduziram a uma rápida difusão.135 Segundo a obra de referência sobre a introdução da litografia em Portugal, “a primeira notícia impressa em português, que se encontra sobre a litografia, foi publicada em Paris, em Janeiro de 1819, no tomo III dos «Annaes das sciencias, das artes e das lettras», subscrita por «C.X.», iniciais de Cândido José Xavier”.136 Será assim fácil de aceitar que, tal como a notícia, a procedência do primeiro material litográfico trazido para território nacional chegasse da capital francesa. Esse material seria enviado, em 1822, pelo futuro estadista português Luís Mousinho de Albuquerque137 (1792–1847) que residia naquela cidade, onde terá entrado em contacto com o novo processo de impressão. Interessado pelos resultados obtidos com a litografia, enviaria para o pintor Domingos António Sequeira138 (1768–1837) “uma prensa, algumas 134 A data exacta para este facto varia ligeiramente consoante as fontes. Apresentamos, de entre outras, algumas referências: Robin Kinrross afirma que “the process of lithography was discovered around 1798”; Philip Meggs, escreve que foi inventada em 1796; Renato Graça, aponta o ano de 1796. A justificação que nos parece mais plausível sobre esta variação de datas residirá, conforme noz diz Juan António Ramirez, na diferença temporal entre a data do descobrimento do processo e o ano do seu pleno desenvolvimento e aplicação. “En realidad, todo parece indicar que Senefelder no vio al princípio las posibilidades «estéticas» de su descubrimiento: las primeras pruebas litográficas que hizo a partir de 1796” seriam de partituras musicais, trabalho que o ocupava – Senefelder era compositor – e para o qual procurava uma solução para imprimir o que ia compondo. Essa era, no entanto, já uma aplicação do processo litográfico. Ver: Kinross, Op. Cit., 2004: p. 36; Meggs, Op. Cit., 2000: p. 146; Graça, Renato. Breve história da litografia: sua introdução e primeiros passos em Portugal. Lisboa: Litografia de Portugal, 1968: p. 19; Ramírez, Op. Cit., 1997: p. 47. 135 A litografia terá atravessado a fronteira alemã para França, entre 1806 e 1808, onde terá conseguido “em 1814, interessar a corte francesa no assunto, instalando em Paris, na Rua du Bac, a primeira oficina litográfica da França”. Posteriormente, terá atingido uma rápida expansão, conseguindo em pouco tempo um grande progresso e expansão. Ver: Graça, Op. Cit., 1968: p. 23. 136 Graça, Op. Cit., 1968: p. 23. Importante personalidade da vida política portuguesa, desde cedo mostrou gosto pela poesia, desenho e ciências físicas. Foi, enquanto jovem, colaborador no Jornal de Coimbra e nos Annaes das sciencias e das letras; jornal português publicado em Paris e fundado pelo sogro de Mousinho de Albuquerque, o qual lhe terá pedido para que se deslocara para àquela cidade, em 1820, com o motivo de ali trabalhar na redacção do referido jornal. Em plena época das lutas liberalistas prestou os mais assinalados serviços à causa da liberdade, tendo exercido durante esse período os mais elevados cargos, até o de ministro; quando os liberalistas se encontravam no poder seria nomeado ministro do reino (1835), sendo posteriormente eleito deputado em várias legislaturas. A sua vida parlamentar de 1842 a 1844 foi considerada brilhante, tendo sido ainda sócio de diferentes associações científicas nacionais e estrangeiras. 138 D. Sequeira manifestou desde muito criança uma viva inteligência e uma grande vocação artística. Matriculou-se na aula régia de desenho, fundada em 1781, sendo um dos primeiros alunos, onde estudaria durante 5 anos sendo algumas vezes premiado. O seu talento seria apreciado e recomendado à rainha D. Maria I, de quem obteve uma pensão para que fosse aperfeiçoar as suas capacidades em Roma. Ali faria uma aproximação à pintura naturalista, desenvolvendo um trabalho aplicado e intenso, e que em breve seria notado graças ao seu talento; este trar-lhe-ia encargos de trabalhos para varias igrejas e palácios. Regressando a Portugal, 1795, foi recebido pelo reino que lhe concedeu uma pensão para a execução de obras que lhe fossem encarregues; abundaram encomendas da família real, de conventos e de particulares. No entanto, D. Sequeira vinha habituado aos preços elevados de Roma, o que faria que aquela afluência decaísse rapidamente. Sendo um militante activo do Liberalismo, quando em 1823 os Absolutistas retomam o poder parte para Paris onde trabalharia incansavelmente, fazendo alguns dos seus mais belos quadros; em 1826 seguiria para Roma onde passaria os seus últimos anos de vida, sendo por ventura os mais gloriosos para o distinto artista. Pamplona, Op. Cit., 1991: pp. 168–173. 137 94 pedras litográficas e diversos apetrechos necessários para os seus futuros trabalhos”,139 convertendo-se este pintor na primeira pessoa a litografar em Portugal. Consideramos naturalmente, pelo envio do material, Mousinho de Albuquerque como o introdutor da litografia em Portugal. Por meio de um ofício (7 de Maio de 1822) no qual mencionava o “proveito e glória que resultaria para a Nação naturalizar no Reino a arte litográfica”, Mousinho de Albuquerque dava conhecimento das vantagens deste novo processo ao governo português, mas que não teria efeito prático até que, pelo decreto de 11 de Setembro de 1824, D. João VI cria em Lisboa a Officina Regia Lithographica. Para esta viria, em 1827, “de uma das mais acreditadas oficinas de Paris, um hábil impressor”,140 com o qual se pretendia superar as carências de qualidade dos litógrafos nacionais. Tratava-se de Caetano Aires de Andrade141 (c. 1787–n.a.), um discípulo de Domingos Sequeira que entretanto (1823) partira para Paris, beneficiando da expansão e da qualidade do trabalho litográfico ali alcançado. Sequeira trabalharia afincadamente na capital francesa aperfeiçoando a sua técnica e ensinando alguns discípulos, entre os quais se encontraria Caetano de Andrade. Poucos anos mais tarde, pelo decreto de 6 de Dezembro de 1836, a Officina Regia perderia a autonomia passando a estar subordinada à Academia de Belas Artes de Lisboa, designando-se então por Officina Nacional Lithographica. O entusiasmo em redor da litografia conduziria à sua rápida expansão na qual se destacaria, uma vez mais, a Imprensa Nacional. Para tal criaria uma oficina litográfica, (1837) adquirindo todo o material na Alemanha e formando os seus litógrafos no estrangeiro (França, Inglaterra e Bélgica). A sua capacidade seria comprovada pelos “maiores louvores e distinção”142 alcançados nas participações das inovadoras Exposições Internacionais143 de Paris (1867), 139 Graça, Op. Cit., 1968: p. 27. Graça, Op. Cit., 1968: p. 31. 140 Caetano de Andrade, segundo Fernando de Pamplona, embora fosse um “pintor de recursos modestos”, devido às suas capacidades como desenhador, seria nomeado professor de Desenho da Academia Real de Belas Artes de Lisboa, aquando da sua fundação em 1836. Pamplona, Op. Cit., 1991: p. 102. 142 141 Graça, Op. Cit., 1968: p. 38. O período que enfrentamos contemplou com entusiasmo o nascimento e desenvolvimento das Exposições Internacionais. A primeira ocorreu em Londres, em 1851, no célebre Crystal Palace, projectado para a ocasião pelo Sir Joseph Paxton. A mostra tinha como propósitos a cumprir os de exibição, competição, comparação e estímulo. Essa exposição começaria por se distinguir das demais exposições, efectuadas até então em grandes cidades, pelo próprio espaço expositivo: grande amplitude, riqueza de soluções técnicas, simplicidade máxima e uma penetração de luz e transparência desconhecida nas obras arquitectónicas até ao momento. Quanto ao conteúdo dividiu-se em quatro grandes grupos: matérias-primas, manufacturas, invenções mecânicas e obras de escultura e artes plásticas. O êxito da exposição foi tão grande que a burguesia decidiu convertê-la num costume periódico, como uma forma de comprovar a sua força e auto-contemplar-se com uma frequência cada vez maior. Em 1853 celebrar-se-ia a de Dublin e a de Nova Iorque; em 1855 a de Paris e, em 1862, de novo em Londres; seguir-se-iam outras, entre as quais destacaríamos a do Porto, realizada em 1865, e para a qual se edificaria um Palácio de Cristal, à imagem do de Londres (seria demolido em 1951). Importa destacar nestas exposições o princípio de um novo conceito de “exposição”, patente no modo como os objectos eram apresentados aos visitantes: apresentavam, em grandes e amplos espaços, principalmente produtos técnicos e objectos de uso quotidiano, e não mais apenas “obras de arte” (a evolução artística estava definitivamente marcada pelos acontecimentos de final de século: o novo modelo de imagem perfeita já não era o pintado, mas sim o fotografado; as necessidades das novas sociedade urbanas não se satisfaziam apenas com a imagem única, mas sim com a múltipla, capaz de suscitar consensos colectivos e a um preço acessível). A exposição ideal era agora aquela onde a convivência entre produtos industriais e os trabalhos “tradicionais”, de diferentes especialidades plásticas, se efectuava, evidenciando uma quebra na capacidade destes para suscitar a curiosidade e um exclusivo entusiasmo do público. As novas máquinas chamavam mais a atenção, com as suas formas e cores surpreendentes e a atracção dos seus movimentos automáticos. As exposições implicavam ainda um outro elemento fundamental: a participação do espectador, obrigando-o a mover-se, a rodear os objectos; estimulava-se assim a sua inteligência e os seus sentidos revelando a sua nova e potencial carga lúdica. Estas mostras pensadas para o grande público provocavam uma diferença de atitude; nas Exposições Internacionais, o movimento da multidão também formava parte da encenação que decorria entre o ruído e a confusão das máquinas e pessoas. Com os novos espaços polivalentes de exposição, adaptáveis a múltiplos usos, produzia-se uma híbrida sensação de algo que está no meio-termo entre rua e interior totalmente fechado. Em breve, as galerias cobertas com tectos de vidro, surgiriam nas grandes cidades (uma das maiores, a de Milão, foi construída em 1865), prolongando no quotidiano âmbito urbano a excepcionalidade que definiam essas grandes mostras ocasionais. 143 95 Viena de Áustria (1873) e Filadélfia (1876). Mas se exceptuarmos a Imprensa Nacional, que pela sua condição inerente mantinha um volume de trabalho constante, a litografia nacional não estaria isenta de enfrentar alguns problemas de base. A pedra calcária usada como suporte na litografia, pelas características inapropriadas da pedra nacional,144 teria na questão económica do seu abastecimento um dos principais entraves e um dos mais difíceis de resolver: o seu peso motivava preços elevados no transporte da pedra da Baviera (a preferida na época) para Portugal, chegando a preços incomportáveis para a maioria dos litógrafos, ainda pouco favorecidos por uma indústria em hesitante evolução. Por outro lado, as razões comerciais – grande procura de estampas e ilustrações – que fundamentavam a expansão e o entusiasmo não eram suficientemente fortes para suportar um crescimento desequilibrado: o baixo custo do processo conduziu a que muitos entusiastas, que viam no meio uma forma de enriquecimento célere, instalassem oficinas litográficas; a expansão seria de tal modo rápida que a concorrência iniciaria uma especulação de preços que, secundada pela fraca expansão que se vivia na época seriam, nas palavras de Renato Graça, a “principal dificuldade do desenvolvimento conveniente da nova arte”,145 tendo como consequência o encerramento de muitas dessas oficinas. No entanto, e apesar de no início da história da litografia portuguesa existir no país “uma quase total carência de artistas gráficos especializados nesse processo revolucionário”,146 a partir da segunda metade do século XIX a litografia nacional encontraria, com o envolvimento do meio artístico, uma progressão tanto em qualidade como em quantidade, atingindo, como referimos, alguma notabilidade. Se até então os processos de gravura usados no meio gráfico necessitavam de um intérprete – o gravador – com formação especializada que faria a passagem, invertida, da imagem para um suporte de impressão de madeira ou metal com o qual se gravaria posteriormente a imagem, com a litografia (segundo o ponto de vista do artista) poderiam pintar directamente na pedra litográfica evitando, assim, o intermediário envolvido no processo de gravura. Em Portugal essa participação do meio artístico seria conduzida pela Escola Naturalista portuguesa, nela se distinguindo os irmãos Columbano e Rafael Bordalo Pinheiro (1846– 1905), Soares dos Reis, Silva Porto e Veloso Salgado (1864–1945). Estes, tal como qualquer outro artista, podiam pela primeira vez na História enviar a sua imagem, não apenas em peça única mas em edições. Cada impressão seria a representação de toda a sua personalidade e capacidade, sem recurso a pessoas intermediárias e obstáculos tecnológicos. Seria a litografia que provocaria, além disso, alterações fundamentais nas tendências estéticas e formais da comunicação visual. Na tipografia, o texto deveria ser composto a partir de tipos de chumbo preexistentes e a composição das páginas realizada, muitas vezes, separadamente das imagens utilizadas. Na litografia, a criação do desenho – incluindo imagem e textos –, permitiria uma focagem mais ilustrativa, que seria ampliada, sobretudo, a partir da cromolitografia – patenteada em 1837 pelo francês Godefroy Engelmann (1788–1839) – que apresentaria “vastas ramificaciones sociales y O artista começava a pressentir uma alteração paulatina do seu papel numa sociedade que só lhe concederá a capacidade de converter-se em actor ocasional dos actos de poder (arte oficial), ou num solitário marginado das grandes correntes da história. Fonte: Ramírez, Op. Cit., 1997. Sobre as exposições nacionais: Mattoso, José (dir.). História de Portugal. (Tomo V). Lisboa: Lexicultural, 2002. 144 As características da pedra de Ançã (Coimbra) e da Arrábida, não apresenta os requisitos necessários para a execução da litografia com qualidade: é muito porosa não permitindo, por isso, alcançar a meia-tinta com qualidade. Graça, Op. Cit., 1968: p. 31. Graça, Op. Cit., 1968: p. 31. 145 146 96 económicas”:147 a cromolitografia reduzia os custos do uso da cor (até então realizada manualmente sobre imagens impressas) e seria, em Portugal, aplicada predominantemente em cartazes, embalagens e outros impressos de carácter comercial. O meio editorial nacional – livros, revistas e periódicos – no século XIX, continuaria no uso da imagem a ser dominado pela xilogravura e pelos processos de gravura manual. Realçamos, no entanto, uma questão de base: a impressão litográfica e a impressão tipográfica (com tipos móveis), pelas suas características, não teriam muito em comum durante largo tempo. Esta separação, que seria mais conceptual, estava ligada a outra distinção relativa ao uso de texto e de imagem. Até à criação dos processos fotográficos,148 e sobretudo da litografia offset no final do século (atingindo todas as suas potencialidades com a fotocomposição na década de 1950 – a primeira obra a ter impressão offset em Portugal seria, em 1935, Arca de Noé. III Classe, contos para crianças, de Aquilino Ribeiro),149 as grandes quantidades de texto pressupunham uma dificuldade acrescida na sua aplicação litográfica. Assim, a litografia surgia conectada a trabalhos mais artísticos ou comerciais (cartazes, embalagens, rótulos, anúncios entre outros), com necessidades ligadas ao 147 Meggs, Op. Cit., 2000: p. 147. 148 A invenção da fotografia, no segundo quartel do século XIX, confirma o impulso e a procura constante de novos meios de comunicação existentes no período aqui abordado. Não cabendo dentro deste estudo levantar a questão da paternidade real do invento da fotografia, não podemos, no entanto, passar ao lado daquela que se configurou como uma das mais importantes descobertas para a História da Arte, e das Artes Gráficas, dos últimos cinco séculos. Começamos por definir aqui as suas características mais pertinentes: a fotografia, obtida pela impressão de uma superfície sensível aos raios luminosos, no interior de uma caixa fechada e com um só orifício, tem como grande diferença com outros processos, seus contemporâneos, com o qual se obtinha a formal final, o facto de não ser a mão a “escrever” a imagem, mas sim a controlar somente o processo físico-químico (luz, abertura do diafragma, focagem e enquadramento, sensibilidade e grão da película, etc.). Teria ainda como diferença primordial na produção de imagens, a libertação da difícil aprendizagem que o levava, finalmente, a traduzir com movimentos corporais (pinceladas, traços de lápis…) uma redução visual do universo natural ou imaginário; mais ainda, a fotografia permitia eliminar, pelo menos parcialmente, a componente de subjectividade que essa “tradução” até então implicava: duas fotografias executadas de forma similar, cujos meios se submetem a um mesmo processo, devem produzir imagens idênticas. A suposta objectividade – a principal causa dos ataques e elogios que a fotografia recebeu durante o século XIX – provou, com o decurso do tempo, a sua supremacia e o seu indiscutível domínio da representação visual, condicionando o desenvolvimento da pintura, convertendo-a num meio marginal, e contribuindo para o desaparecimento à posteriori de grande parte dos restantes procedimentos utilizados para a produção de imagens em série. Joseph Niepce (1765–1833), um impressor litográfico francês que seria o primeiro a mostrar uma imagem fotográfica, iniciou as experiências através das quais descobriria os fundamentos da fotogravura em 1822. Mas, seria em Louis Jacques Daguerre (1791–1851) que as experiências de Niepce encontrariam um homem hábil, e com capacidade económica, para obter benefícios. L. Daguerre oferece-se para continuar o trabalho em conjunto, financiando em grande parte a investigação, controlando dessa forma a obtenção de resultados e de benefícios económicos. A 7 de Janeiro de 1839, L. Daguerre apresentou à Academia de Ciências Francesa o daguerrotipo, um procedimento apto para exploração comercial, que permitia sensibilizar com luz placas de cobre polidas e coberta de prata mediante um banho de cristais de iodo, fixando-se mediante um banho de mercúrio e sal. Conseguiria então o apoio do governo francês, mas este era ainda um processo de imagem única. Quase simultaneamente às experiências de J. Niepce e L. Daguerre, em Inglaterra William H. Fox Talbot (1800– 1877), a quem também se atribui a paternidade da fotografia e das placas fotomecânicas para impressão, desenvolvia investigações com a câmara escura imaginando a possibilidade de que as imagens naturais se pudessem imprimir sobre papel. Ao tomar conhecimento do daguerrotipo, retoma as suas investigações somando os conhecimentos do astrónomo e químico John Frederick W. Herschel (1792–1871) sobre a fixação da imagem no papel sensibilizado, que entretanto desenvolvera paralelamente aos estudos de W. Talbot. A investigação efectuada por W. Talbot seria apresentada prontamente à Royal Society (Inglaterra, Fevereiro de 1839): o papel era tratado com uma solução de nitrato de prata, ficando sensível à luz; sensibilizando-se uma folha mediante uma câmara escura obtinha-se uma imagem invertida (negativo), que mediante o contacto com outra folha e sensibilizada pela luz solar se obtinha o positivo. Esses termos seriam atribuídos por Herschel, assim como fotografia (do grego photos graphos, que significa “desenho com luz”), usado para apelidar o invento de Talbot, perdurando até hoje. Desde o ponto de vista imediato, os resultados de W. Talbot são menos brilhantes, mas a largo prazo iriam proporcionar maiores consequências: o uso de um negativo permitiu repetir a mesma imagem quantas vezes se desejasse e, pela utilização do papel, num processo mais barato. A 8 de Fevereiro de 1841 W. Talbot patenteia o Calótipo (do grego Kálos Typos, que significa “bela figura”), e no qual estavam contidos todos os desenvolvimentos ulteriores que levariam à câmara fotográfica e à sua difusão no âmbito do consumo doméstico. Este procedimento, a fotografia sobre papel, introduziram uma nova concepção do mundo democrático igualitário, em que possuir imagens deixava de ser um privilégio aristocrático, passando a ser comum a muitas pessoas. Fontes: Ramírez, Op. Cit., 1997; Meggs, Op. Cit., 2000. Peixoto, Op. Cit., 1967: p. 27. 149 97 crescimento económico das sociedades urbanas. Pelo seu lado, a impressão tipográfica manter-se-á sobretudo relacionado com a vertente editorial, mas com um uso limitado de imagens. As consequências do surgimento da litografia alargar-se-iam, conforme assinala MüllerBrockmann, aos signos da linguagem formal dos objectos de comunicação visual150 , tal como os seus significados seriam ampliados com a invenção da fotografia e dos processos para imprimir as imagens fotográficas. Como vimos, no início do século estava em voga um estilo tipográfico neoclássico, tendo quase anulado o uso de tipos tradicionais (os tipos de transição teriam mais resistência a esta situação). Esse facto só seria quebrado, em meados do século, com o regresso do interesse pelas formas renascentistas151 . Com o início da distinção entre impressão de livros e impressão comercial, surgia a necessidade de uma nova estética dos meios e, também, dos seus signos (tipos de letra). Com o intuito do uso publicitário, os impressores e desenhadores litográficos tinham ampliado o desenho das letras até aos limites impostos pela criatividade do artista. Sentindo-se de alguma forma ameaçados, os tipógrafos viram-se obrigados a recorrer aos fundidores de tipos para ampliarem os seus recursos que, desde o uso da letra romana e até ao início do século XIX, pouco tinham evoluído na base do ductus tipográfico (se exceptuarmos a cursiva de Francesco Griffo). Assistir-se-ia, então, num período relativamente curto, a uma proliferação de famílias e novas variantes de tipos de letra e de tamanhos. Destacamos aqui as inovações mais importantes: – As versões negras dos tipos, apresentadas cerca de 1803 por Robert Thorne (n.a.– 1820), um estilo de letra que aumentava o contraste entre traços finos e grossos. Começou por ser um tipo distinto, sendo depois adaptado às fontes tipográficas existentes. – Os tipos romanos egípcios, caracterizados pelas suas terminações (serifas) de traço rectangular grosso, num estilo baseado no que Vincent Figgins (1766–1844) apresentara em 1815 e que seria interpretado por Robert Thorne, saindo posteriormente à sua morte em 1821. – O tipo “antigo”152 ou sem patilha (serifa), desenhado por William Caslon IV (1781– 1869) em 1816, seria a inovação mais importante, caracterizando-se fundamentalmente pela ausência de terminação e pouco contraste no traço. Seria particularmente valorizado, e usado, a partir de meados do século XIX com o Racionalismo – doutrina filosófica segundo a qual a beleza estaria na objectividade da forma, questionando-se assim a necessidade das serifas no desenho e percepção da letra. As necessidades comunicativas, criadas com o advento do cartaz nas grandes cidades e com as novas exigências do comércio, conduziriam posteriormente à criação de tipos de grandes corpos, normalmente feitos em madeira. Na busca de novas formas mais persuasivas e pela introdução de decoração no seu desenho, surgiriam ainda diferentes tipos de fantasia e uma profusão de ornamentos, vinhetas e filetes. O advento da cromolitografia, pela sua facilidade de emprego e, sobretudo, pelo uso da cor, reduziria a sua importância e nos finais do século entravam em desuso. O século que caminhava para o seu fim poderia ser caracterizado pela introdução da industrialização no sector gráfico – as máquinas de impressão começavam a ser movidas por 150 Müller-Brockmann, Op. Cit., 1988: p. 42. Gaskell, Op. Cit., 1999: pp. 260–262. 151 152 O tipo sem patilha, nomeado na época por tipo antigo, tem uma história tão antiga quanto a letra serifada. As letras sem patilha surgiam já nas mais antigas inscrições gregas, aparecendo também posteriormente em Roma no terceiro e segundo século antes de Cristo. Não seria no entanto usada em tipografia até à data descrita anteriormente. Sobre as inovações do desenho tipográfico nesta época, consultar: Meggs, Op. Cit., 2000: pp. 127–130; Gaskell, Op. Cit., 1999: pp. 260–264. 98 forças mecânicas, o papel era feito industrialmente e a composição de textos começava a ser feita por máquinas (Linotype) – e pelas novas necessidades de comunicação, que obrigavam à criação de novos meios e signos para a transmissão de informação: os grandes espaços urbanos, o comércio, a velocidade necessitavam de respostas mais rápidas (das máquinas) e uma comunicação mais eficiente (cartazes, embalagens, publicidade, etc.) realizada com signos e meios visuais que articulassem adequadamente tal informação (processos de reprodução de imagens e tipos de letra).153 2.2.11. Século XX Portugal atravessara um final de século de instabilidade político-social, entrando a monarquia em descrédito com a primeira tentativa de instauração da República, na revolta de 31 de Janeiro de 1891 no Porto,154 restabelecendo-se um equilíbrio político apenas com a instauração da República em 1910. A volubilidade político-social que esse período registou foi, sobretudo, provocada por uma forte politização da opinião pública, na qual a imprensa periódica desempenharia um papel preponderante, ultrapassando um carácter meramente noticioso e que, pretendendo ser interventiva, se assumiu como uma imprensa de opinião; pretendia chegar a todos os níveis sociais e, ambicionando reformar mentalidades e costumes, informar um público cada vez maior das novas ideias republicanas.155 Este foi, em parte, um reflexo do crescimento da imprensa periódica que se registava no país,156 na qual começava a não existir apenas uma limitação na resposta às necessidades editoriais mas havendo já, também, um desejo em criar público. Começaria aqui a real afirmação dos almanaques e das revistas no meio das publicações periódicas (iniciava-se neste período o processo de venda por assinatura) e originando uma proliferação de documentos impressos. O decurso posterior dos acontecimentos, no meio impresso, seria largamente favorecido com os acontecimentos sócio-políticos que se desenrolaram logo após a Implantação da República:157 interessam-nos, neste estudo, os directamente ligados à imprensa e à liberdade de expressão, como o Decreto de 28 de Outubro de 1910, que “consagrava a abolição da censura sob qualquer pretexto”, permitindo ainda, entre outros, a crítica às leis, doutrinas e actos do Governo. Este diploma renovador para o meio impresso reafirmar-se-ia na Constituição de 1911, que dispunha no n.º 13 do Artigo 3.º (Título II – Dos Direitos e Garantias Individuais): A expressão do pensamento, seja qual for a sua forma, é completamente livre, sem dependência de caução, censura ou autorização prévia, mas o abuso deste direito é punível nos casos e pela forma que a lei determinar. 153 Kinross, Op. Cit., 2004: p. 37. 154 Na manhã de 31 de Janeiro de 1891, no Porto, acontecia uma revolta que pretendia a instauração da República em Portugal. Esta revolução vinha em consequência do movimento regenerador, que sonhava regressar a um passado de glórias e, para o qual, a queda do regime monárquico era considerado indispensável. Um pensamento potenciado, no ano anterior, pelo Ultimatum inglês e a elaboração do “Mapa Cor-de-Rosa” (o mapa em que Inglaterra definia, com essa cor, que zonas dos territórios coloniais africanos pretendia retirar ao domínio português, entre Angola e Moçambique, envolvida quer estava em lutas com a Holanda e a Alemanha por maior espaço imperial). Face a essa situação, o Governo português, denotaria impotência e falta de firmeza, conduzindo a uma grande contestação nacional (nos centros urbanos) que esteve na base da contestação à monarquia e cujo primeiro passo seria a revolta na cidade do Porto; vencida no campo da honra, as sementes iriam fecundar o crescendo do republicanismo até ao 5 de Outubro de 1910. Ver: Mattoso, Op. Cit., 2002. Rocha, Op. Cit., 1988: p. 34. 155 156 Segundo dados apresentados por João Rocha haveria em Portugal, em 1900, cerca de 1523 periódicos. Rocha, Op. Cit., 1988: p. 35. Rocha, Op. Cit., 1988: pp. 34–35. 157 99 As liberdades conquistadas logo após a implantação da República permitiriam o crescimento do número de publicações periódicas e consequentemente da indústria gráfica a elas ligado. Este crescimento seria, no entanto, feito com a contabilização de um número significativo de publicações periódicas clandestinas, essenciais para a forte politização da opinião pública que se processou nessa época. Este período de duas décadas (1890–1910), envolvido por um ambiente de instabilidade sócio-política, viu também progredir a quantidade de oficinas tipográficas,158 acompanhando esse movimento de crescimento do meio editorial. É nesse clima de crescimento do meio impresso que se dá a continuidade do processo de actualização e mecanização da indústria gráfica com tecnologia recente. A primeira máquina de composição de tipos a quente, Linotype,159 chegaria então a Portugal. A primeira oficina portuguesa a adquirir um exemplar dessa tecnologia, em 1904, foi a Tipografia Universal (Lisboa) onde se imprimia o jornal Diário de Notícias (a Imprensa Nacional adquiria a primeira em 1912). Esta máquina, inventada em 1884 nos Estados Unidos pelo germânico Ottmar Mergenthaler (1854–1899), provando ser um avanço tecnológico significativo,160 tinha-se já imposto na edição de jornais e revistas nos países mais evoluídos da Europa e nos Estados Unidos – porque os impressores não conseguiram de imediato garantir uma qualidade constante dos resultados impressos, a impressão dos livros continuaria por um largo período a ser efectuada preferencialmente nos prelos tipográficos.161 Em Portugal as máquinas de metal quente teriam nesse momento um sucesso praticamente nulo, sendo atribuídas as seguintes razões: a falta de mão-de-obra especializada no manuseamento dessas máquinas, resultando na preferência dos donos das oficinas tipográficas por uma mão-de-obra barata, com tecnologia ultrapassada, em oposição ao investimento na formação de operários especializados; a oposição movida pelos caixistas, com receio de perder os seus empregos; e o preço pouco atraente da tecnologia, preferindo os industriais portugueses o barato à qualidade. Este meio tecnológico que noutros países provou ser uma “revolução”, facilitando uma maior rapidez na composição de texto, por cá acabava falhando rotundamente,162 conhecendo então a aquisição de máquinas de composição a quente, em Portugal, um interregno que só terminaria na década de 1930. 158 Rocha, Op. Cit., 1988: p. 33. A máquina funciona com matrizes móveis de letras e outros sinais que estão colocados num armazém de onde saem quando são “chamados” através de um teclado. A justificação, fundição e distribuição são automáticas. A Linotype tinha a grande vantagem de ser rápida e fácil de operar, possuindo um inconveniente, de simples resolução, na correcção de erros: obrigava à recomposição da linha inteira o que, não evitando o risco de acontecerem novos erros, não supunha grande perca de tempo. Entraria pela primeira vez em funcionamento em 1886 no jornal New York Tribune, mas segundo Philip Gaskell, só ficou optimizada para a sua fabricação em grande escala em 1890. Gaskell, Op. Cit., 1999: p. 344. 160 Fazemos aqui uma referência a outras duas tecnologias que existindo nestas datas não teriam expressão significativa em Portugal: em 1887, o norte-americano Tolbert Lanston (1844–1913) inventara a Monotype, uma máquina que fundia compunha tipos soltos, com a qual se pretendia resolver o problema que supunha a correcção de erros da linotipia; e a litografia offset, inventada em 1904 (data que corresponde à primeira impressão sobre papel com sucesso efectuada em Nova Iorque) por Ira Washington Rubel (1846–1908), que daria um novo e vivificante impulso ao meio tipográfico nessa transição de século, mas que em Portugal só seria largamente utilizado décadas mais tarde. Paralelamente devemos ainda referir que, dentro das consideradas actividades subsidiárias, se registou uma evolução fundamental para os desenvolvimentos das máquinas de impressão: a invenção de uma máquina de fabrico de folhas de papel contínuo, outorgada a John Gamble em 1801, que permitiria um fornecimento abundante e económico de papel. Sobre o papel que estas máquinas desempenhariam na revolução dos métodos de impressão, ver: Meggs, Op. Cit., 2000: pp. 132–134. 161 159 Gaskell, Op. Cit., 1999: p. 347. 162 Em 1910, a quantidade de máquinas Linotype a funcionar nas oficinas tipográficas nacionais não ultrapassaria a meia-dúzia, tendo inclusivamente um funcionamento muito limitado. Estas máquinas tiveram uma má recepção por parte dos caixistas, que receavam perder os seus empregos; este problema, que foi ultrapassado noutros países onde também ocorreu, estaria em Portugal na origem das lutas laborais que ocorreram, nessa indústria, entre 1904 e 1910 relacionadas com questões de horários de trabalho e de condições de saúde nas oficinas; as lutas laborais só terminariam com a Implantação da República. 100 O detrimento da qualidade pelo barato era, aliás, uma das principais razões apontadas por Libânio da Silva para que a tipografia portuguesa não atingisse o grau de perfeição requerido, empregando na sua crítica uma comparação com outros sectores industriais nacionais – “a sapataria, a alfaiataria, a camisaria, a joalharia, o restaurante – nas quais se procura o luxo, enquanto na tipografia apenas se guiam pelo preço, recorrendo à oficina que lhes proponha os valores mais baixos.”163 Este problema, acrescenta, era motivado pela concorrência desleal que estava ligado à abertura de oficinas semi-clandestinas. Estas, normalmente dirigidas por industriais unicamente preocupados com o lucro, faziam recurso a mão-de-obra com graves carências de educação profissional, numa evidente falta de valorização da profissão e do ofício. A concorrência desleal figurava-se assim como impedimento para que se pudessem auferir os valores necessários à aquisição e renovação dos materiais (conforme as novidades que iam surgindo nos grandes centros industriais), afectando, num curto prazo, a qualidade estética dos objectos impressos. A tendência para a industrialização deve contudo, no caso português, ser abordada de uma forma mais ténue que no resto da Europa industrializada. Salvaguardando algumas excepções (Imprensa Nacional e um par de oficinas tipográficas ligadas à impressão de jornais, as quais chegariam inclusive a adquirir rotativas alimentadas com papel contínuo em bobina), os métodos continuariam na grande maioria, e durante largos anos, a ser manuais ou semi-automáticos (composição, impressão e acabamento). Os impressores menores, que de uma maneira geral não necessitavam de superfícies de impressão de grande formato, careciam de máquinas de fácil manuseamento, velozes e com capacidade de mudar rapidamente de trabalho. Assim, impuseram-se em Portugal as Minervas, máquinas semiautomáticas baratas, rápidas e simples (inventadas cerca de 1850 nos Estados Unidos), que sendo operadas unicamente por um trabalhador (o mesmo que a movia a pedal, colocava e retirava o papel) chegavam até às 1200 impressões por hora.164 Um fenómeno, também ele, ligado à abertura de muitas oficinas pequenas semi-clandestinas e com as consequências já referenciadas. 2.2.12. A incerteza de um estilo gráfico Neste repasso geral, chegamos ao período no qual se insere a nossa matéria de estudo: as revistas literárias de vanguarda. Assim, tendo previamente abordado as questões sociais e de desenvolvimento técnico, que como vimos não iriam sofrer grandes alterações nas próximas décadas, centraremos agora a nossa atenção em questões relacionadas com os aspectos estético-formais e a sua relação com o ambiente artístico-cultural. Na tipografia nacional este é um período no qual, à imagem do que sucedeu anteriormente, se daria continuidade à adopção de alguns arquétipos que chegavam do exterior. Assim, faremos previamente referência aos casos internacionais que de alguma forma marcaram essa influência. Merecem aqui especial alusão os casos inglês e francês uma vez que, além de serem nessa época referências da história da tipografia (juntamente com a Alemanha e os Países Baixos – os Estados Unidos não o seriam até mais tarde), eram os que mantinham, nesse período, maior número de relações comerciais e culturais com Portugal. Como referimos anteriormente, comparativamente com o sucedido em França e Inglaterra, a industrialização nacional manifestou-se tardiamente e de forma pouco vincada. Este atraso Canaveira, Op. Cit., 1996: pp. 165–183. 163 Silva, Op. Cit., 1908: pp. V–VII. Sobre os porquês ver também: Canaveira, Op. Cit., 1996: p. 184. Gaskell, Op. Cit., 1999: pp. 327–329. 164 101 afectava naturalmente as artes gráficas nacionais, não sendo assim de estranhar a sua insípida industrialização e modernização. Assim, ainda que naquela época um dos principais fornecedores de maquinaria para a indústria gráfica nacional fosse Inglaterra,165 o exemplo do revivalismo reactivo do Arts & Crafts vivido naquele país – uma revolta em finais de oitocentos contra a perda de valores e princípios tipográficos praticado pelo “private press movement”, cujo exemplo mais famoso será o da Kelmscott Press de William Morris (1834– 1896) – não encontraria na tipografia nacional o ambiente ideal para estender a sua influência. De igual forma, pouca influência teriam os princípios do posterior “reform of printing movement”, conduzido entre outros pela Monotype Corporation e Stanley Morison, e que se regiam pela crença nas capacidades dos sistemas de composição e impressão mecânicos, no revivalismo das fontes tipográficas históricas e um design em concordância com uma abordagem historicista.166 A França, para além de ser outro fornecedor de material tipográfico para impressão, era por então o país que mais se impunha como modelo de referência cultural em Portugal. Segundo Kinross,167 naquele país as abordagens estilísticas do meio impresso, durante o período do Arts & Crafts inglês, não se distanciaram muito das convenções oitocentistas, omitindo o modelo reformista e revivalista, e constituindo-se inclusivamente como um caso de marginalidade na história da tipografia no século XX. Uma excepção que, segundo aquele autor, se deveria a uma pronta e bem resolvida revolução na organização civil e do gosto. Porém, uma outra linha de actuação marcaria o meio editorial francês. Como observamos anteriormente, a partir do início do século XIX a litografia facilitara o envolvimento dos artistas plásticos no meio editorial, sendo por essa via que surgiria a maior contribuição francesa, desse período, para o design editorial:168 o livro ilustrado. Uma área de actuação onde se destacariam proeminentes nomes da Pintura como Eugéne Delacroix (1798–1863), Honoré Daumier (1808–79), Édouard Manet (1832–83) ou, ainda, Stéphane Mallarmé (1842–98), e cuja contribuição para a edição de livros criaria o movimento francês que ficou conhecido como “livre d’artiste” ou “beau livre”169 – uma tipologia editorial que como veremos adiante, não tendo apresentado uma correspondência directa em Portugal, acabaria por influenciar o desenvolvimento da tipografia nacional. Até à última década de oitocentos, conforme Libânio da Silva afirma no Manual do tipógrafo (1908), em Portugal a tipografia manifestou-se em acordo com o modelo francês da oficina Didot. Esta circunstância, curiosamente, apresenta razões civis e de gosto antagónicas à posição francesa, uma vez que o país atravessava um momento politicamente conturbado e onde os valores artísticos estavam prestes a ser questionados (ver: 1.3.1. A Arte em Portugal no início do século XX). Contudo, a tipografia e o público nacional não ficariam alheias à intensificação e crescimento do ritmo de vida que o novo século aportava. Assim, embora as inovações técnicas no meio gráfico fossem limitadas (como observado anteriormente em 2.2.11), a crescente exigência do público nacional obrigava à necessidade de encontrar um conjunto de tendências e características formais conformes com o período que se vivia. Ou seja, ainda que o estilo neoclássico fosse correcto, começava a considerarse inadequado ou insuficiente para expressar os novos tempos, sobretudo no comércio e 165 Ver: Peixoto, Op. Cit., 1967: pp. 26–27. Ainda segundo este autor, a tinta e o papel para impressão nesta época eram já na sua maioria de fabrico nacional. Kinross, Op. Cit., 2004: p. 72. Kinross, Op. Cit., 2004: pp. 97–98. 166 167 Refira-se ainda que estes dois factores, a ilustração e a participação dos artistas plásticos, seriam de vital importância na história e na evolução da linguagem do cartaz. Sobre esta questão consultar: Barnicoat, John. Los carteles: su história y su lenguage. (5ª ed.). Barcelona: Gustavo Gili, 2000. 169 168 Ver: McLean, Ruari. How Typography Happens. London: The British Library & Oak Knoll Press, 2003: pp. 71–73. Ver também: Kinross, Op. Cit., 2004: p. 98 102 indústria, iniciando-se então um lento processo de indagação de outros estilos, que melhor se adaptassem às necessidades dos diferentes produtos gráficos.170 Mas as palavras de Libânio da Silva, em 1908, são eloquentemente críticas e caracterizadoras da forma como essa mudança da tipografia portuguesa se processava. Segundo aquele tipógrafo, a “necessidade imperiosa” de mudança desenvolvia-se segundo uma “moda caprichosa” que se movia entre o neoclassicismo e o estilo moderno (Arte Nova).171 Assim afirmava na introdução do seu Manual do Tipógrafo:172 Ser tipógrafo em Portugal é mais difícil do que em qualquer outro país. Compulsemos livros espanhóis, franceses, italianos, alemães, ingleses. Cada país tem um carácter, um estilo que faz com que os seus livros se não confundam com os de outra origem. No trabalho comercial, no de tabelas, no de fantasia, caso idêntico se dá. Em Portugal não temos nada disso. O tipógrafo há-de ter gosto cosmopolita para agradar ao cliente conforme ele se embevece perante o livro alemão, o livro francês, ou o livro inglês. Não obstante, ainda quando vai a seguir-se-lhe o gosto, acha que os tipos do rosto são simples, os filetes das tabelas antigos, e raras vezes há forma de concluir-se uma obra com a correcção devida senão se o autor é indiferente à parte tipográfica, ou um artista. Supomos que a oscilação de gosto a que Libânio da Silva se refere não seria obviamente uma simples questão de moda. Reflectiria não só o momento de transição que atravessava no momento a tipografia nacional, mas também algumas outras disciplinas artísticas nacionais. A Arte Nova, transitando das disciplinas artísticas (decoração, cerâmica, design de mobiliário, arquitectura), abarcara todos os aspectos da envolvente do homem173 chegando à tipografia através do cartaz.174 Isto é, inspirados nos trabalhos artísticos dos cartazes (realizados litograficamente), a composição tipográfica, agora auxiliada pelos novos métodos de reprodução, a fotogravura e o fotozinco, absorvera daquele estilo as ideias/directrizes dominantes e os seus elementos constituintes: tipos, disposição do texto, ornamentação e cores. Mas, vejamos de onde surgiam as oscilações do gosto mencionadas no meio gráfico. Supomos que as razões residiam na confusão que existia em Portugal, naquela época em 170 Ver: Pedro, Manuel. Gutenberg e a arte na Imprensa (conferência de 30 de Abril de 1944). Porto: Imprensa Moderna, 1945: p. 43. Silva, Op. Cit., 1908: p. 84. Silva, Op. Cit., 1908: pp. V–VII. Meggs, Op. Cit., 2000: p. 183. 171 172 173 174 Silva, Op. Cit., 1962: p. 279. Ainda que “arte comercial” dos cartazes e anúncios não esteja englobada no âmbito do nosso estudo, cabe aqui uma breve referência no sentido de ilustrar uma vertente do Design que começava a despertar no ambiente nacional, tendo um desempenho de interesse num momento mais tardio, no período da ditadura do Estado Novo (posterior a 1926). A arte do cartaz, surgida no segundo quartel do século XVIII com a litografia, acompanharia o evoluir do discurso publicitário português. Nas duas primeiras décadas do início do século XX, ficaria marcado com a participação de alguns importantes cartazistas estrangeiros, entre os quais se destacaram Leonetto Cappiello (1875–1942) e Leopoldo Metlicovitz (1868–1944). Comissionados para fazer anúncios para a Ramos-Pinto (uma empresa que, sob a direcção de Adriano Ramos-Pinto (1858–1927), iniciara em 1880 o comércio de Vinho do Porto para a América do Sul, particularmente com o Brasil), estes artistas enviariam dos seus ateliers um conjunto de cartazes com uma linguagem alheia ao naturalismo e ao academismo reinantes no ambiente artístico nacional. Embora importantes no discurso da “arte comercial” nacional, essas obras não marcariam uma tendência. Essa só teria verdadeiramente uma orientação estilística a partir de 1927, com a abertura em Lisboa da primeira empresa de publicidade, o “atelier” Arta, do ilustrador José Rocha (1807–1982) e do suiço Fred Kradolfer (1903–1968). Este último, com o seu expressionismo geométrico de gosto germânico, será o mestre e mentor das artes da decoração e da publicidade, influenciando a “segunda geração” de artistas modernistas, e o criador da publicidade moderna em Portugal. Seria ainda importante na renovação do estilo gráfico das capas de livros de ficção nacional. Fontes: Peixoto, Op. Cit., 1967; França, José. Ramos-Pinto: 1880–1980. (4ª ed.). Vila Nova de Gaia: A. Ramos Pinto, 1998. 103 todas as áreas artísticas, entre o estilo Fin-de-siècle e o estilo Arte Nova.175 Observemos então as características nacionais dos dois estilos: – o estilo Fin-de-siècle define-se como uma mistura do historicismo revivalista, inerente ao século XIX, com o beaux-artismo e “por vezes com um toque de Arte Nova”. Sendo apoiado pela inteligentsia, a aristocracia, a alta burguesia e os poderes públicos, define-se como um ecletismo historicista que satisfaz o gosto daquelas estruturas sociais; – o estilo Arte Nova nacional,176 desenvolvendo-se apenas entre a classe média urbana mais cosmopolita, derivava do Art Nouveau francês que absorvera, na sua origem, elementos de proveniências tão diversas como, entre outros, o renascimento gótico, a pintura japonesa, a técnica e a ciência contemporânea. O Art Nouveau, integrando essas influências num estilo próprio,177 promovia a autenticidade, a funcionalidade e as “belas formas” em todos os domínios da produção artística ou industrial. Em Portugal, nunca atingindo a criatividade das suas congéneres francesa, belga ou austríaca, sofreria uma interpretação activa que lhe imprimiu um carácter específico, caracterizando-se pelo culto eclético da fachada/ornamentação meramente decorativo.178 Estas características levam-nos a crer que a confusão residiria precisamente no “carácter específico” da Arte Nova nacional. Um estilo que, pelas suas particularidades, praticamente se funde com o estilo historicista ou o estilo beaux-artista. Um dos exemplos mais paradigmáticos dessa confusão pode ser observado nas Artes Gráficas na obra de Rafael Bordalo Pinheiro.179 Este artista, um dos mais destacados promotores da Arte Nova nacional, realizou uma capa para a revista caricaturista A Paródia180 onde juntou aquele estilo com alusões ao pré-rafaelismo181 – uma consequência, provavelmente, da influência que trouxera dos anos que passara em França no seu espírito naturalista. Portugal e o seu meio artístico não estavam decididamente preparados para receber as transformações que a Arte Nova promovia internacionalmente. Uma inaptidão que supomos basear-se nas seguintes questões: a) o atraso da implementação da Revolução Industrial e a modéstia do seu desenvolvimento não permitia uma reflexão sobre algumas questões que lhe são inerentes como, por exemplo, a da funcionalidade; b) a pouca relevância do Simbolismo, essencial para a preparação da consciência nacional para o enfoque poético característico da Arte Nova; d) o historicismo da cultura artística portuguesa, conduzindo a confusões como a referida entre os estilos Arte Nova e o Fin-de-siècle; e) uma população 175 Rio-Carvalho, Manuel (dir.); Matias, Maria. História da Arte em Portugal: do romantismo ao fim do século. (Vol. 11). Lisboa: Publicações Alfa, 1993: p. 153. 176 Para um estudo mais aprofundado sobre a Arte Nova em Portugal, consultar: Rio-Carvalho, Op. Cit., 1993: pp. 153–171; França, José-Augusto. A arte em Portugal no século XIX. (3ª ed.). Venda Nova: Bertrand, 1990: pp. 186– 194. 177 Segundo Rio-Carvalho na obra supra-citada (pp. 154–155), apresentava nas suas diferentes manifestações nacionais, como características mais marcantes e comuns: “1) o repúdio absoluto pela aplicação de todas as gramáticas decorativas históricas; 2) o respeito pelo material, não utilizando as substituições baratas propostas pela «indústria ao serviço da arte»; 3) um aspecto funcional, entendido como protecção contra o desgaste da peça e o conforto do utente [independentemente da complexidade das obras/peças]; 4) um cariz simbolista, que está sempre presente em todas as peças, procurando dar o dom da emotividade às produções que irão rodear o nosso quotidiano; 5) um artesanato que por vezes pode ser entendido à produção industrial [embora o carácter das peças seja de “peça única”, por razões sociais alguns autores admitem a sua produção industrial]”. 178 Rio-Carvalho, Op. Cit., 1993: p. 155. Para um estudo da obra de Rafael Bordalo Pinheiro, consultar: França, José-Augusto. Rafael Bordalo Pinheiro. (2ª ed.) Lisboa: Bertrand, 1982. 180 179 Em: A Paródia, Lisboa, 20 de Março de 1901. 181 Assim escreve na capa da revista mencionada: “Raphael estylo pré… raphaelita agradece ao Porto sempre leal a sua carinhosa recepção. É o mesmo que há vinte annos, amabilíssimo sempre, quer me veja no velho estylo, quer no moderno estylo… do estylo. Estou inchadíssimo! Só lhes digo isto!” 104 que, exceptuando a dos grandes centros urbanos de maior dimensão (Lisboa e Porto – nestas cidades residiam em 1911, respectivamente, cerca de 434.000 e 194.000 habitantes, sendo que as demais contavam entre 10.000 e 20.000 pessoas), continuava essencialmente rural (65% em 1910), com a maior taxa de analfabetismo da Europa (75% em 1910) e completamente afastada das questões sócio-culturais.182 A presença deste estilo e das suas particularidades no panorama artístico português seria, contudo, suficiente para provocar uma transfiguração do vocabulário das Artes Gráficas nacionais. As influências notar-se-iam sobretudo nos magazines populares, destacando-se o Ilustração Portuguesa e o ABC, e que seriam, junto com os Armazéns do Chiado – representavam em Lisboa o mesmo que o Printemps em Paris –, os principais agentes de promoção do estilo moderno. Uma alteração que foi, no entanto, insuficiente para desencadear uma renovação abrangente do panorama gráfico/tipográfico. Nesta área em particular, juntam-se às causas supra-indicadas os seguintes factores: a) falta de formação técnico-profissional e cultural da maioria dos impressores e funcionários das oficinas tipográficas; b) uma crise na indústria gráfica que condiciona a modernização das oficinas e as conduz à aquisição e utilização de material sem qualidade ou de segunda-mão; c) um mercado consumidor interno reduzido, com pouca capacidade aquisitiva e qualitativamente pouco exigente. Pela sua importância documental sobre esta questão, citemos as palavras de duas personalidades ligadas ao meio gráfico nacional. O impressor Libânio da Silva,183 no seu Manual de 1908, refere-se assim à indefinição/confusão que no momento rodeava o estilo: Quais são, porém, as regras essenciais do estilo moderno? Difícil seria descrevê-lo (…) E como o estilo moderno não é o mesmo em França que na Alemanha, na Itália que na América, há para nós que estudá-lo pelos modelos de todos esses países, na vergonhosa desnacionalização em que vegeta a tipografia portuguesa – como aliás quase todas as nossas artes e indústrias. Vejamos o que afirmaria António Ferro anos mais tarde, em 1934, num texto publicado no jornal Bandarra184 e no qual comenta o estado das Artes Gráficas nacionais, referindo-se assim às consequências da influência do estilo moderno: Até ao fim do século XIX (…) fizeram-se as mais formosas edições, que muito honram a sua indústria gráfica e as colocam a par das melhores produções do estrangeiro. A boa técnica e o bom gosto, tanto no aspecto gráfico, como na encadernação, caracterizam distintamente, nessa época, o livro em Portugal. Posteriormente, no princípio deste século, o aparecimento deplorável d’uma nova manifestação artística e de muito mau gosto, denominada «Arte Nova», veio prejudicar vivamente a industria gráfica portuguesa, ocasionando a substituição do bom desenho clássico, até então respeitado (…), pela fundição de novos tipos de péssimo e hediondo desenho, vulgarmente chamados de «fantasia», que obrigaram os artistas gráficos a procurar dar aos seus trabalhos nova forma e novos efeitos, fora da técnica usada e com o desprezo absoluto dos usos e classicismo até então adoptados. Chegamos assim ao período temporal no qual se insere este estudo. Um momento que diferentes autores185 indicam como fundamental para a renovação dos arquétipos no meio 182 Para mais informação sobre estas questões, consultar: Reis, Jaime. O atraso económico português em perspectiva histórica: estudos sobre a economia portuguesa na segunda metade do século XIX, 1850–1930. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1993. Mónica, Maria Filomena. A queda da monarquia: Portugal na viragem do século. Lisboa: Dom Quixote, 1987. Marques, A. História de Portugal – das revoluções liberais aos nossos dias (vol. III). (13ª ed.). Lisboa: Editorial Presença, 1998. Silva, Op. Cit., 1962: pp. 279–280. 183 184 Em: Bandarra de 30 de Junho de 1934 (número ante-primeiro). Refira-se que António Ferro é o director, editor e proprietário deste “semanário literário”. 105 editorial e, por extensão, nas Artes Gráficas nacionais. Referimo-nos concretamente ao envolvimento da “geração de Orpheu” no meio gráfico, manifestado a partir de 1915 com a edição da revista Orpheu. Uma acção, no meio literário, que surgiu motivada pela vontade daquele grupo de artistas de vanguarda em atingir uma global e “autêntica expressão tipográfica” da sua manifestação poética. Actividade que é inclusivamente qualificada por Peixoto186 como uma verdadeira revolução do meio gráfico nacional. Assim, a análise que propomos, do grafismo dos artefactos através dos quais aquele movimento de vanguarda se manifestou, pretende não só verificar em que medida essa acção se tratou de uma real revolução, mas também se daí resultou a criação de novos arquétipos que tivessem modificado efectivamente os paradigmas gráficos. Recorde-se porém que a vanguarda nacional teve um curto tempo de acção, assistindo-se posteriormente a um declínio nas suas actividades de renovação estética e social, e verificando-se uma progressiva acentuação dos valores tradicionais. Uma ideia que nos permite entender que António Ferro, artista da “geração de Orpheu” – agora passado –, defenda no supra-citado texto o classicismo oitocentista como o modelo gráfico a seguir. Um retorno historicista que não encontra paralelo nos princípios ingleses do “reform printing movement”. É consequência do seu percurso – que apresenta semelhanças com o de Marinetti na Itália de Mussolini – como presidente (entre 1933–1949) do Secretariado da Propaganda Nacional (SPN) do governo de Salazar, onde desempenharia um fundamental papel na defesa, entre muitas outras áreas culturais, do Segundo Modernismo (Movimento Moderno) português, do teatro e do cinema, e da renovação das Artes Gráficas nacionais.187 Uma renovação que, não ignorando as tendências cosmopolitas que continuavam a chegar de Paris, apresentava uma vocação nacionalista, passando pelo neo-academismo e valorização do tradicional: o “muito apreciado” classicismo oitocentista. 185 Consultar: Peixoto, Op. Cit., 1967; Bacelar, Jorge. Poesia Visual. Covilhã: Universidade da Beira Interior, 2001; Rocha, Clara. Revistas literárias do século XX em Portugal. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1985; Rocha, Op. Cit., 1988; Rodrigues-Ferreira, Paulo. “Portugal”. Em: Amstutz, Op. Cit., 1962: p. 401. Peixoto, Op. Cit., 1967: p. 29. 186 187 Sobre estes desenvolvimentos, consultar: França, José-Augusto. A Arte em Portugal no Século XX: 1911–1961. (3ª ed.). Venda Nova: Bertrand, 1991; França, José-Augusto. A arte e a sociedade portuguesa no século XX: 1910– 2000. (4ª edição). Lisboa: Livros Horizonte, 2000; Quadros, António. O Primeiro Modernismo Português, Vanguarda e Tradição. Mem Martins: Publicações Europa-América, 1989: pp. 317–326; Rodrigues, António (ensaio). António Ferro na idade do Jazz-Band. Lisboa: Livros Horizonte, 1995. 106 3. AS REVISTAS LITERÁRIAS – UM LUGAR DE AFIRMAÇÃO COLECTIVO 3.1. Introdução Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, a aplicação do termo revista deriva da tradução do inglês review (acto de rever), designando no idioma britânico uma publicação periódica especializada em críticas, sinopses e artigos relacionados com temas culturais. O conteúdo das revistas, constituído fundamentalmente por textos e imagens, surge geralmente organizado por matérias de diferentes tipologias, sem necessidade de continuidade entre elas, destinando-se ao grande público ou a um público específico.1 Quando dirigidas a um público especializado apresentam um carácter particular: literário, científico, jornalístico, desportivo, entre outros. Assim, pode-se afirmar que o termo revista se generalizou na denominação de um conjunto de publicações periódicas não diárias, visando uma informação de interesse geral ou específico, e proporcionando um auxílio para o seu estudo ou reflexão. Observando a evolução histórica da comunicação impressa, percebemos que a revista encontra os seus antecedentes directos no livro, no jornal e na gazzeta.2 A invenção da fundição de tipos na segunda metade do século XV proporcionou uma alteração significativa na forma de comunicação e difusão das notícias, quebrando paulatinamente a tradição oral e epistolar de as transmitir.3 A partir de inícios do século XVI surgiriam muitas folhas volantes de notícias, conhecidas na Alemanha como Neue Zeitung, mas estas apresentavam ainda uma publicação esporádica e com um ritmo variado. André Gürtler diz-nos que a publicação de notícias impressas com uma intenção periódica explícita não se daria antes do último quarto do século XVI, quando o matemático Michael von Aitzing (1530–1598) editou quatro obras intituladas Relatio Historica (publicadas entre 1579 e 1588). É curioso observar que a publicação periódica daquelas obras apresentava já uma estratégia comercial subjacente, pois coincidia com a realização de importantes feiras comerciais alemãs da época. Posteriormente, sobretudo graças ao sucesso comercial destas publicações, as revistas feirais (Messrelationen) passariam a ter uma publicação cíclica e regular. Porém, deve-se referir que aquele que se considera como o primeiro periódico com impressão regular, intitula-se Avisa Relation oder Zeitung e surgiu na Alemanha em 1609. As condicionantes que permitiram que a revista evoluísse e se afirmasse definitivamente, dentro do panorama das publicações periódicas, encontram-se relacionadas com desenvolvimentos técnicos e sócio-económicos ocorridos no período posterior à invenção da tipografia e ao início da Revolução Industrial, relacionando-se directamente com a democratização da escrita e da leitura e apetência pelo consumo de informação. Nesse período, a melhoria do nível de vida, relacionado com a abertura do horizonte social e proporcionado pela industrialização oitocentista na Europa e América do Norte, apresentouse como condição fundamental para o surgir de uma classe média instruída, com capacidade 1 Convém aqui fazer uma distinção com o magazine, publicação periódica que no período histórico a que se refere o nosso estudo também tinha grande visibilidade. Apesar da configuração do magazine ser semelhante à revista, este era geralmente ilustrada, tratava de assuntos diversos e, regra geral, dirigia-se ao grande público. Segundo o Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa, o termo que a define tem origem no vocábulo árabe makhazin, chegandonos através do francês magasin (loja; armazém – local que serve como depósito de provisões ou de mercadorias), podendo ter chegado também do italiano magazzino através da variante inglesa magazine (depósito de informações). 2 Gazzeta era uma publicação periódica impressa em folhas, geralmente soltas, dobradas em um ou mais cadernos. Segundo o Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa, o termo deriva do veneziano gazzeta, nome de um jornal criado em Veneza em 1508 e que deve o seu nome ao seu próprio preço: uma gazetta (moeda cunhada em Veneza no século XVI). 3 Gürtler, André. História del periódico y su evolución tipográfica. València: Campgràfic, 2005: p. 9. Para uma abordagem histórica a estas formas de comunicar, ver nesta obra pp. 3–16. 107 monetária aquisitiva e disponibilidade de tempo livre para a leitura. Convém porém ressalvar que as primeiras revistas a circular (normalmente literárias ou políticas), ainda que fossem mais baratas do que os livros, apresentaram comercialmente um crescimento paulatino, pois foram ainda durante muito tempo relativamente caras para uma difusão alargada.4 Nesse sentido, pode-se afirmar que a revista só alcançaria valores de distribuição significativos, entre outras tipologias de publicações periódicas pré-existentes, em meados do século XIX, sendo resultado da confluência de um conjunto de factores que passamos a enumerar resumidamente5: I. O crescimento dos movimentos democráticos populares europeus, beneficiando da liberdade de imprensa promulgadas com os novos regimes liberais europeus; A alteração das circunstâncias comerciais iniciada nos Estados Unidos, posteriormente à década de 1830, com os penny papers (jornais muito baratos), e desenvolvida pelo francês Émile Girardin com a introdução de publicidade comercial paga no meio impresso, o que permitia que a imprensa periódica fosse adquirida a preços muito mais acessíveis; A evolução técnica dos processos tipográficos e da produção gráfica. a. todo o processo evolutivo decorrido entre o prelo de madeira e a rotativa, passando pelo prelo de ferro, pelo sistema plano-cilíndrico e a sua posterior mecanização; b. a fabricação mecanizada do papel e da sua produção em bobina de papel contínuo; c. a impressão litográfica e a sua evolução para a cromolitografia que facilitou e alargou os recursos da ilustração, abrindo a possibilidade da ilustração colorida poder ser aplicada ao meio impresso; d. o revolucionário advento da fotografia e, posteriormente, da zincogravura e da fotogravura que não só possibilitaram a impressão da imagem fotográfica juntamente com o texto (não mais em páginas separadas) em quantidade, como acabaram com a dependência do recurso à xilografia para essa forma de impressão de imagens – um recurso limitado devido à sua fraca resistência e lentidão de produção. O aumento demográfico e a maior concentração humana em zonas privilegiadas (os centros urbanos), com uma percentagem de literacia muito superior às zonas rurais, e que graças à crescente industrialização e alcance de poder aquisitivo, ocasionaria a possibilidade de racionalização dos métodos produtivos. Isto é, paralelamente ao incremento do ritmo de vida das cidades que a era pósindustrial aportou, a quantidade de meios de comunicação crescia de um modo proporcional ao crescimento da riqueza e da diversificação social. II. III. IV. Assim, as publicações periódicas (jornais diários e revistas) de fácil leitura encontraram espaço e público para crescer, e encontrando formas de competir com um preço muito mais baixo que o do livro, começariam a apresentar-se como um meio determinante na formação da consciência democrática moderna. As notícias tornavam-se mais acessíveis e a sua distribuição massificava-se, sendo que tendiam a ligar-se à actualidade, estabelecendo um contacto periódico do leitor com as ideias e acontecimentos de “todo o mundo”. Desta forma desempenharam um importante papel social na formação da consciência e das 4 Ver: Owen, William. Diseño de Revistas. Barcelona: Gustavo Gili, 1991: p. 14. 5 Recorde-se que estas questões foram abordadas anteriormente neste estudo em “2.2.7. Século XIX – a liberdade de imprensa”, e “2.2.9. A mecanização da tipografia e o crescimento da imprensa periódica”. 108 acções de um amplo número de cidadãos. Nesta atitude, teria grande destaque o libelo6 político-literário que alcançou a sua plena maturidade e desenvolvimento no século XIX, prolongando-se o uso da sátira como comentário da actualidade até aos dias de hoje (muitos jornais e revistas continuam a apresentar nas suas páginas cartoons humorísticos ou satíricos). Novecentos surgiu assim como um tempo com um novo ritmo, uma nova velocidade, encontrando na revista e seus títulos chamativos e nas suas imagens, a possibilidade do folhear rápido das páginas, deixando de lado os silêncios e as interpretações próprias do fruir de um livro. Ou seja, o desfragmentar dos conteúdos numa revista exigia um menor de dispêndio de tempo para a absorção do seu conteúdo, sem que isso acarretasse uma desvalorização do seu conteúdo. Essa lógica de descontinuidade da revista, resultado da sua subdivisão estrutural, adaptava-se à nova condição da modernidade, pois permitia ao leitor ter a liberdade de começar a ler em qualquer um dos seus textos, podendo avançar páginas ou intercalar leituras. Para além das funções básicas de informar e divulgar, parece ser consensual que as revistas constituíram ao longo da história uma fonte de informação inesgotável sobre os factos (modelos socioculturais e políticos) que marcaram uma determinada época.7 Em Portugal, conforme observámos anteriormente no nosso estudo,8 a imprensa literária foi usada como o principal método pelo qual o grupo de artistas da vanguarda histórica portuguesa chegou ao público. A representatividade das revistas literárias na construção do projecto da Modernidade portuguesa fundamenta-se na sua importância como elemento capital na veiculação das ideias, cultura e conceitos. De uma forma geral, essas revistas mostraram ser não só um espaço de liberdade onde a expressão do indivíduo se mostrava, mas declaravam-se sobretudo como a expressão de uma comunidade, ou como “lugares de afirmação colectiva.”9 Ou seja, espaços onde podemos encontrar importantes vestígios e informação sobre a sociedade, e as tendências artístico-culturais na qual se encontrava inserida, e que figuraram não poucas vezes a função de autênticos laboratórios de experimentação. Assim, dentro do universo das publicações periódicas editadas em Portugal no período que corresponde ao nosso estudo – as décadas de 1910 e 1920 – dissecaremos alguns exemplos específicos cuja metodologia de selecção abordarmos adiante (ver capítulo 4.1), que “pela sua condição, periodicidade e circulação puderam modelar desejos e aspirações, constituindo-se em arquétipos que iluminam uma época.”10 Analisaremos a evolução histórica desta tipologia de publicação periódica, tentando perceber a diversidade que as distingue relativamente ao conteúdo, carácter e as condicionantes do seu funcionamento. E numa segunda fase concentraremos a nossa atenção na importância das revistas de vanguarda, tentando perceber a importância dos modelos internacionais com elementos de influência nos conteúdos conceptuais, focalizando ainda a análise em questões fundamentais da nossa área de estudo, ou seja, o valor do grafismo e o protagonismo da 6 Segundo o Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa, “Libelo” (do latim libellu, diminutivo de liber, livro) significa: artigo ou escrito de carácter satírico ou difamatório; panfleto. 7 Pires, Daniel. Dicionário da Imprensa Periódica Literária Portuguesa (1900–1940). Lisboa: Grifo – Editores e Livreiros, 1996: p. 9. Ver também: Canelo, Maria. “Nações em revista(s). As revistas literárias e a reconstrução da identidade nacional nos modernismos brasileiro, português e norte-americano”. Em: Ramalho, Maria; Ribeiro, António (orgs.). Entre ser e estar. Raízes, percursos e discursos de identidade. Porto: Afrontamento, 2002: p. 439. 8 Ver: 1.4.1. A “geração de Orpheu”. Rocha, Clara. Revistas literárias do século XX em Portugal. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1985: p. 20. 9 Acciaiouli, Margarida. “As capas das revistas e magazines”. Em: Ribeiro, José Sommer (org.). Grafismo e ilustração nos anos 20 (catálogo). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian – Centro de Arte Moderna, 1986: s.p. 10 109 tipografia no discurso dos futuristas. Exemplos que constituem um elemento afirmativo no nascimento da disciplina do Design Gráfico. 110 3.2. As revistas literárias em Portugal 3.2.1. A origem das revistas literárias nacionais – observação histórica Ainda que a imprensa periódica portuguesa tenha apresentado um processo evolutivo relativamente rápido, o nascimento do jornalismo literário português apresentou um desfasamento em relação ao que se passava no resto da Europa, onde aquele tipo de edições se publicavam já desde a segunda metade do século XVII.11 Como referimos, esse desfasamento teve origem no atraso do desenvolvimento sócio-económico e cultural nacional, conduzindo a que a estabilização do jornalismo literário português ocorresse apenas na primeira metade do século XIX, sobretudo após a Revolução Liberalista de 1820.12 Tendo já abordado de forma generalista a introdução da imprensa periódica em Portugal, importa agora concentrar-nos exclusivamente nas revistas de carácter literário. A história da revista literária em Portugal parece encontrar a sua origem na Gazeta Literária ou Notícia Exacta dos Principaes Escriptos, Que Modernamente Se Vão Publicando Na Europa, publicada na cidade do Porto de 1761 a 1762 (no segundo ano seria publicada em Lisboa). Ainda que este periódico não tenha sido o primeiro relacionado com a literatura em Portugal, adoptamos esta ideia defendida por diferentes autores, pois este periódico foi o que, de forma exclusiva, “iniciou o jornalismo literário em Portugal”.13 Conforme surge no “Discurso Preliminar” da Gazeta Literária setecentista, a criação desta publicação teve como fundamento a modernização do gosto do público culto nacional, recorrendo ao exemplo da actualidade da produção artística e científica das “nações civilizadas”, e aspirando o afastamento do país da vulgaridade literária. Segundo Joaquim Fernandes,14 esta revista apresentou-se na época como um projecto distinto a nível nacional, pois buscou ser um “meio de comunicação cosmopolita” incorporando-se num “crescente dinamismo da leitura, da troca epistolar e da comunicação académica entre sociedades eruditas europeias.” Uma revista de formato in-quarto que apresentava um notável cuidado gráfico (fig. 3.1), definido na sua página de rosto num estilo que podemos classificar entre o Rococó e o Transição, com uma composição tipográfica de eixo central, recorrendo a um pequeno elemento floral para separar a identificação do impressor na parte inferior, e um jogo de caracteres bem definidos, com diversas e acentuadas variações no uso das caixas altas e baixas em romanas e itálicos. Um arquétipo gráfico que acreditamos ser não só um reflexo dos modernos modelos europeus usados na época, e que terá sido importado juntamente com as “novas ideias” literárias internacionais, mas também um reflexo da influência que o trabalho de Jean Villeneuve exercia nesse período no território nacional – recorde-se que este fundidor gaulês de tipos encontrava-se em Portugal a ensinar a sua arte desde 1732.15 11 Ver: Fawcett, Trevor; Phillpot, Clive (ed.). The art press, two centuries of art magazines. London: The Art Book Co., 1976. Segundo estes autores, no final de seiscentos quase todo o tipo de literatura periódica tinha iniciado a sua publicação. 12 Questão abordada anteriormente em: 2.2.5. Nascimento da imprensa periódica portuguesa. 13 Gazeta Literária, editorial do n.º 1, Porto, Setembro de 1952: pp. 1–2. Supõe-se que o editorial tenha sido assinado pelo director da revista, Mário do Amaral. Sobre este assunto, ver também: Tengarrinha, José. História da imprensa periódica portuguesa. (2ª ed.). Lisboa: Caminho, 1989: p. 46; Rocha, Op. Cit., 1985, p. 94. 14 Fernandes, Joaquim. “Gazeta Literária (1761–1762) – reflexos e sombras de um jornal das ‘luzes’”. Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, II série, volume X, 1993, p. 206. Questão já tratada em "2.2.6. Século XVIII – O século das Ciências". 15 111 Figura 3.1. Gazeta Literaria ou noticia exacta dos principaes escriptos, que modernamente se vao publicando na Europa / por Francisco Bernardo de Lima. – V. 1, n. 1 (Jul. 1761). Porto: Na Officina de Franscisco Mendes de Lima, 1761–1762. – 21 cm Ainda que a Gazeta Literária tenha surgido numa época em que uma grande maioria das diferentes tipologias de publicações periódicas estava a ser lançada, desde os jornais de notícias às publicações específicas dedicadas desde a história à política, passando pela medicina, em Portugal imperavam os jornais de crítica social (satíricos), noticiosos e de diversão ligeira.16 Relativamente a esta questão deve-se mencionar que o país atravessava o período pombalino (período decorrido entre 1750 e 1777 em que o Marquês de Pombal foi Secretário de Estado do Reino de D. José I). Período no qual, apesar de ter decretado o fim da Inquisição em 1768, o seu programa de política cultural17 opressor controlava de forma déspota as publicações, obrigando-as a uma estrita objectividade ou ao recurso da “fantasia ou de uma deliberada frivolidade.” Segundo nos diz Tengarrinha, será a crítica a esta política pombalina, ainda que de forma velada, que conduziria não só ao fim da Gazeta Literária em 1762, mas também que nesse período se reflectisse na produção de uma “pobre” imprensa literária. Neste contexto e como referimos anteriormente, graças às evoluções sócio-culturais do país e à apetência informativa dos leitores, compreende-se que o desenvolvimento da imprensa literária apenas tenha encontrado espaço após a Revolução Liberalista nacional, sobretudo a partir de meados do século XIX, já com o envolvimento (como redactores ou colaboradores) dos mais importantes nomes da literatura da época.18 Nesse percurso dinamizador 16 Tengarrinha, Op. Cit., 1989, pp. 43–46. O autor apresenta ainda nas pp. 52–57 uma listagem de periódicos especializados (literários e musicais, científicos, históricos, comerciais, agricultura e femininos), humorísticos e, finalmente, de pendor sentimental. 17 Ainda que o governo do Marquês de Pombal tenha decretado o fim da Inquisição, esta seria substituída pela Real Mesa Censória (tinha como função examinar os livros e papéis que deviam correr em Portugal) que levaria a que não se fundasse nenhum periódico entre 1768 e 1777, aquando da morte de D. José I e a saída do governo do Marquês de Pombal. 18 Ver: Rocha, Op. Cit., 1985, pp. 96–97. A autora apresenta uma listagem das revistas mais importantes do século XIX e seus respectivos colaboradores. Ver também: Pires, Op. Cit., 1996, p. 10; Coelho, Jacinto do Prado. Dicionário de literatura. (3ª ed.). Porto: Figueirinhas, 1973. 112 destacaram-se: a Toucador (1822) e a O Panorama (1837) onde se desvendava o Romantismo português, redigidas respectivamente por Almeida Garret (1799–1854) e Alexandre Herculano (1810–1877); a Revista de Portugal (1889) de Eça de Queirós (1845– 1900) como o fórum do Realismo; e o Simbolismo era revisto na Os Novos (1893), na Bohemia Nova (1889), na Insubmissos (1889) e na Intermezzo (1889). 3.2.2. Tipologia temática, função e orientação editorial das revistas literárias no período da Primeira República (1910–1926) Conforme observámos, as publicações literárias distinguem-se das demais pelo seu conteúdo, pela sua especificidade temática e por se dirigirem a um público com particular interesse literário. Porém, deve-se ressalvar que nem todas as publicações com esta tipologia apresentam uma temática (criação e/ou ensaio) exclusivamente literária, apresentando e divulgando, nesse caso, matérias de outro tipo. Sendo a diversidade da revista em termos estruturais uma das características que as distingue dos livros, cremos que a opção pela multiplicidade de secções temáticas dentro de uma mesma revista (notícias, curiosidades, crítica, textos literários, entre outros), funcionaria não só como um mecanismo para atingir um público eclético, incrementando assim a sua procura e servir de leitura para um conjunto mais alargado de pessoas. Assim, se nos concentrarmos meramente no conteúdo temático das publicações literárias, pode-se distinguir a existência de duas tipologias de revistas: as publicações exclusivamente literárias e as que não o são. Atendendo exclusivamente ao corpus da nossa análise, observamos que dos trinta e oito títulos analisados o grupo de revistas estritamente literárias se reduz a quatro: Orpheu (1915), Centauro (1916), Exílio (1916) e Bysancio (1923) – destas, apenas o primeiro número de Orpheu apresenta exclusivamente criação literária, enquanto as restantes apresentam criação e artigos ensaísticos (crítica e análise literária). Todos os demais títulos analisados apresentam um conteúdo com diversidade temática que vai para além do teor literário. Quanto a estas, distinguimos três subgrupos: a) as publicações com temáticas exclusivamente culturais, passando por disciplinas como a literatura, artes, filosofia, ciências naturais e outras matérias que obedecem à clássica concepção de cultura. Neste caso encontramos, entre outras, Dionysos (1912), A Rajada (1912), Athena (1924) ou Folhas de Arte (1924); b) as de tendência política (nacionalistas, socialistas, monárquicas ou outras doutrinas de carácter político), que apresentam quase sempre títulos denotativos do seu carácter. São disso exemplo, entre outras, A Vida Portuguesa (1912), Nação Portuguesa (1914), Eh Real! (1915) ou Homens Livres (1923); c) e as que abordam temas variados (notícias, economia, desporto, informação, curiosidades, moda, entretenimento, entre outros), como se pode constatar no exemplo da Gente Nova (1912), Contemporânea (1915) ou Revista Portuguesa (1923).19 Não sendo as revistas destes três subgrupos exclusivamente literárias, e tendo-se em conta o nível de literacia da sociedade naquela época, pode-se interpretar a inserção de textos literários como um elemento que visaria uma função de valorização, alargando assim o espectro de potenciais leitores.20 Não obstante, pode-se concluir que estas publicações se assumiam essencialmente como um meio de criação e divulgação cultural (literatura, artes, pensamento, crítica, etc.). *** 19 Não confundir estas com a tipologia supracitada designada por Magazine. Rocha, Op. Cit., 1985, pp. 186–187. 20 113 No contexto desta análise às revistas literárias convirá agora perceber qual é a função que estas publicações periódicas representam no panorama sociocultural. Conforme o estudo de referência de Clara Rocha, a fundação desta tipologia de publicações apresenta oito possíveis funções básicas:21 informar e/ou noticiar – a informação de massas, tão característica do século XX e que acompanhou o desejo da sociedade de estar informada, será porventura uma das principais razões para a proliferação não só dos jornais e revistas literárias, mas de todos os meios de comunicação. Ainda que a necessidade de noticiar/informar advenha da organização da humanidade em grupos e sociedades (as notícias foram ao longo da história sendo primeiramente divulgadas oralmente e posteriormente através de documentos manuscritos), a informação de massas só pode existir conceptualmente a partir da invenção e progresso do meio tipográfico, da democratização da escrita e da leitura, e da proliferação do hábito de procura e consumo de informação – transformações posteriores às evoluções técnicas e sociais ocorridas após a Revolução Industrial, e que colocaram a imprensa ao alcance de todos. Estar informado significava, e continua a significar, em termos psicossociológicos, um sentimento de garantia de integração social ou, em alguns casos, de superioridade. Nesse sentido, pode-se afirmar que através da função informativa e/ou noticiosa das revistas e jornais literários, pode-se alcançar um conhecimento ou uma visão panorâmica da actividade cultural do nosso tempo; b) divulgar – ligada à função de informar, as publicações apresentaram muitas vezes um desejo de divulgação (tornar público) do conhecimento, sobretudo o que interessasse para a formação cultural da sociedade. Esses interesses poderiam ser abrangentes, indo desde a literatura, filosofia, ciência, até às artes; ou específicos, tendo como perspectiva a divulgação de um movimento em particular. Veja-se a título de exemplo, desta vertente mais específica, a Portugal Futurista (1917) e a sua relação com o Futurismo, ou as internacionais Der Sturm (Alemanha, 1910) com o Expressionismo, a Blast (Inglaterra, 1914) com o Vorticismo e a Cabaret Voltaire (Suíça, 1916) com o Dadaísmo. Se, como afirma Clara Rocha, algumas revistas podem ser consideradas “«barómetros» duma época, espelhos culturais de um tempo”, as que antecipam o futuro, ultrapassando o seu tempo, como as revistas de vanguarda, poderiam aqui ser consideradas, mais do que de “divulgação”, de revelação; c) selecção, valoração, reavaliação e consagração – estas características surgem todas relacionadas com a actividade crítica desenvolvida nas publicações. Isto é, são a “selecção, valoração, reavaliação e a consagração de autores, obras e movimentos”. Esta actividade pode ser exercida, normalmente, em todo o projecto editorial ou nas rubricas (secções) de crítica. Pela abrangência deste conjunto de características, esta função acaba por estar presente em praticamente todas as publicações, intervindo de forma directa ou indirecta na recepção, por parte do público, da obra, autor ou movimento criticado; d) arquivamento – esta é uma função que Clara Rocha apresenta como possível e que, no conjunto de publicações analisado neste estudo, se pode encontrar na revista Gente Lusa (1916) que se afirma em subtítulo, justamente, um «arquivo de letras e artes». Publicada no mesmo ano da Exílio e da Centauro (revistas ligadas à vanguarda cultural nacional), aquela é uma revista assumidamente tradicionalista que pretendia “preservar um material literário e cultural” que mantivesse viva a herança cultural do país. Em conclusão, esta função está relacionada com a capacidade de conservação de um legado literário ou cultural; e) recreação – não sendo a função lúdica o fim principal deste tipo de publicações, sendo essa uma função que era desempenhada normalmente pelo magazine a) 21 Clara Rocha apresenta seis alíneas, pois aglutina as últimas três funções numa só. Cremos porém que, pela sua justificação, faz mais sentido diferenciá-las. Para um estudo mais aprofundado desta questão, ver a obra supracitada: pp. 92–113. 114 f) g) (publicação periódica, geralmente ilustrada e de carácter recreativo), no período cronológico que abordamos era um uso aceitável. Por exemplo, a Revista Portuguesa (1923) apresentava-se em subtítulo como sendo de “literatura, arte, sport, teatro, música e vida estrangeira” – entre outras apresentava rubricas sobre futebol e desporto em geral, ou sobre o cinema que surge apresentado como a nova “febre das multidões.”22 Refira-se ainda o exemplo do número espécime da Contemporânea (1915) que apresentava uma “Secção Feminina”, onde eram abordados temas como “toilette e hygiene, beleza (...) entretendo em summa o seu espírito com tudo aquillo que pode e deve interessar uma senhora de educação e de gosto.”23 As revistas com esta tipologia apresentavam-se, regra geral, mais ligeiras na sua erudição e recorriam abundantemente à ilustração, uma mais valia nessa época para quem pretendesse entreter o seu público. Essa abertura em termos de conteúdo facilitava ainda a adesão de um público não especializado, abrindo o leque de outros potenciais receptores; formação – relacionada com as funções de informar e divulgar, as publicações com esta característica procuravam contribuir para a formação não só do público, mas também dos colaboradores das próprias publicações, do ponto de vista ideológico, cultural e/ou estético-literário. Podemos verificar esta intenção na Contemporânea (1922), uma “Revista feita expressamente para gente civilizada” e também “para civilizar gente”, e que afirmava então no seu texto introdutório em forma de carta: “(...) Ah! Meu caro amigo! Não sabe você o trabalho que dá esta coisa simples – viver a própria vida. Todos nós, de há muitas gerações para cá, vimos para o mundo sem nos desligarmos da vida que nos procedeu. Esquecemo-nos todos, artisticamente – de cortar o cordão umbilical. A minha geração está realizando esse trabalho. (...) O que nos resta? Voltar ao princípio. Começar de novo. Nós somos os «primitivos» d’uma vida nova que se desenha. Vamos viver de novo Portugal – com outros olhos, outras tintas, outra alma. Vamos vivê-lo com azas, com motores, com movimento. Vamos dar a volta a Portugal – mas correndo-o no sentido da rotação do mundo...”24 Afonso de Bragança refere-se aqui à necessidade de formação dos portugueses no sentido de recomeçar uma nova aventura moderna,25 pois a aventura da vanguarda estava encerrada, iniciando-se nesta revista o caminho que haveria de conduzir ao designado Segundo Modernismo nacional (correspondente ao internacional Modernism). intervenção – algumas publicações assumem uma missão de intervenção social, relacionando-se com questões comportamentais e/ou lutas sociais; outras envolvem-se com questões políticas, assumindo a defesa de doutrinas específicas. Veja-se o exemplo da Seara Nova (1921)26 que “representa o esforço de alguns intelectuais, alheados dos partidos políticos, mas não da vida política, para que se erga, acima do miserável circo onde se debatem os interêsses [i]nconfessáveis das clientelas e das oligarquias plutocráticas, uma atmosfera mais pura em que se faça ouvir o protesto das mais altivas consciências, e em que se formulem e imponham, por uma propaganda larga e profunda, as reformas necessárias à vida nacional”. Uma revista que pretendeu “Renovar a mentalidade da elite portuguesa, tornando-a capaz de um verdadeiro movimento de salvação; Criar uma opinião pública nacional que exija e apoie as reformas necessárias”, contra o “egoísmo dos grupos, classes e partidos” dominantes. Outro exemplo surge na Eh Real!,27 revista nacionalista 22 Barreira, Cecília. “A «Revista Portuguesa»: Tradição e Modernidade”. (Estudo prévio). Em: Revista Portuguesa. (Ed. fac-similada, Volume I). Lisboa: Contexto, 1983: p. XIV. 23 Prólogo da Secção Feminina. Contemporânea – número espécimen, Lisboa, Abril de 1915, p. 17. In “Crónica” de Afonso de Bragança. Contemporânea, nº 1, Lisboa, Maio de 1922, pp. 1–3. Ver capítulo: 1.3.4. Anos 20: a “euforia urbana”. Seara Nova, nº 1, Lisboa, 15 de Outubro de 1921, pp. 1–2. Eh Real!, nº 1, Lisboa, 13 de Maio de 1915, p. 1. 24 25 26 27 115 dirigida e editada por João Camoezas (1887–1951), um médico e político que pertenceu à Maçonaria. Se anunciava em subtítulo como um “Panfleto semanal de crítica e doutrinação política”, e que se apresentava afirmando: “Nas horas de crise social, quando a incerteza aperta o coração dos patriotas em confrangimentos de angustia, quando as forças instinctivas se compoem em impetos de revolta (...) Esta pequena brochura de combate desassombrado e violento é um dos resultados deste processo reconstrutivo e creador, elaborado, espontaneamente, nos flancos sempre fecundos e misteriosos do organismo social. Aqui nos agrupamos uma dusia de portugueses de lei (...) que estamos dispostos a sacrificar, a vida inclusivé, á construção dum Portugal melhor e á segurança da Republica, sua inevitavel fiadora”. h) animação cultural – esta é uma função desempenhada recorrentemente pelas publicações literárias e culturais, e que está relacionada com a sua acção promotora de realizações paralelas, ou complementares, de produção e actividade cultural. Entre essas actividades, a mais comum seria a edição de livros, actuação a partir da qual, afirma Clara Rocha, tentavam tirar “alguns lucros materiais que as ajudem a manter-se financeiramente.” Como exemplo temos a revista A Águia (1910) que editou durante a sua existência um grande número de obras e, de um ponto de vista mais abrangente, a Contemporânea, que no seu nº 9 (1923) faz um balanço do seu primeiro ano de actividade, elencando: “5 Conferências” (sobre arte, música e literatura), “5 Exposições” (todas em Lisboa), “5 Concertos” (em Lisboa, no Porto e em Coimbra), “1 Serão de Arte”, a fundação da “Universidade Nova” e edição de “3 volumes da revista (9 números), contendo: inéditos de 138 autores – 47 hors texte – 3 separatas.”28 Uma actividade da Contemporânea que conduziria o Ministério da Instrução Pública a publicar um louvor público no Diário do Governo, que foi apresentado na capa do nº 8 (Fevereiro de 1923) da revista, “Considerando que a revista literária Contemporânea tem prestado relevantes serviços à propaganda e difusão da literatura portuguesa.”29 Concluímos referindo que, não surgindo estas funções de forma independente nas publicações, em alguns casos as diferentes funções são desempenhadas de forma conjunta por um mesmo título. Ou seja, em última análise pode-se afirmar que esta tipologia de publicações representa um lugar de criação e/ou divulgação de actividades culturais. *** Segundo Clara Rocha no estudo supracitado, projectam-se a partir da década de 1910, no âmbito nacional das publicações literárias, duas grandes linhas de orientação editorial: uma que segue a tradição, na linha do projecto da revista A Águia, e outra que seguirá os princípios de vanguarda, reflectindo as influências da “geração de Orpheu”. Refira-se ainda que em casos pontuais se registam outras sub-orientações: as que tentavam aliar a tradição com renovação, como é o caso da Portugália (1925) que se anunciava em subtítulo como sendo uma “Revista de cultura, tradição e renovação nacional”, afirmando no seu texto introdutório que “pretende ser o orgão de quantos não estão conformes com a presente situação do paiz”, e propondo o “regresso a uma mentalidade reconstructiva, tradicionalista”;30 e as que lançaram um movimento estético-literário novo, como foi o caso d’A Renascença (1914) que seria o intermediário do Paulismo – movimento de prévanguarda, com raízes no Simbolismo e no Decadentismo, que teve o seu nome retirado do 28 Contemporânea, nº 9, Lisboa, Março de 1923, p. 164. 29 “Portaria de Louvor”. Diário do Governo, nº 83, 2ª série, Lisboa, 11 de Abril de 1923. Refira-se que o Ministro da Instrução Pública nesse momento era João Camoezas (desempenhou o cargo entre 1923–1925), que como referimos tinha sido director e editor da Eh Real!, tendo colaborado ainda na Seara Nova. 30 Portugália, nº 1, Lisboa, Outubro de 1925, p. 6. 116 poema Impressões do Crepusculo de Fernando Pessoa publicado nessa revista.31 As declarações de intenção por detrás destas revistas surgiram, regra geral, declaradas nos editoriais dos primeiros números de cada título, sendo analisadas de forma individual adiante (ver a apresentação de cada revista no capítulo 5.2. Análise das revistas). Clara Rocha conclui no entanto que há um contínuo movimento de avanço e recuo (ideológico e estético-literário), de inovação/invenção e conservação/prolongamento, que se enquadra entre as referidas linhas de orientação principais – de tradição e de vanguarda. Destas orientações apresentamos de seguida os títulos analisados que se ajustam objectivamente a cada uma delas, considerando-se os demais títulos como “casos híbridos”, ou sem um carácter objectivamente vinculado com estas: a) revistas da tradição – A Águia (1910), A Rajada (1912), Atlântida (1915), Gente Lusa (1916), Ícaro (1919), A Tradição (1920), Nova Fénix Renascida (1921), Conímbriga (1923), Bysancio (1923), Tríptico (1924) e Labareda (1924); b) revistas da vanguarda – Orpheu (1915) e Portugal Futurista (1917). 3.2.3. Um meio de afirmação colectivo Conforme analisado anteriormente (1.3.2. O período pré-Orpheu [1910–1914]), o surgimento da Arte Moderna em Portugal ficou inicialmente ligado a um conjunto de exposições colectivas, sendo assistida por um “intenso e qualificado” movimento editorial. Essa actividade editorial, no qual “as revistas e magazines constituíram o território mais importante para a implementação e manifestação da arte moderna nacional,”32 influenciou todo o ambiente artístico e cultural nacional, marcando um padrão de actividade colectiva. Mas nem sempre foi assim, Rui Gonçalves diz-nos33 que o início do século xx foi marcado por uma actividade artística “fortemente individualizada”, havendo pouco contacto pessoal entre os autores, excepto em “esporádicos agrupamentos pessoais. Estes foram concretizados normalmente em exposições, conferências ou reuniões de pequenos grupos. Porém, quando nos deslocamos para o ambiente da edição de revistas literárias e culturais, no qual muitos dos artistas se envolveram, essa actividade mostrou-se decididamente colectiva. Nessa ordem de ideias, interessa abordar agora a questão do aparecimento, ou necessidade de criação duma revista. Clara Rocha afirma34 que a fundação de uma revista literária apresenta, na sua maioria dos casos, duas justificações de base: a) a necessidade de afirmação dos seus criadores e/ou colaboradores, ou b) o preenchimento de uma necessidade cultural do público. Sendo clara a necessidade de existência de um público receptivo, com apetência para o consumo de revistas de cariz literário/cultural (trataremos deste assunto mais adiante), cremos importante analisar aqui as motivações que conduzem à criação, edição, produção e distribuição das revistas literárias. Desde logo, convém notar que apesar das revistas poderem surgir como expressão da vontade de um indivíduo, como foi o caso da Contemporânea de José Pacheko, raramente essa vontade é, ou pode ser, levada a cabo individualmente. Por conseguinte, o surgimento de uma revista literária está geralmente ligado à necessidade de expressão estética-literária 31 A Renascença, nº1, Lisboa, Fevereiro de 1914, p. 11. Para um aprofundamento sobre este movimento consultar: Guimarães, Fernando. O Modernismo Português e a sua Poética. Porto: Lello, 1999. 32 Silva, Raquel da. “Sinais de ruptura: «livres» e humoristas”. Em: Pereira, Paulo (dir.). História da Arte Portuguesa: Do Barroco à Contemporaneidade. (Vol. 3). Lisboa: Temas e Debates, 1995: p. 377. 33 Gonçalves, Rui. “As invenções malvistas”. Em: Pernes, Fernando (coord.). Panorama da Cultura Portuguesa no século xx: Arte(s) e Letras [II]. (Vol. III). Porto: Fundação de Serralves; Edições Afrontamento, 2002: p. 16. Rocha, Op. Cit., 1985, p. 33. 34 117 de um grupo de artistas, escritores, críticos ou pensadores. Ou seja, surge como um meio de afirmação e/ou divulgação dos seus criadores e/ou colaboradores. Esse grupo, que seguia habitualmente linhas específicas de orientação editorial que definiam o carácter da revista, podia brotar de uma geração, estar ligado a uma tendência ou, antecipando o futuro e contrariando a tradição, figurar uma vanguarda. Nesse sentido, pode-se afirmar que a revista apresenta-se não só como um “local” de encontro desse grupo, mas configura-se também como um espaço de afirmação colectiva com plurais valências. Esta ideia de local de encontro de uma colectividade, ou grupo, surge por vezes declarada (directa ou indirectamente) nos títulos das revistas. Refiram-se, entre outros casos e a título de exemplo, a Gente Nova (1912) que se apresentou como um “órgão da Academia de Coimbra”, ou A Nossa Revista (1921), um mensário dos alunos da Faculdade de Letras da Universidade do Porto; ou casos em que os títulos representam um valor simbólico, como A Galera (1912) que, designando um barco impulsionado principalmente mediante remos, simboliza um esforço conjunto; ou ainda a Homens Livres (1923), uma revista de feição política que se afirmava em subtítulo “Livres da Finança & dos Partidos”. Figura 3.2. A Águia, n. 24, 2ª Série, Porto, Dezembro de 1913. Cremos que a possibilidade que as revistas literárias oferecem, a partir do seu princípio de periodicidade, relativamente à possibilidade de continuidade e/ou revisão do seu conteúdo, facilitou que este meio se configurasse como um espaço ideal para a formação ideológica, doutrinária e/ou estético-literária dos grupos que lhe davam forma. Desta forma, as revistas literárias mostraram também ser, não raras vezes, um lugar ideal para a revelação ou ensaio dos “novos” nomes da cultura. Neste sentido, surgiam de forma divergente dos livros, meio que normalmente dá espaço preferencialmente a nomes consagrados ou com créditos dados, seguindo princípios editoriais mais restritivos do que os das revistas literárias. Relativamente a esta questão, é importante referir-se que algumas revistas, apresentando-se como meio de expressão de um grupo editorial ou movimento, desempenhariam um importante papel de divulgação literária, publicitando livros e autores (individualmente), e ajudando ao lançamento dos “novos” apadrinhados pelos consagrados. São desta situação exemplo a revista A Águia (a partir da 2ª série) e A Vida Portuguesa (1912), apresentando-se 118 ambas com ligações ao grupo “Renascença Portuguesa”, servindo de plataforma de lançamento dos livros dos autores ligados a esse movimento (fig. 3.2). Mas os corpos editoriais e os colaboradores das revistas não se confinavam apenas aos membros dos grupos que as formavam. Algumas revistas estavam abertas à colaboração de convidados. Esta contribuição, nacional e internacional, com textos originais ou publicação/traduções de textos pré-existentes, mostrou que as revistas podiam ser não só um meio de divulgação, mas também uma ferramenta de estímulo mútuo. Note-se contudo que nem todo o tipo de colaboração se apresentava obrigatoriamente em consonância a orientação estética da edição. A esse respeito é interessante observar uma nota apresentada na Tríptico n.º 3 (1 de Junho de 1924), revista de carácter tradicionalista, onde a respeito do envio por Filippo Marinetti de uma série de manifestos acompanhados do livro «Les mots en liberté futuriste», afirmava: “Nós, não somos futuristas, mas também não pertencemos à categoria dos intolerantes. Todas as ideias dos homens nos interessam.” Este papel de estímulo mútuo e de divulgação possibilitado nas revistas parece-nos importante, dado que os próprios criadores das diferentes áreas culturais conheceriam mal a obra dos outros, excepto quando se agrupavam esporadicamente.35 Uma ideia que se pode comprovar nas palavras de Almada Negreiros36 que disse ter sido só pela revista Orpheu que tomou conhecimento da produção dos demais companheiros de aventura. Como exemplo desse estímulo mútuo pode-se apontar o recurso à “imagem” de Arlequim (que pode aparecer também como palhaço, Pierrot ou saltimbancos), que surge em diversos textos e imagens, sendo usada não só como uma caricatura sarcástica, mas também como elemento ilustrativo de crítica social, de disfarce (uma forma de defesa) ou indivíduo solitário. Almada Negreiros, artista interdisciplinar, desenhou-o algumas vezes ao longo da vida37 (tal como Picasso, Cézanne ou Degas), como se pode verificar na Contemporânea (nº 7 e 9), usando também essa “imagem simbólica” em textos como “Frisos”, publicados em Orpheu (nº 1), ou no texto interseccionista38 “Saltimbancos” que surge na Portugal Futurista (1917). Também Mário de Sá-Carneiro recorre à imagem do “palhaço” no seu poema “Fim” publicado na Athena (nº2). Retomamos aqui uma ideia já afirmada anteriormente, na qual defendemos que a comunhão de pensamento existente neste período, na Europa, foi fundamental para construção do Movimento Moderno. Finalmente, retomando a ideia de que a revista é um produto com um conteúdo não definitivo, permite que esta se tenha afirmado dentro desses grupos como o espaço ideal para a crítica, o debate, o ensaio e a formação de ideias. Ou seja, tratando-se de uma publicação com edição periódica permite que as ideias ali debatidas e/ou apresentadas se possam retomar ou reconfigurar, abrindo ainda a possibilidade para transgressões e questionamentos, a discussão e a argumentação de ideias. Mostraram, desta forma, ser o espaço ideal para o exercício da análise de produções intelectuais (sobretudo de edição de textos literários, mas também de natureza artística e científica), fundamental para a construção de uma linguagem expressiva sólida e estruturada. Em resumo, as revistas apresentam um importante espaço para a crítica estética e literária dos grupos que lhe dão forma. 35 Gonçalves, Op. Cit., 2002, p. 16. “Suplemento Literário”, Diário de Lisboa, Lisboa, 8 de Março de 1935. Texto assinado por Almada Negreiros. Gonçalves, Op. Cit., 2002, p. 17. 36 37 38 O interseccionismo surgiu com uma espécie de Cubismo narrativo, um processo semelhante às sobreposições dinâmicas da pintura Futurista. Nele há uma exaltação da velocidade, da força, e de todos os modos de aceleração mecânica, acabando com os limites tradicionais da percepção. Justapõem-se imagens visuais que o nosso normal olhar não consegue captar simultaneamente, mas que consegue perceber, fazendo associações ou utilizando a memória. 119 Ressalve-se aqui que as revistas não são, nem foram, os únicos meios de afirmação colectiva. A título de exemplo, referimos um conjunto de outros meios colectivos de afirmação, que não poucas vezes foram também pontos de partida, ou serviram de apoio à necessidade de afirmação denunciada nas páginas das revistas. Esses outros meios foram, antes de mais, as exposições colectivas já referidas anteriormente neste estudo, das quais destacamos a “Exposição Livre” de 1911, ou os “Salões dos Humoristas” de 1912, 1913 e 1915 onde surgiu a nova e moderna geração de artistas nacionais; destaque-se ainda os “Salões de Outono” de 1925 e 1926 na SNBA, e as exposições n’A Brasileira do Chiado e no Bristol Clube. Também os manifestos foram definidores de um espírito de grupo, tendo os fundamentais desta época visto a luz nas páginas da Orpheu e Portugal Futurista. No período aqui analisado pode-se ainda referir as conferências, concertos, serões de arte, prémios literários e artísticos, organizados nos anos 20 por José Pacheko. Adoptando a tese de Adolfo Monteiro, segundo a qual o “Orpheu não tinha público, no bom sentido da palavra, ou seja, que ainda não existiam aqueles para quem fora destinado,”39 concluiremos afirmando que no caso das revistas que norteiam o nosso estudo – as revistas de vanguarda –, estaremos sobretudo perante uma necessidade de afirmação colectiva de uma “geração”. 3.2.4. Condicionantes das edições como um produto de mercado Referimos na introdução deste capítulo que existe uma relação entre circunstâncias sócioculturais, técnico-produtivas e comerciais que estiveram na base do surgimento da revista enquanto meio de comunicação e expressão. A alteração (aceleração) do ritmo de vida dos tempos modernos proporcionou condições para o surgimento das revistas, mais fáceis de ler, com conteúdos de menor extensão do que um livro, e com um discurso que abria a possibilidade de discussão. Tendo analisado o surgimento de uma revista enquanto necessidade de afirmação dos seus criadores e/ou colaboradores, faremos agora uma breve abordagem à questão da revista como preenchimento de uma necessidade cultural do público. Esta questão, estando directamente relacionada com o interesse que o público demonstra pelas revistas enquanto produto cultural, importa observar também tendo em conta a revista como produto de mercado. a) Público Não encontramos muitos dados concretos relativos ao público que adquiria as revistas literárias – dados necessários para poder fazer uma análise fundamentada.40 Podemos porém deduzir que, como produto com uma especificidade temática literária e cultural, as revistas interessariam certamente a um circuito restrito de artistas, mas também a quem estivesse ligado ao ensino, ou que tivesse interesse cultural. Pela tipologia de artigos e de certa publicidade que algumas publicações apresentam, pode-se ainda deduzir que, nesses casos, as revistas pretenderiam ir mais além do que apenas um público ligado à cultura e 39 Monteiro, Adolfo. “O Orpheu como símbolo e realidade”. Em: Jackson, David. As primeiras Vanguardas em Portugal. Bibliografia e antologia crítica. Madrid: Iberoamericana, 2003: p. 323. 40 Na procura desta informação e das próximas alíneas foram consultados os dados presentes nas próprias publicações (fichas técnicas e editoriais) e ainda a bibliografia específica na matéria: Pires, Op. Cit., 1996; Coelho, Op. Cit, 1973; Rocha, Op. Cit, 1985; Acciaiouli, Op. Cit, 1986; Rocha, Op. Cit, 1988; Tengarrinha, Op. Cit., 1989. 120 literatura, mas que seria certamente um público urbano e com poder aquisitivo.41 Numa excepcional referência encontrada na revista Orpheu (1915), Luís de Montalvôr escreve no último parágrafo do texto de introdução: E assim, esperançados seremos em ir a direito de alguns desejos de bom gosto e refinados propósitos em arte que isoladamente vivem por ahi, certos que assignalamos como os primeiros que somos em nosso meio, (...) esperando dos que formam o público leitor de selecção, os esforços do seu contentamento e carinho para com a realisação da obra literária de ORPHEU.42 Um texto onde o autor mostra ter consciência da exclusividade do público que certamente iria aderir àquela revista. Note-se que as revistas analisadas (38 títulos) se concentravam maioritariamente em Lisboa (17 títulos), Porto (8 títulos) e Coimbra (11 títulos).43 Se as duas primeiras cidades eram na época as que tinham mais população, a notória importância de Coimbra como centro de edição desta tipologia de revistas deve-se a ter sido até 1911 a única cidade em Portugal a possuir Universidade (as de Lisboa e Porto foram criadas em Março desse ano). Ou seja, para além da relação com o volume populacional (maior mercado) e urbanidade, existe uma relação directa com o ambiente académico e cultural proporcionado pela relação de proximidade com o meio universitário. Tendo em conta a análise das revistas, não se pode concluir muito mais, pois o único caso onde se encontraram evidências concretas, os dados não fornecem informação relevante – um dos dois volumes encadernados da revista Gente Nova (1912), que se encontram na Biblioteca Municipal de Coimbra, é constituído por uma recompilação de exemplares enviados por correio a assinantes (assim o comprova o endereço e a presença de selos e carimbos de correio), mas que pouco acrescentam para uma conclusão significante, pois os destinatários foram os jornais Diário de Notícias e a Gazeta de Coimbra (possivelmente para divulgação). b) Tiragem e periodicidade Com uma relação directa com o público encontramos a tiragem e periodicidade das revistas. Num país com uma população que na década de 1910 se mostrava afastada das questões sócio-culturais,44 com uma elevada taxa de analfabetismo (75%), depreende-se com alguma certeza que não haveria um público muito extenso para esta tipologia de revistas. Uma das formas de concluir sobre essa extensão de leitores seria através das tiragens das revistas, mas nas revistas analisadas essa informação não é fornecida nas fichas técnicas, com duas excepções: n.º 9 da Contemporânea (Março de 1923) está indicado terem sido impressos 401 exemplares, e na Portugal Futurista há a indicação de uma tiragem de 10.000 exemplares na contra-capa. Dada a exclusividade da primeira revista e as suas conhecidas 41 Steven Heller aborda sinteticamente esta questão não sendo muito específico, referindo contudo que as revistas de vanguarda histórica tinham um público limitado (normalmente os aficionados aos movimentos), e quando tentavam abrir o âmbito do público tendiam a perder o seu status vanguardista. Por outro lado, refere ainda casos em que revistas de vanguarda, num sentido mais alargado, como a alemã Jungend (1896–1926) chegou a ter 100.000 assinantes, o que certamente permitia abranger um público de diversos níveis culturais e sociais. Ver: Heller, Steven. Merz to Émigré and Beyond: Avant-Garde Magazine Design of the Twentieth Century. London: Phaidon Press, 2003. 42 Orpheu, n.1, Lisboa, Março de 1915: p. 6. 43 Refira-se que alguns títulos tiveram mais do que um lugar de edição: a Dionysos foi editada inicialmente no Porto, passando depois para Coimbra; a Alma Nova começou em Faro e passou para Lisboa; e a Pela Grei transitou de Lisboa para o Porto. Para além destas localidades, registam-se ainda revistas publicadas nas cidades de Famalicão, Faro, Praia da Granja e Viana do Castelo (1 título em cada). 44 Em 1911 Portugal tinha 6 milhões de habitantes, concentrando-se densamente no litoral norte e centro. Para além de Lisboa, a capital, com 356 000 habitantes e o Porto com 168 000, as cidades portuguesas dificilmente reuniam mais do que 20 000 pessoas, registando um crescimento lento. Ou seja, em carácter a população continuava basicamente agrária vivendo 65% da população desse meio. 121 dificuldades de distribuição comercial, e somando-se a apreensão de todos os exemplares da segunda, não pudemos retirar conclusões seguras sobre esta questão, pois os dados não são conclusivos nem tão-pouco indicativos (há demasiada disparidade de números) de um panorama geral da situação. As dificuldades que as revistas tinham em encontrar um público estável, num número suficiente para a sua sobrevivência, reflectiam-se nos conhecidos45 problemas financeiros que muitos dos projectos editoriais apresentaram, causando-lhes uma difícil “existência” ou duração. A este respeito é significativa a percentagem dos projectos editoriais que ficaram apenas pelo seu número inicial, mas que se apregoavam com uma periodicidade nunca cumprida: A Renascença (1914) anunciava-se como uma revista mensal; a Contemporânea (edição especial de 1915) apesar de não indicar periodicidade propunha uma assinatura trimestral; a Eh Real (1915) apresentava-se como um folheto semanal; a Centauro (1916) anunciava-se trimestral e indicava autores a publicar nos seguintes números; a Exílio (1916), “revista mensal”; a Nova Phenix Renascida (1921), afirmando na contra-capa que “seguirão outras”; e a Conímbriga (1923) se apresentava como mensal. Outras não iriam muito além dos primeiros números, como foi o conhecido caso da Orpheu (1915) que era suportada financeiramente por Mário de Sá-Carneiro e cujo terceiro número não saiu do prelo por falta de dinheiro deste. São também exemplos de instabilidade financeira as revistas A Labareda (1914), a Homens Livres (1923) e a Folhas de Arte (1924) que não passariam dos dois números, ou ainda a Boémia (1914) e a Ícaro (1919) que não passaram dos três números. c) Preço O preço de uma revista pode constituir um constrangimento para a sua venda. Esta questão está, por exemplo, na base das já referidas dificuldades de circulação da revista Contemporânea. Porém, ao observar os preços das publicações analisadas, não encontramos nenhuma relação objectiva entre os valores e a longevidade das revistas. Notese que os dados são difíceis de analisar, não só porque nem todas as revistas apresentam o seu preço unitário (avulso), mas também as localidades e os públicos onde se editam as publicações são diferentes, os preços vão variando naturalmente ao longo dos anos,46 mas sobretudo porque não existe uma uniformidade de forma (dimensões, extensão e materiais). Notamos porém que revistas que são subsidiadas, como o caso d’A Vida Portuguesa (1912), que apresentavam um preço de venda, 20 réis, era significativamente mais barata do que a Dionysos, ou do que A Rajada, publicadas também nesse ano e que custavam 100 réis. Ainda assim deve-se salvaguardar que, entre as três, A Vida Portuguesa não apresentava qualquer tipo de imagem, cuja inserção incrementava o preço das edições. Quando comparamos os preços das revistas com os dos livros, notamos que, salvo poucas excepções, as diferenças estão em consonância com ideia de que as revistas eram mais acessíveis do que os livros. Veja-se a título de exemplo a revista A Águia, que era comercializada em 1913 a 100 réis o número avulso, publicitava nas suas páginas (fig. 3.2) a venda de um conjunto de livros, cujos preços variavam entre os 200 e os 1000 réis. 45 Ver: Rocha, Op. Cit., 1985, pp. 138–141. 46 Ao observamos os preços das revistas, a primeira questão que sobressai é a existência de dois sistemas monetários. Com o fim de evitar equívocos esclarecemos resumidamente o funcionamento do sistema monetário da época. Apesar de a transição da Monarquia para a República se ter processado em 1910, só em meados de 1911 é que o sistema monetário que vigorava em Portugal foi profundamente reformado (duraria até 1931). A moeda portuguesa, sob o ponto de vista técnico, mudou a sua denominação, o material, o seu correspondente peso em ouro, e alterou a sua denominação de “real” para “escudo”. Dividido em 100 partes iguais, denominadas “centavos”, o escudo correspondia, quer no valor, quer no peso de ouro fino, à moeda de 1000 reis. Esta relação aritmética proporcionou que a designação “reis” perdurasse ainda durante muitos anos, o que justifica que a revista Ícaro publicada em 1919–1920 ainda indicasse o seu preço em “250 reis” (equivalente a vinte e cinco centavos). Refira-se ainda que em 1914, em consequência da Primeira Guerra Mundial, o escudo sofreu uma grande desvalorização, da qual não recuperaria até 1927. 122 Podemos concluir esta abordagem aos preços das revistas, referindo ainda que as revistas com melhor qualidade gráfica (papel, composição tipográfica, reprodução de imagens), e com uma contribuição artística assinalável, apresentavam regra geral valores significativamente mais elevados. Refira-se a título de exemplo dois casos que recorreram à reconhecida oficina tipográfica Imprensa Libânio da Silva (Lisboa). As revistas Contemporânea (1922) e a Athena (1924), apresentavam ambas um preço avulso de 10$00 escudos, o que era significativamente superior aos 1$50 escudos que valia a Labareda (1924); ou compare-se ainda com o preço da Seara Nova, que no ano de 1922 apresentava um preço avulso de 1$00 escudo, propondo uma assinatura de 12 números por 10$00 escudos.47 d) Censura Com o Decreto de 28 de Outubro de 1910, que “consagrava a abolição da censura sob qualquer pretexto”, permitindo ainda, entre outros, a crítica às leis, doutrinas e actos do Governo, as liberdades conquistadas logo após a implantação da República permitiriam o crescimento do número de publicações periódicas e consequentemente das revistas literárias.48 Porém, em 1916 essa liberdade irá ser limitada, tendo como base de justificação o “estado de guerra com a Alemanha”. No decreto 2:270 de 12 de Março de 1916,49 justificando-se com “a defesa dos interesses nacionais” com o fim de “coibir qualquer abuso ou falta de civismo nociva aos interesses públicos”, assim se decretava: Artigo 1º – É permitido às autoridades policiais ou administrativas apreender ou mandar apreender os periódicos ou outros impressos, e escritos ou desenhos de qualquer modo publicados, nos quais se divulgue boato ou informação capaz de alarmar o espírito público ou causar prejuízo ao Estado, no que respeita, quer à sua segurança interna ou externa, quer aos seus interêsses em relação a nações estrangeiras, ou ainda aos trabalhos de preparação ou execução de defesa militar. Artigo 2º – Se no impresso, escrito ou desenho publicado se fizer afirmação ofensiva da dignidade ou do decôro nacional, (...) poderão ordenar-se, não só a apreensão prescrita no artigo anterior, mas ainda, tratando-se de periódicos, a suspensão da sua publicação por três a trinta dias. (...) Dias mais tarde, a 28 de Março de 1916, declarava-se na nova Lei nº 495:50 Artigo 1º – Emquanto durar o estado de guerra ficam sujeitos à censura preventiva os periódicos e outros impressos e os escritos ou desenhos de qualquer modo publicados. Artigo 2º – A censura eliminará tudo o que importa a divulgação do boato ou informação capaz de alarmar os espírito público, (...) Em consequência destas leis registámos na nossa análise apenas um caso afectado pela acção da censura. Este verificou-se com a Portugal Futurista editada em 1917. Conforme já afirmado, parecem não existir certezas em relação às razões que levaram à apreensão da revista, mas eventualmente terá sido pela agressividade que se pode encontrar nos textos, cujo conteúdo colidia com o Artigo 2º do decreto 2:270 acima citado. 47 Seara Nova, nº 19, Lisboa, 3 de Outubro de 1922, s.p. 48 Entre 1905 e 1910 tinham surgido apenas 3 novas revistas: A Semana Azul (1906), Nova Silva (1907), A Farça (1909). Em termos de comparação, nos 5 anos seguintes surgiram 24 novos títulos. Ver: “Lei nº 491 da Presidência da República”; “Decreto nº 2:270 do Ministério do Interior – Direcção Geral da Administração Política e Civil”. Diário da República, Lisboa, I Série – nº 47, 12 de Março de 1916. [consulta: 20 Maio 2010] 50 Ver: “Lei nº 495 do Ministério da Justiça e dos Cultos”. Diário da República, Lisboa, I Série – nº 59, 28 de Março de 1916. < http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/LeisdeImprensa/1916/N59/N59_item1/index.html> [consulta: 20 Maio 2010] 49 123 Refira-se que, ainda que não tenhamos detectado outro tipo de censura, estas leis e decretos terão certamente provocado constrangimentos na elaboração dos conteúdos das revistas. Estas leis continuariam em vigor, agravando-se na década de 1930 com a ditadura de António de Oliveira Salazar, extinguindo-se apenas em 1974 com o fim da ditadura em Portugal. 3.2.5. Estratégias de sobrevivência Conforme referimos anteriormente, as revistas literárias apresentam um princípio editorial específico que as conduziu desde sempre a um “divórcio do grande público.”51 Vimos também que esse afastamento sempre lhes colocou grandes dificuldades de sobrevivência, o que conduziu a que as revistas literárias tentassem criar estratégias de sobrevivência. Referimos que uma delas passava por tentar abranger um público mais diversificado, recorrendo para tal à apresentação de diferentes temáticas não exclusivamente culturais nas suas páginas. Cremos assim que esta opção editorial, para além de ser um sinal de modernidade característico do início do século xx, significou também uma tentativa de alcançar a sustentabilidade dos projectos editoriais, cuja existência só têm sentido se forem lidas/consumidas. Segundo a nossa análise, a tentativa de ultrapassar os constrangimentos económicos foi sendo desenvolvida, seguindo diferentes direcções. A estratégia mais evidente foi o recurso à publicidade, podendo esta estar inserida no âmbito cultural (publicidade a livros, livrarias, espectáculos musicais, exposições, entre outras) como no caso d’A Vida Portuguesa (1912), ou abranger todo o tipo de publicidade comercial. São exemplo deste último caso, entre outras, a Límia (1910), a A Rajada (1912), a Alma Nova (1914), a Atlântida (1915), a Seara Nova (1921), ou a Contemporânea (1922). Esta última destaca-se claramente das demais, demonstrado uma atenção especial na sua apresentação (nos primeiros nove números a publicidade ocupou normalmente um caderno de 8 páginas), sendo alguns desses anúncios de particular interesse ao nível da ilustração e da composição gráfica. Consciente desta situação, José Pacheko afirmaria nas páginas da revista: “A proposito da PUBLICIDADE da Contemporanea. Constituindo o anuncio um motivo de arte, que neste volume se esboça pela composição e distribuição de côres, e que no próximo volume se firmará, não só por esse aspecto, como ainda pelo da ilustração apropriada, recomendamos ao publico para «conservar na encadernação as paginas de publicidade», a fim do volume se não considerar truncado.”52 José Pacheko alinhava com o pensamento moderno na sua admiração e fascínio pela publicidade, que tão claramente tinha sido declarado nas páginas da Orpheu, pelas palavras de Mário de Sá-Carneiro no poema de carácter futurista Manucure: “Por ultimo desdobra-se a folha dos anuncios... – Ó emotividade zebrante do Reclamo, – Ó estética futurista – up-to-date das marcas comerciais, – Das firmas e das taboletas!... [...] E a esbelta singeleza das firmas, Limitada. [...] Numeros e letras, firmas e cartazes –”53 No sentido de tentar conseguir uma estabilidade financeira, algumas revistas optavam por possibilitar a “assinatura”, ou pelo envio à cobrança a potenciais leitores. No primeiro caso, 51 Rocha, Op. Cit., 1988, p. 35. 52 Contemporânea, nº 3, Lisboa, Julho de 1922, s.p. Note-se que a Contemporânea, tal como outras, eram paginadas tendo em conta a possibilidade de uma encadernação em volumes – a numeração das páginas de forma sequencial de revista para revista isso o indica, existindo no caso da Contemporânea um índice de volume, que incluía normalmente três números. 53 Orpheu, nº 2, Lisboa, Abril de 1915, pp. 104–105. 124 a opção beneficiava o assinante com uma redução de preço relativa à quantidade de números assinados, surgindo como opção em quase todas as revistas. Nesta situação variavam apenas as opções de o fazer por um determinado período de tempo (as opções mais comuns eram a assinatura trimestral, semestral ou anual), ou a possibilidade de o fazer por um determinado número de edições. O segundo caso era menos usual, sendo as revistas enviadas a pessoas que se julgariam potenciais leitores interessados, e constando nelas um pedido de devolução no caso de não haver interesse. Desta última situação temos como exemplo as revistas A Galera (1914), Bysancio (1923) e Labareda (1924). Não encontramos muitos dados sobre a efectividade destas medidas, excepto a longevidade dos projectos – assunto que abordaremos adiante –, a partir dos quais possamos retirar conclusões fundamentadas. As únicas referências encontradas referem-se normalmente à dificuldades nas cobranças, ou mesmo ao encerramento causado pelo não pagamento destas. A Revista Portuguesa (1923) no seu último número apresenta uma declaração do seu director, Victor Falcão, onde afirma que a publicação termina ali após seis meses de dificuldades, pois “mais de 600 individuos que receberam, durante semanas, a «Revista Portuguesa», se negaram a pagar a importância da assignatura!”54 Outra forma de tentar ultrapassar as dificuldades foi o recurso ao financiamento privado. Como exemplo temos a Contemporânea, cuja edição dos seis primeiros números é assumida pelo industrial Agostinho Fernandes, e os três números seguintes, de 1923, passam a ser suportados pela “Sociedade Edições Contemporânea”. Depois desse período em que se manteve com um ritmo de publicação mensal constante, nos anos 1924–1925 o editor é o próprio José Pacheko, tendo na terceira série cabido essa responsabilidade a Gil Vaz. Ainda tentaria publicar o 14º número em 1929, que não concluiu por falta de meios. Todas estas mudanças “atestam as dificuldades de suporte financeiro” desta revista. Registamos ainda os casos das revistas subsidiadas ou apoiadas financeiramente por sociedades, empresas publicitárias ou empresas editoriais. Este tipo de suporte foi o que melhor funcionou, o que se torna claro quando observamos a longevidade dessas revistas. Nesta situação encontramos a revista A Águia que, contando com o apoio da “Renascença Portuguesa”, duraria 22 anos editando 205 números; a Nação Portuguesa (1914) que foi editada durante 24 anos graças ao apoio do agrupamento sócio-político “Integralismo Lusitano”;55 a revista Alma Nova (1914), que depois de interromper a sua publicação em 1918, voltaria em 1922 sob a alçada da “empresa de publicidade «Ressurgiento»” (passaria mais tarde a cooperativa «Ressurgimento») por mais 7 anos (61 números); ou ainda A Seara Nova que com o apoio da “Empresa de Publicidade «Seara Nova»” durou 59 anos, tendo publicado 1599 números.56 Por fim, outra estratégia de sobrevivência foi o uso da sedução gráfica. Este assunto será adiante tratado mais aprofundadamente quando analisarmos individualmente cada um dos casos. Contudo apontamos aqui algumas dessas estratégias de forma mais abrangente. Em algumas revistas nota-se um investimento na parte gráfica e/ou na escolha dos aspectos materiais das revistas, que se supõe funcionarem como elemento de persuasão. Sabe-se como uma apresentação graficamente cuidada e impressa com bons materiais, pode funcionar como elemento de destaque sobre as demais publicações, funcionando assim como um elemento essencial para a afirmação das revistas perante o público. Essa valorização estética (não literária) desenvolveu-se segundo dois vectores: a) as que procuraram na valorização artística a mera constituição de um valor de atracção para o público; b) as que pretendiam criar um sinal (semiótico) do seu conteúdo estético-literário. 54 Revista Portuguesa, nº 23–24, Lisboa, 13 de Outubro de 1923, p. 3. 55 O “Integralismo Lusitano” surgiu em 1913 como um movimento cultural de reacção ao anticlericalismo da Primeira República, tornando-se num movimento político em 1914 que incorporava os republicanos desiludidos com a República. Foi formalmente constituído em Coimbra à volta da revista Nação Portuguesa. Sobre estes títulos tampouco se encontrou informação concreta sobre tiragens ou público abrangido, supondo-se apenas no último caso que estaria relacionado com as tendências políticas que governavam as publicações. 56 125 A inclusão de imagens nas revistas, tradição quase tão antiga como a própria imprensa periódica,57 ia ao encontro do poder de atracção que a imagem (ornamentos, ilustrações ou fotografias) exercia sobre o público, somando-se à herança do jornalismo ilustrado oitocentista. Tendo em conta os desenvolvimentos no meio impresso nacional, surgidos nessa época (ver o capítulo: 2.2.12. A incerteza de um estilo gráfico), que facilitavam a inclusão e a reprodução das imagens, podemos entender que um grande número de revistas recorresse ao uso de imagens para ilustrar o seu interior. Ou seja, no interior de vários títulos encontram-se imagens e decorativismo gráfico que, não só funcionam como elementos ilustrativos do conteúdo literário, mas funcionam também como elemento de sedução. Acreditamos que esta ideia de sedução pela imagem esteja na base da decisão, que conduziu algumas revistas a colocar a designação de “ilustrada” no seu subtítulo. São disso exemplo as revistas A Águia – Revista quinzenal ilustrada de literatura e crítica, a Límia – Revista mensal ilustrada de letras, ciências e artes, e a Alma Nova – Publicação mensal ilustrada. Ainda assim, geralmente o maior investimento gráfico era aplicado nas capas, pois este funciona muitas vezes como um escaparate do seu conteúdo literário. No conjunto das publicações destacam-se alguns títulos pela apresentação de colaborações com um valor artístico assinalável, entre os quais evidenciamos a Contemporânea e a Seara Nova, sobretudo as realizadas pelos ilustradores e pintores “modernos” Correia Dias, Saavedra Machado, Almada Negreiros, Jorge Barradas, António Carneiro, António Soares, José Pacheko, Santa-Rita Pintor, Bernardo Marques ou Leal da Câmara. Deve-se porém reforçar a ideia de que o uso de imagens não se resumiu às suas capas, mas que estas foram usadas em diversas partes constituintes das revistas. Por outro lado, outras houve que pretendiam distinguir-se pela simplicidade, espelhando o classicismo da sua composição gráfica interior, e reflectindo o seu tradicionalismo estéticoliterário. São exemplo desta ideia as revistas Atlântida (1915) e Nova Phenix Renascida (1921). Outras optaram por grafismos que, não sendo artisticamente relevantes, surgiam como indício das suas ideologias. Podemos indicar como exemplo deste caso a revista Exílio, que proclamava na capa o seu carácter nacionalista apresentando um desenho de sugestão rosicrucista (relativo à Ordem de Rosacruz). Saliente-se ainda, como parte da estratégia de valorização, que alguns títulos recorreram a não só a boas oficinas tipográficas, mas também a materiais de qualidade, que lhes permitiam obter melhores resultados gráficos. Este era porém um recurso que tornava o produto caro, e que dependia bastante da capacidade económica dos projectos editoriais, e que conduzia muitos projectos editoriais a procurar oficinas tipográficas por uma questão de orçamento em detrimento da qualidade. Assim, este foi um recurso usado por poucas revistas, entre as quais destacamos a Atlântida, a Contemporânea, ou ainda pelo uso de um formato invulgarmente grande, a Portugal Futurista. 57 Ramírez, Juan. Medios de Masas e Historia del Arte (5ª ed.). Madrid: Ediciones Cátedra, 1997: p. 35. 126 3.3. Revistas da vanguarda 3.3.1. Um espaço de afirmação e experiência A afinidade entre o surgimento ou divulgação de movimentos estéticos e a criação ou uso de revistas literárias para esse fim, como vimos atrás, registou-se a partir de meados do século XIX em Portugal. Essa relação, que se apresentou numa primeira fase com uma evolução diacrónica onde a criação de novos títulos acompanhava a evolução sequencial dos modelos estéticos, sofreria uma alteração a partir da década de 1910. Essa mudança está directamente relacionada com o período em que os jovens artistas modernos portugueses, perseguindo o objectivo de produzir uma obra que desafiasse o status quo, se apresentaram com uma orientação oposta à linha de tradição imperante na paisagem cultural portuguesa. Como também já foi observado, a inovação e renovação do panorama cultural português foi proposto pela “geração de Orpheu”, tendo atingido o seu auge com a edição da homónima revista Orpheu (1915), num percurso que foi sendo preparado através de um conjunto de acções (intercâmbios literários, exposições de arte, convívio de café, entre outras), abrangendo diferentes sectores culturais. Seria pois esse facto que provocou a alteração da referida afinidade, passando então as revistas literárias nacionais a surgir sincronicamente associadas a grupos, ou tendências estético-literárias, segundo duas linhas de orientação editorial principais: uma de tradição e outra de vanguarda. Em Portugal, a eleição das revistas como meio de manifestação preferido pelos artistas modernos, seguia a tendência dos exemplos que chegavam de fora. Recordemos que alguns dos artistas que formaram a “geração de Orpheu” acabavam de regressar do estrangeiro, sobretudo Paris, onde se sabe que tiveram contacto com os movimentos de vanguarda e correspondentes revistas a eles ligados. Como vimos anteriormente,58 Mário de Sá-Carneiro, que preparou com Fernando Pessoa o nascimento do projecto “Orpheu”, apresentava interesse pelo Cubismo, sobretudo em Max Jacob e Picasso, e pelo Futurismo, e enviava desde a capital francesa as novidades vanguardistas. Amadeo de Souza-Cardoso, cuja obra ficou marcada pelo cubismo, apresentou também influências do Jugenstil alemão, relacionouse com vários artistas modernos (Amedeo Modigliani, Constantin Brancusi, Guillaume Appollinaire e o casal Delaunay), expôs na galeria Der Sturm de Berlim. Finalizamos estas referências com o exemplo de Santa-Rita Pintor e as suas relações com o Cubismo e sobretudo o Futurismo, do qual seria o grande impulsionador em Portugal. As últimas décadas de oitocentos e o início de novecentos foram, na Europa ocidental, bastante agitados no que respeita às revoluções criativas, surgidas nas áreas da cultura e arte, questionando os seus valores, a sua aproximação à organização do espaço e a sua função na sociedade.59 Nesse contexto e a título de exemplo, referimos alguns casos internacionais (não pretendendo uma lista tediosa de datas e nomes), onde movimentos de Pré-Vanguarda e Vanguarda apresentaram uma actividade editorial e metodologia de “aproximação” ao público semelhante, e que foram globalmente importantes. O movimento de Arte Nova alemão JugendStil, relacionou-se com a revista Jugend (Jovem) publicada a partir de 1896 por Georg Hirth (1841–1916), tendo o austríaco Vienna Secession (nome atribuído por Georg Hirt) usado como plataforma a revista Ver Sacrum (Primavera Sagrada), publicada entre 1898–1903 pela Verlag Von E. A. Seemann. O Modernismo catalão foi defendido na revista Joventut (Juventude), publicada em Barcelona entre 1900–1906. O Futurismo de Filippo Marinetti, que teve o seu lançamento em 1909 no jornal francês Le Figaro, maturou previamente durante 4 anos (1905–1909) na revista italiana Poesia, editada por aquele artista (com estilo gráfico simbolista). Por seu lado, o Futurismo de Florença usou as páginas da revista Lacerba (1913), editada por Giovanni Papini (1881–1956) e Ardengo 58 Ver: 1.3.3. A ruptura da tradição (1915–1919) Meggs, Philip. História del diseño gráfico. (3ª ed.). México D. F.: McGraw-Hill, 2000: p. 231. 59 127 Soffici (1879–1964). Enquanto em Roma apresentar-se-ia sob a capa da Noi (Nós), editada a partir de 1917 por Enrico Prampolini (1894–1956). O Futurismo catalão estaria ligado à revista Un Enemic del Poble (Um Inimigo do Povo), editada em Barcelona entre 1917–1919 por Joan Salvat-Papasseit (1894–1924). O Vorticismo inglês apresentou-se em 1914 com a Blast (Explosão) editada por Wyndham Lewis (1882–1957). O Expressionismo alemão com a Die Aktion (A Acção) editada a partir de 1911 por Franz Pfemfert (1879–1954), e a Der Sturm (A Tempestade) iniciada em 1910 por Herwarth Walden (1878–1941). Referimos ainda o movimento Dada que se relacionou com a revista Cabaret Voltaire (1916), editada por Hugo Ball (1886–1927), com a revista Dada (1917), publicada e projectada por Tristan Tzara (1896–1963), e ainda com a revista 391, publicada entre 1917–1924 por Francis Picabia (1879–1953) em Barcelona. Por último refira-se a madrilena Revista de Occidente, fundada por José Ortega y Gasset (1883–1955) em 1923, uma importante publicação ligada às correntes mais inovadoras do pensamento e da criação artística e literária. Estas revistas e outros meios impressos, como veremos adiante, servindo como base de promulgação dos movimentos, foram usadas fundamentalmente como um instrumento através do qual os artistas da vanguarda tentaram conectar ideias e/ou práticas, com audiências específicas (outras organizações, grupos, ou público em geral), procurando também atrair novos aderentes às suas ideologias. Pode-se mesmo afirmar que o recurso ao meio impresso, sobretudo às revistas, se apresentou como um meio sem o qual muitas das críticas, propostas ou manifestos da vanguarda poderiam não ter chegado à audiência pretendida.60 Regra geral, os movimentos ou grupos artísticos por detrás destas revistas, no seu desejo de influenciar a acção social e cultural, assinalaram uma posição cultural não só pelo seu conteúdo literário e artístico, mas tentaram também que de alguma forma essas opções de reflectissem na sua formalização gráfica. Contudo, alinhamos com a afirmação de Reyner Banham em salientar que as revistas eram, antes de mais, representantes das distintas correntes de pensamento, ou das suas contracorrentes, e foram (e continuam a ser) essencialmente importantes pelas características ideológicas ali apresentadas. Ou seja, surgiram orientadas sobretudo para atitudes intelectuais, não manifestando como objectivo primário o questionamento de métodos formais e técnicos.61 Sem embargo, ao apresentarem-se como “um manifesto de uma estética nova,”62 a formalização de algumas dessas revistas por meio de uma linguagem gráfica (texto, imagem e espaço) particular, mostrou muitas vezes ser também um espelho estético dos princípios ideológicos nos quais os respectivos movimentos se fundamentaram. Nesse sentido, como observaremos mais à frente, algumas contribuíram para a modelação ou transformação dos métodos e técnicas através das quais as publicações se produziam, consolidando dessa forma uma experimentação técnico-linguística mais abrangente. Em resumo, ainda que os movimentos de vanguarda tivessem atacado o status quo através de diferentes formas de arte – pintura, escultura, teatro, música, filmes, dança, poesia ou até a roupa –, pode-se concluir que foi nas publicações periódicas que encontraram um lugar de afirmação, transformando-se este num meio ideal para atingir dois factores vitais para a sua existência: a) assinalar uma posição cultural através do seu conteúdo e da sua formalização, e b) atrair novos aderentes para a causa.63 60 Heller, Op. Cit., 2003: p. 9. A ideia de que a “página impressa” constituiu o meio mais capaz para a produção e promoção para as suas inovações formais, é também defendida por Johanna Drucker. Ver: Drucker, Johanna. The visible word: Experimental Typography and Modern Art, 1909–1923. Chicago: The University of Chicago Press, 1994: p. 91. 61 Banham, Reyner. Teoria y diseño en la primera era de la máquina. Barcelona: Ediciones Paidós, 1985: p. 109. 62 Júdice, Nuno. “O Futurismo em Portugal”. Em: Júdice, Nuno; Nobre, Gustavo. Portugal Futurista. (Ed. fac-similada). Lisboa: Contexto, 1981: sp. Heller, Op. Cit., 2003, pp. 9–10. 63 128 Neste contexto, importa seguidamente entender não só a escolha da revista como meio preferencial através do qual os movimentos de vanguarda procuram “impor” os seus princípios, mas perceber também de que forma esse meio se configurou como o espaço através do qual teorizaram as suas inovadoras propostas estéticas. Espaço esse onde efectuaram conjuntamente experiências de expressão poética e visual, provocando rupturas com a tradição gráfica que, mais tarde, viriam a influenciar a linguagem gráfica das formas e da comunicação e a evolução do design gráfico.64 *** Conforme supra-referido a revista tem como seu antecedente directo o livro. Ainda que funcional e materialmente distinto, essa proximidade levou a que alguns autores tenham caracterizado a revista como um “parente pobre” do livro, sobretudo pelo seu carácter mais volátil.65 Foi porém o cruzamento genético da revista com o jornal que originou não só uma maior liberdade relativamente ao peso simbólico das normas e regulamentações que caracterizam a edição de livros, mas também relativamente à sua formalização material e gráfica (apesar de não raras vezes se assemelharem). Ou seja, pode-se dizer que foi a autonomia, nos diferentes sentidos indicados, que permitiu que a revista se tornasse um lugar ideal para a experimentação e para a argumentação de ideias, afirmando-se como um agente de relevância cultural – um importante meio de apresentação, debate e formação de pensamento. Nesse sentido, acreditamos que a eleição das publicações periódicas como “espaço de afirmação e experiência” pelos artistas da vanguarda, resulte sobretudo da sua configuração inerente: a revista como uma publicação com edição periódica, com um conteúdo que pode ser rebatido, continuado ou reformulado. Ou seja, sendo um produto com um conteúdo não definitivo, permitia que as ideias nela apresentadas e/ou debatidas se pudessem retomar ou reconfigurar, facilitando assim a possibilidade para transgressões, questionamentos, experimentalismos, discussão e argumentação de ideias. Constituía por isso um meio de comunicação ideal para a crítica, o debate, o ensaio e a formação de ideias. A revista ajustava-se, assim, às necessidades da vanguarda, pois conectava com alguns dos seus factores fundamentais como a insatisfação, a agressividade e a vontade de experimentar. A insatisfação que brotou como um fundamental agente motivador de ruptura com a tradição (a força de estagnação); a agressividade do discurso que foi usada como um elemento de libertação, num movimento violento e emancipador baseado num discurso militarista, fundamentando-se no sentido político-ideológico da noção de vanguarda; e, finalmente, a vontade de experimentar que está na génese da vanguarda, e que surge como motor dinamizador das ideias anteriores. Nesse contexto, considera-se que o que converte uma revista num elemento de expressão da vanguarda no âmbito literário, e verdadeiramente importantes do ponto de vista da criação, é o conjunto de metatextos que as conforma. São estes que aclararam o carácter das diferentes publicações, surgindo no caso da vanguarda sob a forma de manifestos, ensaios, textos críticos ou notas explicativas. Foi este o princípio que determinou que classificássemos, entre as revistas seleccionadas e analisadas, apenas as publicações Orpheu e Portugal Futurista como revistas da vanguarda.66 64 Meggs, Op. Cit., 2000, p. 231. 65 Assim considerada por apresentar características antagónicas ao livro em termos de conservação: não faz uso de uma capa dura e para o seu miolo recorre ordinariamente a papel de menor qualidade. Ver: Pires, Op. Cit., 1996, p. 9; Rocha, Op. Cit., 1985, p. 24. 66 Ver: 3.2.2. Tipologia temática, função e orientação editorial das revistas literárias no período da Primeira República (1910–1926). 129 Por outro lado, no âmbito do design gráfico e tipográfico consideram-se como publicações de vanguarda aquelas que apresentam propostas gráficas e/ou teóricas que rompam com os modelos tradicionais, ou ainda que apresentem alternativas de ruptura originais. Ou seja, uma revista (ou qualquer outra publicação) é “de vanguarda” unicamente quando apresenta um conteúdo ou forma objectivamente definido com essa intenção.67 Refira-se a título ilustrativo desta ideia dois nomes de publicações que, no âmbito do design gráfico e tipográfico, se consideram de vanguarda: a Mécano (1922–1924) lançada pelo neoplasticista Theo van Doesburg (1883–1931), sob o pseudónimo I K Bonset, onde este fez experiências tipográficas e compositivas cruzando influências dadaístas e construtivistas, resultando num dadaísmo mais racional; ou o projecto editorial Merz (Hanover, 1923–1932) de Kurt Schwitters (1887–1948), onde este artista apresentou as suas ideias e trabalhos, propostas iconoclastas de influência Dada, através de experimentações com tipos e composições gráficas. Propostas que abriram caminho a rupturas e a alternativas inovadoras, e nas quais colaboraram outros artistas relacionados com outros movimentos de vanguarda e/ou com revoluções tipográficas: entre outros, o primeiro número contou com colaborações neoplasticistas de Theo van Doesburg; o segundo com o dadaísta Tristan Tzara (1896–1963); o número duplo 8-9 (Abril–Junho de 1924) foi projectado por El Lissitzky (1890–1941) com inovadoras propostas tipográficas construtivistas; o número duplo 14-15 (1925) contou novamente com Theo van Doesburg e com a participação de Kate Steinitz (1889–1975) onde este construíram um conto para crianças onde a letra desempenha um importante valor ilustrativo; e, ainda, Jan Tschichold (1902–1974) que no n.º 24 (1932) compôs visualmente o poema sonoro Ursonate de Kurt Schwitters, num trabalho tipográfico de rigor sintáxico realizado depois do lançamento do seu Elementare Typography de 1925. Retomando o caso da vanguarda histórica portuguesa, observámos que a tentativa de ruptura com a tradição levada a cabo pela “geração de Orpheu” seguiu de perto o modelo de Filippo Marinetti e dos seus companheiros da aventura futurista.68 Centremo-nos portanto neste movimento. De origem literária, o Futurismo explorou as ideias teóricas antes de qualquer outro tipo de manifestação artística (pintura, escultura, arquitectura, cinema, etc.). Com esse fim, os futuristas adoptaram o “manifesto” como um instrumento colectivo de intervenção pública e de obtenção dos seus propósitos, transformando esse modelo discursivo – tradicionalmente usado para declarações políticas – num instrumento literário.69 Assim, também à semelhança dos futuristas italianos, a principal produção cultural da “geração”, essencial para o disseminar as suas ideias, apresentou-se sob a forma de uma série de textos, sobretudo manifestos. Enquanto método de proclamação iconoclasta, o “manifesto”, com as suas declarações radicais e absolutas, foi usado pelos futuristas para comunicar com as massas com uma linguagem que se aproximava das características da publicidade (sintética e persuasiva) – refira-se que o manifesto seria usado na Europa por outros movimentos de vanguarda, não sendo usado exclusivamente pelos futuristas. Esse desejo futurista em comunicar com audiências em massa, conduziu a uma intensa edição de manifestos, numa velocidade e frequência que demandava não só de um meio que se adaptasse à ideia de velocidade e dinamismo de acção,70 mas também um meio com uma dinâmica distinta da do livro, com 67 Heller, Op. Cit., 2003, p. 7. Ver: 1.3.3. A ruptura da tradição (1915–1919). 68 69 Segundo Marjorie Perloff, “dar a um texto a ‘forma de Manifesto’ – forma que Marinetti definiu numa carta [a data é supostamente de entre 1909 e a primeira metade de 1910] (...) ao pintor belga Henry Maasen como exigindo, acima de tudo, “de la violence et la précision” – era criar o que era essencialmente um novo género literário, um género que podia ir ao encontro das necessidades de uma audiência de massa, embora paradoxalmente insistisse na vanguarda, no esotérico, no anti-burguês.” Para aprofundamento do tema “Manifesto como forma de arte”, consultar: Perloff, Marjorie. O Momento Futurista, Avant-Garde, Avant-Guerre, e a Linguagem de Ruptura. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1993: pp. 151–204. 70 Celant, Germano. “Manifesti”. Em: Hulten, Pontus. (org.). Futurismo & Futurismi. Milano: Bompiani, 1986: pp. 505–506. 130 um público exclusivo em mente (a leitura de um livro literário é um acto fundamentalmente privado, enquanto o manifesto intervêm ao nível do pensamento geral e colectivo). Um princípio que os afastava, por exemplo, das opções dos cubistas e, posteriormente, dos dadaístas que produziram publicações de artista, de edição limitada, com desenhos e litografias originais. Nesse sentido, entende-se que o recurso a meios impressos periódicos ou voláteis (revistas, jornais ou folhetos) fosse a dinâmica editorial que melhor se adaptava às ideias apresentadas por Filippo Marinetti, tendo sido seguido nesta opção pela “geração de Orpheu”. 3.3.2. La “rivoluzione” gráfica futurista Como afirma Maria José Canelo, em Portugal também “os intelectuais [da “geração”] imaginavam a própria revista como fonte primeira da sua identificação e das suas lealdades, pois era o espaço primordial onde eles faziam o exercício da sua individualidade: a sua revisão crítica da realidade nacional.”71 Ou seja, os artistas da “geração”, tal como os seus congéneres italianos, pretendiam ser “subversivos e diruptivos,”72 reagindo contra os valores burgueses estabelecidos que consideravam anacrónicos. Esses princípios estavam patentes na crítica que seria feita, entre outros, ao meio impresso, onde o “estaticismo” extemporâneo do livro se opunha ao dinamismo da vida moderna. Recordemos o que Filippo Marinetti afirmava no Fondazione e Manifesto del Futurismo73 (publicado no Le Figaro em Paris a 20 de Fevereiro de 1909) a respeito dos valores estabelecidos: “Noi vogliamo distruggere i musei, le biblioteche, le accademie d'ogni specie [...] cimiteri di sforzi vani, calvarii di sogni crocifissi, registri di slanci troncati!”; ou no manifesto La cinematografia futurista74 (Milão, 11 de Setembro de 1916), onde denunciava o livro como um “mezzo assolutamente passatista di conservare e comunicare il pensiero”, um meio que “era da molto tempo destinato a scomparire come le cattedrali […], i musei e l’ideale pacifista. Il libro, statico compagno dei sedentari, degl’invalidi, dei nostalgici, e dei neutralisti, non può divertire né esaltare le nuove generazioni futuriste ebbre di dinamismo rivoluzionario e bellicoso”. Curiosamente, neste mesmo manifesto sobre o cinema já se indiciava uma morte da revista: “Il cinematografo futurista collaborerà così al rinnovamento generale, sostituendo la rivista (sempre pedantesca), il dramma (sempre previsto) e uccidendo il libro (sempre tedioso e opprimente)”; afirmando ainda em contraponto que “prefiriamo esprimerci mediante il cinematografo, le grande tavole di parole in libertà e i mobili avvisi luminosi”. Contudo, admitiria ainda nesse manifesto que as necessidades de propaganda os forçavam a editar alguns livros. Assim, o meio impresso permaneceu como o principal modo pelo qual se continuariam a expressar; enquanto o cinema futurista ficaria apenas como uma presença técnica e formal. Retomando a afirmação do Manifesto Futurista de 1909, onde Filippo Marinetti manifestava o desejo de destruir todas as bibliotecas, parece-nos quase irónico que ele e os seus companheiros futuristas tenham conduzido o meio impresso a uma revolução gráfica. 71 Canelo, Op. Cit., 2002: p. 439. Ainda que a “geração” tenha eleito o meio impresso como o ideal para chegar ao público pretendido, deve-se referir que aquele grupo de artistas e escritores apresentou também outros argumentos, ou “formas de luta”, no sentido de atingir a todo o custo a maior publicidade possível – as controvérsias geradas nos jornais sobre as suas actividades, a apreensão da Portugal Futurista, a agressão pública a Amadeo de Souza-Cardoso e a polémica que envolveu a sua exposição, são alguns desses momentos que constituem um exemplo daquela vontade. Bartram, Alan. Futurist typography and the Liberated Text. London: The British Library, 2005: p. 20. Filippo Marinetti. “Fondazione e Manifesto del Futurismo”. Em: Hulten, Op. Cit., 1986: pp. 511–512. 72 73 74 “La cinematografia futurista” (manifesto futurista publicado no n.º 9 do jornal L’Italia futurista, Milano, 11 de Setembro de 1916) de Filippo Marinetti, Bruno Corra, Emilio Settimelli, Arnaldo Gina, Giacomo Balla e Remo Chiti. Em: Pontus, Op. Cit., 1986, pp. 449–450. 131 Contudo, apesar do seu teor “revolucionário”, o manifesto fundacional do Futurismo continha poucas indicações para uma reforma linguística ou tipográfica. Centrando-nos nas questões visuais/gráficas, a teorização de um conjunto de normas, realizada por Filippo Marinetti, que lhes permitisse criar um estilo próprio, e que se adaptassem ao processo de “visione dinamica” da verdadeira “sensibilità futurista”, surgiria posteriormente em três manifestos:75 a) o Manifesto tecnico della letteratura futurista [MTL] (Milão, 11 de Maio de 1912), complementado posteriormente com o Supplemento al Manifesto tecnico della letteratura futurista [SMTL] (Milão, 11 de Agosto de 1912), b) o L’immaginazione senza fili e le parole in libertà [ISF] (Milão, 11 de Maio de 1913), c) e finalmente o Lo splendore geometrico e meccanico e la sensibilità numerica [SGM] (Milão, 18 de Março de 1914). Analisemos esses textos na perspectiva gráfica/tipográfica. Começando em MTL por declarar uma “necessidade furiosa de libertação da palavra”, Filippo Marinetti elenca um conjunto de alterações à “velha sintaxe herdada de Omero”, propondo uma radical reorganização da linguagem, procurando uma forma apropriada ao processo de percepção dinâmico da verdadeira sensibilidade futurista. Resumem-se de seguida algumas das ideias principais: “Deve-se usar o verbo no infinitivo”, a única forma de transmitir a continuidade da vida; “deve-se abolir o adjectivo”, incompatível com a visão dinâmica futurista; “deve-se abolir o advérbio”, que conserva uma fastidiosa unidade de tom à frase; propõe a “abolição da pontuação”, não mais necessária pelas abolições anteriormente referidas, sendo substituída pelos signos matemáticos e musicais para acentuar o movimento e indicação de direcção.76 Como afirma Germano Celant, a importância deste manifesto reside na forma como ficaram traçadas as directivas visuais da poesia e dos trabalhos gráficos futuristas.77 Ou seja, ainda que o MTL pareça não ter sido muito claro na intenção, apresenta uma proposta de simplificação e abreviação da linguagem, mostrando uma visão muito publicitária no seu uso. Ideias que se tornariam mais evidentes e explicadas com a posterior edição do ISF, abordado adiante. Três meses depois da publicação daquele manifesto saiu o SMTL. Este foi redigido não só como resposta às reacções “irónicas” e “mordazes” que foram dirigidas ao texto e ao autor do MTL, mas também como esclarecimento às dúvidas levantadas pelo jornalismo europeu àquele manifesto. Neste suplemento, Filippo Marinetti aprofunda as ideias expostas anteriormente, reforçando a necessidade de modelar uma nova concepção do tempo e o espaço – conceitos que derivam da filosofia de Henri Bergson (1859–1941), citado neste SMTL, e que já era anteriormente discutido no círculo da revista Poesia –, e que seria conseguida através da “destruição” da estrutura rígida e lógica que governava a expressão literária, e que limitava a liberdade criativa. Mas se estes dois primeiros textos pareciam restringir-se a um nível puramente poético – assim o afirmaria posteriormente no ISF –, o uso dos símbolos matemáticos, a criação de pausas e tempo de escrita capazes de dar valor musical e óptico ao material impresso, eram alterações que permitiriam posteriores mudanças radicais no desenho das páginas. Alterações que eram não só gráficas, visíveis no tratamento dos textos e composição das páginas, mas que interferiam também na percepção semântica desses mesmos textos, abrindo espaço a novas leituras ou 75 Para as posteriores citações destes manifestos (traduzidas por nós) foram usados como base os textos dos seguintes livros: Hulten, Op. Cit., 1986; Bagunyà, Lluís; Fàbregas, Anna (coord.). Futurismo 1909–1916 [Catálogo]. Barcelona: Museu Picasso de Barcelona, 1996. 76 No original do Manifesto tecnico della letteratura futurista reza assim: “– Si deve usare il verbo all’infinito (...) – Si deve abolire l’aggetivo (...) – Si deve abolire l’avverbio (...) – abolire anche la punteggiatura (...) Hulten, Op. Cit., 1986: pp. 512–514. Todos os textos dos manifestos futuristas aqui apresentados foram traduzidos do italiano pelo autor deste estudo, apresentando-se em rodapé os seus originais consultados na obra supracitada. 77 Celant, Germano. “Tipografia e grafica”. Em: Hulten, Op. Cit., 1986: p. 598. 132 interpretações. Esta era uma nova perspectiva sobre o tratamento gráfico da linguagem verbal impressa. As indicações com implicações gráficas e tipográficas objectivas surgem com evidência em 1913 com o ISF. Sobre este manifesto, composto por oito partes,78 salientamos aqui os segmentos que têm implicações directas com as questões gráficas. Na primeira parte, La sensibilità futurista (A sensibilidade futurista), depois de frisar a necessidade de uma “total renovação da sensibilidade humana, favorecida pelas grandes evoluções científicas, afirma no ponto 14 a “repugnância” e “horror” pelo ornamental, e o “amor” pela recta, “a velocidade o abreviado, o resumo e a síntese”. Posteriormente, em Le parole in libertà (As palavras em liberdade) propõe a destruição “brutal” da sintaxis, deixando de lado pontuação e adjectivação, introduzindo as sensações visuais, auditivas e olfactivas. Ou seja, o narrador deve “dar uma ideia das impressões e vibrações que experimentou” com a “rapidez económica” do telégrafo.79 Na terceira parte, L’imamaginazione senza fili (A imaginação sem fios), aponta uma série “analogias entre elementos” como forma de valorização, dos quais destacamos: “Os balanços de cor. – As dimensões, os pesos, as medidas, e a velocidade de sensações. (...) – Os repousos da intuição. (...) – As colunas analíticas que permitem o acompanhamento do fio intuitivo do texto.”80 Percebemos nesta passagem a proposta de Filippo Marinetti na acentuação dos valores gráficos/visuais da linguagem escrita, reforçando a transformação das ideias poéticas em imagens visuais. Ou seja, a literatura “sem fios” de união entre as partes deveria comunicar mensagens anulando a importância do meio, o texto literário, e as diferenças entre as metodologias expressivas, promovendo assim uma aproximação com o resto das artes, sobretudo a pintura e a música. No entanto, convém referir que a importância destes conceitos residiu na forma como indiciavam a necessidade de novas formas de trabalhar a tipografia e apresentar visualmente os conteúdos;81 acompanhada pela apresentação de uma ideia do uso dinâmico e assimétrico da página, que estariam posteriormente nas bases do design gráfico do Modernism.82 Sobre esta questão Herbert Spencer teve uma visão muito pragmática, referindo que a diferença fundamental entre o modelo tipográfico tradicional, centrado e estável, e o moderno, residia no facto de um ser passivo e o outro activo, mas não necessariamente agressivo, como proclamava Marinetti. Mas conclui no mesmo sentido de Alan Bartram (supracitado), afirmando que a assimetria e o contraste proporcionaram a base da tipografia moderna.83 Esta ideia é intensificada na sétima parte, Rivoluzione tipografica (Revolução tipográfica), onde o autor teoriza sobre a dimensão visual da literatura futurista: 78 As oito partes intitulam-se: La sensibilità futurista, Le parole in libertà, L’immaginazione senza fili, Aggettivazione semaforica, Verbo all’infinito, Onomatopee e segni matematici, Rivoluzione tipografica e Ortografia libera espressiva. 79 Ideias que estariam mais tarde (em 1933) reflectidas na base do pensamento de Cassandre (1901–1968), pseudónimo de Adolphe Jean-Marie Mouron, na reflexão que este fez sobre o papel do designer de cartazes, afirmando que o cartaz é só um meio para um fim, funcionando como um telégrafo. Um conceito que, segundo John Barnicoat, teria na base além da ideia da mecanização do desenho dos futuristas, também os princípios abstraccionistas do Cubismo e a precisão da arte purista, modelada no manifesto Après le Cubisme (1918) de Amédée Ozenfant (1886–1966) e Le Corbusier (1887–1965). Ver: Barnicoat, John. Los carteles: su história y su lenguage. (5ª ed.). Barcelona: Gustavo Gili, 2000: pp. 80–81. Ver também: Ozenfant, Amédée; Jeanneret, Charles-Edouard. Après le Cubisme. Paris: Altamira, 1999. 80 No original de L’imamaginazione senza fili reza assim: “– I bilanci di colori. – Le dimensioni, i pesi, le misure e la velocità delle sensazioni. (...) – I riposi dell’intuizione. (...) – I pali analitici esplicativi che sostengono il fascio dei fili intuitivi.” Hulten, Op. Cit., 1986: p. 539. 81 Spencer, Herbert. Design in business printing. London: Sylvan Press, 1952: p. 32 Bartram, Op. Cit., 2005, p. 7. Spencer, Herbert. Pioneros de la tipografia moderna. Barcelona: Gustavo Gili, 1995: p. 60. 82 83 133 “Iniciei uma revolução tipográfica contra a bestial e nauseabunda concepção do livro de versos tradicionalista e ‘d’annunziano’, com o papel seiscentista feito à mão, cheio de adornos florais, Minervas e Apolos, iniciais vermelhas, figuras mitológicas, fitas de missal, epígrafes e números romanos. O livro deve ser a expressão futurista do nosso pensamento futurista. E não só isto. A minha revolução é dirigida contra a chamada harmonia da página, contrária ao fluxo e refluxo, aos saltos e às explosões de estilo que percorrem cada página. Nós, portanto, utilizaremos na mesma página três ou quatro cores diferentes de tinta, e até 20 tipos de letra diferentes se necessário. Por exemplo: itálicos para uma série de sensações semelhantes e rápidas; negrita para onomatopeias violentas, etc.”84 A revolução tipográfica aqui anunciada dirigia-se essencialmente contra as regras da concepção gráfica do livro oitocentista e as tendências das publicações Fin-de-siècle. Era não só um ataque depreciativo de Filippo Marinetti ao classicismo gráfico (segundo seu ponto de vista) daqueles meios literários, mas também à tradição tipográfica das imprensas que aplicavam esses modelos. Nesse contexto apelava a uma “revolução tipográfica” adaptada aos novos mecanismos criativos, no qual a variedade cromática e o uso diversificado de estilos de letras surgiam com a intenção de redobrar a força expressiva das palavras. Era a afirmação de uma poética gráfica condicionada e inspirada pela máquina de impressão, veloz, influenciada pela publicidade, onde as palavras podiam representar acções ou objectos, transfigurando-se em formas e quebrando o valor semântico das letras ou palavras, criando assim novas leituras e intensificando o conteúdo. Finalmente, terminamos a observação do manifesto ISF com Ortografia libera espressiva (Ortografia livre expressiva). Neste último segmento do manifesto foi proposta a invenção de “cadências adequadas” à expressão futurista, refutando a métrica tradicional como meio para alcançar a “palavra em liberdade” proposta no título. Ou seja, a comunicação deixava de depender somente do significado da palavra, mas derivava também do entendimento que a sua aparição “veloz” no plano de composição gráfica e poética provocava. Filippo Marinetti pretenderia criar uma nova forma, mais intensa e expressiva, de apresentar os poemas, indo além de simples exercícios de forma. Para isso reclamava a fusão da expressão literária com a gráfica, criando uma síntese das duas em que a forma fazia parte do conteúdo e o conteúdo criava a forma. Concluímos a análise deste conjunto de manifestos observando o SGM. Neste, Filippo Marinetti retoma as ideias apresentadas em As palavras em liberdade declarando a morte do ideal de beleza do passado, e anuncia o nascimento do novo sentido de beleza a que chamou “Esplendor geométrico mecânico”. Neste manifesto defende a inversão dos valores estéticos do passado como a chave para a destruição desses valores passando à construção da poética futurista. Entre esses valores do passado está o Simbolismo, cujos princípios influenciaram85 Marinetti e estavam na base da revista Poesia, editada por ele em Milão entre 1905 e 1909. Além disso, muitas das características defendidas ali estavam presentes na literatura simbolista francesa de finais do século XIX, cujos alguns dos modelos eram Charles Baudelaire, Arthur Rimbaud (1854–1891), Paul Verlaine (1844–1896) e Stéphane Mallarmé (1842–1892).86 Entre estes destacamos Mallarmé que se distanciou dos demais simbolistas na sua prática poética, entre outros aspectos, pela forma como também 84 No original de Rivoluzione tipografica reza assim: “Io inizio una rivoluzione tipografica, diretta contro la bestiale e nauseante concezione del libro di versi passatista e dannunziana, la carta a mano seicentesca, fregiata di galee, minerve e apolli, di iniziali rosse a ghirigori, ortaggi mitologici, nastri da messale, epigrafi e numeri romani. Il libro deve essere l'espressione futurista del nostro pensiero futurista. Non solo. La mia rivoluzione è diretta contro la cosí detta armonia tipografica della pagina, che è contraria al flusso e riflusso, ai sobbalzi e agli scoppi dello stile che scorre nella pagina stessa. Noi useremo perciò in una medesima pagina, tre o quattro colori diversi d’inchiostro, e anche 20 caratteri tipografici diversi, se occorra. Per esempio: corsivo per una serie di sensazioni simili o veloci, grassetto tondo per le onomatopee violente, ecc.” Hulten, Op. Cit., 1986: p. 539. 85 Uma visão sobre as influências do Simbolismo e os seus autores sobre Filippo Marinetti e a sua obra pode ser vista em: Fauchereau, Serge. “Simbolismo letterario”. Em: Hulten, Op. Cit., 1986: p. 582. 86 De Maria, Luciano. “Parole in libertà”. Em: Hulten, Op. Cit., 1986: pp. 536–538. 134 fez uso do meio impresso. Este autor foi pioneiro na exploração visual da linguagem poética na página com o seu poema Un coupe de dés jamais n’abolira le hasard (publicado na revista literária Cosmopolis em 1897). Um texto onde recorreu a diferentes tipos e corpos tipográficos, jogando com o espaço e a composição dos elementos, mas mantendo intacto o normal processo de leitura esquerda/direita – cima/baixo. Porém, cremos que a originalidade da poética de Filippo Marinetti, relativamente àqueles exemplos simbolistas, consistiu em ter aglutinado um conjunto de ideias e elementos dispersos, transformando-os numa linguagem própria relacionada com um modelo mecânico. 3.3.3. O protagonismo da tipografia na revolução poética futurista Como referimos anteriormente, ainda que o objectivo dos três manifestos acima citados se relacionasse com a expressão literária, Filippo Marinetti indirectamente definiu nas suas “diruptivas” propostas futuristas um papel de protagonismo para a tipografia. Mas, como nos diz Herbert Spencer em Pioneros de la tipografia moderna, as ideias lançadas nos manifestos futuristas não emergiram de forma isolada. Ou seja, emergiram paralelamente a um conjunto mais alargado de acções e conceitos surgidos na arte e no design que, de forma independente, constituíam frentes de batalha no ataque à tradição. Nesse sentido observaremos agora aqueles que foram os primeiros passos do que viria a constituir uma revolução gráfica do meio impresso. Figura 3.3. Filippo Marinetti: Battaglia, Peso + Odore. Milão, 11 de Agosto de 1912.87 A primeira manifestação de poética futurista que, reflectindo os princípios analisados atrás, apresentou uma composição tipográfica expressiva foi Battaglia, Peso + Odore (fig. 3.3), e surgiu como parte integrante de SMTL (11 de Agosto de 1912). Por um lado este texto apresentava características literárias inovadoras, onde o uso dos signos matemáticos destruía a sintaxe e redefinia uma nova semântica da linguagem literária, pretendendo dessa 87 Fonte da imagem: Lycée Général du Parc [em linha]. [consulta: 26 de Março de 2014] 135 forma transmitir uma ideia de velocidade. Por outro, o potencial visual expressivo surge ainda contido, não alterando a sequência linear de leitura, manipulando a expressividade visual somente com a alteração das variantes tipográficas e uso de signos matemáticos. Cremos que um aspecto importante neste texto é o tratamento da composição da mancha tipográfica. Esta rompe claramente com os modelos tradicionais estabelecidos no círculo das publicações literárias, apresentando uma diminuta (quase nula) presença de margens entre o texto e os limites da página. Uma alteração que faz não só sobressair a deliberada abertura de espaços brancos no texto, mas transforma a dupla página num plano único, um “palco” onde o texto se apresenta como um “provocador de sensações”. Foram estes os passos embrionários para o que viria a constituir-se com uma revolução tipográfica do meio impresso. Figura 3.4. Filippo Marinetti: Zang Tumb Tumb. Milão, 1914.88 Dois anos mais tarde, em 1914, quando Filippo Marinetti publicou Zang Tumb Tumb (fig. 3.4.) referente à Batalha de Adrianapoli (Outubro de 1912), este texto já apresenta uma ruptura com a tradição gráfica no meio literário mais evidente, surgindo como uma manifestação mais acabada dessa inovadora expressão poética e das concepções visuaisgráficas propostas. O conceito de Le parole in libertà, como estava definido no MTL, era uma forma de expressar adequada ao processo de percepção dinâmica da verdadeira sensibilidade futurista. Era a essência do bombardeamento sensorial que Filippo Marinetti percebia como tipificante da experiência moderna. Uma experiência que aqui claramente se distanciava da ornamentação Fin-de-siècle, atacada em Rivoluzione tipografica (ISF), adoptando os elementos tipográficos como um ingrediente essencial da sua poesia, e sem os quais os poemas não teria sentido.89 Ou seja, apresentando um texto onde a sintaxe era “destruída” era a tipografia que passava a estabelecer relações visuais entre as partes, 88 Em: Bartram, Op. Cit., 2005, p. 26. Retirado do original depositado na British Library (Londres). Bartram, Op. Cit., 2005, p. 158. 89 136 criando dessa forma novos significados. Foi essa dimensão visual da poética futurista que estabeleceu uma via pela qual a revolução do design gráfico haveria de trilhar caminho. Convém aqui acentuar que, como afirmam Herbert Spencer e Alan Bartram,90 os futuristas eram poetas, não designers, e o uso das palavras impressas numa perspectiva gráfica/visual estava relacionada com a vontade de expressar ideias que iam além das palavras, fundindo o vocabulário poético e tipográfico. Ou seja, as suas preocupações não estavam relacionadas com uma questão de produção, sendo precisamente o afastamento do ofício e a sua ingenuidade tipográfica que permitiu que os futuristas fizessem propostas com aquela liberdade criativa e expressiva. Propostas que não seriam, naquela época, prováveis tipógrafos com uma formação técnica tradicional, e que configuravam um ataque à tradição tipográfica simétrica e linear. Note-se que a experimentação tipográfica só seria feita pelo ponto de vista do design na década de 1920 pelos construtivistas e neoplasticistas (De Stijl) – recordemos os casos citados anteriormente nas revistas Mecano e Merz –, tomando valores teóricos a partir de 1923 na Bauhaus, consolidando-se com as propostas de uma Nova Tipografia com Herbert Bayer (1900–1985) e Jan Tshichold em 1925.91 Sobre esta questão cremos importante citar Josep M. Pujol sobre a importância destes factos na história do design gráfico, e que reforçam a consequência das ideias lançadas pelos futuristas: “Todavía no se puede hablar propriamente de diseño gráfico –que no llegará hasta la eclosión de la Nueva Tipografía–, pero ya estamos en camino hacia él. El «arte de la imprenta» quedó definitivamente atrás y a partir de este momento –el momento en que el «arte» abandona la «imprenta»: es decir decir, cuando las decisiones de orden estético dejan de tomarse en el despacho del regente o en el taller de cajas– la «historia de la imprenta» deberá quedar reducida a la de su tecnología.92 Contudo, esta revolução da estética poética e gráfica futuristas surgem num contexto que não pode ser olvidado. Segundo Gérard-Georges Lemaire,93 1912 foi um ano que marcou profundamente o devir da arte tipográfica do século xx, tendo as relações entre a criação literária e a imprensa sofrido metamorfoses profundas. Aquele autor aponta três desenvolvimentos nos planos da linguística, poética e artes que, não apresentando uma relação de causa efeito, se terão possivelmente influenciado mutuamente. Sendo um desses factores o MTL (já observado), de seguida abordaremos sinteticamente os outros dois. O segundo factor relaciona-se com as collages94 cubistas e o interesse no uso 90 Spencer, Op. Cit., 1995, p. 60; Bartram, Op. Cit., 2005, p. 22. 91 Ambos recomendam o uso de tipos sem patilha e construídos geometricamente, lançando Herbert Bayer na Bauhaus o debate sobre o uso de um alfabeto único em caixa baixa, resultando em 1925 no tipo Universal; enquanto Jan Tshichold naquele mesmo ano lança o manifesto da Nova Tipografia no número especial monográfico “Elementare typographie” na revista Typographische Mitteilungen (Leipzig), que lança as bases do Die neue Typographie publicado três anos depois. Ver: Spencer, Op. Cit., 1995, p. 67. 92 Josep M. Pujol salvaguarda que esta ideia remete na Europa, fundamentalmente, para países como Inglaterra e Alemanha, onde sucedeu uma reforma no meio tipográfico. No que respeita a Espanha, refere que naquele período (inícios do século xx) aquela reforma não ocorreu, verificando-se uma continuidade da «arte de la imprenta» manejada nos seus melhores momentos com bom gosto e profissionalidade. No meio tipográfico, Portugal assistia a um processo semelhante ao espanhol, não existindo uma reforma e o bom gosto continuaria ainda durante muito tempo a ser importado de Paris. Pujol, Josep M. “Jan Tschichold y la tipografía moderna”. Em: Tschichold, Jan. La nueva tipografía. València: Campgràfic, 2003: pp. XX –XXII. 93 Lemaire, Gérard-Georges. Les Mots en Liberte Futuristes. Paris: Jacques Damase Éditeur, 1986: p. 5. O uso do termo collage, do francês coller (colar, afixar, pregar), é defendido por Marjorie Perloff neste contexto em detrimento de assemblage, pois este último denota “a junção de partes e de pedaços” (defendido por William Steiz em Art of Assemblage), pois relativamente aos textos literários “qualquer poema ou romance poderia chamado de assemblage no sentido de ‘junção das partes e de pedaços’” (p. 99). Partilhando desta ideia, decidimos adoptar o uso do termo collage como referência à “inovação formal na representação artística”, tendo em conta que este termo enfatiza a ideia de fragmentação. Para aprofundamento do tema collage e da relação com o Futurismo e o Cubismo, ver: Perloff, Op. Cit., 1993, pp. 95–149. 94 137 de texto impresso colado como elemento pictórico. Nesse ano de 1912, Pablo Picasso (1881–1973), com Nature morte à la chaise cannée, e Georges Braque (1882–1963), com Compotier et verre, realizaram as primeiras collages ao inserir objectos reais numa tela. A introdução da técnica dos papéis e/ou objectos colados nas telas realizada pelos cubistas, figurava uma subversão das “relações convencionais de figura-fundo”, na qual o uso de texto retirado de páginas de jornais é protagonista. Esta ideia, que faz parte do princípio cubista de renovação da representação pictórica, constituía uma tentativa de incorporar pedaços da realidade quotidiana e escolhidos pelo seu valor estético,95 e seguia uma linha de pensamento que surgiria apontada um ano mais tarde por Guillaume Apollinaire (1880– 1918) em Les peintres cubistes (1913): Podemos pintar com o que quisermos, com cachimbos, com selos de correio, com cartões postais ou cartas de jogar, candelabros, pedaços de tela impermeabilizada, falsos colarinhos, papel de cor, jornais.96 Não partilhando o Cubismo e Futurismo os mesmos princípios estéticos, existiu uma ponte entre as collages dos dois movimentos que foi realizada pelo pintor futurista Gino Severini (1883–1966) através das suas ligações parisienses.97 Apesar das diferenças de princípios estéticos entre os dois movimentos, a conexão existia no princípio metodológico, no qual se redefinia um novo código (sistema organizacional) e sintaxe pictórica, tornando a obra como “um desafio intelectual para o contemplador”. Como nos refere Marjorie Perloff,98 a collage desafia-nos a ler os signos e descodificar os símbolos, pegar as pistas desordenadas e colocá-las numa sequência mais organizada. Ainda que nos cubistas os significantes se refiram a uma presença que está coerentemente ausente, nos futuristas esta é menos provocadora na medida em que conhecemos o referente. Apesar da collage ser, por definição, um conceito visual e espacial, o princípio de ruptura das “relações lógicas”, que questionava os modelos existentes, terá sido absorvido rapidamente pelos futuristas e aproveitado para a proposta de Le parole in libertà. Segundo GérardGeorges Lemaire,99 no contexto do pensamento artístico e estético moderno que dominou o primeiro quarto do século xx e que buscava uma arte de síntese, deixava de ter razão de ser o velho conflito entre poesia e pintura. Enquanto a pintura, cubista e futurista, parecia apropriar-se de uma dimensão linguística, até então reduzida, a sua poesia futurista derivava para uma forma pictórica. Deve-se contudo salientar que, enquanto na collage cubista e futurista as duas linguagens se interligavam, no caso da poesia futurista raramente houve inclusão de elementos que fossem além dos tipográficos. Ideia que cremos justificar-se no facto de que as intenções futuristas, elencadas nos manifestos supracitados, sempre tiveram um fim relacionado exclusivamente com a expressão literária. 95 Bohn, Willard. The aesthetics of visual poetry 1914–1928. Cambridge: Cambridge University Press, 1986: p. 17. Apollinaire, Guillaume. Os pintores futuristas – Meditações estéticas. Lisboa: Alexandria, 2003: p. 36. 96 97 Numa carta escrita para Raffaelle Carrieri, citada no supra-referido livro de Marjorie Perloff (p. 98), Gino Severini explica que os seus papiers collés terão surgido a partir do contacto com Guillaume Appollinaire, Pablo Picasso e Georges Braque em Montmartre (Paris) em 1912. Tendo observado algumas obras desses cubistas, que teria referido a Umberto Boccioni (1882–1916) e Carlo Carrà (1881–1966), seria em 1913 que surgiram as primeiras collages futuristas. 98 Perloff, Op. Cit., 1993, p. 126. Lemaire, Op. Cit., 1986, p. 19. 99 138 Figura 3.5. Guillaume Apollinaire: Lettre-Océan. Paris, 1914. O terceiro factor relaciona-se com a experimentação tipográfica originada na criação dos Calligrammes de Guillaume Apollinaire. Ainda que a publicação do seu primeiro Idéogramme Lyrique, “Lettre-Océan” (fig. 3.5), tenha ocorrido somente em 1914 na revista Les Soirées de Paris, e Calligrammes fosse apenas publicado em 1918 pela revista literária Mercure de France, é provável que as ideias tenham sido maturadas nos primeiros anos dessa década. Como nos refere Johanna Drucker,100 na década de 1910 este poeta era bastante conhecido no círculo cultural e artístico parisiense – relacionando-se, entre outros, com alguns futuristas –, tendo desempenhado um importante papel na discussão da “nova estética”, articulada através da publicação de diversos artigos críticos nas páginas de pequenas revistas e publicações independentes. Deve-se aqui salientar que o objectivo por detrás da invenção dos calligrammes nunca foi semelhante ao de Filippo Marinetti: tentativa de criar um novo programa estético. A manipulação tipográfica operada por Guillaume Apollinaire nos seus poemas, não resultava de uma pretensão de criar uma nova ordem visual para a expressão poética. Surgia como resultado da sua disposição interdisciplinar, do seu envolvimento com a definição e defesa de inovadoras formas artísticas e poéticas,101 produzindo os seus calligrammes como uma espécie de justaposição de distintos discursos, e procurando uma nova expressão que se ajustassem às formulações artísticas dos seus textos. Para além desses três factores de possível influência apontados por Gérard-Georges Lemaire, para a transformação das artes tipográficas do século xx cremos que outros factores influenciaram essa transformação de forma indelével e que devem ser tidos em conta. Isto é, na enumeração do conjunto dessas influências deve-se referir, também, o contexto da publicidade artística e comercial e as recentes inovações tipográficas, denominadamente, as liberdades criativas promovidas pela litografia e a possibilidade da 100 Drucker, Op. Cit., 1994, p. 140. 101 Drucker, Op. Cit., 1994, p. 141. Para um aprofundamento destas questões, consultar esta obra: pp. 140–168. 139 sua produção em massa. Conforme observámos anteriormente (ver: 2.2.10. A litografia em Portugal), a distinção entre impressão de livros e impressão comercial deu lugar a uma nova estética dos meios e, também, dos seus signos (tipos de letra). Se por um lado houve um envolvimento dos artistas visuais no meio das artes gráficas, por outro, com o intuito do uso publicitário, os impressores e desenhadores litográficos ampliaram o reportório do desenho das letras até aos limites impostos pela criatividade do artista e, consequentemente, assistiu-se a uma proliferação de novas famílias tipográficas, das suas variantes e corpos. Curiosamente, não se nota que as potencialidades litográficas tenham sido aproveitadas directamente nas explorações gráficas dos poetas vanguardistas (os poetas da vanguarda russa serão, neste aspecto, uma excepção). O que realmente os vai influenciar e chamar a atenção são os trabalhos gráficos de âmbito comercial e publicitário (anúncios, marcas e cartazes, entre outros). Um fascínio pela publicidade que, como vimos atrás, tão claramente foi afirmado por Filippo Marinetti ou Mário de Sá-Carneiro no poema de carácter futurista Manucure publicado na revista Orpheu.102 Era a construção de uma poética futurista que se aproximava da sinalética, do cartaz; uma poética simultânea, gráfica e veloz. Constituindo a publicidade e a sinalética comercial uma linguagem de rua, conceptualmente adaptavam-se ao enunciado futurista da oposição ao estaticismo dos museus, bibliotecas e academias. Assim, as explorações gráficas e tipográficas realizadas na publicidade foram absorvidas e usadas pelos futuristas numa tentativa de atrair a atenção do público da rua. Para isso usavam algumas das opções definidas por Filippo Marinetti na teorização visual do seu ISF – Rivoluzione tipográfica: o uso de diferentes tipos de letra e de diversos corpos num mesmo texto. Ou seja, recursos que eram também habituais na publicidade comercial para comunicar com audiências em massa (desde finais do século XIX), e que se adaptavam a esse mesmo fim pretendido pelos futuristas. Mas se de alguma forma o uso de variações tipográficas, característica nas páginas comerciais, estava confinado à área de intervenção publicitária, essa delimitação parece ter sido propositadamente violada pelos futuristas. Uma violação que foi realizada partindo não só da adaptação do fim da publicidade – a comunicação em massa –, quebrando a exclusividade do público característico de textos literários; mas também pela possibilidade que a manipulação tipográfica e visual possibilitavam na transformação dos valores semânticos do texto.103 Estas eram em si opções subversivas relativamente aos códigos e modelos que regiam a tradição da comunicação literária, e que se adaptavam às intenções de ruptura dos movimentos de vanguarda. Em resumo, as revistas terão sido um dos lugares ideais para aquele tipo de experimentações. Este era um meio que podia ser produzido de forma independente, sem o crivo de editores e de um mercado editorial de livros com regras restritivas e modelos menos permeáveis a mudanças. As revistas, para além de representarem uma importante fonte de informação sobre a sociedade e as tendências artístico-culturais na qual está inserida, permitem-nos não só reconstituir as ideias dos seus colaboradores ou as opções gráficas e estéticas na sua edificação, mas pesquisar também as pistas para a identificação de uma atitude projectual própria da disciplina do design gráfico. Ainda que a análise das revistas literárias portuguesas, produzidas no período de actuação da vanguarda nacional, remeta para questões que vão além do Design, procuramos perceber em que medida estas foram determinantes para a sua configuração nacional. 102 Ver: 3.2.5. Estratégias de sobrevivência. Drucker, Op. Cit., 1994, p. 95. 103 140 II. ANÁLISE DOS CASOS 141 142 4. CONSIDERAÇÕES PRÉVIAS À ANÁLISE DO CORPUS 4.1. Definição dos componentes da investigação 4.1.1. Objectivos Expressando-se nas décadas de 1910 e 1920, a vanguarda histórica portuguesa foi contemporânea a outras tão importantes quanto as que existiam, entre outros países, em França, Itália ou Rússia, das quais partiram relevantes ondas de influência do experimentalismo nas artes, e na experimentação gráfica e tipográfica do meio impresso. Entendendo a importância que Orpheu – revista e “geração” – representa no contexto nacional como ponto de transição e de reforma cultural, a análise das revistas ligadas ao movimento de vanguarda nacional do início do século XX, pretende: 1. Verificar se a tentativa de quebrar de tradição, protagonizada pela “geração”, motivou – pela intervenção activa no grafismo das publicações pelas quais se expressou – uma renovação dos arquétipos do Design Gráfico nacional, ou se ficou limitada aos valores artístico-literários e sócio-culturais; 2. Identificar os seus padrões expressivos, verificando dessa forma se a sua expressão gráfica apresenta uma manutenção dos padrões tradicionais, se rompe com os modelos pré-estabelecidos tornando-as num caso específico e original, averiguando ainda as possíveis analogias com os exemplos internacionais (de inovação ou tradição). 4.1.2. Metodologia de identificação/selecção do corpus de análise Como analisámos anteriormente, o movimento de vanguarda português, sendo contemporâneo a outros tão importantes quanto os que existiram nos principais centros europeus de influência na Arte, surgiu em circunstâncias e com características que determinaram que a vanguarda nacional fosse um caso específico. Para tal, as primeiras manifestações teóricas da vanguarda cultural portuguesa apareceram radicadas em práticas artístico-literárias, registadas num período identificado segundo duas linhas de pensamento: a) Numa abordagem meramente cronológica, define-se esse período como o que vai desde o início da Primeira Guerra Mundial, que promove o regresso de alguns artistas a território nacional, e o colapso da Primeira República democrática portuguesa (1926);1 b) Sob uma abordagem que denota mais do que um limite temporal, define-se esse período como aquele que mediou o início da publicação da revista Orpheu (1915) e o fim da revista Contemporânea (1926).2 Esta hipótese fundamenta-se no facto de terem sido as revistas literárias o principal suporte material para a apresentação e divulgação dos diversos textos críticos e manifestos, que favoreceram a constituição de uma consciência programática e doutrinária da vanguarda artística portuguesa. Encontrando-se a acção da “geração de Orpheu” inserida num período de grandes transformações comportamentais e de pensamento, considerou-se para a análise um intervalo mais abrangente, entre 1909 e 1926, no sentido de efectuar uma análise 1 Lopes, Óscar. “Outras personalidades do Primeiro Modernismo”. Em: Jackson, David. As primeiras Vanguardas em Portugal. Bibliografia e antologia crítica. Madrid: Iberoamericana, 2003: p. 235. 2 Quadros, António. O Primeiro Modernismo Português, Vanguarda e Tradição. Mem Martins: Publicações EuropaAmérica, 1989: p.31. 143 comparativa de um conjunto mais alargado de revistas literárias nacionais. A escolha desse período de análise relaciona-se com duas questões fundamentais que têm influência directa no que será o movimento de vanguarda histórica portuguesa: 1. A 20 de Fevereiro de 1909 é publicado o Fondazione e Manifesto del Futurismo de Filippo Marinetti no jornal francês Le Figaro – movimento que mais influenciará os artistas da vanguarda nacional; 2. A segunda razão relaciona-se com o período que inicia com a instauração da República a 5 de Outubro de 1910, finalizando com o início da ditadura de António de Oliveira Salazar a 28 de Maio de 1926 (duraria até a Revolução de 25 de Abril de 1974). A partir dessa data não se poderiam abordar as publicações sem ter em linha de conta todo um novo conjunto de constrangimentos e reorientações, da política cultural e social, impostos pelo poder ditatorial do Estado Novo.3 Partindo desta definição do espaço cronológico sobre o qual decorreria o nosso estudo, 1909–1926, avançou-se para a identificação da matéria de estudo. Para tal, recorreu-se a um conjunto bibliográfico de referência relacionado com a tipologia editorial escolhida: 1. Guimarães, Fernando. Simbolismo Modernismo e Vanguardas. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1982. Esta obra apresenta uma listagem das publicações periódicas relacionadas com o movimento de vanguarda nacional, por aproximação ou oposição a essa tendência desde o Simbolismo até 1980, que como veremos constituiu a base para a selecção das revistas analisadas neste estudo. A obra de Fernando Guimarães é ainda relevante pelo ensaio sobre as questões da vanguarda histórica portuguesa. 2. Jackson, David. As primeiras Vanguardas em Portugal. Bibliografia e antologia crítica. Madrid: Iberoamericana, 2003. Esta obra foi particularmente relevante pela apresentação de um abrangente e extenso grupo de informação bibliográfica e ensaios sobre a vanguarda histórica portuguesa, literária e artística, possibilitandonos um maior rigor e orientação na pesquisa do estudo, nomeadamente, sobre as questões relacionadas com a “geração de Orpheu”, as revistas literárias e os autores e artistas do movimento de vanguarda. 3. Pires, Daniel. Dicionário da Imprensa Periódica Literária Portuguesa (1900–1940). Lisboa: Grifo – Editores e Livreiros, 1996. Este dicionário apresenta a mais completa antologia de títulos da imprensa periódica literária portuguesa, dentro do intervalo temporal definido no título, sendo não só citado nas demais obras como uma fonte fundamental de informação, mas constituindo também uma importante base para a análise comparada dos títulos presentes nas demais fontes aqui citadas. 4. Rocha, Clara. Revistas literárias do século XX em Portugal. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1985. Esta obra apresenta um estudo crítico sobre as revistas literárias do século xx (até 1984), percorrendo as diversas correntes estéticoliterárias e abrangendo o período definido na nossa análise. A investigação de Clara Rocha reveste-se de particular interesse pela crítica literária das revistas, fazendo uma leitura intertextual dessas publicações e uma aproximação socioliterária (as revistas como lugar de afirmação colectiva). Numa primeira análise foram identificados 181 títulos de publicações periódicas literárias com publicação iniciada entre 1909 e 1926. Esta quantidade assinalável de títulos encontrados é um reflexo do crescimento que a imprensa periódica registou em Portugal no início do século XX. Este crescimento foi favorecido pelos acontecimentos sócio-políticos que se desenrolaram logo após a Implantação da República, sobretudo no que respeita à liberdade de expressão com a abolição da censura monárquica. 3 Ver: Rocha, João. O essencial sobre a imprensa em Portugal. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1988: p. 33. 144 Contudo, com o fim de centrar a análise objectiva e essencialmente nos pressupostos delineados, procedeu-se a uma limitação do conjunto de títulos. Com esse objectivo consideraram-se apenas as que apresentavam maior relevância literária e que, sobretudo, apresentaram editorialmente uma relação – de concordância ou de oposição – com os princípios de vanguarda. Uma selecção que teve como base a referenciação de títulos existente na supra-citada obra de Fernando Guimarães, Simbolismo Modernismo e Vanguardas, no capítulo “Principais revistas e publicações literárias desde o surto do simbolismo ao fim do século xx”. Chegou-se assim a um conjunto de 38 revistas, resultando num total global de 756 exemplares consultados. Tendo-se identificado e seleccionado o corpus de análise, procedeu-se posteriormente à localização dos exemplares originais nos arquivos e hemerotecas de algumas das principais biblioteca nacionais: Biblioteca Nacional de Portugal (Lisboa), Arquivo & Biblioteca da Fundação Mário Soares (Lisboa), Biblioteca Pública Municipal do Porto, Biblioteca Municipal de Coimbra, Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, Biblioteca da Fundação de Serralves (Porto), Biblioteca da Faculdade de Letras da Universidade do Porto e Hemeroteca Municipal de Lisboa. Na consulta dos periódicos foram ainda consultados os seguintes fundos digitais: · Alma Mater – Biblioteca Digital de Fundo Antigo da Universidade de Coimbra, disponível em (informação actualizada a 4 de Janeiro de 2013); · Biblioteca Nacional Digital – projecto da Biblioteca Nacional de Portugal, disponível em (informação actualizada a 4 de Janeiro de 2013); · Arquivo e Biblioteca Online – Fundação Mário Soares, disponível em (informação actualizada a 4 de Janeiro de 2013). · Hemeroteca Digital – Hemeroteca Municipal de Lisboa, disponível em (informação actualizada a 15 de Março de 2013). 4.1.3. Apresentação das revistas analisadas Apresentamos de seguida um índice das 38 revistas seleccionadas para análise. Este obedece a seguinte ordenação: ano de início de publicação e, dentro destes, sequência alfabética dos títulos. Para além dos títulos, destacamos aqui os subtítulos, local de edição/publicação, número de séries (quando existiu mais de uma) e quantidades.4 A ausência de referências aos anos de 1909, 1911, 1913 e 1926 deve-se ao facto de não terem existido revistas literárias (dentro dos critérios metodológicos apresentados) com publicação iniciada nesse ano. 1910 – A Águia, revista ilustrada de literatura e crítica (1910–1932) Editada no Porto. A partir da 2ª série esta revista apresenta-se como parte do órgão da sociedade portuense «Renascença Portuguesa», e com o subtítulo Revista mensal de literatura, arte, ciência, filosofia e crítica social. Foram publicadas cinco séries: 1910–1911, 10 números; 1912–1921, 120 números; 1922–1927, 60 números; 1928–1930, 12 números; 1932, 3 números. – Límia, revista mensal ilustrada de letras, ciências e artes (1910–1911) Editada em Viana do Castelo, saíram 8 números. 4 Ortografia conforme os originais. Ainda que se faça referência aqui a todas as séries das revistas, na nossa análise consultámos unicamente as que se inseriam no período definido para o nosso estudo (1909–26). 145 1912 – O Ave, gazeta de Santo Tyrso (1912–1913) Publicada em Famalicão, saíram 6 números, acrescidos de um outro suplementar sobre a localidade de Santo Tirso. – Dionysos, revista mensal de filosofia, ciência e arte (1912–1928) O primeiro número desta revista foi publicado em Coimbra e os restantes no Porto, formando um conjunto de quatro séries: 1912, 5 números; 1913, 4 números; 1925–1927, 6 números; 1928, 2 números. – Gente Nova, órgão da Academia de Coimbra (1912–1913) Publicada em Coimbra, saíram 7 números. O segundo número corresponde à edição especial dedicado à actriz italiana Mimi Aguglia.5 – A Rajada (1912) Editada em Coimbra; saíram 4 números e um especial dedicado a Mimi Aguglia. – A Vida Portuguesa, revista de inquérito à vida nacional (1912–1915) Publicada no Porto, saíram 39 números. 1914 – Alma Nova (1914–1930) O primeiro número foi publicado em Faro, sendo os seguintes em Lisboa. A primeira fase da revista (1914–1918) foi formada por 25 números, e a segunda (1922–1930) por 61. – A Boémia, revista mensal de literatura e arte (1914) Publicada no Porto, saíram 3 números na primeira série e dois na segunda. – A Galéra, revista quinzenal de arte e ciência (1914–1915) Publicada em Coimbra, saíram 6 números. – A Labarêda, revista mensal de literatura e arte (1914) Publicada no Porto, saíram 2 números. – Nação Portuguesa, revista de cultura nacionalista (1914–1938) Publicada em Lisboa, tendo sido editadas onze séries. Apresenta-se como órgão do Integralismo Lusitano. – A Renascença, revista de crítica, literatura, arte (1914) Publicada em Lisboa, saiu um único número. 1915 – Atlântida, mensário artístico, literário e social para Portugal e Brasil (1915–1920) Publicada em Lisboa, Saíram 48 números (agrupados em 12 volumes). 5 A actriz italiana Mimi Aguglia (1884–1970) actuou em Coimbra (Portugal) nesse ano tendo sido um evento amplamente divulgado na época. 146 – Contemporânea – número espécimen (1915) Em 1915 foi publicado em Lisboa um número único (número espécimen). Teria sequência na revista com o mesmo nome, publicada também em Lisboa entre 1922–1926, e da qual saíram 13 números. – Eh Real!, panfleto semanal de crítica e doutrinação política (1915) Publicado em Lisboa, editou-se apenas um número. – Orpheu (1915) Publicada em Lisboa, saíram 2 números. 1916 – Centauro, revista trimestral de literatura (1916) Número único publicado em Lisboa. – Exílio, revista mensal de arte, lettras e sciencias (1916) Número único publicado em Lisboa. – Gente Lusa, arquivo de letras e artes (1916–1917) Publicada em duas séries na Praia de Granja, saíram 10 números. 1917 – Portugal Futurista (1917) Publicada em Lisboa, saiu um único número que foi apreendido à saída da tipografia. 1918 – Pela Grei, revista para o Ressurgimento Nacional (1918–1919) Saíram 7 números desta revista, tendo sido publicados os três primeiros em Lisboa e restantes quatro no Porto. 1919 – Ícaro, revista de Coimbra (1919–1920) Publicada em Coimbra, saíram 3 números. 1920 – A Tradição, revista académica coimbrã (1920) Publicada em Coimbra, saíram 5 números dirigidos. 147 1921 – A Crisálida, mensário de literatura, sciência, arte e cultura (1921); – A Nossa Revista, mensário fundado pelos alunos da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (1921–1922) Publicadas no Porto, estes dois títulos perfazem um projecto editorial único que se apresentou com duas identidades, tendo saído em total onze números: dois com o título A Crisálida e nove com o título A Nossa Revista. – Nova Phénix Renascida (1921) Número único publicado em Coimbra. – Seara Nova (1921–1979) Publicada em Lisboa, saíram 1599 números. 1922 – Contemporânea, grande revista mensal (1922–1926) Publicada em Lisboa, saíram 13 números. 1923 – Bysancio, revista coimbrã, artes e letras (1923–1924) Publicada em Coimbra, saíram 6 números. – Conímbriga, revista mensal de arte, letras, sciência e crítica (1923) Publicada em Coimbra, saiu apenas 1 número. – Homens Livres, livres da finança e dos partidos (1923) Publicada em Lisboa, saíram 2 números. – Revista Portuguesa, literatura, crítica d’arte, sport, teatro, música, vida estrangeira (1923) Publicada em Lisboa, saíram 24 números. 1924 – Athena, revista de arte (1924-1925) Publicada em Lisboa, saíram 5 números. – Folhas de Arte (1924) Publicada em Lisboa, saíram 2 números. – Labareda (1924–1926) Publicada no Porto, saíram 12 números na 1ª série e 10 números na 2ª série. A segunda série subintitulava-se revista de crítica e letras. – Lusitania, revista de estudos portugueses (1924–1927) Publicada em Lisboa, saíram 10 números. – Tríptico (1924–1925) Publicado em Coimbra, saíram 9 números. 148 1925 – Portugália, revista de cultura, tradição e renovação nacional (1925–1926) Publicada em Lisboa, saíram 6 números. 149 4.2. Apresentação do modelo de análise e das fichas de análise Na análise efectuada ao conjunto das revistas literárias seleccionadas, realizou-se primeiramente uma observação descritiva que nos permitisse caracterizar o objecto de estudo. Essa observação consumou-se de forma sistematizada, e organizou-se sob a forma de fichas individuais de análise (conformam os Anexos A e B), que apresentaremos seguidamente de forma detalhada, tendo em conta dois grupos diferenciados de informação: uma primeira ficha onde analisámos as revistas literárias, e uma segunda onde fazemos uma identificação e apresentação dos directores artísticos, quando estes se encontravam referenciados nas fichas técnicas das revistas (nem todas as publicações tiveram esta figura responsável pelo seu grafismo). Uma análise reflexiva sobre o grafismo dessas mesmas revistas, questão central do nosso estudo, é apresentada no próximo capítulo (5). 4.2.1. Fichas “revistas literárias” (Anexo A) A informação que compõem estas fichas (fig. 4.1) foi retirada da observação concreta das revistas. A selecção dos dados a incluir foi feita tendo em conta dois grupos de informação essenciais. Cada um desses grupos foi ainda estruturado tendo em conta a informação nele contido, e que passamos a apresentar. Figura 4.1. Ficha para a identificação e análise das revistas literárias, 210x297mm. No primeiro grupo de informação, colocámos todos os elementos informativos e identificativos das publicações, encontrando-se a sua apresentação dividida em dois subgrupos: “identidade e origem” e “descrição/contexto”. No primeiro subgrupo de dados foram criados onze campos de informação ligada à revista apresentada: título, lugar de edição, números publicados (quantidade), tipografia/impressor, editor, director, direcção artística, colaboração literária (nomes principais), colaboração artística, data (que define o arco temporal em que foi publicada) e, finalmente, a identificação da tipologia de exemplar consultado (original, fac-simile, fotocópia ou outro). A informação deste primeiro subgrupo é factual, apresentando um conjunto de elementos descritivos que nos permitem fazer uma identificação objectiva das publicações, elencando ainda os responsáveis pelas partes literárias, artísticas e pela produção gráfica da revista. Estes dados são de uso comum nos 150 catálogos dos arquivos e bibliotecas, tendo sido confirmados em confronto com as listagens das fontes bibliográficas supracitadas. No segundo subgrupo apresentamos uma breve descrição da revista e uma contextualização estética-literária em que se enquadra. A informação deste segundo subgrupo é baseada na bibliografia específica supracitada. Na parte superior deste primeiro grupo de informação, reservou-se ainda um espaço para a colocação de uma imagem (ou mais, se necessário) da capa, que servissem como referente visual. O segundo grupo de informação reporta-se às questões de design da revista. Sendo uma informação fundamental para a análise gráfica e visual das publicações, apresentamos de seguida os critérios da selecção e elaboração desse conjunto de informação. Desde logo houve necessidade de criar dois subgrupos capitais de informação – “forma e materiais” e “elementos compositivos” – e, ainda, um espaço para “observações”. A selecção das características a analisar basearam-se nas indicações de diferentes autores,6 entre os quais destacamos o Manual de artes gráficas de Libânio da Silva, publicado em 1908 e referente à realidade que se encontrava no país na época, e Cartilha de artes gráficas de António Vilela (1978). Esta última referência, ainda que apresente alguns erros e seja superficial nos apontamentos históricos apresentados, fornece informação muito útil nas questões técnicas e práticas do ofício das artes gráficas. O primeiro subgrupo “forma e materiais” remete para a informação relativa às questões materiais que configuram as revistas. A informação que aqui encontramos é a que determina a relação física de contacto do indivíduo com os artefactos. O formato, a espessura, o tacto e a relação com a visão é determinada pelas características aqui apresentadas. Este subgrupo apresenta sete campos de caracterização: 1. tipo de publicação – espaço onde se distingue a aparência sob a qual as revistas se apresentavam. Esta variava normalmente entre a forma tradicional da revista e a aparência de jornal; 2. dimensão – medidas que definem o tamanho das publicações. As revistas apresentam normalmente uma forma física (formato) rectangular vertical. Esta orientação vertical está determinada pelo sentido da fibra do papel que, deve ser dobrado na contrafibra, senão provoca problemas de encadernação. Esse era o formato que seguia a tradição apresentada no livro impresso desde a época de Johannes Gutenberg. Autores como Jan Tschichold, Jost Hochuli ou Robert Bringhurst,7 apresentam diagramas de formatos, porém nem sempre estes são determinados pela vontade dos designers, pois o uso de formatos fora de padrão é menos prático e caro. O normal é o formato das publicações ser determinado pelo tamanho das folhas de papel vinda dos fabricantes. A padronização de tamanhos em Portugal baseada no standard DIN 4768 apenas ocorreria em 1954 – depois de 1975 o standard internacionalmente usado foi, regra geral, o ISO 216 (com uma proporção aproximada de 1:1.4142). Em Portugal, na época do nosso estudo, o formato da folha de papel para impressão mais corrente baseava-se, provavelmente, na proporção da raiz quadrada de dois (√2).9 Deve-se referir que nalguns casos excepcionais se encontraram revistas 6 Bringhurst, Robert. Elementos do estilo tipográfico (versão 3.0). São Paulo: Cosac Naify, 2005; Hochuli, Jost; Kinross, Robin. Designing books; practice and theory. London: Hyphen Press, 1996; Silva, Libânio. Manual do typographo. Lisboa: Biblioteca de Instrucção Profissional, 1908; Tschichold, Jan. The form of the book: Essays on the morality of good design. Washington: Hartley & Marks, 1991; Vilela, António. Cartilha de artes gráficas: apontamentos histórico-técnicos e teórico-práticos de todas as indústrias gráficas desde os séculos XV a XX. Braga: Stgraminho, 1978. 7 Bringhurst, Op. Cit., 2005; Hochuli; Kinross, Op. Cit., 1996; Tschichold, Op. Cit., 1991. Este formato standard DIN (Deutsches Institut für Normung) para papel foi criado na Alemanha por Walter Porstmann (1886–1959) em 1922. 9 8 Essa proporção √2 era conhecida, entre outras, na área das artes gráficas e familiar aos tipógrafos. A primeira referência que se conhece é datada de 1786, e foi escrita pelo cientista alemão Georg Lichtenberg (1742–1799), que a defendida como sendo a mais vantajosa, numa carta enviada a Johann Beckmann. Uma proporção que estaria posteriormente na origem nos referidos formatos DIN. A sua vantagem reside no facto de que o papel ao ser 151 3. 4. 5. 6. 7. que foram aparadas no acto de encadernação dos volumes, e das quais não foi possível encontrar exemplares intactos – nesses casos apresentam-se as medidas que se puderam verificar no volume encadernado; número de páginas – tendo em conta a quantidade de páginas encontrado em cada um dos títulos, e com o fim de tentar aproximar o máximo possível ao número exacto, a informação de números de página foi apresentada, regra geral, através de intervalos submúltiplos de 8. Este valor foi definido tendo em conta o método de impressão das revistas, realizada em grandes folhas de papel, posteriormente dobradas em cadernos. Sempre que os títulos apresentavam uma quantidade de páginas exacta, optámos por apresentar esse valor. Noutros casos ainda, alguns títulos apresentaram páginas extra (normalmente em papel diferente) para apresentação de imagens, tendo-se encontrado quantidades de páginas que não se ajustavam aos submúltiplos de 8 pré-determinado; tipo de capa – apresenta-se aqui as características da capa, indicando se esta é mole (papel ligeiramente mais forte que o do corpo) ou dura (em cartão) e, ainda, a quantidade de cores usada na sua impressão; tipo de suporte – referimos aqui os tipos de papel usados na impressão da capa e corpo da revista. Estes distinguem-se em diferentes qualidades, das quais referimos aqui os normalmente usados na impressão de publicações periódicas: o papel Jornal de baixa qualidade e peso (45 a 56 gr/m2), diferentes papéis de impressão cuja superfície pode ser calandrada ou acetinada (peso entre 56 e 120 gr/m2), os Gofrados que se distinguem pela baixa densidade (espessos mas com peso leve entre os 63 e 80 gr/m2), os Acetinados com um calandrado brilhante e com boa reprodução de imagens com trama fina (normalmente com 80 a 80 gr/m2), o delicado papel Bíblia muito fino e opaco (cerca de 30 gr/m2), os papéis Cromo que são lisos e ideais para impressão litográfica a cores (100 a 240 gr/m2), os Couchés de edição lisos e pesados (pesos entre os 90 e 180 gr/m2); encadernação – indicação da técnica pela qual a publicação foi encadernada. Nas publicações periódicas a encadernação, quando existe, é industrial. As folhas de papel, depois de impressas, são dobradas em cadernos, alceadas e depois reunidas com uma capa (de papel ou cartolina) num conjunto sendo brochados (com linha ou arame/grampo) ou colados. Quando as edições comportam grande número de páginas podem ser reunidas sob uma capa dura por costura, brochura (com cola) e cartonagem ou encadernação (o corpo da publicação prende à capa pela musselina colada no dorso dos cadernos, e com o auxílio de guardas); técnicas de impressão – referência às técnicas usadas na impressão de todos os elementos constituintes da publicação. Como vimos anteriormente (ver: 2.2.11. Século XX), em Portugal na época a que se remete o nosso estudo, a técnica de impressão que imperava era a tipográfica (com tipos de chumbo – o Linotype só seria definitivamente adaptado a nível nacional na década de 1930, e o offset não se infundiria antes de finais da década de 1970).10 As outras técnicas de impressão que podemos encontrar são a litografia (usada sobretudo nos horstexte), rotogravura (impressão em cavado), e os processos de gravura tipográfica, fotogravura e similigravura. dobrado em duas partes iguais, paralelamente ao lado menor, o formato resultante mantém a mesma proporção. Anteriormente, foi a proporção segundo a Secção Áurea (1:1,618) que serviu de padrão durante muito tempo na execução dos livros. Essa proporção ideal fez com que no período renascentista europeu fosse a mais usada. Segundo Jan Tschichold, “many books produced between 1550 and 1770 show these proportions exactly, to within half a millimetre”. No período neoclássico foi ainda usado comummente um formato mais largo, com uma proporção de 1:1,3. O texto da carta de Georg Lichtenberg pode ser consultado em: [consulta: 19 Outubro 2010] Ver ainda: Tschichold, Op. Cit., 1991, p. 28. 10 Vilela, Op. Cit., 1978, p. 283. 152 O segundo subgrupo remete para as características dos “elementos compositivos” gráficos. Este conjunto de informações é definido através de nove campos de caracterização: 1. tipos de letra – dividiu-se esta observação entre a capa e o corpo da publicação, diferenciando-se os tipos de letra usados e cada uma das partes. Na classificação tipográfica tomou-se como base a estabelecida por José Luis Montesinos e Montse Mas Hurtuna em Manual de tipografía, del plomo a la era digital,11 à qual procedemos a algumas adaptações terminológicas para a língua portuguesa e ajustando alguns parâmetros que nos parecem apresentar algumas incoerências. Segundo aqueles autores, a sua classificação baseia-se na observação das características formais e recursos gráficos utilizados no desenho de cada família, organizando-se em seis grupos estilísticos principais. Contudo, parece existir alguma incoerência na classificação de alguns tipos. Por exemplo, surge como modelo de romano atípico um tipo de letra de estilo Arte Nova. Porém, tendo em conta que estes foram criados com um princípio programático adaptado não só àquele estilo artístico, mas também a uma necessidade de comunicação (a publicidade comercial), seria mais coerente que aquele tipo, ou outros semelhantes, fossem classificados no grupo dos tipos de fantasia. Um outro exemplo remete para o grupo das incisas, no subgrupo das incisas, cujo conjunto de exemplos nos parece, pelas suas características e princípios projectais, mais próprio de tipos sem patilha humanísticos. Assim, apresentamos aqui uma adaptação à classificação de José Luis Montesinos e Montse Mas Hurtuna e, quando necessário, seremos mais precisos na apresentação das classificações, introduzindo critérios mais específicos para cada grupo, conforme as terminações, ângulos das inclinações, entre outros. Os seis grupos estilísticos e as suas subcategorias são: a. romanas – formas alfabéticas que possuem modulação (contraste) visível no traço e terminações (remates, patilhas ou serifas) nas suas hastes, podendo apresentar os seguintes estilos: antigo, caracterizado por modulação inclinada de traço quebrado e remates desproporcionados (por exemplo: Bembo ou Jenson); de transição, caracterizado por uma modulação inclinada de traço arredondado e remates proporcionais (por exemplo: Caslon ou Baskerville); modernas ou didodianas, caracterizado por uma modulação axial e de acentuado contraste entre os traços finos e os grossos (por exemplo: Didot, Bodoni ou Ibarra Real); de leitura, caracterizado pela abertura do olho médio (por exemplo: New Century Schoolbook ou Bookman); e, finalmente, atípicas, caracterizado pela interpretação livre dos elementos fixos e variáveis, sobressaindo o seu aspecto visual (é um grupo muito variado com elementos e interpretações muito particulares, mas mantendo a modulação e os remates básicos); 11 Montesinos, José Luis; Hurtuna, Montse Mas. Manual de tipografía, del plomo a la era digital. València: Campgràfic, 2011: pp. 95–105. Entre os vários sistemas de classificação existentes, mencionamos aqui um conjunto de sistemas que se destacaram ao longo da história: Thibaudeau (1921), Vox (1952), ATypI (1962), Pelliteri (1963), DIN (1964), Novarese (1964), British Standard (BS 2961:1967) ou o de Catherine Dixon (2001). Para uma visão do mapeamento das classificações mais importantes (até 2005), consultar: Silva, Fabio Luiz Carneiro Mourilhe; Farias, Priscila Lena. Um panorama das classificações tipográficas. Estudos em Design, v. 11, n. 2, 2005, p. 67–81. 153 b. egípcias – formas alfabéticas com uma modulação normalmente uniforme, com traço forte e com terminações proeminentes. Estes podem ser suaves, com uma concepção humanística, modulação visível e uma transição suave para as terminações (por exemplo: Clarendon ou Glypha); ou podem ser duras, apresentando um traço mais uniforme e uma transição rígida (por exemplo: Rockwell ou Linoletter);12 c. incisas – formas alfabéticas híbridas que ficam entre os tipos romanos e os sem patilha. Estas caracterizam-se pela ausência de modulação e utilização de remates insinuados que denunciam um desenho cinzelado (por exemplo: Copperplate Gothic ou Serif Gothic);13 d. sem patilha – formas alfabéticas geralmente com ausência de modulação e sem remates (também classificadas como lineares, etruscas, sans serif, palo seco, gothic, entre outros). Estas podem ser grotescas, caracterizando-se por um traço homogéneo e estreito (por exemplo: Bell Gothic ou News Gothic); humanístas, identificando-se pela persistência da modulação do traço, suavizando o princípio da letra geométrica e mostrando influência da tradição do alfabeto de origens manuais14 (por exemplo: Gill Sans, Optima, Antique Olive ou Eras); neogrotescas, com ausência de modulação, mas com uma estrutura de carácter humanístico (por exemplo: Helvetica, Frutiger ou Univers); ou geométricas, com ausência de modulação e um desenho geométrico da estrutura (por exemplo: Futura ou Avant Garde);15 e. escrita – formas que emitam o traçado manual, podendo ter caracteres ligados ou soltos (também classificadas como script). Estes diferenciamse entre as caligráficas, imitando estilos com esse tipo de técnica de escrita, ou manuais, caracterizadas por um traço livre. f. fantasia – formas alfabéticas que não se classificando nas famílias anteriores, sugerem formas de grande conotação formal (híbridas, decorativas, letras publicitárias ou relacionadas com estilos artísticos históricos. Por exemplo, tipos de letra de estilo Arte Nova ou Art Déco). Ou seja, partem de uma reinterpretação dos elementos fixos, incorporando varáveis de diversa natureza com grande conotação formal, resultam de um processo de design, sendo realizadas a partir de qualquer pretexto gráfico, ou ser ornamentais, resultando da inclusão de elementos adicionais de tipo decorativo. 12 Os autores referem que este grupo estilístico se situa a “medio camino entre el tipo romano y la forma sintética, en un intento de potenciar su aspecto estético”. Contudo, cremos que o surgimento deste grupo estilístico não se centra somente numa questão estética, mas esteve relacionado com o crescimento da propaganda ligado à ascensão da industrialização e do consumo de massas no século XIX, originando novas formas de novas formas de comunicação que exigiam novas e maiores formas tipográficas. A produção de tipos com corpos maiores, como resposta àquelas necessidades, não se podiam fazer em chumbo, material com o qual se fundiam os tipos de metal, não só devido ao peso, mas também por ser mole demais para aguentar a pressão da prensa mantendo a forma em tamanhos elevados. Assim, os tipos maiores passavam a ser talhados em madeira, material que condicionava a modulação das formas tal como era conseguida com o chumbo. Acrescente-se ainda a adopção do pantógrafo na transposição dos desenhos, podendo através do seu mecanismo gerar variantes com diversas proporções e pesos, afastando-se assim da tradição caligráfica. Sobre esta questão ver: Lupton, Ellen; Miller, Abbott. Design writing research. Wrinting on graphic design. London: Phaidon Press, 1999: p. 57; Lupton, Ellen. Pensar com tipos: guia para designers, escritores, editores e estudantes. São Paulo: Cosac Naify, 2006: p. 21; Baines, Phil; Haslam, Andrew. Tipografia: función, forma y diseño. Barcelona: Gustavo Gili, 2002: pp. 62–63. 13 Curiosamente, alguns tipos no grupo das incisas, como nos exemplos aqui apresentados, contêm a designação Gothic (termo usado pelos fundidores norte-americanos para designar os tipos sem patilha)., denunciando assim a base sobre a qual foram criados. Ou seja, estes tipos surgem como uma procura de equilíbrio, ou um compromisso, entre a simplicidade dos sem patilha e a elegância dos tipos romanos – apresentam as características semi-negras e modulação uniforme das sem patilha, associadas à presença de pequenos remates, quase invisíveis, evidenciando influencias das letras cinzeladas na pedra. 14 Blackwell, Lewis. La tipografia del siglo XX. Barcelona: Gustavo Gili, 1993: p. 136. 15 Os autores referem ainda famílias com tipologia de sem patilha que, tal com como nas romanas, se poderiam designar por atípicas ou que poderiam ser incluídas no grupo das fantasia (neste caso incluem-se, por exemplo, a Eurostyle, a Kabel ou a Peignot). Montesinos; Hurtuna, Op. Cit., 2011, p. 103. 154 2. tipos de imagem – espaço onde discriminamos o género de imagens que as publicações apresentam (reprodução de desenhos, ilustrações, gravuras, obras de arte, ou fotografias); 3. número de imagens – quantificação das imagens que surgem em cada publicação. Quando necessário (por variação de quantidade entre os diferentes números) foi estabelecido uma quantificação média, no sentido de se obter uma panorâmica geral da sua utilização; 4. frontispício – esta página preliminar tão importante nos livros, não é um elemento característico em publicações periódicas, mas alguns títulos analisados apresentam-na. O facto de se tratarem de revistas literárias não será estranho a esta situação inusitada. Tratando-se de uma página tão dissemelhante das demais, onde muitas vezes os tipógrafos e designers aproveitam para expor as suas capacidades, pareceu-nos importante16 a sua observação; 5. cores das tintas dos elementos tipográficos – contabilização da quantidade de cores usadas na impressão dos elementos tipográficos no corpo da publicação; 6. cores das imagens – contabilização da quantidade de cores usadas na impressão das imagens no corpo da publicação; 7. colunas/dimensão/corondel – observação das características destes elementos essenciais na estruturação das páginas. Até finais século XVIII, a imprensa periódica seguiu a tradição da composição numa coluna de texto, herdada do livro.17 Com o aumento do tamanho de papel usado nos jornais diários (início do século XVIII) e as posteriores evoluções técnicas (início do século XIX), que permitiram o incremento da velocidade de impressão e tiragens, o texto passou a ser composto em colunas verticais. Para uma maior estabilidade dos caracteres tipográficos na impressão, as colunas de texto eram separadas por corondéis;18 8. outros elementos gráficos – registo do uso de outros elementos de composição gráfica, menos frequentes no uso e não comportados nos campos anteriores. Estes são geralmente, entre outros, filetes, ornamentos, capitulares, clichés, cercaduras ou vinhetas; 9. influências estilísticas – registo de possíveis influências ou características estilísticas presentes nas revistas, seja na sua composição ou nos elementos da linguagem gráfica que compõem a publicação. observações – espaço onde se apresenta outro tipo de informação que, não cabendo nos campos definidos, se julga pertinente a sua anotação. Esta informação, não fundamental, serve sobretudo como suporte para a descrição e análise do grafismo das publicações. 4.2.2. Ficha “director de arte” (Anexo B) Outro aspecto importante observado na análise de algumas revistas, constituindo uma hipótese de trabalho, é a presença de um responsável pela direcção gráfica e colaboração artística, surgindo normalmente identificado como “director artístico” na ficha técnica. Ainda que o fim deste estudo não seja a elaboração de uma biografia dessas personalidades, 16 A sua importância foi tida em atenção ao longo dos tempos por autores como, entre outros, Eric Gill em An essay on typography (1931), Stanley Morison em First Principles of Typography (1936), Jan Tschichold em The form of the book: Essays on the morality of good design (1975) ou Jost Hochuli em Designing books; practice and theory (1996). 17 Segundo José Tengarrinha, o periódico surgia até então, geralmente, por “privilégio real concedido a determinado indivíduo ou por iniciativa de um particular, quase sempre proprietário de uma tipografia.” Estes adoptariam os modelos editoriais em uso, e assim “os jornais eram concebidos no formato e apresentação gráfica dos livros ou como fascículos destes.” Ver: Tengarrinha, José. História da imprensa periódica portuguesa. (2ª ed.). Lisboa: Caminho, 1989: p. 150. 18 A designação deste elemento, um filete tipográfico fundido sobre uma base de três, seis ou doze pontos e colocado na posição vertical, acabou por ficar como a designação para o “espaço” (com filete ou em branco) que separa as colunas de texto numa página. 155 elaborou-se uma segunda ficha onde identificamos essas personalidades e resumimos os dados mais importantes de cada um deles. A importância do cargo e o seu desempenho na determinação do carácter visual das revistas, justifica este enunciado. Assim, sempre que na análise das revistas foi identificada a presença de um director artístico, elaborou-se uma ficha onde se observa essa personalidade em questão de forma mais extensa. Relativamente às demais revistas, onde essa presença não é assinalada, supomos que a responsabilidade da escolha da colaboração artística ficasse a cargo do director e/ou editor, ficando nesse caso o grafismo das revistas sob a responsabilidade das próprias oficinas tipográficas. Figura 4.2. Ficha para apresentação dos directores artísticos, 210x297mm. Estas fichas (fig. 4.2) resumem-se a 6 campos básicos de informação sobre o director de arte em questão, que apresentamos de seguida: 1. identificação – espaço onde identificamos o director de arte apresentando o nome, a actividade profissional normalmente desempenhada, e as datas e lugares de nascimento e morte; 2. publicações às quais contribuiu – identificação da revista, ou revistas (no caso de ter participado em mais de uma), com as quais colaborou; 3. tipo de contribuição – onde se identificam as funções que desempenhou em cada uma das revista em que participou, que podia ir além da simples direcção de arte, passando pela colaboração artística (de vários níveis) ou literária; 4. bibliografia consultada – referências bibliográficas e outras que foram consultadas para a elaboração deste dados, e que constituem uma base de auxílio para futuros estudos; 5. imagens de referência – não sendo um elemento fundamental, importando aqui o seu trabalho gráfico nas revistas estudadas, estas imagens servem como um elemento de contextualização do artista/director artístico em questão; 6. resumo biográfico – onde se elaborou uma abordagem resumida da biografia, enunciando alguns dos dados mais importantes da personalidade em questão. 156 5. ANÁLISE DAS REVISTAS 5.1. Nota introdutória Iniciamos aqui a análise reflexiva sobre o grafismo das revistas que constituem o corpus do nosso estudo. Observaremos questões que se relacionam com o processo de design, centrando a nossa análise na composição gráfica e/ou concepção tipográfica das páginas das revistas ou, como o define Jost Hochuli,1 na sua macrotipografia. Assim, abordaremos as questões que “vão desde o formato da página, tamanho da caixa de texto e ilustrações, a sua disposição, a organização de epígrafes (títulos, cabeçalhos, etc.), e todos os demais elementos gráficos e tipográficos”. Esta opção não implica uma diminuição do valor das questões do detalhe tipográfico (ou microtipografia – a letra, espaço entre letras, palavras, o espaço entre palavras, as linhas de texto, o espaço entre linhas e as colunas), pois estas estão implícitas2 no labor da macrotipografia, sendo apontadas sempre que necessário. Para a análise foram abordados três elementos essenciais da estrutura gráfico-editorial das revistas: a capa, o índice/sumário e “páginas tipo” – página ou conjunto de páginas que definam um modelo gráfico, ou que se distingam pela sua construção macrotipográfica. Optámos por não analisar as páginas de publicidade por esta estarem normalmente subjugadas a questões orçamentais das quais não temos referência. Porém, quando estivermos perante casos excepcionais, definidos pelo seu interesse artístico e/ou gráfico, estes serão aqui observados.3 Em cada título inicia-se a análise com uma apresentação da revista indicando não só os seus corpos editoriais, directivos, literários e artísticos, mas apontando também as intenções que conduziram à sua criação. 1 A distinção entre macrotipografia e microtipografia é defendida e apresentada por Jost Hochuli em: Hochuli Jost; Kinross, Robin. El diseño de libros; práctica y teoría. Valencia: Campgràfic Editors, 2005: p. 32. Sobre a microtipografia, ver: Hochuli, Jost. El detalle en la tipografía. Wilmington: Compugraphic, 1987. Ver introdução de Robin Kinross em Hochuli, Op. Cit., 2005: p. 8. 2 Os exemplos da revista Contemporânea (1926) são um caso de reconhecido mérito, e tem sido apontado por diferentes autores relativamente ao seu interesse artístico. 3 157 5.2. Análise das revistas 5.2.1. A Águia, revista quinzenal ilustrada de literatura e crítica (1910–1932) Apresentação A revista A Águia, editada no Porto, teve o seu primeiro número publicado a 1 de Dezembro de 1910 (dois meses depois da proclamação da República), durando até 1932 e apresentando-se sob cinco séries distintas. Ao longo desse período apresentaram-se como directores diversos escritores, destacando-se aqui nomes como Álvaro Pinto, Teixeira de Pascoaes, Leonardo Coimbra, António Carneiro, Hernâni Cidade, Casais Monteiro ou Delfim Santos. Tendo-se apresentado ao público como uma Revista ilustrada de literatura e crítica, a partir da 2ª série a revista surgiria identificada como um periódico oficioso da sociedade portuense Renascença Portuguesa,4 alterando então o subtítulo para Revista mensal de literatura, arte, ciência, filosofia e crítica social. Com uma colaboração literária extensa, nas páginas da revista A Águia os autores expressavam fundamentalmente uma vontade de reedificação da cultura nacional. Pretendiam uma reconstrução da feição típica da literatura portuguesa erudita e popular, valorizando assim o traço definidor da “alma” e do sentimento tipicamente português, a “saudade”. Ou seja, como propunha Teixeira de Pascoaes (o principal rosto do Saudosismo5), pretendiam revelar “a alma portuguesa a todos os portugueses”, rejeitando as influências culturais e estéticas-literárias difundidas a partir dos grandes centros culturais europeus. No plano literário, A Águia destacou-se ainda pela publicação de um conjunto de artigos de Fernando Pessoa, onde este defendia e anunciava o nietzschiano aparecimento de um “supra-Camões” na literatura nacional. Na primeira série desta revista devemos ainda destacar, entre outras, as contribuições de quatro importantes artistas visuais. Por um lado a participação de dois dos fundadores do Grupo de Coimbra,6 os artistas plásticos, caricaturistas e humoristas, Christiano Cruz e Correia Dias7 (este último seria o autor da capa que acompanhou as restantes séries), que A sociedade “Renascença Portuguesa” foi fundada no Porto por Teixeira de Pascoaes (1877–1952), Jaime Cortesão (1884–1960), Leonardo Coimbra (1883–1936) e Álvaro Pinto, seria ainda responsável pela criação de um movimento literário (essencialmente poético) chamado Saudosismo. Esse conjunto de intelectuais saudosistas, desencantados com o ambiente sócio-cultural do país, sobretudo o artístico-literário, pretendia através de um plano de ideias, ou estratégias, proceder à reconstrução da cultura nacional. Deste modo, procuraram uma “[re]definição da autenticidade, da essência portuguesa”, isto é, pretendiam criar uma atitude perante a vida que constituísse a feição típica da literatura portuguesa, tanto culta como popular, valorizando assim o traço definidor da “alma” e do sentimento tipicamente português, a “saudade”. Nesse sentido, rejeitavam a cultura que nessa época era difundida a partir dos grandes centros culturais europeus, revelando assim “a alma portuguesa a todos os portugueses” como propunha Teixeira de Pascoaes, o principal vulto do Saudosismo. Esta questão foi abordada neste estudo no capítulo: 1.3.1. A Arte em Portugal no início do século xx. O Saudosismo foi um movimento literário, de cariz essencialmente poético, inserido na actividade da sociedade Renascença Portuguesa. Foi encarado como uma atitude perante a vida que definia a "alma nacional", negando os modelos estrangeiros, preconizando um Portugal agrário, oscilando entre o historicismo e populismo e herdando dos românticos e simbolistas o gosto da paisagem crepuscular e bucólica. Constituiu ainda uma linha filosófica que dava primazia ao pensamento intuitivo criador de mitos, fundamentando uma filosofia genuinamente portuguesa. Para uma visão mais aprofundada sobre o Saudosismo, ver: Maior, Dionísio. Introdução ao Modernismo. Coimbra: Almedina, 1996: pp. 44–51. 6 O “Grupo de Coimbra” foi fundado em 1908 no Liceu de Coimbra, onde estudavam Christiano Cruz, Correia Dias e Cerveira Pinto. Estes três artistas nacionais criaram e projectaram o jornal do liceu O Gorro, assumindo os dois primeiros o cargo de directores artísticos. Destacaram-se pelo humorismo e caricaturismo, e o seu trabalho ganharia relevo nacional. A este grupo juntar-se-ia ainda Luíz Rodrigues em 1909 e Almada Negreiros em 1910. O jornal acabaria contudo em 1910 e o grupo seria dissolvido; Cerveira Pinto morreu, Christiano Cruz foi para Lisboa e Luíz Rodrigues voltava para o Minho, a sua terra natal. A sua importância advém da forma como iniciaram um movimento humorista nacional, opondo-se ao Naturalismo reinante. 7 5 4 Sobre este autor faremos uma abordagem mais específica quando analisarmos a revista A Rajada (1912), da qual foi director artístico. 158 desempenhariam um importante papel no que seria o início do Movimento Moderno da arte em Portugal;8 por outro, a presença de desenhos de Jaime Cortesão (1884–1960), um dos fundadores da revista A Águia, e do artista plástico simbolista António Carneiro (abordaremos este artista com mais detalhe adiante). Projecto gráfico: 1ª série (1910–1911), 10 números. Com um formato 215x297mm9 – aproximando-se da canónica proporção √2 –, a primeira série da revista A Águia era composta por capa e com uma quantidade páginas que variava entre as 8 e 16 páginas, sendo em ambos os casos impressas com o recurso a uma cor (preto). Características que se mantiveram inalteradas nos 10 números da primeira série. Esta publicação, impressa na Tipografia da Empresa Guedes (Porto), apresenta como suporte um papel de Jornal na capa e páginas interiores, de qualidade relativamente baixa. A capa foi impressa num papel da mesma gramagem e tipo das páginas interiores, distinguindo-se das demais páginas não só pelo grafismo que a compõe, mas também pelo uso de papel de cor que variou de tom entre os diferentes números. A publicação era toda ela impressa em tipografia tradicional de chumbo e fotogravura (zincogravura nos desenhos a traço e similigravura nos meios tons), sendo a sua encadernação brochada e grampada. Capa Figura 5.1. Capa da revista A Águia, n. 2, 1ª Série, Porto, 15 de Dezembro de 1910. A composição gráfica da capa desta revista (fig. 5.1) foi constante ao longo de toda a primeira série. Nesta, o plano divide-se estruturalmente em duas partes, sendo encimada por uma composição constituída pelo título e uma imagem ilustrativa – a imagem de uma águia, que dá o título à revista. Esta ilustração apresenta-se como uma expressão metafórica 8 Ver: 1.3.2. O período pré-Orpheu (1910–1914) 9 Na apresentação das medidas das publicações, ou outros elementos, seguiremos sempre o sistema usado por alguns autores de referência e usado regularmente em Portugal: horizontal x vertical. As excepções a este sistema serão sempre indicadas. Ver: Hochuli, Op. Cit., 2005; Bringhurst, Op. Cit., 2005: pp. 164–170. 159 das artes e da grandeza. A águia surge aqui como o animal sagrado de Júpiter, representante do belo, do apolíneo (que cremos justificar a presença do Sol na imagem). Ou seja, uma representação do ser divagador e do poeta. Uma imagem que se relaciona certamente com a atitude do grupo de escritores desta revista, para quem o poeta é visto como uma figura oracular. O título é composto num tipo Fantasia, com um desenho orgânico de influência Arte Nova que acompanha o movimento da águia. Note-se ainda que o desenho das letras A se assemelha à cabeça de uma águia, configurando a haste horizontal da letra uma asa. Em cabeçalho (nos cantos superiores) temos ainda a informação do preço e número da edição, composta em tipo de estilo egípcio sublinhado. Na parte inferior da capa, estruturada em três colunas, temos a apresentação dos colaboradores, da ficha técnica e o sumário da revista. De notar como a ilustração superior entra ligeiramente no espaço da coluna central, parecendo existir uma intenção de acompanhamento harmónico com diferentes alinhamentos das linhas de texto da ficha técnica. Estes foram ainda acompanhados com o uso de diferentes tipos, romano e sem patilha, corpos e variantes (redondo e negro), indiciando uma persistência do estilo gráfico comercial e popular com origem na segunda metade do século XIX, no qual se usava uma grande diversidade de famílias tipográficas num mesmo plano compositivo.10 Este recurso era normalmente adoptado para demonstrar as possibilidades da oficina tipográfica tendo-se tornado em alguns casos num costume estabelecido, não sendo na maioria dos casos questionado pelas oficinas tipográficas nem pela direcção das publicações. A capa é rematada em rodapé com duas linhas de texto, onde surge o subtítulo da revista, a periodicidade e informação de que “só publica inéditos”. Uma informação que se entende como um elemento de carácter informativo e persuasivo, justificando a dimensão do corpo da letra. Cremos que este anúncio da publicação exclusiva de inéditos funcionaria como um actual slogan, assegurando de forma objectiva a venda de uma publicação com conteúdo original, funcionando como um elemento motivacional para a sua aquisição. Páginas interiores As páginas interiores da revista seguem quase todas o mesmo esquema de composição, aparecendo a única excepção na primeira página (fig. 5.2). Esta apresenta um cabeçalho encimado por uma primeira linha de informação (número, data e ano da revista) e, separado por um filete ondulado, nova presença da identificação e ficha técnica da publicação (um logótipo num tipo fantasia diferente da capa, identificação do director e editor, preço, valor da assinatura, endereço da redacção e termo de impressão). Note-se que a gravura com o desenho da águia surge aqui em posição invertida, relativamente à orientação observada na capa. Uma opção que sugere a intenção de criar uma relação entre a águia e o título, promovida pela relação entre os dois elementos. 10 Philip Meggs insere este estilo nas “Gráficas populares de la época victoriana”, enquanto Robin Kinross a denomina “artistic printing”. Em ambos os casos, este é um estilo caracterizado pela ausência de regras ou lógica óbvia na disposição dos elementos visuais; uma simulação de liberdade compositiva usando tipos de letra e ornamentos que rompe com as normas clássicas de construção. Este estilo terá surgido como consequência da concorrência da impressão litográfica e da sua liberdade decorativa, ou seja seria um estilo que teve como base uma razão comercial, potenciada pelos desenvolvimentos tecnológicos e expressivos no meio tipográfico no século XIX. Segundo Kinross, este padrão tipográfico degenerado teria continuidade no século seguinte, tornando-se sobretudo num estilo comercial. Ver: Meggs, Philip. História del diseño gráfico. (3ª ed.). México D. F.: McGraw-Hill, 2000, pp. 145–161; Kinross, Robin. Modern Typography, an essay in critical history. (2ª ed.). London: Hyphen Press, 2004, pp. 51–52. Sobre os desenvolvimentos tecnológicos e a litografia consultar os capítulos: 2.2.9. A mecanização da tipografia e o crescimento da imprensa periódica; 2.2.10. A litografia em Portugal. 160 Figura 5.2. A Águia, n. 2, 1ª Série, Porto, 15 de Dezembro de 1910: p. 1. Figura 5.3. A Águia, n. 2, 1ª Série, Porto, 15 de Dezembro de 1910: p. 3. Figura 5.4. A Águia, n. 1, 1ª Série, Porto, 1 de Dezembro de 1910: p. 11. Figura 5.5. A Águia, n. 2, 1ª Série, Porto, 15 de Dezembro de 1910: p. 16. As restantes páginas da publicação apresentam-se com estrutura gráfica com pequenas variações, e com uma aparência que se assemelha à de um jornal. Essa característica não advém apenas do material em que era impressa (papel Jornal), mas sobretudo pelo modelo da paginação vertical. Isto é, as páginas apresentavam uma estrutura gráfica com duas ou 161 três colunas de texto separadas por filetes verticais.11 Assim, seguindo o sistema vertical, apresenta os diferentes textos editados de forma sequencial, separados por um filete ondulado horizontal, encabeçados pelo título do artigo e finalizados com a identificação do autor – através de um cliché com reprodução da assinatura manuscrita. Na normal organização gráfica das páginas as imagens estão encadeadas na sequência das colunas de texto (fig. 5.3 e 5.5). Porém, em casos excepcionais, a sequência vertical é quebrada pela introdução de imagens (fig. 5.2 e 5.4), com alinhamento centrado e texto em corandel (quando são usadas 2 colunas de texto), ou ajustadas à dimensão de duas colunas (quando são usadas 3 colunas de texto) e com alinhamento à esquerda ou direita da mancha de texto. Figura 5.6. A Águia, n. 2, 1ª Série, Porto, 15 de Dezembro de 1910: p. 8. Figura 5.7. A Águia, n. 2, 1ª Série, Porto, 15 de Dezembro de 1910: p. 14. Sendo uma revista literária, é na apresentação de poesia que se verifica a maior alteração da estrutura gráfica das páginas. A variável extensão dos versos e estrofes necessitam de um tratamento que não pode estar limitado pela largura das colunas. Assim, os poemas não estão compostos segundo a organização dos textos em prosa, podendo ocupar uma página completa (fig. 5.6), ou partes destas quando são poemas de menor extensão (fig. 5.7). Neste último caso adaptam-se ao espaço determinado pela dimensão das colunas de texto da página em que estão, acontecendo inclusivamente a sua inserção no meio de outros textos. Em todos os casos, os poemas distinguem-se ainda graficamente dos outros tipo de textos, apresentando para tal um recurso de composição gráfica, normalmente uma cercadura de estilo Arte Nova francesa. O conjunto de elementos da linguagem gráfica não se apresenta uniforme ao longo dos diversos números desta primeira série. Notamos que os tipos de letra variavam sem que se perceba uma justificação. Nos títulos e nos textos recorria-se a uma variedade de tipos 11 Este princípio, com origem no início século XIX, vem da paginação dos jornais. Devido ao incremento da velocidade de impressão, era necessário fixar devidamente a composição tipográfica, usando para isso os filetes como forma de ajustar o material de impressão nas colunas de texto. Ver: Vilchés de Arribas, Juan. “El desarrollo gráfico de la prensa diaria española”. Em: Gürtler, Op. Cit., 2005: p. XI. 162 romanos, sem patilha ou fantasia de estilo Arte Nova. As imagens, numa quantidade que variava entre 5 e 10 por edição, alternavam entre as ilustrações e a reprodução de imagens (desenhos ou fotografias), sendo este aparentemente um recurso habitual nas diferentes revistas com imagens. Algumas das ilustrações que aqui encontramos apresentam um cunho humorista ou usam a linguagem da caricatura. Na composição gráfica eram ainda usados diferentes tipos de filetes e vinhetas, surgindo ainda ocasionalmente algumas capitulares. As páginas eram ainda caracterizadas pelo uso de um título corrente em cabeçalho onde se identifica a publicação e assinala o fólio, composto com tipo fantasia de características Arte Nova. Toda esta variedade aporta um carácter pouco uniforme a esta primeira série da revista A Águia. Uma falta de rigor que era tão criticada por Libânio da Silva,12 um dos mais reconhecidos tipógrafos nacionais da época, referindo que a composição tipográfica da época seguia uma “moda caprichosa” que se movia entre o neoclassicismo e o estilo moderno (Arte Nova).13 Projecto gráfico: 2ª série (1912–1921), 120 números, e 3ª série (1922–1927) 60 números.14 A partir da segunda série a revista A Águia apresenta-se totalmente renovada, mostrando uma alteração total do projecto gráfico que irá manter-se até ao fim da revista em 1932. O novo formato é menor, 175x260mm, equivalente ao de um livro no formato “Super Royal” (oitavo), passando a assemelhar-se com um livro de literatura também graças às alterações de estrutura gráfica efectuadas (abordadas adiante). As novas séries desta publicação são compostas por capa, páginas interiores e páginas hors-texte com imagens, que variavam agora entre as 16 e 32 páginas (um ou dois cadernos no formato indicado, aumentando portanto o seu volume). O seu interior continuava a ser impresso a uma cor (preto, ou outra em imagens hors-texte), mas a capa passou a ser impressa recorrendo a duas cores (branco e preto). Encontramos três razões para as alterações verificadas. A primeira relaciona-se com a passagem da propriedade da revista para mãos da sociedade portuense Renascença Portuguesa. Esta garantia um importante apoio financeiro, seguramente relevante para esta mudança, trazendo a esta publicação a capacidade de apresentar um diferente cuidado na sua apresentação. A segunda razão encontra-se na opção por outra oficina tipográfica para a produção destas séries (permanecendo até ao final da revista), a Tipografia Costa Carregal (Porto). Uma alteração que, à falta de qualquer outro indício, acreditamos residir na vontade de melhorar a qualidade material e gráfica da revista. Esta oficina tipográfica, fundada em 1865 por Joaquim da Costa Carregal (1848–1897) com o nome de Tipografia Ocidental (a designação foi alterada em 1910), apresentava uma reconhecida competência técnica e profissional – foi a primeira oficina tipográfica do Porto que trabalhou em estereotipia e em galvanoplastia, sendo galardoada em 1888 com a medalha de prata nacional na Exposição Industrial Portuguesa, e em 1889 pelos trabalhos que apresentou na Exposição Universal de Paris –, e 12 Silva, Libânio. Manual do typographo. Lisboa: Biblioteca de Instrucção Profissional, 1908: pp. V–VII. Este assunto e as suas causas foram anteriormente abordados em “2.2.11. Século xx” e “2.2.12. A incerteza de um estilo gráfico”. Silva, Op Cit, 1908, p. 84. 13 14 As revistas publicadas no ano de 1927 e as correspondentes às séries saídas nos anos 1928–1930 (12 números) e 1932 (3 números), não foram analisadas por se situarem fora do período temporal definido para este estudo. 163 era regularmente escolhida por vários intelectuais da época para a impressão das suas obras.15 Finalmente, a terceira razão que contribuiu seguramente para a uma notável melhoria na apresentação, relaciona-se com a presença de um director artístico responsável pela organização gráfica da revista, o pintor simbolista António Carneiro. Este artista foi a principal figura na oposição ao panorama artístico nacional, que na transição do século XIX– XX se movia entre o Romantismo e o Naturalismo.16 A sua convivência com diversos escritores resultaria numa importante obra como ilustrador de livros, retratista de autores e capista de livros literários. Seria também no contexto da literatura que nasceu a sua participação no movimento Renascença Portuguesa, contribuindo e dirigindo artisticamente A Águia e colaborando em várias outras revistas (Límia, Diónysos, Alma Nova, A Labareda, Contemporânea, Gente Lusa, A Nossa Revista e Labareda).17 Refira-se que a existência de um responsável pelas questões artísticas e gráficas numa revista não era muito normal nesta época no panorama nacional. Acreditamos contudo que foi em parte graças à sua actividade que as profundas alterações visíveis nestas séries surgiram, sendo a atribuição desse cargo a António Carneiro parte de uma estratégia de valorização da revista. Como suporte passa a usar diferentes tipos de papel: Cartolina colorida na capa, variando o tom nos diferentes números (verificamos uma situação, no número 24, 2ª série, de Dezembro de 1913, em que essa mudança de cor ocorria dentro do mesmo número); nas páginas interiores o texto é impresso em papel Corrente forte, e as imagens são agora horstexte impressas em papel Calandrado grampado, ou em papel Calandrado colado em papel Gofrado e grampado (fig. 5.11 e 5.14). A publicação era impressa em tipografia tradicional de chumbo e fotogravura (similigravuras nos meios tons e zincogravuras nos desenhos a traço), sendo a sua encadernação brochada e grampada. Porém, essa total reestruturação gráfica e material constituíram uma melhoria que teria um reflexo no preço de capa da revista, passando na segunda série a custar 100 réis, o dobro da primeira série (50 réis). Capa O lançamento da segunda série da revista A Águia, iniciada no número 11, foi acompanhado pela apresentação de uma nova estrutura gráfica da capa, sofrendo uma alteração profunda. Num formato que sobre passa o tamanho das páginas interiores, reduziu significativamente a quantidade de elementos gráficos e informativos (fig. 5.8) comparativamente à capa da série anterior. Esta alteração estará também relacionada com o carácter descartável que a capa passa a apresentar, justificado pela numeração sequencial das páginas nos diferentes números. Este era um recurso aplicado quando as revistas estavam pensadas para uma futura encadernação em volumes, sendo as capas normalmente retiradas para esse efeito. Talvez isso justifique o uso de cores distintas em capas com o mesmo número. Ou seja, sendo a capa prescindível, possivelmente usariam as cartolinas coloridas disponíveis no momento não havendo preocupação na utilização uniforme de uma só cor. Essa opção não implicou um descuido com a capa, passando esta inclusivamente a ser impressa com o recurso de duas cores. 15 Entre outros, registam-se os nomes de Antero de Quental, Rafael Bordalo Pinheiro, Júlio de Matos, Soares dos Reis, Ramalho Ortigão, Guerra Junqueiro e Eça de Queirós. Ver: [consulta: 25 de Dezembro de 2011] Ver ainda: Canaveira, Rui. História das artes gráficas. Lisboa: Associação Portuguesa das Indústrias Gráficas e Transformadoras do Papel, 1996: p. 164. 16 Ver o capítulo: 1.3.1. A Arte em Portugal no início do século xx. Uma listagem do “tipo de contribuição” desempenhada em cada título pode ser verificado na sua “Ficha de director artístico” no Anexo 2. 17 164 Figura 5.8. Capa da revista A Águia, n. 24, 2ª Série, Porto, Dezembro de 1913. A organização dos elementos na capa constitui agora uma composição mais compacta. A mensagem transmitida pela ilustração mantém-se, continuando a águia a surgir como a expressão metafórica supra-referida (ver análise da capa da primeira série desta revista). Porém, esta nova ilustração da autoria de Correia Dias mostra uma proporção entre os elementos totalmente distinta, criando uma relação mais simbólica e reforçadora da mensagem. A imagem é composta por uma águia elevada sobre o Sol sustentando uma bordadura ornamental que enquadra o título da revista, surgindo ainda sobre o Sol sobre o qual se apresenta agora a designação “órgão da Renascença Portuguesa”. Estes elementos textuais e a organização da ilustração apresentam um carácter que os aproximam de um estilo próximo aos primeiros trabalhos gráficos do vienense Sezessionstil, onde ainda se pode observar a presença de elementos figurativos de inspiração simbolista. A composição da capa é complementada pela presença (por baixo da ilustração) da assinatura de Correia Dias, do número da revista num tipo romano (posição inferior direita) inserido sobre um círculo branco, e pelo preço da revista também em tipo romano (no canto inferior esquerdo). Todos estes elementos assim distribuídos criam um equilíbrio harmónico, compensando a colocação descentrada do corpo da ilustração, usando de forma contrabalançada as proporções hierárquicas e a cor. Acreditamos contudo que este estilo Arte Nova da capa foi apenas uma opção de Correia Dias, que terá sido chamado a criar uma capa mais apelativa para este novo grafismo da revista. Como veremos adiante na análise da revista A Rajada, a qual foi dirigida artisticamente por este artista e com publicação iniciada no mesmo ano desta segunda série, o estilo Sezessionstil foi adoptado de um a forma global, ao contrário d’A Águia onde o estilo da capa não era condizente com o grafismo das páginas interiores, como veremos seguidamente. Páginas interiores Nesta nova configuração gráfica da revista o sumário e a informação técnica (termo de impressão, propriedade literária, contactos, valores de assinatura em Portugal e estrangeiro, avisos) reúnem-se numa primeira página não numerada. Esta página caracteriza-se entre o 165 que denominamos normalmente por frontispício e uma página de título (fig. 5.9) e que denominaremos neste estudo por “página preliminar”. Figura 5.9. A Águia, n. 24, 2ª Série, Porto, Dezembro de 1913: s.p. Com maior destaque na página aparece no cabeçalho o nome da revista, A Águia, integrado em corandel com o resto da informação (subtítulo da revista, identificação de directores, redacção, administração e colaboradores), resultando numa interessante relação gráfica pela forma como o nome funciona aqui como um elemento único em jeito de capitular de um texto. Nesse sentido parece-nos coerente que esta página apresente a mesma estrutura (mancha de texto e margens) das demais páginas interiores, mas com uma aparência apenas condicionada pelo conteúdo mostrado. Toda ela composta num só tipo romano e suas variantes, complementa a hierarquia da informação através do uso do espaço, do alinhamento texto, da caixa e do corpo da letra. O sumário destaca-se ainda pelo uso de uma cercadura linear, com uma boa marcação hierárquica das secções temáticas (Literatura, Arte, Sciência, Filosofia e Crítica Social, Bibliografia). O restante espaço daquela página é complementado com informação vária de carácter informativo: proprietário, moradas de redacção e administração, valores de assinatura, livrarias depositárias, locais de venda e contactos para correspondência. No verso desta primeira página observa-se publicidade aos livros editados pela Renascença Portuguesa. Assim, podemos dizer que o corpo da revista ou texto começavam na primeira página ímpar após essa página preliminar (fig. 5.10). 166 Figura 5.10. A Águia, n. 24, 2ª Série, Porto, Dezembro de 1913: página esquerda de publicidade e direita de início de texto (s.n.). Como referimos, as páginas interiores (fig. 5.10 a 5.13) mostram uma estrutura gráfica semelhante à de um livro. Esta opção gráfica tem raízes históricas, remontando aos séculos XVII e XVIII, quando o direito de impressão dos periódicos era concedido por “privilégio real” a um determinado indivíduo, quase sempre proprietário de uma oficina tipográfica. Estes, por tradição, optavam por conceber essas publicações periódicas no formato e apresentação gráfica dos livros de literatura, ou como um fascículo destes,18 constituindo um modelo gráfico que permaneceu no tempo e que veremos repetidamente neste estudo. Esta questão estará, também, seguramente relacionada com as opções do director artístico e com a escolha da Tipografia Costa Carregal para a sua produção gráfica. Uma oficina tipográfica que era não só a eleita de vários intelectuais da época para a impressão dos seus livros, mas também reconhecida pela qualidade desse seu trabalho de âmbito editorial, vendo-se por isso como natural a adopção dos modelos de paginação de uma empresa de reconhecida competência técnica, e que adaptavam à natureza dos textos literários d’A Águia. Assim, a parte fundamental da revista (conteúdo literário) tem uma mancha de texto praticamente uniforme ao longo de toda a revista, usando na sua composição uma coluna de texto. As excepções registam-se nas seguintes páginas: a) quando se apresenta poesia, surgindo esta normalmente centrada na página, existindo necessariamente mais espaço branco nas margens (nos casos em que os versos são mais longos surgem alinhados à esquerda na mancha de texto); b) em algumas secções específicas da revista com menos valor literário, como nas “Notas e Comentários” (fig. 5.13) ou em algumas bibliografias da “Biblioteca da Renascença Portuguesa”, recorrendo então ao uso de duas colunas. 18 Tengarrinha, José. História da imprensa periódica portuguesa. (2ª ed.). Lisboa: Caminho, 1989, p. 150. 167 Figura 5.11. A Águia, n. 24, 2ª Série, Porto, Dezembro de 1913: p. 168 e imagem em hors-texte. Figura 5.12. A Águia, n. 24, 2ª Série, Porto, Dezembro de 1913: pp. 164–165. Tanto as páginas como os elementos da linguagem gráfica usados são, de um modo geral, sóbrios. A revista recorre a um tipo de letra romano, tanto nos textos como nos títulos, usando as diferentes variantes da família tipográfica para a caracterização e hierarquização do texto. O texto tem um alinhamento justificado, com uma boa marcação dos parágrafos, 168 usando o recuo da primeira linha e nalguns casos somando uma linha de intervalo (fig. 5.11). Os títulos são alinhados ao centro e as epígrafes são justificadas e encostadas à lateral direita da mancha de texto, com uma largura um pouco superior à metade desta (fig. 5.13). Figura 5.13. A Águia, n. 35, 2ª Série, Porto, Novembro de 1914: p. 157. Figura 5.14. A Águia, n. 35, 2ª Série, Porto, Novembro de 1910: s.p. Entre os outros elementos caracterizadores destacamos o uso de título corrente em cabeçalho, com a identificação da revista (alinhamento interior) e o número de página (alinhamento exterior). Um título corrente que é omitido nas páginas de início de texto ou secções temáticas, na página preliminar e páginas bibliográficas – nas páginas com imagens hors-texte há um tratamento distinto (referido adiante). Outros elementos caracterizadores são, também, o uso de capitulares simples ou ornamentadas,19 e a aplicação de filetes sublinhando a identificação das secções temáticas (fig. 5.13). Em raros casos isolados verificou-se a presença de algumas vinhetas. Como referimos, as imagens deixam de apresentar características humorísticas e caricaturistas, passando a mostrar reproduções fotográficas de obras de arte (pintura ou escultura), ilustrações e desenhos. Essas imagens, agora em menor quantidade (entre 1 e 4 por revista), surgem agora em hors-texte e são todas impressas em papel Calandrado, e quando coladas sobre papel Gofrado (fig. 5.14) é-lhes impressa uma cercadura (linear ou ondulada). A composição desta página respeita as margens das páginas de texto, apresentando ainda o título da obra reproduzida, a identificação do autor e a identificação da revista e numeração. Nota ainda para o facto de algumas imagens serem impressas noutra cor que não o preto – por exemplo, no número 24 (2ª série) há uma reprodução fotográfica de uma obra de Soares 19 As capitulares aparecem complementadas com o uso de variantes negra da fonte tipográfica, em caixa alta ou em versaletes no resto da palavra, ou na(s) palavra(s), que aparecem após a capitular. 169 dos Reis a preto (fig. 5.11), e duas reproduções de desenhos de António Carneiro num tom laranja/sépia. Em conclusão, o grafismo da revista A Águia distingue-se claramente entre a primeira e as restantes séries. Como referimos, a primeira apresentou-se com um grafismo irregular, com pouco rigor técnico e uma configuração próxima à de um periódico. Supomos que essas seriam consequências de um projecto editorial economicamente pouco estruturado. Uma ideia que se justifica na forma como o projecto gráfico da revista foi globalmente reformulado na segunda série, momento no qual passou a configurar como um órgão oficioso da Renascença Portuguesa, garantindo este o seu suporte financeiro. Assim, possibilitou que a revista fosse produzida numa oficina tipográfica de renome e de boa capacidade técnica. A transição para um grafismo com uma feição estilística neutra, de características neoclássicas, no interior da revista, parece-nos acompanhar o estabelecimento de uma directriz estética-literária, que buscava o afastamento das influências vindas dos principais centros culturais europeus. O corpo editorial d'A Águia mostrava-se, desta forma, fundamentalmente preocupada na valorização do seu conteúdo literário e pictórico, assumindo nestes uma opção de sobriedade gráfica que não entrava em conflito expressivo. Curiosamente, a capa não seguiu esta opção, pautando-se por um Sezessionstil imposto pela obra de Correia Dias que, como veremos adiante,20 desenvolveu uma obra de boa qualidade neste estilo, sobretudo n’A Rajada. Esta revista lançada no mesmo ano da segunda série d'A Águia, influenciaria outros projectos gráficos também aqui analisados. Neste âmbito, a capa desta revista parece ter sido assumida como um elemento não só identitário, mantendo-se inalterada, mas também de persuasão. 20 Ver capítulo 5.2.6. A Rajada, revista de crítica, arte e letras (1912). 170 5.2.2. Límia, revista mensal ilustrada de letras, ciencias e artes (1910–1911) Apresentação A revista Límia foi editada em Viana do Castelo e teve o seu primeiro número publicado em Outubro de 1910 (no mesmo mês da proclamação da República), durando até Maio de 1911. Ao longo desse período saíram oito números21 editados pela “Empresa da Límia”, apresentado como director João da Rocha, não se tendo encontrado nenhuma explicação para a sua curta duração. Identificada em subtítulo como uma Revista mensal ilustrada de letras, ciencias e artes, apresentou uma colaboração literária variada, destacando-se entre outros Júlio Brandão, Teixeira de Pascoaes, Lopes Vieira, João de Barros e Augusto Gil. Autores que defendiam para esta revista uma linha estética literária revivalista e tradicionalista, de herança decadentista e simbolista ao gosto finissecular, que segundo Clara Rocha22 se pode observar em boa parte das revistas do princípio do século xx. Nesta revista destacamos ainda os colaboradores artísticos, onde se fazem notar as contribuições do simbolista António Carneiro (autor da capa), dos humoristas Álvaro Cerveira Pinto, Correia Dias, Francisco Valença e do gravador Christiano de Carvalho. Projecto gráfico Com um formato 160x235mm, todos os 8 números da revista Límia se compõem por capa e uma quantidade páginas que variou entre as 16 e as 40 páginas (cadernos de oito páginas), sendo em ambos os casos impressas a uma cor (preto). Esta publicação foi impressa em três oficinas tipográficas distintas: os números 1 e 2 na Tipografia de André J. Pereira & Fº (Viana do Castelo), entre os números 3 e 6 na Tipografia Universal (Porto), e os dois últimos números na Tipografia Modêlo (Viana do Castelo). Não encontrámos pistas para esta alteração de local de produção gráfica da revista, mas pode estar relacionado com questões orçamentais, questão que normalmente condicionava o processo de selecção, conforme já observámos neste estudo. Como suporte apresenta uma capa mole em papel Corrente Calandrado colorido que variou ao longo dos números (verde, verde claro, vermelho, branco, laranja, bege e roxo). As páginas interiores são em papel Calandrado branco, registando-se ainda casos em que a publicidade foi impressa num papel Corrente colorido. A publicação foi impressa em tipografia tradicional de chumbo e fotogravura (similigrafia nos meios tons e zincogravura nas imagens a traço), sendo algumas gravuras impressas pelo sistema da calcografia. A encadernação da revista era brochada e grampada, indicando a numeração sequencial de páginas que esta revista estava pensada para uma encadernação em volumes. Capa A composição gráfica da capa (fig. 5.15) manteve-se constante ao longo de toda a primeira série. Um conjunto equilibrado na sua relação entre os elementos ilustrativos e informativos, no qual o desenho simbolista de António Carneiro tem um papel dominante. A temática da ilustração, uma alusão à figura mitológica de Orfeu – o poeta cantor e símbolo da “tradição” – que se relaciona directamente com a linha estética simbolista de alguns colaboradores literários desta revista. Esse desenho envolve o nome da revista e subtítulo, escrito num tipo de letra caligráfico ou litográfico (note-se como o desenho de letras iguais diverge entre elas) 21 A Límia apresentou-se sob duas séries (a segunda corresponde apenas ao número duplo 7–8) mas não apresentou diferenças no grafismo. Assim, não faremos qualquer diferenciação na análise. Refira-se ainda que na capa do último número (7–8) por erro tipográfico surge a indicação do ano 1912, mas na página preliminar está correcta. 22 Rocha, Clara. Revistas literárias do século XX em Portugal. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1985: p. 248. 171 recordando-nos algumas letras desenhadas por Georges Auriol (1863–1938), estando estes envolvidos pela lira e os cabelos da figura humana. Figura 5.15. Capa da revista Límia, n. 2, 1ª Série, Viana do Castelo, Novembro de 1910. Na parte inferior da capa surge um quadro rectangular guarnecido por um filete de intestação, constituído por um fio grosso e outro fino, que apresenta a numeração, data, nome do director, contacto, termo de impressão e propriedade literária. Informação composta num tipo de letra romano, com alinhamento justificado, complementando o espaço vazio na última linha com um conjunto de pequenos elementos gráficos/tipográficos ornamentais. Páginas interiores Nesta publicação o sumário foi sempre impresso no verso da capa em modo de “página preliminar”. Esta página (fig. 5.15) está estruturada em duas partes horizontais distintas, sendo separadas por um filete duplo. Na parte superior apresenta o sumário dividido em duas colunas de texto, sendo este encabeçado pela identificação da revista Límia (título, subtítulo e local de edição), e complementado por um ornamento gráfico divisor. Na metade inferior temos a informação relacionada com a colaboração artística (responsabilidade autoral, condições de reprodução), preços avulso e de assinatura (nacional e internacional), finalizando com o contacto. As diferentes partes que constituem esta metade inferior estão separadas por filetes duplos, sendo que o aviso sobre a colaboração artística surge inserido num quadro rectangular guarnecido por um filete duplo (um fio grosso e outro fino). Toda a informação textual é composta e distinguida tipograficamente com o recurso à diversidade de tipologias – diferentes tipos romanos, sem patilha, caligráfica e fantasia. De certa forma poderíamos afirmar que esta página sumaria também graficamente a composição do resto da publicação. 172 Figura 5.15. Límia, n. 2, 1ª Série, Viana do Castelo, Novembro de 1910: s.p., p. 17. Figura 5.16. Límia, n. 7–8, 2ª Série, Viana do Castelo, Abril-Maio de 1911: pp. 102–103. 173 Figura 5.17. Límia, n. 2, 1ª Série, Viana do Castelo, Novembro de 1910: pp. 22–23. Figura 5.18. Límia, n. 2, 1ª Série, Viana do Castelo, Novembro de 1910: pp. 32–33. As páginas de texto desta publicação apresentam-se com uma alternância que se pode dividir em duas áreas distintas: uma primeira onde surgem os textos literários principais (prosa e versos), e uma segunda com temas e secções variadas. Observando estas duas partes, verificamos que na primeira o texto é composto maioritariamente numa única coluna de texto. A primeira página de cada número da revista, após o sumário, apresenta sempre o mesmo cabeçalho com uma ilustração (voltaremos a ele mais adiante quando referirmos as 174 imagens), as identificações da publicação, director, redactores e secretário da revista, variando apenas a informação relativa ao número de data da publicação. No seguimento desse cabeçalho decorrem os textos, geralmente encabeçados apenas pelo título e assinados no final, surgindo nalgumas situações excepcionais o título seguido pela data do texto. Quanto à composição tipográfica desta primeira parte, o texto usa um tipo romano com alinhamento justificado, iniciando em alguns casos com capitulares simples ou ornamentadas. Os títulos vão variando entre tipos sem patilha, romano, caligráfico e fantasia, com alinhamento centrado. A composição gráfica do texto é apenas alterada aquando da inserção de imagens, que podem surgir isoladamente numa página ou inseridas em corandel no texto (ver as duas situações na fig. 5.16). Em casos excepcionais verificou-se a inserção de imagens com uma subdivisão estrutural da página em duas colunas (fig. 5.17). A numeração das páginas, no mesmo tipo romano do texto, situa-se por baixo da caixa de texto e centrada com esta. Na segunda parte da revista (fig. 5.18) a organização gráfica das páginas é feita em duas colunas de texto, estando o texto e os títulos compostos num tipo romano. Nestes textos de temáticas variadas, os títulos são ainda sublinhados com um filete simples, e a divisão dos textos é feita com ornamentos tipográficos (filetes ondulados ou fantasia, ornamentos e símbolos não alfabéticos). As secções temáticas (Panorama, Bibliografia, Vária, entre outras) aparecem separadas por um cliché, com letras caligráficas e ilustrações alusivas ao tema, que se mantém igual ao longo de todos os números da revista. Figura 5.19. Límia, n. 3, 1ª Série, Viana do Castelo, Dezembro de 1910: p. 45. As imagens apresentadas são ilustrações, gravuras e reproduções de desenhos ou fotografias, variando a quantidade apresentada em cada edição da revista entre as cinco e as dez imagens. Neste âmbito devemos destacar dois colaboradores artísticos desta revista: Christiano de Carvalho23 (1874–1940) e Francisco Valença24 (1882–1963). O primeiro, um 23 Consultar: Santos, Alfredo; Seabra, José. A Renascença Portuguesa: um movimento cultural portuense. Porto: Fundação Eng. António da Almeida, 1990. 24 Consultar: Francisco Valença. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003–2011. [Consult. 2011-11-29]. Disponível em: . 175 pintor e caricaturista, surgia identificado como o autor e proprietário das gravuras (entre outras, a do cabeçalho da primeira página) e dos clichés das partes temáticas. Situação que justifica a inalterabilidade desses elementos gráficos na revista, tendo em conta que esta foi produzida em três lugares distintos. As influências Arte Nova no desenho daquelas gravuras são possivelmente influência dos anos que este artista republicano passou exilado em Paris (1891–1898). Christiano de Carvalho desenvolveu na capital francesa a sua formação cultural e política, colaborou nalguns jornais e revistas, e conhecido entre outros artistas nacionais e estrangeiros a António Carneiro. De volta a Portugal envolveu-se com o grupo da Renascença Portuguesa, colaborando artisticamente em vários jornais e revistas, entre os quais destacamos a revista A Águia. Por seu lado, Francisco Valença notabilizou-se como ilustrador e caricaturista e colaborou também em várias publicações nacionais (O Século, A Sátira, Sempre fixe, entre outras). Autor de várias ilustrações humoristas e caricaturas na revista Límia, destacamos aqui um texto (fig. 5.19) publicado no segundo número desta revista (p. 45), onde afirma ser a caricatura “uma arma poderosa de combate e de um alcance incalculável. É o meio de propaganda mais rápido e de mais profundos efeitos (...) uma obra sã atraindo e interessando”.25 Note-se que a caricatura era vista como um recurso para a crítica social, sendo nesta época uma linguagem ilustrativa usada por diversos artistas nacionais. Finalizamos esta análise referindo ainda que esta revista apresentava páginas de publicidade diversa, e a sua localização vai variando ao longo dos números. Uma revista que se apresentou com uma latente falta de unidade gráfica, consequência certamente das três alterações de local de produção/impressão. Uma revista graficamente pouco interessante, mas que se destaca aqui sobretudo pela capa e pelas imagens humoristas, ambas realizadas por alguns dos autores mais destacados da época nestas áreas artísticas. 25 Deve-se salientar ainda que se referência neste texto a importante revista francesa L’Assiete au beurre, que certamente influenciou os caricaturistas portugueses. 176 5.2.3. O Ave, gazeta de Santo Thyrso (1912–1913) Apresentação A revista O Ave foi editada em Vila Nova de Famalicão, tendo saído seis números, acrescidos de um outro suplementar sobre a localidade de Santo Tirso (distam poucos quilómetros uma da outra). O seu primeiro número foi publicado em Junho de 1912 e o último em Janeiro de 1913, apresentando como editor e director José Coelho de Andrade. Identificada em subtítulo como Gazeta de Santo Thyrso – o nome da revista remete para o rio que atravessa aquela cidade –, apresentou uma colaboração literária variada, destacando-se entre outros Júlio Brandão, João de Lebre e Lima e Afonso Duarte. Uma revista que segue a mesma linha da Límia, inserindo-se no mesmo ambiente estético literário de herança decadentista e simbolista, e com ligações ao saudosismo. Entre os colaboradores artísticos, destacamos as contribuições de Marques Abreu (gravador) e Ayres (assim assina o autor da capa e vinhetas desta revista). Projecto gráfico Com um formato 167x225mm, esta revista apresenta a particularidade de ter publicado os números 4, 5 e 6 reunidos num único volume. Contudo, considerámos para o processo de análise do projecto gráfico essas edições de forma individual. Assim, esta revista compôs-se por capa e um miolo que variava entre as 16 e 32 páginas. Como referimos esta revista de Santo Tirso foi publicada na sua cidade vizinha, Vila Nova de Famalicão. Foi também nesta última localidade que a revista se imprimiu, na Typographia Minerva, sabendo-se que esta oficina tipográfica foi fundada em 1886 num momento de expansão económica da região, encontrando-se actualmente encerrada mas da qual ainda resta o edifício. Não descobrimos pistas para a divergência de localidades na produção gráfica da revista, mas pode estar relacionado com o maior desenvolvimento industrial de Vila Nova de Famalicão,26 e pelo facto daquela oficina tipográfica se ter tornado numa das mais conceituadas do país naquela época. Como suporte apresenta uma capa semi-rígida em cartolina vergê ou artesanal colorida, sendo as suas páginas interiores em papel Calandrado branco. A publicação foi impressa em tipografia tradicional de chumbo, recorrendo ainda à fotogravura (similigravuras nos meiostons e zincogravura nos desenhos a traço) e calcografia na capa. A encadernação era brochada e grampada, indicando-nos a numeração sequencial de páginas que as revistas estavam pensadas para uma encadernação em volumes. Capa A estrutura gráfica da capa (fig. 5.20) apresenta-se com uma organização e um estilo de influência Arte Nova, estando a composição dominada visualmente por uma ilustração que ocupa cerca de dois terços do espaço. A ilustração, assinada com o nome Ayres,27 está dividia em três partes. Na parte superior vê-se a silhueta do Mosteiro de S. Bento, em Santo Tirso (classificado como Monumento Nacional em 1910), e na parte inferior é representado um rio. Supomos que seja o rio Ave que atravessa aquela cidade. Estes dois elementos ilustrativos estão separados por uma forma oval que guarnece o título e subtítulo da revista. As características desses elementos imprimem um cunho historicista típico de finais do século XIX, marcado por um débil desenho do tipo de fantasia vitoriano no subtítulo, e a sua típica complexidade ornamental. Chama-mos ainda a atenção para letra “O” que envolve o 26 A dimensão e importância de Santo Tirso eram, e continuam a ser, menores do que a de Vila Nova de Famalicão. Não obtivemos mais informação sobre este autor. 27 177 termo “Ave” do título da revista, O Ave, e para a forma como as letras foram ligadas nas partes superiores e inferiores. Figura 5.20. Capa da revista O Ave, n. 2, 1ª Série, Santo Tirso, Julho de 1912. A capa é complementada no lado esquerdo por dois blocos de informação. Na parte superior temos a identificação do director, local de “composição e impressão”, e contacto da “redacção e administração”. Na parte inferior a numeração e data da revista. Estas informações estão compostas num tipo sem patilha com alinhamento central, formando “manchas visuais” rectangulares com o recurso de elementos não alfabéticos (redondos, quadrados e losangos), encaixados por filetes de estilo Arte Nova. De referir ainda que a ilustração é impressa em calcografia, sendo usada em toda as capas impressão a duas cores (branco e preto), sobre cartolinas coloridas: azul-marinho (n.º 1), cinzenta (n.º 2), vermelho carmim (n.º 3), cinzento-azulado (volume com os números 4, 5 e 6) e sépia (n.º suplementar). Em conclusão, a capa desta revista mostra um grafismo marcado pela presença de elementos estilísticos Arte Nova e historicistas. Uma combinação interessante, pois o segundo era considerado um estilo comercial,28 usando tipos de letra vitorianos cuja presença era mais forte nos países anglo-saxónicos, enquanto em Portugal as influências que marcavam o panorama tipográfico nacional no campo editorial vinham de França. Neste contexto, acreditamos que aquela anormal mistura estilística terá sido uma opção da Typographia Minerva que, como referimos, se situava numa cidade industrial (Vila Nova de Famalicão) situada numa região que tinha atravessado uma importante expansão económica a nível nacional, e onde o trabalho comercial seria seguramente mais frequente e marcante. Ou seja, os modelos gráficos usados naquela oficina tipográfica poderão ter sido adoptados na capa desta revista somente como um costume estabelecido, e não como uma opção estilística propositada. 28 Kinross, Op Cit, 2004, p. 51. 178 Páginas interiores As páginas interiores desta publicação ficaram marcadas pela influência do estilo Arte Nova francesa no uso dos elementos tipográficos (filetes de fantasia, tipos de letra e ornamentações). Em alguns casos, verifica-se também a presença de elementos com um estilo com influência no Jugendstil, notório sobretudo nos filetes de fantasia rectilíneos (fig. 5.21 e 5.24) e cuja presença nas páginas vai alternado com o estilo anterior. Assim, considera-se na análise desta revista que todos esse elementos que forem assinalados, estão conotados formalmente com esses estilos, assinalando-se apenas os que não o são. A revista O Ave apresenta o sumário no verso da capa em modo de “página preliminar”. Uma página (fig. 5.21) que se apresenta dividida graficamente em duas áreas com a ajuda de filetes de fantasia, formando uma moldura que enquadra toda a informação textual. Tal como na capa o espaço está dividido verticalmente, ocupando a área da esquerda cerca de dois terços do espaço. Essa área inclui na parte superior o “summario” composto em tipo romano alinhado ao centro. Na parte inferior, separada por um filete, são apresentadas informações diversas sob o título de “condições” (periodicidade, preço, anúncios e contacto), sendo o texto composto também com alinhamento centrado, mas usando um tipo fantasia de estilo Arte Nova, estilo que caracteriza totalmente este plano de composição. Figura 5.21. O Ave, n. 2, 1ª Série, Santo Tirso, Julho de 1912: s.p ; p. 1. O restante terço do espaço, à direita, encontra-se somente dividido em três áreas horizontais equivalentes por filetes fantasia. Porém, esses espaços ficaram vazios em todos os seis números desta publicação. Cremos que essa seria uma área reservada para a inserção de publicidade, nunca chegando a ser preenchido. Justificamos esta nossa suposição no facto de haver nas “condições” referência à possibilidade de colocação de anúncios a “preços convencionaes”, mas cuja inserção nunca se verificou nos números desta revista. O corpo da revista apresenta uma composição gráfica que se baseia numa estrutura em duas colunas, excepto nas páginas com poesia. Nas páginas que seguem a estrutura base com duas colunas (fig. 5.22), a divisão vertical é reforçada por um filete duplo ondulado. O 179 título corrente em cabeçalho está separado por um filete duplo simples, tendo alinhado ao centro o nome da revista, e na margem exterior a numeração das páginas. A primeira página de cada revista (fig. 5.21) inicia sempre com um friso decorativo geométrico de alusão arquitectónica, desenhado por Ayres, que nos recorda alguns dos trabalhos gráficos do alemão Peter Behrens. Neste elemento decorativo identifica-se a revista (título e subtítulo, número, data, director e contacto). Informação que é composta num tipo fantasia e com letras caligráficas também desenhadas por Ayres. Tanto as letras como os cabeçalhos realizados por esse autor, neste e nos demais casos, mostram um desenho de pouco rigor e fraca qualidade plástica. O título da revista presente nesta primeira página mantém as ligaduras entre as letras AVE, mas o desenho do O que as circunda apresenta-se mais simples do que na capa e fundindo-se com o mencionado friso de alusão arquitectónica. Figura 5.22. O Ave, n. 1, 1ª Série, Santo Tirso, Junho de 1912: pp: 2–3. Os demais textos da revista iniciam de igual forma com um friso que comporta o título, ou com uma moldura que enquadra o título e o início do texto (fig. 5.23, 5.24 e 5.25) – nestes casos não é apresentado o cabeçalho identificador da revista e número de página. Também aqui se repete o uso de um tipo fantasia ou letras caligráficas inseridas num cabeçalho desenhado por Ayres. Algumas destas molduras ornamentadas recordam as da revista alemã Jugend de finais do século XIX, órgão do movimento de Arte Nova alemão Jugendstil e que foi publicada entre 1896 e 1926. Esta revista apresentava ornamentações nas páginas mostrando elementos florais com curvas sinuosas e idealizadas belezas femininas. Os autores rejeitavam as formas tipográficas tradicionais os títulos, optando por desenha-los como parte do conjunto ornamental. Contudo, a capacidade de desenho de Ayres nunca chegaria aos níveis que se pode observar nos elementos desenhados por Otto Eckman, Bruno Paul ou Franken Weber para aquela revista de Munique. Os textos são normalmente finalizados com a introdução de uma gravura de uma paisagem emoldurada por duas linhas de filetes simples negros (fig. 5.22: p. 3). Em alguns casos surgem ainda pequenas notas compostas ocupando o espaço horizontal de duas colunas. 180 No caso das páginas com poesia, a composição gráfica não foi condicionada às dimensões das duas colunas, merecendo nesta revista um tratamento diferenciado. Assim, nessas páginas (fig. 5.24 e 5.25) os textos de poesia são enquadrados por molduras decorativas. Os textos são compostos em tipo romano em toda a revista, sendo os títulos de subcapítulos do texto, ou realces, compostos em tipo sem patilha. Os títulos e subtítulos, quando não são caligráficos e inseridos nos cabeçalhos, são compostos em diferentes tipos fantasia. Todas as páginas da revista (textos e imagens) são impressas numa cor (preto). Este uso de tipos de letras de diversas famílias parece ser, como observámos na análise da capa, somente um costume estabelecido, e não como uma opção estilística propositada. Figura 5.23. O Ave, n. 4–6, 1ª Série, Santo Tirso, Setembro de 1912: pp: 120–121. As imagens (desenhos, ilustrações e fotografias) que acompanham os textos são normalmente introduzidas nas colunas, intercalando o texto literário, ou ocupando uma página inteira. Neste último caso as páginas apresentam um título corrente igual às demais, mas a legenda das imagens aparece na margem exterior em posição vertical. Nesta revista devemos ainda destacar a colaboração artística de Marques de Abreu (1879– 1958), que se dedicou à área das artes gráficas com algum destaque a nível nacional. Segundo Rui Canaveira,29 aquele artista é considerado o primeiro fotogravador a trabalhar em Portugal, tendo aprendido a arte de fotogravador com o francês Germano Conrrège. Montou a oficina Marques de Abreu aos 19 anos, ficando conhecido principalmente como um fotógrafo gravador mecânico, e como um “impressor tipográfico de mérito”. Marques de Abreu é normalmente apresentado como uma figura importante na difusão das artes gráficas na primeira metade do século XX – escreveu sobre o ensino das Artes Gráficas e das Artes do Livro. Nesta revista colaborou como gravador, sendo da sua autoria as reproduções de imagens fotográficas que vão acompanhando os textos e que, ao contrário da debilidade no desenho de Ayres, apresentam uma boa qualidade de reprodução. 29 Canaveira, Rui. Dicionário de tipógrafos e litógrafos famosos. [s.l.]: Rui Canaveira, 2002: pp. 91–92. 181 Figura 5.24. O Ave, n. 3, 1ª Série, Santo Tirso, Agosto de 1912: pp: 80–81. Figura 5.25. O Ave, n. 1, 1ª Série, Santo Tirso, Junho de 1912: pp: 22–23. Uma nota para o número suplementar: não apresenta sumário e distingue-se das demais pela apresentação de algumas colagens ou fotomontagens curiosas, mas que nada acrescentam de interesse e valor à totalidade da revista. Esta é uma revista que apresenta uma forte influência gráfica Arte Nova francesa em algumas páginas, intercaladas com elementos com ascendência do Jugendstil. Influências 182 que surgiram nacionalmente integradas no contexto historicista,30 e nas diferentes áreas onde surgiam, fosse em espaços, objectos ou na representação gráfica, limitavam-se normalmente a funções de decoração. Uma revista com uma abundante utilização de vinhetas, filetes, cercaduras e ornamentação variada, nem sempre impressa com rigor tipográfico – notam-se problemas de composição tipográfica, sobretudo na junção e alinhamentos dos filetes e cercaduras. Saliente-se ainda a falta de uma linha de continuidade na linguagem dos elementos gráficos, sobretudo na coerência do traço da ornamentação usada. Evidencia assim um recurso às matrizes Arte Nova (francesa e alemã) e historicista de cariz meramente ornamental (de fachada), configurando o que denominámos por estilo Fin-de-siècle.31 Em resumo, trata-se de uma revista que há excepção das reproduções fotográficas apresenta uma fraca qualidade gráfica, recorrendo a modelos gráficos que seriam usados em trabalhos comerciais, mantendo-se em uso por uma questão de hábito e não por uma questão estética, funcional ou estilística. 30 Sobre esta questão, ver: Barbosa, Maria Helena: International Influences on the Identity of Portuguese Design. Abstract book and Proceedings. Connecting. A conference on the multivocality of design history & design studies. University of Art and Design Helsinki. Estonian Academy of Arts. Helsinki, 2006. ISBN 951-558-210-5 31 Ver capítulo: 2.2.12. A incerteza de um estilo gráfico. 183 5.2.4. Dionysos, revista mensal de philosofia, sciencia e arte (1912–1928) Apresentação A revista Dionysos foi publicada entre 1912 e 1928 em quatro séries. A primeira série iniciou a 2 de Março de 1912, em Coimbra, e terminou no quinto número em Dezembro de 1912. A segunda série saiu em 1913 com 4 números e mudando o local de publicação para o Porto, onde seriam também publicadas as posteriores séries. Após as duas primeiras séries verificou-se um intervalo de doze anos até surgir a terceira série (6 números publicados entre 1925–1927), seguida de uma quarta série em 1928 (2 números).32 A Dionysos manteve sempre um editor fixo, Aarão de Lacerda, dividindo essa função com João de Lebre e Lima na primeira série, e com Raul Martins na segunda série. Esta “revista mensal de philosofia, sciencia e arte” (subtítulo das duas primeiras séries) apresentou uma colaboração literária variada, destacando-se, entre muitos outros, António Sardinha, Lopes Vieira, Bernardo de Passos, Silva Gaio, Mário Beirão, Afonso Duarte e João de Barros. Autores que alinhavam com um estilo literário de gosto finissecular, de herança decadentista e simbolista. Nessa linha justifica-se também o nome da revista, cujo significado e seus objectivos são explicados por Aarão de Lacerda no editorial da primeira série, surgindo reafirmado no editorial da terceira série. Ali afirma que queriam afirmar as suas “crenças de beleza” à “luz dos gregos em Diónysos, o mito trágico”, pretendendo ainda “fugir ao apolíneo das aparências” (ideias de influência nietzschiana). Uma “revista de cultura e vulgarização” que ambicionava “explicar as novas expressões nascidas das atitudes dos diferentes espíritos que norteiam o pensamento e a sensibilidade” contemporânea. Na colaboração artística destacam-se os nomes de João de Brito e Silva (capa), Jorge da Cruz Jorge e António Carneiro. Projecto gráfico: 1ª série (1912), 5 números A primeira série desta revista apresentou um tamanho ligeiramente distinto entre o primeiro (165x230mm) e os restantes quatro números (165x240mm). Uma variação que acreditamos poder estar relacionada com a alteração local de publicação e da oficina tipográfica que produziu esta publicação – nas outras séries verificar-se-iam outras alterações de oficina tipográfica e de tamanho que serão abordadas adiante. O primeiro número desta série inicial foi impresso na Casa Minerva (Coimbra); o segundo e terceiro, na Tipografia Universal (Porto), e o quarto e quinto números, na Imprensa da Universidade (Coimbra). Estas alterações não implicaram qualquer modificação dos materiais de suporte, tendo sido usado papel Corrente forte na capa (semi-rígida), papel Corrente no miolo, existindo ainda algumas páginas hors-texte onde as imagens surgiam impressas em papel Couché que foram coladas sobre Cartolina colorida. A revista era assim composta por capa, impressa a duas cores (vermelho e preto), e um miolo que variava entre as 60 e as 80 páginas por número, impresso a uma cor (preto). A publicação foi toda impressa recorrendo à tipografia tradicional de chumbo e fotogravura, sendo a sua encadernação brochada e cosida. Capa A capa da primeira série apresenta alterações mínimas ao longo dos cinco números, não sendo estas significativas na estrutura gráfica da capa. Estas notam-se apenas em alguns elementos (fig. 5.26, 5.27 e 5.28), e que acreditamos relacionar-se mais com a mudança de local de produção/impressão, do que com uma intenção de significado através da sua composição gráfica. Nessas variações, a que mais se destaca relaciona-se com a composição da mancha gráfica. No primeiro número (fig. 5.26), para além da diferença de 32 A terceira e quarta série serão analisados adiante: ver: 5.2.40. Dionysos, revista mensal de philosofia, sciencia e arte (1912–1928). 184 dimensão vertical, a colocação da mancha gráfica na capa é assumidamente mais descentrada (para esquerda e para cima) do que nas demais capas desta série – nas capas seguintes a mancha aproxima-se do centro vertical, mas mantém a posição horizontal. Figura 5.26. Capa da revista Dionysos, n. 1, 1ª Série, Coimbra, 2 de Março de 1912. Figura 5.27. Capa da revista Dionysos, n. 3, 1ª Série, Coimbra, Abril de 1912. Figura 5.28. Capa da revista Dionysos, n. 4, 1ª Série, Coimbra, Maio de 1912. 185 O grafismo da capa é composto por uma moldura vermelha dividida em dois campos (partindo de uma subdivisão do espaço horizontal em três partes), mantendo-se estruturalmente semelhante durante a primeira e segunda série. No lado esquerdo, ocupando 1/3 do espaço horizontal, há uma ilustração de João de Brito e Silva33 que contextualiza a origem grega do título da revista. Uma ilustração clássica de motivos florais, com o desenho de uma página que apresenta um texto, em grego antigo, onde se pode ler: “a luta é importante e a esperança é grande.”34 Uma frase que vai de encontro aos princípios dos autores da revista, para quem “ter esperança” nas novas expressões é mais importante do que a própria luta travada. No espaço direito em cabeçalho surge a numeração da revista (série e número), seguindo-se do o título da publicação, Dionysos. Este elemento de identificação sofreria algumas alterações nesta primeira série: primeiramente foi composto num tipo romano condensado; no número dois e três seria usado um tipo sem patilha de características humanísticas e, finalmente, no número quatro e cinco voltaria a usar um tipo romano redondo. Variações que acreditamos resultarem mais em consequência da alteração da oficina tipográfica que produziu os diferentes números desta revista, do que de uma verdadeira intenção de mudança gráfica. Pela mesma razão entendemos a ligeira alteração da posição do nome da revista verificada entre o primeiro e os demais números, ainda que neste caso se relacione, também, com a existência no primeiro número de um ornamento (impresso a vermelho) de estilo Arte Nova por baixo do título. Os restantes elementos (subtítulo, data e local de publicação) mantêm-se em posições semelhantes a partir do segundo número, aparecendo também a partir desse número o termo de impressão sob a moldura. O principal elemento ilustrativo da capa, sobre o lado esquerdo, manteve-se inalterado, indiciando que o cliché da ilustração seria propriedade da revista ou do seu autor, podendo assim ser usado independentemente dos recursos do local de impressão. Pode-se contudo concluir que a capa desta primeira série manteve um grafismo coerente, alusivo aos livros do movimento Artes e Ofícios, ainda que distante do requinte e qualidade daquele estilo. Páginas interiores As páginas dos diferentes números da primeira série da Dionysos apresentam também algumas modificações que, tal como na capa, se devem relacionar com as alterações do local de impressão. Ainda que no miolo das revistas o ambiente gráfico não seja significativamente modificado, há alguns pormenores que justificam uma observação mais atenta e diferenciada. O primeiro número desta publicação abre com a página de sumário (fig. 5.29). Esta aproxima-se dos modelos gráficos dos livros de literatura tradicionais, onde o título do livro apresenta o maior destaque, seguido do subtítulo. Após esse cabeçalho e separado por um filete pontilhado surge o “Summario d’este numero” e a indicação da autoria dos “desenhos na capa”. Uma página composta com o recurso a diferentes tipos romanos e suas variantes, hierarquicamente clara e bem definida. 33 Não encontrámos qualquer informação sobre João de Brito e Silva, encontrando-se apenas a sua identificação como autor da capa na página de sumário do primeiro número da Dionysos. 34 Agradeço a tradução realizada por Olga Kouvela. 186 Figura 5.29. Dionysos, n. 1, 1ª Série, Coimbra, 2 de Março de 1912: sp. Figura 5.30. Dionysos, n. 1, 1ª Série, Coimbra, 2 de Março de 1912: pp. 20-21. As páginas de texto (fig. 5.30) mostram um coerente trabalho na composição da mancha de texto, também esta muito semelhante aos modelos tradicionais de um livro de literatura clássico – texto composto num só bloco e margens inferiores e exteriores maiores que as opostas. Esta assimetria da composição proporciona um interessante equilíbrio entre 187 mancha de texto e espaço em branco. O texto é composto em tipo Romano, justificado e com boa marcação (recuada) dos parágrafos. Porém, nos títulos dos textos usaram uma grande diversidade de tipos (romano, fantasia e sem patilha), que juntamente com os frisos ornamentais que encabeçam o título, de características Arte Nova francesa díspares, mostram falta de coerência gráfica/tipográfica. No primeiro número os textos são normalmente iniciados com uma capitular ornamentada, passando a uma capitular simples nos seguintes. As páginas de continuação dos textos apresentam um título corrente composto por um filete duplo simples, número de página e identificação da revista. De referir ainda a aplicação de outros elementos de ornamentação (filetes e vinhetas) na marcação de pausas dentro dos textos. Os restantes quatro números desta série apresentam algumas alterações, mantendo na essência a proximidade com a composição de um tradicional livro de literatura. O miolo desta publicação continua a iniciar com a página de sumário, porém esta passou a assumir um carácter descartável. Isto é, pela numeração sequencial das páginas entre os números das revistas podemos observar que estavam pensadas para encadernação posterior em volumes. Por outro lado, essas páginas de sumário não estão numeradas e a partir do segundo número foram impressas em papel colorido (variando a cor nos diferentes números). Esta diferença cromática dos papéis pode ter como base duas situações, que nos parecem plausíveis: por um lado pode ter sido uma opção meramente estética; por outro, pode apenas ser o resultado do aproveitamento de sobras de papel para uma parte da revista que não seria para encadernar, sendo este um expediente normal em algumas oficinas tipográficas de menores recursos. Essa folha colorida dá espaço no final da revista à impressão de duas páginas de publicidade, reforçando a nossa ideia de que seriam páginas descartáveis na encadernação por volumes. Figura 5.31. Dionysos, n. 3, 1ª Série, Coimbra, Abril de 1912: pp. 156–157. As páginas de texto (fig. 5.31) apresentaram nesses números umas margens com diferenças entre exterior/interior e superior/inferior menos acentuadas, resultando numa mancha de texto com uma assimetria compositiva menos acentuada. É também notória a alteração 188 efectuada nos elementos caracterizadores das páginas. Os textos iniciam agora com a presença de um friso de carácter arquitectónico e com um traço de características clássicas, abandonando as características Arte Nova que se verificava no primeiro número. O título corrente continua presente e continuam a existir alguns elementos gráficos a marcar os diferentes períodos de um texto, mas tornaram-se em ambos os casos graficamente mais discretos. Como referimos na apresentação desta série, o uso de imagens nesta revista é diminuto (entre uma e cinco imagens por número), destacando-se sobretudo as imagens que surgem em hors-texte e em particular a contribuição no terceiro número de António Carneiro com um desenho simbolista. Em resumo, podemos caracterizar esta primeira série da Dionysos como uma revista graficamente sóbria, com uma composição equilibrada, clássica e condizente com o rigor que a alusão ao movimento Artes e Ofícios denuncia. Nota-se ainda alguns pormenores gráficos que remetem para o estilo Arte Nova. Projecto gráfico: 2ª série (1913), 4 números Editada no Porto ao longo de quatro números, a segunda série da Dionysos volta a alterar o lugar de impressão, recorrendo aos serviços da Tipografia A. J. D’Almeida35 (Porto). Nesta nova série a dimensão da publicação volta a ser alterada, reduzindo o seu tamanho para 152x216mm e a quantidade de páginas, que passava agora para uma quantidade entre as vinte e as quarenta páginas por número. Porém, isso não implicou modificações nos materiais de suporte, continuando a usar-se papel Corrente forte na capa (semi-rígida), papel Corrente no miolo, existindo ainda algumas páginas hors-texte onde as imagens surgiam impressas em papel Couché que foram coladas sobre cartolina colorida. A capa continuou a ser impressa a duas cores (vermelho e preto), as páginas interiores impressas a uma cor (preto). Também as imagens em hors-texte eram impressas apenas numa cor, mas esta variava entre o preto ou uma cor primária. Toda a publicação continuou a imprimir-se recorrendo à tipografia tradicional de chumbo e fotogravura (zincogravuras nas imagens a traço e similigravuras nos meios tons), sendo a sua encadernação brochada. Capa Para além da referida redução de tamanho da revista, na capa da segunda série (fig. 5.32) apenas regista uma modificação no tipo de letra usado para compor o título da revista, que passou ser sem patilha, mantendo-se todos os outros elementos (ilustração, cercaduras, numeração, subtítulo, local de edição, data, preço e identificação do impressor) com as mesmas características. 35 Supomos que fosse a oficina tipográfica de António José de Almeida, que segundo Manuel Pedro foi um “compositor tipográfico muito estudioso”, tendo pertencido aos corpos directivos da Liga das Artes Gráficas do Porto (fundada em 1890). Ver: Pedro, Manuel. Dicionário técnico do tipógrafo. Porto: Imprensa Moderna, 1948: p. 50. 189 Figura 5.32. Capa da Dionysos, n. 3, 2ª Série, Porto, Abril de 1913. Páginas interiores Figura 5.33. Dionysos, n. 3, 2ª Série, Porto, Abril de 1913: pp. 82–83. As páginas da segunda série da Dionysos também apresentam um conjunto de modificações que, como na capa, não alteram significativamente o ambiente gráfico da revista. Nesse 190 sentido, apenas indicaremos as alterações ao grafismo visto na primeira série que nos parecem importantes, mantendo-se na essência as demais características. No exemplar consultado, a página de sumário do primeiro número mantém o estilo clássico, mas foi impressa numa folha com uma dimensão menor que as demais páginas, continuando a dar espaço no final da revista à impressão de duas páginas de publicidade. Na impossibilidade de confrontar com outro original não podemos afirmar que fosse intencional, pois verificámos que noutros números esta redução de dimensão não ocorreu. Como referimos, registámos nas páginas (fig. 5.33) desta série apenas um pequeno conjunto de alterações gráficas. Nestas, os títulos passaram a ser compostos num mesmo tipo fantasia, os textos continuam a ser compostos em tipo romano e a apresentar uma vinheta ilustrada no seu início, mas acrescentam agora um ornamento ou vinheta no seu final. Contudo, nestes últimos nem sempre foi aplicado o mesmo estilo gráfico das vinhetas de início, pois em algumas situações são usados ornamentos de estilo Arte Nova (francês) no final dos textos. Julgamos que esta incoerência estilística pode estar relacionada duas condições: por um lado a falta de formação dos compositores; ou, por outro, a falta de material tipográfico do mesmo estilo na oficina que permitisse manter a coerência. Ainda nos textos, os ornamentos e filetes usados na marcação de períodos têm aqui características gráficas mais simples e neutras. As imagens continuam a ter uma presença reduzida e sem motivos de mais registos. Em conclusão, apesar das pequenas alterações verificadas esta segunda série mantém a sobriedade gráfica e o ambiente estilístico herdados da primeira série. Ou seja, apresentarse como uma revista de características clássicas com uma composição que a aproxima a um livro de literatura. 191 5.2.5. Gente Nova, órgão da Academia de Coimbra (1912–1913) Apresentação A revista Gente Nova, editada em Coimbra, teve sete números publicados entre 8 de Novembro de 1912 e 12 de Março de 1913. O segundo número corresponde a uma edição especial dedicada à actriz italiana Mimi Aguglia,36 que pelas suas diferenças gráficas justifica uma análise distinta do “projecto gráfico”. Assim, quando nos referirmos aqui à Gente Nova consideramos de forma geral a publicação principal, designando o segundo número como “número especial”, tal como é designado na capa desse exemplar. Subintitulada como Orgão da Academia de Coimbra, esta revista apresenta uma configuração semelhante à de um jornal, abordando diversos temas além da literatura. Todas as edições, incluindo o “número especial”, apresentavam como director, proprietário e editor Félix Horta, destacando-se na colaboração literária Augusto Casimiro, Afonso Duarte e João de Lebre e Lima, entre outros. A linha editorial seguiu o estilo literário do Saudosismo (os dois primeiros colaboraram em várias revistas, destacando-se entre elas A Águia que, como observámos, foi um baluarte desse movimento estético). Na colaboração artística destacamos a participação de Correia Dias, autor não só da maioria das ilustrações e caricaturas, mas também dos clichés que assinalam as temáticas dos artigos. Uma participação que mereceu uma nota de louvor na primeira página do quarto número (10 de Dezembro de 1912), onde Correia Dias foi considerado como “uma das maiores revelações artísticas dos últimos tempos”. Projecto gráfico A revista Gente Nova tem um formato e configuração semelhante à de um jornal. Com um tamanho de 305x485 mm, esta publicação era composta por uma folha dobrada ao meio (sem capa), formando um total de quatro páginas. Foi impressa na Tipografia Popular (Coimbra) com o recurso a uma cor (preto), tendo como suporte um papel de Jornal de qualidade relativamente baixa (os originais consultados apresentam um avançado estado de deterioração). Esta publicação foi toda ela impressa em tipografia tradicional de chumbo e fotogravura (zincogravura nos desenhos a traço e similigravura nos meios tons). Páginas Como referimos, cada número desta revista resumia-se a quatro páginas com uma estrutura gráfica semelhante à de um jornal, não tendo variado muito a sua composição nos seis números em que se apresentou com esta configuração. A primeira página (fig. 5.34) apresenta um cabeçalho de identificação composto por uma imagem de carácter simbolista (à esquerda), complementado pelo título, Gente Nova, data e número. Esse cabeçalho é delimitado na parte inferior, entre dois filetes simples, por uma ficha técnica: contacto, identificação do director/proprietário/editor e o termo de impressão. A ilustração do cabeçalho aproxima-se em termos simbólicos da que observámos na capa da primeira série da revista A Águia, questão que se entende tendo em conta a relação que existia entre a Nova Gente e aquela revista do Porto. Na ilustração observa-se uma figura feminina alada sobre uma paisagem da qual aparenta sair. Uma imagem que cremos 36 A actriz italiana Mimi Aguglia (1884–1970), relativamente famosa na Itália, na Europa e posteriormente nos Estados Unidos, actuou em Coimbra nesse ano, tendo sido um evento amplamente divulgado na época. Esta visita de Mimi Aguglia foi anunciada no primeiro número (8 de Novembro de 1912: p. 3) como indo ocorrer “dentro de dias”. No terceiro número (25 de Novembro de 1912: p. 3) relata-se a realização dos espectáculos daquela actriz, a quem foi oferecido no dia do último espectáculo “cinco caricaturas da artista”, da autoria de Correia Dias, e “um exemplar do número especial da Gente Nova”. Estes dados permitem-nos deduzir que as actuações de Mimi Aguglia terão ocorrido em meados do mês de Novembro de 1912. Como veremos adiante, outra revista coimbrã, A Rajada (1912), dedicaria também um número especial a esta actriz, demonstrando a importância que o evento teve na vida artística e cultural nacional e, particularmente, em Coimbra. 192 remeter para a imagem do poeta saudosista, visto como uma figura oracular, e que é reforçada pela imperativa expressão em latim vola et ama (voa e ama). Figura 5.34. Gente Nova, n. 1, Coimbra, 8 de Novembro de 1912: p: 1. Figura 5.35. Gente Nova, n. 1, Coimbra, 8 de Novembro de 1912: pp: 2–3. 193 Nesse cabeçalho, o título da revista surge em jeito de logótipo, sendo composto num tipo fantasia de estilo Arte Nova que nos recorda os da Escola de Glasgow e os trabalhos de Charles Rennie Mackintosh (1868–1928). Apresentando os clichés da revista letras com um estilo semelhante e sendo estes da autoria de Correia Dias, acreditamos que as letras e, possivelmente, a ilustração daquele cabeçalho tenham sido desenhadas por este artista. Por outro lado, como veremos adiante, Correia Dias foi director artístico da revista A Rajada (Coimbra, 1912) que já circulava aquando da saída da Gente Nova, e que apresentava um marcado carácter Arte Nova de influência austríaca (Ver Sacrum). A estrutura gráfica das páginas da Gente Nova (fig. 5.34 e 5.35) segue um modelo de paginação híbrido característico dos jornais, alternando entre o vertical (como vimos na primeira série d’A Águia) e o modelo horizontal, e apoiados numa estrutura de quatro colunas de texto, sob a qual todos os elementos foram dispostos. No sistema vertical os textos estão editados de forma sequencial, encabeçados pelo título ou um cliché com identificação do tema, e separados do texto seguinte por um filete duplo. No modelo horizontal os textos ocupam duas, três ou quatro colunas, iniciando sempre com um cliché e sendo separados do texto seguinte por um filete duplo horizontal. Neste sistema horizontal encontravam-se normalmente os temas fixos da publicação. Os clichés que fazem a função de título podem ocupar uma (“vivinha a saltar”, “de passagem”, “o jornal dos outros”, “corrente” e “água corrente”) ou duas colunas de largura (“de monóculo”, “vida literária e artística” e “films”). Além dos referidos clichés não existem muitas imagens nesta publicação. Estas surgem normalmente na capa, ocupando a largura de duas colunas (fig. 5.34), ou encadeadas na sequência das colunas de texto. Exceptuando a primeira página as demais apresentam ainda um título corrente composto pelo nome da revista e o número de página compostos em tipo sem patilha – o primeiro centrado e o segundo alinhado à margem exterior –, rematados por um filete com a largura da mancha de texto (quatro colunas). Figura 5.36. Gente Nova, n. 3, Coimbra, 25 de Novembro de 1912: p: 4. A quarta página (fig. 5.36) era ocupada maioritariamente por publicidade, incluindo no canto inferior direito uma área onde se apresentavam os valores de assinatura, contacto e um 194 espaço para inserção do endereço do assinante necessário para o envio por correio. Nesta área o título da revista foi composto num tipo fantasia com características bastante diferentes da que apresenta na capa. Refira-se ainda que esta última página não respeita o modelo das quatro colunas, apresentando uma organização determinada pela ocupação dos anúncios, que para um melhor aproveitamento do espaço recorreu inclusivamente a uma composição vertical e horizontal dos módulos publicitários (o quinto número apresenta um anúncio com uma fotografia de grande dimensão). Os elementos da linguagem gráfica apresentam nesta revista entre alguns pormenores de valor estético interessante. O texto está composto em tipo romano, os títulos usavam uma variedade de tipos romano, sem patilha ou fantasia de estilo Arte Nova – no caso dos clichés é usada letra caligráfica. Na composição gráfica eram ainda usados diferentes tipos de filetes e vinhetas – na última página foi usada uma grande variedade de filetes de combinação e de fantasia. Esta revista aparenta ter usufruído de poucos recursos económicos para a sua elaboração, o que pode justificar a sua simplicidade material (o formato, a extensão e o papel) e a parco uso de imagens. Ainda assim, apresenta alguns pormenores de interesse gráfico e artístico, entre os quais destacamos os clichés, ilustrações e identidade da publicação, da autoria de Correia Dias. Globalmente, as ilustrações apresentam um cunho humorista ou caricatural e os clichés um estilo Arte Nova. Projecto gráfico: “número especial” da Gente Nova Este "número especial" tem indicado na contra-capa de que se oferece “em vez do número da Gente Nova o exemplar oficial dedicado à actriz italiana Mimi Aguglia”. Apresentava um formato substancialmente menor que a publicação normal, tendo a capa 200x290 mm e as páginas interiores 177x240 mm. Ainda que estas dimensões não aparentem qualquer relação objectiva de proporção com a dimensão da revista, neste caso o miolo também é constituído por uma única folha de papel, dobrada em quarto perfazendo um caderno de oito páginas. Este “número especial” foi impresso na mesma oficina tipográfica da revista ordinária, recorrendo a tipografia de chumbo e fotogravura (zincogravura). Usaram apenas uma cor (preto) em papel Gofrado na capa e papel Jornal (igual ao da publicação ordinária) nas páginas. A encadernação é brochada e grampada. Capa A capa deste número dedicado a Mimi Aguglia37 apresenta uma composição gráfica (fig. 5.37) que rompe com a do resto da publicação, onde espaço vazio e mancha impressa dialogam de forma equilibrada. Ou seja, o espaço em branco deixa que os elementos gráficos (texto e imagem) respirem e valorizem sobretudo a ilustração38 realizada por Correia Dias. O desenho representa a actriz italiana e tem uma feição humorista pautada com traços Arte Nova que, nesta época, caracterizavam a obra daquele jovem artista moderno português. O título da publicação foi impresso neste número usando, aparentemente, o mesmo cliché tipográfico dos demais números, num estilo Arte Nova que nos recorda os trabalhos de Charles Rennie Mackintosh, mas ganha aqui uma nova dimensão graças ao espaço branco que o deixa “respirar”, auxiliado pela relação visual gerada no alinhamento criado entre a assinatura do autor (no pé da ilustração) com o espaço que separa o título do “símbolo ilustrativo vola et ama”. Uma composição que é complementada com a descrição “número especial da”, composto num tipo sem patilha e colocado na vertical “sobre” o nome da 37 Ver nota de rodapé n.º 36 neste capítulo. 38 A mesma ilustração seria usada na capa do nº 3 da Gente Nova (26 de Novembro de 1912), mas com uma diferente legenda em italiano: “Non addio, arrivederci!” 195 revista, tendo ainda na parte inferior da capa a indicação “Livraria Neves Editora” (em tipo romano). Figura 5.37. Capa da Gente Nova, n. 2, Coimbra, 17 de Novembro de 1912. Como referimos anteriormente, o miolo deste “número especial” apresentava um formato menor do que a capa, mas curiosamente o miolo encontra-se grampado em posição descentrada, alinhado pela parte superior da capa (ver fig. 5.38). Não encontrando outra justificação para este sobredimensionamento, cremos que terá como possível justificação a necessidade de adaptação do cliché pré-existente do título, determinando por consequência a criação do espaço branco que foi aproveitado na obtenção dos equilíbrios compositivos descritos. Páginas interiores As páginas do miolo deste “número especial” são ocupadas por textos que versam um só tema, a actriz Mimi Aguglia, não existindo publicidade ou qualquer outro tipo de artigos. Característica que terá conduzido a uma abordagem diagramática das páginas distinta do resto da revista, apresentando aqui uma elegância estrutural próxima da que tipicamente se usava nos livros de literatura clássicos. Assim, as páginas não apresentam aqui alterações na estrutura da mancha de texto, sendo disposta numa posição assimétrica na qual a composição é equilibrada por uma generosa área de branco nas margens inferiores e exteriores (maiores que as suas opostas). 196 Figura 5.38. Gente Nova, n. 2, Coimbra, 17 de Novembro de 1912: p. 1. A primeira página (fig. 5.38) tem um cabeçalho com o nome da revista, usando aqui o “logótipo” presente na parte das assinaturas na última página dos outros números (fig. 5.36). Ao lado desse logótipo está o subtítulo que aqui se designa “Jornal da Academia de Coimbra”, incluindo ainda a data da publicação. O cabeçalho é rematado, entre dois filetes, pela ficha técnica (contacto, identificação do director, editor, proprietário e termo de impressão) e a partir do qual decorre o corpo textual da revista. O texto é composto com tipo romano, em duas colunas e seguindo o modelo vertical de paginação. O alinhamento do texto é justificado e a marcação dos parágrafos é feita com recuo da primeira linha. Os títulos variam a sua composição entre tipo romano, sem patilha e fantasia de estilo Arte Nova, e são alinhados ao centro das colunas de texto, não ultrapassando a sua dimensão. Os textos são rematados com a identificação do autor do texto (alinhado a cerca de ¾ à direita) e separados do texto seguinte por um filete duplo interrompido no centro (fig. 5.39). Assinale-se que a solução gráfica da identificação dos autores do texto é semelhante à usada na revista A Rajada, de data anterior a esta revista, e que teve Correia Dias como director artístico.39 Assim, é possível que este número tenha sido dirigido graficamente por este artista, sobretudo se tivermos em conta que n’A Rajada também houve um número especial sobre esta actriz, dirigido artisticamente por Correia Dias e editado também pela a Livraria Neves. As páginas estão ainda caracterizadas pelo uso de título corrente. Neste mostra-se a identificação da revista (alinhamento ao centro) e o número de página (alinhamento exterior), sublinhados por um filete simples duplo com a largura da mancha de texto. Finalmente, uma breve referência às imagens, todas de Correia Dias, que estão neste número inseridas na sequência do texto e adaptadas em largura à dimensão da coluna. 39 Ver capítulo 5.2.6. 197 Figura 5.39. Gente Nova, n. 2, Coimbra, 17 de Novembro de 1912: pp. 6–7. Em conclusão, este “número especial” distingue-se claramente dos demais, não só pela sua dimensão, mas sobretudo por uma composição gráfica bem construída e equilibrada com interessante uso do espaço branco. Um número especial que mostra ainda que os (aparentes) baixos recursos não têm porque limitar objectivamente a qualidade gráfica dos artefactos. Ainda que isso não seja indicado, reforçamos a nossa ideia de que a direcção artística/gráfica terá sido neste número de Correia Dias – como referimos, há aqui um conjunto de opções gráficas semelhantes às d’A Rajada (adiante analisada) que foi dirigida artisticamente por ele. 198 5.2.6. A Rajada, revista de crítica, arte e letras (1912) Apresentação A revista A Rajada,40 editada nem Coimbra, teve o seu primeiro número publicado a 1 de Março de 1912, saindo um total de quatro números mensais até Junho de 1912. A estes somou-se um “número especial” (s.d.)41 dedicado também à actriz italiana Mimi Aguglia, sobre o qual faremos adiante uma análise diferenciada. Editada por Moita de Deus e dirigida por Affonso Duarte (escritor saudosista), esta Revista de crítica, arte e letras apresentou na colaboração literária Mário Beirão, Augusto Casimiro, Jaime Cortesão e João de Barros, entre outros. Todos escritores que tinham ligações ao Saudosismo, à Renascença Portuguesa ou à revista A Águia, e se caracterizavam por expressar na sua escrita uma vontade de reconstrução da cultura nacional. Nesse sentido, A Rajada apresentou-se como mais um projecto que se inseria na linha dos que prepararam os alicerces para a construção do movimento de vanguarda nacional. Ainda que esta revista tenha desfrutado de uma curta duração, a colaboração artística apresenta um assinalável conjunto de nomes, mostrando empenho na inovação gráfica. Entre eles destacamos o director artístico, Correia Dias, responsável pelo grafismo e da escolha das colaborações artísticas desta revista. Estas foram executadas por Augusto Casimiro, Luíz Filipe, Sílvio Duarte, Christiano Cruz, Almada Negreiros e Jorge Barradas. Recordemos que estes três últimos artistas participaram naquele mesmo ano (1912) no primeiro “Salão dos Humoristas”, exposição que iniciaria a “guerra contra o gosto naturalista: um ataque aos academistas”. Foi uma exposição caracterizada pelo uso da ironia e do humor como forma de subversão dos valores institucionalizados, uma linguagem plástica assumida como uma arma própria do pensamento do Movimento Moderno. Na execução das gravuras, esta publicação contou ainda com as importantes colaborações de Christiano de Carvalho e Marques de Abreu, entre outros nomes de menor destaque. Projecto gráfico A revista A Rajada apresentou-se com um formato de 200x270mm, sendo constituída por capa e trinta e duas páginas, somando-se em número variável páginas hors-texte com a inserção de imagens. O “número especial” (sem imagens) apresentou vinte e quatro páginas. Esta publicação editada em Coimbra foi impressa em Lisboa na Typographia do Annuário Comercial.42 Não encontrámos descrita nenhuma justificação para esta diferença entre o local de edição/publicação e o local de impressão, mas acreditamos que o motivo possa estar relacionado com as características do projecto gráfico da revista, que exigiriam uma maior e melhor capacidade de produção. Um recurso que possivelmente não estaria disponível em Coimbra, tendo por isso sido escolhida aquela oficina tipográfica de Lisboa. Mas não só o grafismo era distinto, também os diferentes materiais de suporte de impressão eram de uma qualidade superior ao tradicional neste tipo de revistas: na capa foi usado um papel Gofrado colorido (de cor diferente em cada número), nas páginas do miolo usaram papel Vergê forte de cor creme, e nas páginas hors-texte com imagens foi usado papel Calandrado, ou com as imagens impressas em papel Calandrado e colado sobre papel Gofrado igual ao usado na capa. Finalmente, sobre as questões materiais devemos ainda referir que, na sua impressão, se usou a tradicional tipografia de chumbo, recorrendo nas imagens à fotogravura, calcografia e xilogravura. A encadernação foi brochada e cosida. 40 O termo rajada significa: golpe de vento violento e de pouca duração; um movimento súbito ou impulsivo. Conforme referimos na análise da revista Gente Nova, onde também mereceu um número especial, a actuação de Mimi Aguglia terá ocorrido em meados de Novembro de 1912, o que nos leva a supor que esta revista será dessa mesma data. Refira-se ainda que os números especiais destas duas revistas foram editados pela Livrarias Neves de Coimbra, sendo em ambos casos uma edição que não apresenta os normais editores de ambas as revistas. 42 Não pudemos confirmar essa informação sobre o número especial. Segundo observámos, as revistas desta época eram normalmente impressas nas cidades onde se editavam e/ou publicavam. 41 199 Como referimos, esta publicação apresentou como director artístico Correia Dias, um artista gráfico multifacetado (ilustrador e caricaturista, ceramista, vitralista, capista, cartazista, encadernador e desenhador de móveis e tapetes) que desenvolveu uma interessante obra artística ao longo da sua vida. Nascido no interior norte de Portugal, foi ainda jovem estudar para Coimbra onde fundou em conjunto com Christiano Cruz e Cerveira Pinto o “Grupo de Coimbra” (ver a análise da revista A Águia). Destacando-se pelo humorismo e caricaturismo, o seu trabalho cedo ganhou relevo a nível nacional, tendo colaborado como capista, ilustrador e caricaturista nas revistas A Águia, Límia e Gente Nova. Correia Dias foi um artista múltiplo e inovador, que carregava no seu trabalho muitas das tendências e aspirações modernas e de vanguarda. Porém, essa função renovadora do panorama artístico e cultural que lhe parecia estar destinada não foi concluída, pois em 1914 partiria para o Brasil onde continuou a sua obra, aliando-se aos artistas modernos naquele país (casar-se-ia com a escritora modernista brasileira Cecília Meireles). Segundo Rui Gonçalves, a partida de Correia Dias significou uma perda grave na estratégia da implementação da vanguarda em Portugal, uma vez que o público tendia a aceitar mais facilmente a modernidade nos objectos decorativos e utilitários, área de actuação de Correia Dias, do que na arte pura.43 Capa Figura 5.40. Capa da A Rajada, n. 2, Coimbra, Abril de 1912. A composição gráfica da capa desta publicação apresenta pequenas alterações entre o primeiro e os restantes três números, mas sem modificação de carácter e dos seus elementos fundamentais. Da autoria de Correia Dias, a capa d’A Rajada (fig. 5.40) apresenta um assinalável carácter Arte Nova que nos recorda a revista Ver Sacrum (Primavera Sagrada),44 e sobretudo dos primeiros trabalhos dos artistas da Sezessionstil onde ainda 43 Gonçalves, Rui. História da Arte em Portugal: pioneiros da modernidade. (Vol. 12). Lisboa: Publicações Alfa, 1993. 44 Ver Sacrum: Organ der Vereinigung Bildender Künstler Österreichs (Primavera Sagrada: Órgão dos Artistas Visuais da Áustria), publicada entre 1898–1903 pela Verlag Von E. A. SeemannII. Esta revista do movimento Sezessionstil (Secessão de Viena) dava voz ao conceito de Kunstwerk (obra de arte total), exteriorizando-se na forma como todas as etapas de preparação da revista (o texto, a estrutura e todos os elementos da linguagem gráfica) eram 200 pontuavam elementos alegóricos da pintura simbolista – aquele estilo de Viena tornar-se-ia posteriormente mais geométrico e próximo ao da Escola de Glasgow. Essa proximidade era dada por diferentes características. Por um lado a composição da capa d’A Rajada era dominada por uma ilustração de traço simbolista, pontuada por elementos alusivos ao subtítulo revista de crítica arte e letras: um braço erguido segurando na mão uma paleta, um pincel, uma pluma e uma lira, sendo este instrumento musical certamente uma alusão à figura mitológica de Orfeu, o poeta músico. Por outro, a impressão a uma cor (preto) sobre papel colorido (característica das capas dos primeiros números da Ver Sacrum), a organização dos elementos na capa, criando um eixo de força gráfica negando o equilíbrio centrado clássico, e os tipos de letra usados (sem patilha e fantasia de carácter Arte Nova) são todas características que se podem verificar nessa influência vienense. As hierarquias dos elementos textuais na capa são bem marcadas, com destaque para o nome da revista, o subtítulo e as identificações do director literário e director artístico. Devese destacar aqui a incomum apresentação do nome do director artístico, com o mesmo valor do director literário, evidenciando a sua importância neste projecto editorial. Uma presença que denota o reconhecimento da obra daquele artista múltiplo e inovador, que carregava no seu trabalho muitas das tendências e aspirações modernas e de vanguarda. Ideias que estavam na base da fundação desta revista. Estas informações supracitadas foram compostas em tipo fantasia de estilo Arte Nova e encontram-se inseridas no bloco da ilustração. Toda esta parte manteve-se estável, registando-se pequenas alterações apenas nos restantes elementos da capa, possivelmente em consequência de ligeiros ajustes compositivos. A ilustração apresenta à sua direita, na parte superior, a data e numeração da publicação, um bloco de texto justificado com a ajuda de elementos ornamentais. Na parte inferior, também à direita, foi impressa a informação do preço da revista – este último elemento encontrava-se no primeiro número da revista em corpo menor, alinhado com a base do rectângulo que enquadra a ilustração. A capa é ainda rematada com ficha técnica e termo de impressão, composto em tipo sem patilha e alinhado em bloco com a ajuda de elementos ornamentais – todos os demais elementos usam tipo fantasia. Este último bloco de informação também sofreria alterações entre o primeiro e restantes números: no primeiro era composto em seis linhas de texto, num bloco mais largo e justificado com ajuda de ornamentos florais; nos restantes é mais estreito, usando oito linhas e com ornamentos geométricos, mais de acordo com as opções gráficas do resto da revista. Páginas interiores A Rajada é uma das poucas revistas literárias deste período inicial do nosso estudo (primeiros anos da década de 1910) cujas páginas interiores foram impressas a duas cores (preto e vermelho), sendo ainda aplicadas outras cores de forma pontual nas páginas horstexte com imagens. O sumário da revista foi impresso no verso da capa, uma página onde o espaço foi partilhado com as condições de assinatura e publicidade. Contudo, aquele verso da capa sofreu algumas alterações na sua divisão ao longo dos quatro números, mantendo-se fixos apenas os conteúdos supramencionados. Assim, no primeiro número distinguem-se quatro áreas (fig. 5.41), estando vazias as duas reservadas a publicidade; nos restantes números o espaço foi dividido em três áreas, duas na metade superior e uma na inferior, ocupados respectivamente pelo sumário, condições de assinatura e um anúncio publicitário.45 Este concebidas de forma global. Ver Sacrum é um nome que foi retirado do título de um poema com o mesmo nome, e que celebrava a “Primavera sagrada” da civilização Romana. Os seus autores e colaboradores não pretendiam alcançar uma ruptura cultural radical, mas sim promover a arte austríaca, cultivando a arte como conceito orgânico e holístico da beleza artística. Ver: Heller, Steven. Merz to Émigré and Beyond: Avant-Garde Magazine Design of the Twenty Century. London: Phaidon Press, 2003: pp. 28–31. 45 A contra-capa e o verso desta eram ocupados por publicidade, incluindo um anúncio dos serviços prestados por Correia Dias. 201 verso da capa mantém as características estilísticas da capa, afirmando uma coerência gráfica que marcaria visualmente esta revista e que nos recorda, uma vez mais, o carácter da Ver Sacrum.46 Tal como naquela revista do Sezessionstil, A Rajada apresentou um cuidado e coerência estilística em todos os seus pormenores, incluindo a publicidade, visível nas “Condições” onde afirmavam que os “Annuncios” seriam “«Sempre illustrados» sendo o desenho e gravura por conta da Revista.”47 Ou seja, a publicidade não foi incluída nesta revista apenas como um meio de financiamento deste projecto editorial, obtendo por isso um tratamento no projecto gráfico, constituindo assim mais um elemento de afirmação de uma opção estilística. Figura 5.41. A Rajada, n. 1, Coimbra, 1 de Março de 1912: verso da capa com sumário e p.1. As trinta e duas páginas do miolo da revista (dos quatro números) patenteiam, uma vez mais, o cuidado e unidade estilística, visível também na coerência da estruturação gráfica que apresentou duas opções (fig. 5.42): uma coluna para textos em poesia, duas colunas, separadas por um filete em corondel, para os demais textos (prosa e outros). A primeira página d’A Rajada (fig. 5.41) apresentava um cabeçalho que se manteve igual em todos os números. Neste constava um conjunto de informações técnicas (data, local de edição, numeração, título da revista e identificação do director literário, do editor e proprietário e do director artístico). O título da revista e identificação dos cargos directivos da revista formavam um conjunto reproduzido através de um cliché tipográfico, com desenho original de Correia Dias e reprodução das assinaturas das entidades apresentadas, sendo os restantes elementos compostos em tipo fantasia de estilo Arte Nova. Saliente-se que o nome do director artístico volta a surgir, como na capa, com o mesmo destaque que o do director literário e o do editor, reafirmando-se assim a importância do papel desempenhado por Correia Dias nesta revista. Após o cabeçalho iniciava o conteúdo da revista com o título e 46 Meggs, Op Cit, 2000, p. 215. A Rajada, n. 1, Coimbra, 1 de Março de 1912: verso da capa. 47 202 correspondente texto de abertura de cada uma das edições. Esta primeira página mostra um equilibrado uso cromático que se estende a todas as páginas: cor vermelha na data e numeração (cabeçalho), nas cercaduras, título e capitular ornamentada de início de texto; cor preta no resto do cabeçalho, no texto, número de página, ornamentos e ilustrações ou gravuras (quando existem). Figura 5.42. A Rajada, n. 1, Coimbra, 1 de Março de 1912: pp. 4–5. Figura 5.43. A Rajada, n. 1, Coimbra, 1 de Março de 1912: p. 8 e hors-texte com desenho de Correia Dias. 203 O tratamento tipográfico dado às páginas é coerente e hierarquicamente bem definido. Os títulos nos textos em tipo romano ou fantasia de estilo Arte Nova, sempre rematados com ornamentos, vão-se repetindo em cabeçalho em todas as páginas correspondentes ao texto, e apresentam um corpo maior no que marca o início do texto, relativamente ao dos cabeçalhos das páginas de continuação (fig. 5.42). Os textos surgem sempre composto em tipo romano, assim como nas legendas, onde em alguns casos foi usado também tipo sem patilha. Os parágrafos são bem marcados com recuo (nalguns poemas foi usado parágrafo francês), o entrelinhamento é equilibrado e o alinhamento dos textos é justificado – nos poemas adapta-se à métrica própria. Relativamente às páginas hors-texte (fig. 5.43), no primeiro e terceiro número a estrutura gráfica destas páginas mantinha a aparência das demais páginas, não só na presença dos filetes que enquadravam a ilustração, mas também no cabeçalho com o título da imagem apresentada. No quarto número desapareceram os filetes a enquadrar os elementos, ganhando a composição uma liberdade expressiva que não estava mais limitada às fronteiras impostas pelas cercaduras. No segundo número não existem páginas hors-texte, surgindo apenas algumas ilustrações impressas em papel Couché e coladas dentro dos limites definidos pelos filetes que configuram as cercaduras das páginas regulares. Em conclusão podemos afirmar que esta revista apresenta um dos mais completos e interessantes projectos gráficos da época. Da autoria de Correia Dias, mostra conhecimento e domínio dos elementos da linguagem gráfica, cuidado na execução, configurando um trabalho global de edição de inegável qualidade. Pode-se inclusivamente dizer que aquele multifacetado artista gráfico terá desempenhado nesta revista a função que actualmente designamos por designer gráfico, criando um projecto que se aproxima da ideia de obra de arte total, o conceito de gesamtkunstwerk de Richard Wagner (1813–1883) muito em voga naquela época. Ou seja, Correia Dias mostrava uma preocupação projectual equivalente com todos os elementos gráficos, visuais e materiais na construção d’A Rajada, estando cada uma das partes pensadas dentro de um todo. Número Especial Este número dedicado à actriz italiana Mimi Aguglia, apesar de manter o tamanho e os materiais, apresenta algumas diferenças relativamente aos números ordinários da revista. Na capa as alterações são poucas (fig. 5.44), mantendo-se o bloco da gravura que inclui a ilustração, identidade e identificação do director literário e do director artístico. Os demais elementos que lhe são exteriores – conforme as outras capas desta revista – desaparecem aqui. A ausência desses elementos e a opção de centrar verticalmente a gravura na capa tornaram esta capa numa composição mais estática. A estas alterações da capa somam-se ainda o desaparecimento do sumário, dos anúncios e da publicidade no verso da capa, e também da publicidade na contra-capa e no seu verso. Opções que devem estar relacionadas não só com a exclusividade do tema, mas também pela exclusividade deste número especial. Nas páginas que constituem o miolo são mais significativas as diferenças. As páginas apresentam aqui uma organização e uma composição que se assemelha à estrutura gráfica de um livro de literatura clássico. Abre com um frontispício onde se dedica esta edição “A Mimi Aguglia”, e no seu verso (fig. 5.45), antecedendo a primeira página de texto, foi impressa em forma de cólofon a declaração de ser este um “número especial”, indicando-se ainda o editor e proprietário deste – curiosamente o mesmo do número especial da Gente Nova. 204 Figura 5.44. A Rajada, número especial, Coimbra, 1912: capa. Figura 5.45. A Rajada, número especial, Coimbra, 1912: pp. 2–3. 205 Figura 5.46. A Rajada, número especial, Coimbra, 1912: pp. 10–11. As páginas de texto (fig. 5.46) têm uma mancha de texto uniforme ao longo de todo este número especial da revista, usando na sua composição uma coluna de texto. A sua composição mostra um elegante uso dos espaços, equilibrando a composição com um jogo assimétrico de margens (inferior e exterior maiores que a superior e interior). Os elementos da linguagem gráfica usados são sóbrios, recorrendo a um tipo romano nos textos, e fazendo um bom uso das diferentes variantes da família tipográfica (negros, itálicos e versaletes) e caixas, para caracterização e hierarquização do texto. O texto tem um alinhamento justificado, com uma boa marcação dos parágrafos, usando o recuo da primeira linha e nalguns casos somando uma linha de intervalo. Não apresentando títulos nos textos, o seu princípio é marcado através da composição da mancha de texto, iniciando a meio da página e sendo antecedido pela identificação do autor em jeito de epígrafe num estilo Arte Nova (alinhada à margem esquerda da mancha de texto, e justificada com recurso a pequenos ornamentos gráficos). O fim dos textos é marcado com a inserção de uma pequena vinheta ornamental. Destacamos ainda o uso de uma capitular simples no início dos textos, e a presença da numeração de página centrada com a mancha de texto na parte inferior desta. Em resumo, este número especial da revista A Rajada destaca-se pela sobriedade clássica, rigor e neutralidade gráfica que lhe aportam uma nobreza visual. Esta diferença para com os demais números da revista justifica-se não só pela exclusividade temática deste número especial, dedicado à actuação de Mimi Aguglia em Coimbra, mas também por se tratar de um número saído a público numa data (meados de Novembro de 1912) posterior à publicação do último número ordinário da revista A Rajada, em Junho de 1912. Ou seja, trata-se de uma compilação de textos publicada numa situação que, pela sua extemporaneidade, poderá ter sofrido com um menor recurso económico para a sua produção, conduzindo ao uso de um modelo gráfico mais desadornado mas, ainda assim, sem comprometer a qualidade gráfica. 206 5.2.7. A Vida Portuguesa, revista de inquérito à vida nacional (1912–1915) Apresentação A Vida Portuguesa foi publicada no Porto, saindo um total de trinta e nove números entre 1912 e 1915. Nesse período apresentou como editor Costa Júnior e como directores Jaime Cortesão e Álvaro Pinto – estes dois directores estavam ligados ao movimento Renascença Portuguesa e à revista A Águia (1910). Esta revista apresentou uma diversificada colaboração literária, destacando-se Teixeira de Pascoaes, António Sérgio, Augusto Martins e os dois directores. Subintitulada como Revista de inquérito à vida nacional, esta publicação é um dos órgãos da Renascença Portuguesa – à semelhança d’A Águia –, surgindo em 1912 na sequência da fundação daquela sociedade cultural portuense. Seguia, por isso, os princípios estéticos já observados na análise d’A Águia e afirmava-se com um propósito de regeneração cultural nacional. Esta função que a Renascença Portuguesa propunha foi acompanhada paralelamente através de um vasto programa editorial. Nesse contexto, a revista A Vida Portuguesa constituiu um espaço literário aberto ao lançamento de uma série de estudos sobre as questões educativas, sociais, económicas, jurídicas, entre outras questões da “vida nacional”, somando-se ainda a publicidade aos livros ligados à Renascença Portuguesa. Comparativamente com a revista A Águia, esta é uma publicação bem mais singela do ponto de vista gráfico, não apresentando qualquer tipo de colaboração artística. Projecto gráfico Com um formato de 240x325mm, a revista A Vida Portuguesa apresentou uma aparência de jornal durante os trinta e nove números editados. Essa aparência advinha não só do papel Jornal usado, mas também do seu formato e da sua composição gráfica. Nesse sentido, não apresentava capa e a sua extensão variava entre as 60 e as 80 páginas. Foi impressa a uma cor (preto) em tipografia tradicional de chumbo nas oficinas da Tipografia Costa Carregal (Porto). Como vimos, esta era a oficina tipográfica onde também se imprimiu A Águia a partir da segunda série, parecendo-nos por isso uma opção natural – vimos como essa oficina tipográfica era regularmente escolhida por vários intelectuais da época para a impressão das suas obras. De referir ainda que, dado o seu grande formato, a encadernação era obtida a partir da junção de um conjunto de folhas dobradas em duas laudas. O facto de termos tido apenas acesso a tomos com os originais já encadernados, impediu-nos de verificar se existiria um sistema de encadernação dos números isolados. Páginas Como referimos, esta revista seguiu um modelo semelhante ao de um jornal, não tendo por isso uma capa individualizada, mas sim uma primeira página com um cabeçalho de identificação seguido do corpo de texto, apresentando as suas páginas sempre o mesmo esquema de composição gráfica. Este assentava num modelo com uma estrutura de três colunas de texto, sendo o corpo dos textos composto em tipo romano, variando os títulos entre o tipo romano, sem patilha e fantasia de diversos estilos entre os quais imperava o Arte Nova. 207 Figura 5.47. A Vida Portuguesa, nº15, Porto, 2 de Outubro de 1912: sp. O cabeçalho de identificação da publicação (fig. 5.47) era composto pelo título, subtítulo e uma ficha técnica (propriedade, termo de impressão, indicação de director e editor, contacto, preço de assinatura, numeração, data e preço). Um cabeçalho que se distinguia na composição através do uso de dois filetes simples na horizontal. O título da revista diferenciava-se dos demais elementos por ser composto numa curiosa associação entre tipo romano, usado no artigo “A”, e um tipo sem patilha com um desenho adornado nalgumas das suas terminações, somando-se um "S" destacado com um corpo maior. Opções que o tornam distinto e atribuem um carácter de logótipo àquele título. Após esse cabeçalho decorria o corpo da revista seguindo um modelo vertical de paginação, apenas interrompido em algumas ocasiões pela introdução de títulos que ocupam a largura de duas colunas. Em algumas ocasiões esse título quebrava o modelo de paginação vertical puro, definindo um espaço em que a paginação seguia um esquema 2+1 colunas de texto (fig. 5.49). Todas as páginas apresentavam título corrente composto por um filete simples horizontal, com a numeração de página (alinhado à margem exterior) e a identificação da revista (alinhado à margem interior). Os textos apresentam uma composição com alinhamento justificado, entrelinhamento equilibrado e marcação de parágrafos bem marcada com recuo. Notamos contudo que o modelo de três colunas forçou a uma largura de coluna insuficiente, não evitando a criação rios de branco na mancha de texto (veja-se como exemplo a última linha da coluna da esquerda na página 139 da fig. 5.49). Esta revista não apresenta nenhuma imagem, sendo apenas caracterizada graficamente pelo uso de alguns filetes, vinhetas ou ornamentos tipográficos na marcação e separação dos textos. Poderíamos resumir a análise desta revista afirmando que apresenta um grafismo aproximado ao de um jornal ordinário, bem impresso e com poucas preocupações estilísticas. Assim, caracteriza-se por uma uniformidade gráfica quebrada apenas em alguns casos através dos jogos tipográficos entre títulos e corpo de textos, e ainda na apresentação de anúncios comerciais ou publicidade a livros literários de autores da Renascença Portuguesa. Os anúncios e a publicidade aos livros distinguiam-se apenas pelo uso de texto composto em corpos de maior dimensão (fig. 5.48). Saliente-se ainda o intencional jogo 208 tipográfico usado na composição no nome da publicação na primeira página, introduzindo aqui, no sentido moderno, o conceito de imagem de identidade e logótipo. Figura 5.48. A Vida Portuguesa, nº15, Porto, 2 de Outubro de 1912: pp 62–63. Figura 5.49. A Vida Portuguesa, nº15, Porto, 2 de Outubro de 1912: pp. 138–139. 209 5.2.8. Alma Nova (1914–1930) Apresentação A revista Alma Nova foi publicada ao longo de seis séries separadas temporalmente em duas fases. A primeira fase da revista ocorreu entre 1914–1918 e foi formada pelas duas primeiras séries, tendo sido publicados um total de 25 números. As restantes quatro séries correspondem à segunda fase ocorrida entre 1922–1930, correspondendo então a mais 61 números publicados. Tendo em conta não só o hiato temporal entre as fases, mas também o facto destas apresentarem características distintas, decidiu-se separar a análise da revista de acordo com essas duas fases. Assim, iniciaremos aqui a análise das duas primeiras séries (a primeira série com doze números e a segunda série com treze), observando-se as restantes mais adiante [5.2.28. Alma Nova (1914–1930)].48 A primeira série da Alma Nova teve o seu primeiro número publicado em Faro a 20 de Setembro de 1914, estendendo-se ao longo de doze números editados entre 1914–1915. Esta série não apresentou um subtítulo fixo (veja-se a análise das capas) e caracterizou-se fundamentalmente por um cunho de propaganda à região do Algarve, onde se situa a cidade de Faro, encontrando-se nessa época bastante isolada relativamente ao resto do país. Ainda que a partir do segundo número, com a ida de Martins Moreno49 para Lisboa, o local de edição mudou para aquela cidade, ali permanecendo até final da publicação da revista. Ainda assim, grande parte do conteúdo e assuntos tratados são especificamente relacionados com a região do Algarve, sendo dado um natural destaque aos artistas originários daquela província. A revista Alma Nova ficou literariamente conotada, no seu conjunto, com a herança Decadentista e Simbolista, espelhando uma temática ao gosto finissecular. A edição e direcção da primeira série estiveram a cargo de Mateus Moreno. Na colaboração literária da primeira série destacaram-se, entre alguns escritores algarvios, Braga Paixão, Marcos Algarve (pseudónimo de Francisco Fernandes Lopes), Severinho, Teófilo Braga, Guerra Junqueiro, José Dias Sancho e Bernardo Passos. Literariamente evocava os princípios da Renascença Portuguesa e um propósito refundador da nação, motivo que terá dado origem ao título da revista. Na colaboração artística encontram-se fundamentalmente nomes de algarvios, destacando-se Francisco Padinha (clichés fotográficos), Boaventura Passos, Samora Barros e Carlos Lyster Franco. Estes dois últimos dirigiram artisticamente a revista entre o décimo e o décimo segundo números da primeira série, e serão mencionados adiante com mais pormenor. A segunda série teve treze números publicados entre Dezembro de 1915 e Janeiro de 1918, existindo então uma estabilização de todas as questões editoriais. A direcção e edição continuaram a cargo de Mateus Moreno, tendo a direcção sido partilhada então com António Bustorff. Nesta segunda série a revista passa a assumir uma abrangência nacional em detrimento da linha regionalista que presidiu à sua fundação, mantendo contudo alguns textos e gravuras com temáticas algarvias. Iniciou no número 13 com o subtítulo Revista ilustrada, tendo este sido alterado a partir do número 19 para Revista mensal ilustrada pelo ressurgimento das Artes, Letras, Sciencias e da Patria, marcando esta alteração o momento em que passou a dar mais ênfase à literatura e à arte. A colaboração literária ganhou um novo corpo onde se podem encontrar alguns nomes ligados à revista Orpheu. Entre muitos outros, destacamos Mário de Sá-Carneiro, Aquilino Ribeiro, Afonso Lopes Vieira, António Ferro, Alberto de Sousa, Augusto de Santa-Rita, Júlio Dantas, e ainda os brasileiros Corrêa Leal e Ronald de Carvalho. A colaboração artística deixa de ser exclusivamente ligada à 48 Neste estudo excluíram-se a quinta e a sexta série por terem sido publicadas fora da curva temporal definida para o nosso estudo. A quinta série foi publicada entre 1927–1929, e a sexta foi constituída por um número único publicado em 1930). 49 Martins Moreno mudou-se para Lisboa em finais de 1914, indo frequentar o curso de Matemáticas da Faculdade de Ciências, razão pela qual a redacção, administração e impressão da Alma Nova se mudou para aquela cidade. 210 região algarvia, incluindo agora participações de Saavedra Machado, Joaquim Lopes, Eduardo Romero, Martinho da Fonseca, Armando Lucena, Rui Pacheco, Rafael Bordalo Pinheiro, Diogo de Macedo, entre outros. O artista Saavedra Machado assumiria o papel de director artístico de toda a segunda série e, como veremos adiante, das posteriores séries. Projecto gráfico: 1ª série (1914–1915), 12 números. Com um formato 210x285mm, esta revista era composta por capa mole e um corpo de oito páginas impressos em ambos casos em papel Jornal (nos números 6, 7, 8 e 9 foi usado papel Jornal colorido), sendo substituído somente nas capas dos números 11 e 12, onde foi usado um papel Couché fino. Refira-se ainda que nas capas dos números 6, 7 e 8 as imagens ali presentes foram impressas em papel Couché fino e coladas sobre o papel Jornal. As páginas interiores foram impressas a uma cor (preto) enquanto as capas apresentaram variação nas opções cromáticas: a maioria recorreu a apenas uma cor, variando entre o azul, verde ou castanho, sendo as capas dos números 11 e 12 foram excepcionalmente impressas em duas cores. A impressão foi realizada por meio da tradicional tipografia de chumbo e fotogravura (similigravura nos meios tons), e a encadernação consistiu apenas na junção das folhas dobradas. Esta primeira série foi impressa em diferentes oficinas tipográficas. Os números 1 e 2 saíram da Tipografia Minerva Comercial (Évora), passando entre os números 3 e 10 para a Tipografia A. Modesta (Lisboa) e, finalmente, nos números 11 e 12 para a Tipografia José Soares e Irmão (Lisboa). Segundo verificámos,50 apesar de existirem oficinas tipográficas em Faro, a Tipografia Minerva Comercial era recorrentemente utilizada pela imprensa algarvia, ainda que a cidade de Évora se encontre a 238km de Faro e, como referimos, a região algarvia se encontrasse bastante isolada do resto do país. A posterior escolha de oficinas tipográficas situadas em Lisboa parece-nos normal, relacionando-se com a mudança da edição para aquela cidade. Como referimos, a direcção artística dos últimos 3 números foi conduzida por Samora Barros (1887–1972) e Lyster Franco (1880–1959), duas personalidades algarvias. O primeiro, natural de Albufeira, foi discípulo do pintor naturalista Veloso Salgado e estudou pintura no curso da Escola de Belas Artes de Lisboa. Destacou-se pela sua importante actividade em prol da divulgação e propaganda artística e cultural do Algarve, ficando então conhecido como o “pintor do Algarve”. A sua obra distingue-se sobretudo pela figuração típica das pessoas, costumes e paisagens algarvias representadas. Samora Barros participou em várias exposições da Sociedade Nacional de Belas Artes (1915, 1926 e 1946), tendo sido ainda fundador e professor da Escola Industrial e Comercial de Silves (Algarve), onde teve Maria Keil, importante ilustradora nacional, como aluna. Carlos Lyster Franco, natural de Lisboa, viveu em Faro a partir dos 21 anos. Concluiu a sua formação em pintura na Escola de Belas Artes de Lisboa em 1900, obtendo uma das melhores classificações no seu ano. A sua obra ficaria marcada pelo naturalismo de características umbrosas (influência germânica) e míticas. Juntamente com Samora Barros, foi um dos grandes divulgadores e propagandistas da região algarvia da época, juntando à sua contribuição na revista Alma Nova a direcção do jornal O Heraldo de Faro. A partir de 1917, aquele semanário republicano democrático dedicou uma polémica secção, intitulada 50 Verificou-se que no final da década de 1910 e durante a de 1920 vários títulos da imprensa periódica regional algarvia recorreram aos serviços daquela oficina tipográfica de Évora. Na obra consultada não encontrámos contudo qualquer indicação para esse facto. Ver: Branco, José. Subsídios para a história da imprensa algarvia – de 1833 aos nossos dias. Faro: Tipografia Caetano, 1938; Mesquita, José. História da imprensa do Algarve. Faro: Comissão de Coordenação da Região do Algarve, 1988–1989. 211 “Gente Nova”, à divulgação do movimento futurista português e seus artistas.51 Carlos Lyster Franco teve uma intensa e importante actividade na imprensa periódica do Algarve com a revista Alma Nova e principalmente com o jornal O Heraldo de Faro, sendo dono da oficina tipográfica onde era impresso o periódico, acompanhando de perto toda a sua concepção, composição e produção final. Foi pois uma personalidade importante não só pelo desenvolvimento da cultura algarvia mas, também, pela participação activa na revolução e mudança da cultura nacional da época.52 Capa53 A primeira série apresentou uma diversidade de configurações na capa, variando paralelamente com as alterações verificadas a nível editorial e reflectindo-se, ainda, nas constantes modificações do subtítulo da publicação. Tendo em conta essa diversidade, faremos aqui uma observação diacrónica das diferentes abordagens gráficas nas capas da Alma Nova. Os dois primeiros números assemelharam-se graficamente a um jornal, fundindo-se a capa com a primeira página. Aqueles dois números apresentam um cabeçalho com diferentes configurações. No primeiro número (fig. 5.50) foi delimitado verticalmente por dois filetes duplos, composto pelo título, subtítulo, locais de edição e ficha técnica da revista (contactos, identificação do director/editor e o termo de impressão). Um conjunto no qual sobressai o título composto em tipo romano, enquanto os restantes elementos criam uma aparência fragmentada não só pela diferença de posições e alinhamentos, mas sobretudo pela composição executada em diversas fontes de tipos romanos e sem patilha. Um exemplo evidente desta pluralidade verifica-se no subtítulo, apresentando uma composição fragmentada em dois corpos separados no espaço, em diferentes posições e usando um tipo romano condensado em caixa alta numa parte e sem patilha noutra. Uma opção gráfica que cria diferentes níveis de leitura e dificulta a sua percepção. Na parte superior do cabeçalho encontra-se ainda a data, o ano de edição e a numeração, sendo a primeira composta em tipo romano e as demais em tipo sem patilha. Esta variação de tipos de letra marcou também o cabeçalho do segundo número, mas naquele caso destacou-se o título composto em tipo fantasia de estilo Arte Nova. Como já vimos noutros casos aqui analisados, esta construção tipográfica pluriforme era muitas vezes um modelo adoptado pelas oficinas tipográficas, aplicando-se por ser um costume estabelecido. Curiosamente no primeiro número esse modelo não foi usado, mas tendo em conta o grafismo dos restantes números, a opção menos neutra pode ter sido intencional por parte dos directores da revista, apostando num grafismo que poderia ser considerado mais apelativo. 51 Na edição de 4 de Fevereiro de 1917 escreveu no editorial d’O Heraldo de Faro: “Futurismo. O incremento que entre nós vem tomando o Futurismo, essa estranha escola que teve como pontífice máximo em Portugal o requintado espírito de poeta que foi Mário de Sá-Carneiro, e as constantes solicitações que de vários adeptos de tal escola nos têem sido dirigidas para que publiquemos no “Heraldo” algumas de suas composições futuristas, ao que aliás de muito bom grado já temos accedido, levam-nos a ampliar nossa secção “Gente Nova” que fica desde hoje definitivamente consagrada aos futuristas.” A partir de então são publicados vários poemas de futuristas algarvios, lisboetas e estrangeiros, com destaque às inúmeras cartas de agradecimento de Almada Negreiros e do “Comité Futurista” ao apoio dado pelo dito jornal. O próprio Almada Negreiros divulga o seu manifesto K4 o quadrado azul, poesia terminus diz-se aqui o segredo do genio intransmissivel na edição de 29 de Abril de 1917. Ainda nesse mesmo ano Lyster Franco organiza em Faro uma exposição dos trabalhos de Jorge Barradas, que voltara de Paris, e que seria muito criticada por um discípulo de José Malhoa na edição de 17 de Junho de 1917. 52 Mesquita, Op. Cit., 1988–1989. Agradecemos ao autor José Carlos Vilhena Mesquita os esclarecimentos e informações prestados sobre a vida e obra de Carlos Lyster Franco. 53 Os exemplares originais consultados encontram-se encadernados, estando as capas dos números dois e dez em mau estado de conservação que nos impediu a sua reprodução – as regras internas das Bibliotecas assim o determinam. 212 Figura 5.50. Capa da Alma Nova, n. 1, Faro, 20 de Setembro de 1914. Figura 5.51. Capa da Alma Nova, n. 3, Lisboa, 1 de Dezembro de 1914. Após o cabeçalho daqueles dois primeiros números iniciava o corpo do texto seguindo um modelo de paginação vertical, dividido em três colunas separadas por corondel, em filete fino no primeiro número e filete duplo ondulado no segundo. O texto foi composto em tipo romano, com alinhamento justificado e boa marcação dos parágrafos. Nas colunas a 213 entrelinha é equilibrada, mas a separação inconstante nos parágrafos (alguns separados com espaçamento normal e outros por um espaço e meio) provoca desalinhamentos entre as linhas de texto das diferentes colunas. Esta configuração gráfica seria alterada no terceiro e quarto número da Alma Nova (fig. 5.51), subintitulada então como Revista ilustrada educativa – crítica e artes (as dimensões mantiveram-se). Uma transformação gráfica da capa que se relaciona seguramente com a alteração da oficina tipográfica que produziu então os novos números, pois à falta de um director artístico (chegaria mais tarde) o grafismo das edições era normalmente determinado pelos modelos apresentados pelas oficinas tipográficas. Nesta nova configuração a capa assume já um carácter próprio, passando os textos literários a surgir unicamente nas páginas interiores que conformam o corpo da revista. É um modelo de capa mais decorativo e apresenta um estilo próximo ao Arte Nova. A composição gráfica da capa é agora dividida em diversos espaços delimitados por filetes duplos, dando uma sensação de construção em mosaico entre os quais se distinguem três áreas verticais. Na primeira define-se o cabeçalho com o título da revista, composto em tipo Fantasia de características Arte Nova, e com o subtítulo a ser composto em duas linhas, cada uma com um tipo romano distinto. Na segunda área era colocada uma imagem relativa ao Algarve (na fig. 5.51 uma fotografia de Faro) intitulada “As Nossas Belezas” com a respectiva legenda e identificação do proprietário do cliché, ambas compostas em tipo romano. A imagem e os elementos textuais são aqui ladeados com elementos florais de decoração. A terceira área, na parte inferior, encontra-se em três espaços com os elementos que conformam a ficha técnica da revista: no centro estava a data, diversas identificações (director, proprietário, editor e secretário), valores da revista (avulso e assinatura) e anúncios; no espaço do lado esquerdo era indicada a direcção da redacção em Lisboa e o termo de impressão, e no espaço da direita os correspondentes em Faro. A composição tipográfica dos elementos neste espaço inferior recorreu a uma variedade de tipos, desde os romanos aos sem patilha, passando por um fantasia de estilo Arte Nova (na indicação das localidades de Lisboa e Faro). Na composição gráfica desta área inferior usaram ainda um conjunto de elementos florias, que reforçam o aspecto decorativista que referimos anteriormente. De referir ainda que a separação das três áreas foi ocupada com informação secundária: na superior está a indicação do ano, número e aviso “Colaboração dos principaes escritores do Algarve.” Entre o segundo e terceiro espaço indica-se que a revista conta com “Correspondentes nas principaes localidades do Paiz e Extrangeiro”. No número cinco houve nova alteração da capa (fig. 5.52) coincidindo com mais uma alteração do subtítulo, passando então a Revista ilustrada, educativa e de propaganda algarvia – literatura, sciencia, crítica e artes. Nesta nova capa que apenas teria esta configuração neste número cinco, foi dado grande destaque a duas fotografias de uma das “Belezas do Algarve”, o Palácio de Estoi (Faro), enquadradas com um filete meia-cana. Sobre essas imagens há um cabeçalho onde se apresenta o título e subtítulo da revista, secundados superiormente pela data e locais de edição, e inferiormente pela ficha técnica da publicação (ano e número, contacto, identificação de director, editor, proprietário e redactores, e ainda o termo de impressão). Exceptuando a data e local de edição, também o resto da informação era enquadrado por um novo filete meia-cana, que por sua vez enquadrava novamente a área das imagens. O título foi composto num tipo de letra fantasia de estilo Arte Nova e o subtítulo, dividido em duas linhas, usava na linha superior um tipo sem patilha e na inferior um tipo fantasia também de estilo Arte Nova reforçado pelo uso de dois pontos sobrepostos separando os termos desta segunda linha de texto. O resto do cabeçalho era composto com o recurso a diversos tipos de letra romano. Na parte das imagens, o título usava um tipo sem patilha e as legendas das imagens tipo romano, mantendo-se o uso diversificado de tipos de letra que 214 vem reforçar a nossa ideia de que esta seria um hábito da Tipografia A. Modesta (Lisboa) para a diferenciação de conteúdos. Figura 5.52. Capa da Alma Nova, n. 5, Lisboa, 1 de Fevereiro de 1915. Figura 5.53. Capa da Alma Nova, n. 8, Lisboa, Maio de 1915. 215 O número seis apresentaria nova alteração da configuração gráfica da capa, permanecendo inalterada até ao nono número (inclusive), passando o modelo anterior a servir como página de rosto da revista, como veremos adiante. Com novo subtítulo, Revista ilustrada – literatura, sciencias, crítica e artes, esta nova variante gráfica da capa (fig. 5.53) mostra um estilo Arte Nova mais evidente. Este é determinado não só pela composição gráfica do espaço, mas também pela presença de elementos ornamentais e tipográficos que apresentam feições consonantes com aquele estilo. A nível tipográfico o título retomou a mesma composição com tipo fantasia de estilo Arte Nova que tinha sido usada na capa do terceiro número (fig. 5.51). O subtítulo, que continua a ser dividido em duas partes, usa em “revista Ilustrada” um tipo romano em caixa alta e um tipo fantasia de estilo Arte Nova no centro da página (no restante do subtítulo) com os termos separados por dois pontos sobrepostos. Por baixo desta segunda parte do subtítulo está o contacto da administração e redacção composto com dois tipos romanos e um sem patilha. Contudo, apesar de continuar a existir variação tipográfica, esta é agora mais contida e organizada segundo uma divisão e caracterização de distintos conteúdos. Esta nova versão da capa passou a incluir o sumário, apresentado na parte inferior direita, composto com recurso a dois tipos romanos, bem hierarquizado, com alinhamento em bloco e parágrafo marcado com recuo. Por baixo deste e separado por um pequeno filete simples há ainda a indicação do preço, composto noutro tipo romano. A composição da capa é complementada com a inclusão de alguma ornamentação e uma imagem. Os elementos ornamentais, um friso vertical e um pequeno elemento separador no centro da página apresentam também características florais de estilo Arte Nova. Na imagem dá destaque a um dos colaboradores literários do número, surgindo a fotografia deste enquadrada por um caixilho de filete raso. Esta versão da capa destacou-se na primeira série não só pela sua continuidade e consistência, mas sobretudo pelo equilíbrio e elegância da composição gráfica. Os últimos três números desta primeira série apresentariam mais duas alterações da capa, existindo neste caso uma relação directa entre essa renovação gráfica e a entrada em acção dos directores artísticos Samora Barros e Carlos Lyster Franco. O décimo número é dedicado às “gentis leitoras” da Alma Nova, apresentando na capa um desenho académico de uma cabeça feminina da autoria de Samora Barros. A figura está centrada no espaço compositivo, rodeada por uma grande área de vazio e delimitada por um rectângulo em filete forte. Em cabeçalho o título da revista é composto numa letra de fantasia de desenho original e de formas orgânicas, provavelmente de Samora Barros, mas que apresenta um grande desequilíbrio no traçado das letras – as iniciais A e N do título muito carregadas e negras, enquanto as restantes letras são finas e pouco harmoniosas entre elas. O cabeçalho é ainda rematado na parte superior por dois espaços separados pelo preço da revista, mostram a informação técnica da revista (director, numeração e data na esquerda, moradas e contactos da redacção na direita) delimitados por rectângulos e filete ondulado. Sob o título surge uma vez mais um novo subtítulo, revista ilustrada algarvia, composto em tipo romano, enquanto a restante informação vai variando entre o uso desse mesmo tipo romano e um fantasia de estilo Arte Nova (assinatura da ilustração e preço de capa). Por fim, os números onze e doze apresentam uma capa com uma ilustração de Carlos Lyster Franco. A ilustração de Carlos Lyster Franco domina visualmente esta nova capa (fig. 5.54), reforçando a ideia apresentada em mais um novo subtítulo, Revista de propaganda do Algarve. A imagem que retoma a temática regional da publicação, remetendo para o Algarve através do uso de diversos elementos iconográficos (flora, paisagens, construções arquitectónicas, simbologia ou a valorização do Sol, entre outros). É uma obra pictográfica com raízes nas montagens litográficas típicas da época de transição entre um estilo Fin-desiècle e o Arte Nova, na qual o autor incluiu ainda o título e subtítulo, apresentando uma expressão plástica labiríntica na qual se nota, sobretudo, alguma deficiência na capacidade técnica no desenho das letras. Ainda que Carlos Lyster Franco tivesse uma actividade 216 prolífica, tendo sido proprietário de uma oficina tipográfica, indiciando conhecimentos sobre a concepção gráfica, composição e produção final de produtos impressos, denota aqui falta de capacidade na realização do desenho caligráfico que requeria uma formação técnica especializada, pois a litografia obrigava à realização do desenho invertido. Figura 5.54. Capa da Alma Nova, n. 11, Lisboa, Setembro de 1915. Esta última versão de capa da primeira série foi impressa a duas cores, usando vermelho no debruado das letras do título e no Sol da ilustração, e azul em todos os demais elementos plásticos e tipográficos da capa. Em rodapé apresentou ainda uma banda horizontal dividida em dois espaços com informação técnica da publicação, enquadrados por um conjunto de filetes de intestação e de meia cana triplo que salientavam a horizontalidade do rodapé. Na parte esquerda mostrava-se a data, numeração, morada da redacção e administração e o termo de impressão, e na direita o preço avulso da revista. Um conjunto de informações composto em tipo sem patilha, exceptuando a data e numeração que foi composta em tipo romano. Páginas interiores Tal como as capas, as páginas interiores também apresentam alterações na sua composição gráfica ao longo dos números. Assim, traçaremos aqui uma análise paralela à efectuada nas capas, observando diacronicamente as diferentes abordagens gráficas das páginas interiores da Alma Nova. Os dois primeiros números desta publicação (fig. 5.55 e 5.56) mostram uma semelhança gráfica com um jornal, tal como nas capas correspondentes, alternando o sistema de paginação entre os modelos vertical e o horizontal, segundo uma estrutura que variou entre duas opções: três colunas na capa e última página, e duas colunas nas demais páginas, estando em ambos os casos separadas por um filete duplo em corondel ou um ornamento floral nos versos. O texto foi todo composto em tipo romano, com alinhamento justificado, uma boa marcação dos parágrafos e um entrelinhamento equilibrado. Nos títulos os tipos de letra usados variaram sem uma ordem aparente entre o romano, sem patilha ou fantasia de diferentes estilos. 217 Figura 5.55. Alma Nova, n. 1, Faro, 20 de Setembro de 1914: pp. 2–3. Figura 5.56. Alma Nova, n. 1, Faro, 20 de Setembro de 1914: pp. 6–7. Em oposição à neutralidade ornamental e gráfica da capa e da última página, o miolo destes primeiros números da Alma Nova ficaram graficamente marcados por uma forte ornamentação de estilo Arte Nova. Este ficou patente nas páginas interiores deste número 218 pelo uso de vinhetas, ornatos, cercaduras e alguns tipos de letra fantasia nos títulos relacionados com aquele estilo gráfico. As imagens eram normalmente inseridas em corandel no centro da mancha gráfica (em casos excepcionais nas margens) e enquadradas por cercaduras que variavam a sua configuração. As páginas ficaram ainda caracterizadas pelo uso de um título corrente, sendo este composto pelo título alinhado com as margens exteriores, o fólio alinhado com as margens interiores, ambos compostos em tipo romano e sublinhados por um filete de fantasia. Figura 5.57. Alma Nova, n. 3, Lisboa, 1 de Dezembro de 1914: p. 1. A partir do terceiro número o grafismo da revista aparece renovado. A primeira página (fig. 5.57) inicia com um cabeçalho de identidade da publicação que repete os elementos técnicos já apresentados na capa (data, numeração, título, subtítulo, contactos, “termo de impressão”, etc.). Um conjunto de informação que é enquadrado à esquerda por uma ilustração, usada anteriormente como ornamentação das páginas (ver: fig. 5.56: p. 6), dividido por alguns filetes duplos e composto com o recurso de distintos tipos de letra romanos, sem patilha e fantasia de estilo Arte Nova. Após este cabeçalho, separado por um filete de meia cana, inicia o corpo de textos da revista. A mancha de texto estrutura-se agora de duas formas (fig. 5.58), adaptando-se à forma do seu conteúdo. Os textos em prosa apresentam um modelo de 3 colunas simples, compostas em tipo romano, com alinhamento justificado, uma entrelinha um pouco fechada e boa marcação de parágrafos. Porém, a estreita largura das colunas de texto acaba por provocar algumas inconsistências (espaços vazios) na uniformidade da mancha de texto. Na paginação de versos a estrutura gráfica adopta um modelo de duas colunas e com uma maior separação entre elas, com o texto composto em tipo romano iniciando com uma capitular simples ou ornamentada. Nos versos a entrelinha é mais aberta, provocando uma mancha visualmente mais leve e com mais espaço branco. Comparando com os números anteriores, mantêm-se globalmente as mesmas opções nos usos tipográficos e a influência do estilo Arte Nova nas ornamentações e tipos de letra fantasia, usados em alguns títulos, mas agora em menor quantidade e protagonismo. Também as imagens passam a ter menos 219 destaque na composição das páginas. Essa secundarização deve-se não só a um menor uso de ornamentação no seu enquadramento, mas também à sua colocação adaptada à largura e sequência das colunas de texto. Figura 5.58. Alma Nova, n. 3, Lisboa, 1 de Dezembro de 1914: pp. 4–5. Mantém-se o uso de título corrente mas com pequenas modificações. Este é agora composto em tipo romano itálico, sublinhado com um filete ondulado e com os alinhamentos trocados relativamente aos primeiros números: título da revista nas margens interiores e numeração de página nas margens exteriores. Regista-se ainda a existência do uso de uma variedade de vinhetas tipográficas e filetes de combinação ou fantasia Arte Nova, que marcam graficamente as páginas ainda que estas se tornem globalmente mais neutras. Com o aparecimento do número cinco verificar-se-iam duas alterações significativas. Uma relacionou-se com a organização gráfica das páginas, passando pelo uso de uma estrutura de duas colunas nos textos em prosa (fig. 5.59) e uma coluna nos versos. As páginas com versos apresentavam naturalmente mais espaço vazio, sendo este normalmente ocupado por ornamentação. Apesar de ter existido uma alteração da oficina tipográfica. Com o número seis passa a existir uma primeira página que apresenta um cabeçalho introdutório (fig. 5.60) que, como vimos nas capas, adoptou uma configuração gráfica igual à capa dos números anteriores (fig. 5.52). Um espaço onde se apresenta a identificação da revista (título e subtítulo). Esta era secundada superiormente pela data e locais de edição, e inferiormente pela ficha técnica da publicação (ano e número, contacto, identificação de director, editor, proprietário e redactores, e ainda o termo de impressão). Exceptuando a data e local de edição, o cabeçalho era enquadrado por um filete de meia-cana, seguido dos textos, ou podia em alguns casos enquadrar o resto da página, sobretudo quando esta incluía imagens sob a designação “Belezas do Algarve”. O título era composto num tipo de letra fantasia de estilo Arte Nova e o subtítulo, dividido em duas linhas, usava na linha superior um tipo sem patilha e na inferior um tipo fantasia Arte Nova. Um carácter que é reforçado com o uso de dois pontos sobrepostos separando os termos do subtítulo. O resto do cabeçalho era composto com o recurso a diversos tipos de letra romanos. 220 Figura 5.59. Alma Nova, n. 5, Lisboa, 1 de Fevereiro de 1915: pp. 2–3. Figura 5.60. Alma Nova, n. 6, Lisboa, Março de 1915: p. 1. Apesar das diferenças com os números anteriores e destes últimos terem sido impressos noutra oficina tipográfica, chama-nos a atenção o uso de algumas ornamentações tipográficas vistas nos dois primeiros números (fig. 5.56 e 5.60). Ainda que possa significar apenas uma coincidência de catálogos tipográficos adquiridos, esta repetição pode também 221 indicar uma situação que parecia ser recorrente na época, na qual era normal autores ou editores serem proprietários desse tipo de elementos tipográficos (clichés, ornamentos ou imagens), usando-os nos projectos em que colaboravam. Tal como nas capas, os três últimos números desta primeira série mudaram significativamente o seu aspecto gráfico. Uma alteração que, como supra-referimos, está relacionada com a acção dos directores artísticos Samora Barros e Carlos Lyster Franco. Nesta nova abordagem gráfica a estrutura das páginas segue um esquema de duas colunas, mas a grande alteração relaciona-se com a profusão de ornamentação de estilo Arte Nova. Esta torna-se abundante e é sobretudo de motivos florais, ainda que não exista uma uniformidade no estilo destes, dominando visualmente as páginas e criando diversos tipos de enquadramentos aos textos e imagens. Nota-se também um incremento no recurso às imagens que continuam a ser das paisagens algarvias ou dos autores e/ou obras destes. Mantém-se o uso de um título corrente com o número de página nas margens exteriores e o título da revista nas margens interiores. Este é sublinhado por um filete de meia cana a toda a largura da mancha gráfica. Tipograficamente o corpo dos textos continuam a ser compostos em tipo romano, usando nos títulos diversos tipos sem patilha, romano e fantasia. Este último mostra um estilo Arte Nova, à imagem do que se vê também nas assinaturas dos textos. Figura 5.61. Alma Nova, n. 11, Lisboa, Setembro de 1915: pp. 8–9. Em conclusão, tanto as capas como as páginas interiores desta primeira série da Alma Nova ficaram, de uma forma global, marcadas por uma indefinição de uma linha gráfica coerente, mostrando diversas alterações paralelas àquela que parece uma procura de um rumo editorial para esta publicação. Esta busca de orientação fica clara na forma como o subtítulo da revista sofre constantes alterações.54 As alterações da oficina tipográfica responsável pela sua produção apenas justificam uma parte das modificações dos modelos adoptados, pois também há alterações desses modelos dentro de uma mesma oficina. Assim parece-se 54 Não se encontraram pistas sobre esta questão nos textos das revistas. 222 existir sobretudo falta de formação técnica nos impressores responsáveis pela produção, levando-nos a crer que as oficinas teriam sido seleccionadas por questões meramente económicas em detrimento da qualidade – recordemos que o director da revista, Mateus Moreno, era na época ainda estudante. Pode-se contudo afirmar que o grafismo da revista ficou marcado pela presença de ornamentação e tipos fantasia de estilo Arte Nova. Mas se numa primeira fase este não passou de um recurso meramente decorativo que terá sido opção dos modelos usados pelas oficinas tipográficas, na última fase, nomeadamente nos últimos três números quando passa a contar com a direcção artística de Samora Barros e Lyster Franco, a profusão de ornamentação daquele estilo terá sido uma opção deliberada daqueles artistas. Um estilo que apenas foi quebrado nas capas dos últimos dois números, sobressaindo ali uma expressão de estilo Fin-de-siècle imposta no desenho de Lyster Franco. Projecto gráfico: 2ª série (1916–1918), 13 números.55 A segunda série da revista Alma Nova surgiu com um projecto gráfico renovado da responsabilidade do director artístico, Saavedra Machado, secundando um conjunto de alterações a nível editorial referenciadas na apresentação desta revista. Aquele artista foi discípulo do pintor naturalista Ernesto Condeixa e de Luciano Freire, frequentou o curso de Desenho na Escola de Belas Artes de Lisboa, e destacou-se fundamentalmente na sua actividade de pintor como caricaturista, ilustrador de livros e jornais.56 Ainda que não haja muita informação sobre a vida e obra de Saavedra Machado, o seu nome aparece ligado ao importante primeiro “Salão dos Humoristas” (Lisboa, 1912) que, como vimos anteriormente,57 foi considerada a primeira manifestação de Arte Moderna em Portugal. Esta sua actividade como director artístico da Alma Nova não passou desapercebida, merecendo uma nota de elogio nas páginas da revista (fig. 5.66), onde se pode ler: “Apraz-nos registar com entusiasmo os nossos agradecimentos à imprensa, pela maneira captivante como foi acolhida a entrada de Saavedra Machado, no número anterior, para a Direcção artística da nossa revista (...) Saavedra Machado não é um nome que aparece agora pela primeira vez nos elogios da imprensa. Artista já formado e um dos mais talentosos da nova geração, desde há muito que soube conquistar na crítica um lugar escolhido.”58 A partir do vigésimo número (Dezembro de 1916 – Fevereiro de 1917) a direcção artística da revista foi partilhada com o pintor e diplomata brasileiro Navarro da Costa (1883–1931). Este é identificado como “representando o Brasil”, surgindo certamente em consequência da intenção de internacionalização da revista, que alargou a sua representação àquele país, à Índia e ao continente africano. Contudo, a sua colaboração como director artístico resumiuse apenas à escolha das colaborações artísticas brasileiras. Esta segunda série da revista Alma Nova apresenta outra oficina tipográfica responsável pela sua produção, passando a ser impressa na Imprensa de Manuel Lucas Torres (Lisboa). Apresenta um tamanho menor que o da primeira série, medindo agora 180x260mm, aproximando-se de um formato “Super Royal” (oitavo), sendo constituída por capa e um corpo constituído por um conjunto de 16 a 32 páginas, impressas fundamentalmente a uma cor (preto) e com algumas reproduções de imagens em tricromia. A capa e as páginas de texto são em papel Corrente forte, estando as imagens impressas em papel Couché inseridas directamente nos cadernos, ou coladas sobre Cartolina colorida inseridas também 55 Os números 21, 22, 23 e 24 formam um número único que saiu a público em Dezembro de 1917. Saavedra Machado trabalhou também como desenhador no Museu Etnológico de Lisboa entre 1912–1920, desenhando e catalogando os objectos arqueológicos encontrados pelas equipas de escavação do Museu. Seria ainda ilustrador de inúmeros livros de diversos autores (entre outros, Bocage e Camilo Castelo Branco), caricaturista na imprensa periódica nacional e desenhador de Anatomia da Faculdade de Medicina (Lisboa). 57 56 Consultar o capítulo: 1.3.2. O período pré-Orpheu (1910–1914). Alma Nova, n. 15 (3), Ano II, Lisboa, Março de 1916: p. 43. 58 223 nos cadernos. A encadernação é brochada e grampada e a impressão da revista foi efectuada com recurso à tradicional tipografia de chumbo e a fotogravura (similigravuras nos meios tons e zincogravuras nos desenhos a traço). Capa A capa (fig. 5.62) manteve-se igual em todos os números desta série, sendo a montra de todas as alterações do grafismo que se verificaram no seu interior, como veremos adiante. Da autoria de Saavedra Machado, a capa fica marcada pela simplicidade, destacando-se o desenho de uma cabeça feminina inserido numa circunferência num expressivo traço fracturado e anguloso característico da obra daquele artista. A figura feminina é uma temática que já vimos noutras revistas59 e que normalmente estava relacionada com a vida boémia e nefelibata, característica sobretudo dos simbolistas – recordemos que esta segunda série surge após o lançamento da Orpheu, colaborando nela alguns dos mais importantes nomes daquela revista, não surpreendendo o paralelismo temático com o desenho simbolista da primeira capa daquela revista. Por outro lado, esta nova abordagem gráfica à capa da Alma Nova parece reforçar o subtítulo Revista ilustrada então apresentado. Figura 5.62. Capa da Alma Nova, n. 19, Ano II, Lisboa, Novembro de 1916. Nesta capa desenhada por Saavedra Machado destaca-se ainda o título da revista executado em letra litográfica, caracterizada por um desenho geometrizado adequado à expressão da figura feminina, formando assim um conjunto uniforme delimitado por uma bordadura quadrada com uma espessura semelhante à da letra. A capa era ainda rematada com a apresentação do número e preço no canto inferior direito, compostos em tipo romano. Uma capa que fica assim marcada por um grafismo expressivo comunicativamente simples e eficaz, espelho das qualidades artísticas de Saavedra Machado, autor da maioria das ilustrações e clichés identificadores ou cabeçalhos das diferentes secções da revista. 59 A figura feminina surge nas capas d’A Boémia (segunda série, 1914), A Galéra (1914–1915), A Renascença (1914), Orpheu (1915). 224 Páginas interiores Esta segunda série da revista Alma Nova apresentou um grafismo totalmente renovado nas suas páginas interiores. Abria com uma página preliminar (fig. 5.63) impressa no verso da capa, apresentando o seu conteúdo em três partes – manteve-se semelhante em toda a série. A primeira, situada na parte superior e delimitada por um rectângulo em filete de meia cana, faz a apresentação da revista. Na parte central está um rectângulo em filete duplo que acolhe o título, subtítulo e a imagem feminina igual à da capa (em escala reduzida). No resto dessa primeira parte é apresentada a ficha técnica da revista (os directores literários, a direcção artística, a administração e propriedade, os redactores, os representantes no estrangeiro, os preços e os contactos). Na segunda parte, também delimitada por um rectângulo, em filete fino, é apresentado o sumário e respectiva data e número da edição. Na parte inferior, na terceira parte, evidenciavam a colaboração mais destacada prevista para o “próximo número”. Esta informação era rematada em rodapé, separada por um filete fino, com a apresentação do termo de impressão. Esta página era composta maioritariamente em diferentes tipos romanos, e com apenas um elemento (“Os nossos colaboradores”) em tipo sem patilha. Figura 5.63. Alma Nova, n. 20, Ano II, Lisboa, Dezembro de 1916: verso da capa. A primeira página (fig. 5.64) do corpo da revista apresenta apenas ligeiros ajustes gráficos ao longo dos diferentes números desta segunda série. Em cabeçalho apresentava a identificação da revista, um espaço rectangular enquadrado por um filete duplo simples e onde se destacavam o título e a ilustração da capa (presente também na página preliminar). Para além do título, subtítulo e ilustração, os elementos informativos que complementavam o cabeçalho eram a identificação dos directores literários e artístico, numeração e data da publicação. Inserido num quadrado no lado direito estava a segunda parte do título Literatura, Sciencias e Artes, e a menção de que estava inclusa “Propaganda do Algarve”. Este conjunto de informações foi variando não só na sua disposição, mas alguns desses elementos alterariam a sua construção ou desapareceriam. No décimo sexto número (quarto da série) o subtítulo da revista passaria a Revista mensal ilustrada – pelo ressurgimento das Artes, Letras, Sciencias e da Pátria, desaparecendo as referências à propaganda algarvia. Com o desaparecimento dessa referência, a identificação dos directores passava para 225 dentro do quadrado, ficando a parte central reservada aos restantes elementos. No vigésimo primeiro número (nono da série) o subtítulo ficaria resumido a Revista mensal ilustrada de Arte, Sciencias e Literatura. Figura 5.64. Alma Nova, n. 14 (2), Ano II, Lisboa, Fevereiro de 1916: p. 17. Figura 5.65. Alma Nova, n. 16 (4), Ano II, Lisboa, Abril de 1916: pp 52–53. 226 As alterações não acarretaram modificações significativas na mancha gráfica, reflectindo-se apenas na disposição espacial e nas escolhas tipográficas de cada um dos elementos. Os tipos usados variaram entre o romano, sem patilha e o fantasia, alternando a sua utilização entre os diferentes números da revista sem nunca terem estabilizado. Alterações que contudo não acarretaram perda de identidade pois na globalidade o projecto gráfico mantevese uniforme. Nas restantes páginas (fig. 5.65, 5.66 e 5.67), a estrutura da mancha tipográfica onde assentava o texto variou entre uma e duas colunas, sem que se notasse uma relação com as características dos textos em verso ou prosa. A composição dos textos recorreu a tipos romanos e sem patilha, apresentando-se uniformemente compostos e com boa marcação de parágrafo. Os textos iniciam normalmente com uma capitular ornamentada ou simples. Nos títulos foram usados tipos romanos, sem patilha e fantasia, contrastando com tipos de diferente estilo quando existia um subtítulo, epígrafe, nota introdutória ou outro elemento intertextual. Nos tipos fantasia e ornamentações, usadas sobretudo na criação de alinhamentos nos títulos, subtítulos e identificação de autores, o estilo usado é o Arte Nova. Não existe contudo uma uniformidade gráfica no tratamento estilístico desses elementos. A estrutura das páginas está também marcada pela existência de um título corrente, formado pelo fólio alinhado às margens exteriores e o título alinhado com o centro da caixa de texto. Ambos são compostos em tipo romano e o título surge em versaletes. Figura 5.66. Alma Nova, n. 16 (4), Ano II, Lisboa, Abril de 1916: pp 54–55. 227 Figura 5.67. Alma Nova, n. 16 (4), Ano II, Lisboa, Abril de 1916: p. 72 e hors-texte. Figura 5.68. Alma Nova, n. 15 (3), Ano II, Lisboa, Março de 1916: pp 42–43. Na paginação desta segunda série da Alma Nova distingue-se ainda o uso de estreitos filetes finos que marcam partes dos títulos introdutórios de alguns textos (fig. 5.65 e 5.66), ou o uso de vinhetas de cabeçalho que marcam secções permanentes (fig. 5.68). Estas vinhetas e um grande número das ilustrações que povoam as páginas desta publicação são da 228 autoria de Saavedra Machado, e sendo o director artístico e principal colaborador artístico parece utilizar esta revista para divulgar a sua obra. Nas secções permanentes os títulos são compostos em tipo fantasia Arte Nova e sublinhados por filetes duplos. As imagens são impressas nesta revista seguindo duas opções. Nas páginas correntes da revista são inseridas respeitando a estrutura das páginas, ocupando a largura de uma das colunas. Essas imagens são quase sempre caricaturas ou ilustrações a traço, sendo estas últimas quase sempre de perfil humorista. Uma segunda situação é a inserção de imagens em páginas hors-texte, ficando este caso reservado à reprodução de ilustração ou criações artísticas de vários autores, ou ainda a algumas ilustrações humorísticas. Como referimos anteriormente, algumas dessas reproduções são policromáticas. Em conclusão, esta segunda série da Alma Nova distingue-se da primeira pela fixação de um carácter estilístico/formal do grafismo da revista, devendo-se seguramente ao desempenho de Saavedra Machado como director artístico. Mostra uma estrutura gráfica estável, ainda que pouco uniforme nalgumas opções tipográficas e ornamentais que se podem dever a limitações técnicas e de meios da oficina tipográfica. Mantêm-se o recurso a elementos tipográficos (tipos e ornamentos) de estilo Arte Nova como uma opção sobretudo decorativista, mostrando as fragilidades de um estilo que nunca se afirmou inteiramente em Portugal. Nota-se contudo no labor de Saavedra Machado uma vontade de uniformização dos elementos caracterizadores da revista, através sobretudo da criação de originais vinhetas de cabeçalho. Nesse sentido, mostra neste artista uma capacidade projectual e o entendimento do conceito de identidade editorial, podendo-se caracterizar a sua actividade como a de um moderno designer gráfico e/ou director de arte. 229 5.2.9 A Boémia, revista mensal de literatura e arte (1914) Apresentação A revista A Boémia, subintitulada Revista mensal de literatura e arte, iniciou a sua publicação no Porto em Janeiro de 1914. Apresentou duas séries, tendo sido publicados três números na primeira e dois na segunda. Segundo Clara Rocha,60 este título foi resgatado de dois nomes de revistas do século anterior, Boémia Nova (1889) e Boémios (1899), nas quais haviam colaborado Eugénio de Castro e Júlio Brandão – dois dos mais destacados colaboradores literários da publicação aqui analisada. A primeira série desta revista foi editada por Amadeu Santos e dirigida por Alfredo Mota, apresentando uma lista de nomes na colaboração literária que, para além dos supracitados, incluía ainda Manuel de Moura e João Grave, entre outros. Escritores que seguiam linhas estéticas que iam do decadentismo-simbolista de gosto finissecular (influência de Baudelaire e Mallarmé) ao lirismo ao gosto tradicional ou popular (sentimentalista de raiz autóctone). A segunda série, editada a partir de Julho de 1914 (finalizaria neste mesmo ano), manteve o mesmo director e teve como novo editor Adelino Guimarães (um dos redactores da primeira série). O conjunto de colaboradores literários também se manteve praticamente o mesmo, exceptuando algumas colaborações isoladas. A colaboração artística é pouco significativa na primeira série, sendo ligeiramente mais notada na segunda, destacando-se João A. Ribeiro como autor da capa e Virgílio Ferreira na caricatura. As duas séries apresentam características gráficas e de formato distintas, justificando por isso uma análise diferenciada. Projecto gráfico: 1ª série (1910–1911), 3 números Com um formato 160x240mm equivalente à proporção 2:3, a primeira série da revista Boémia era normalmente composta por capa (mole) e um corpo de páginas interiores que variava entre as 8 e as 16 páginas. Esta publicação foi toda impressa apenas a uma cor (preto) na Typographia Cunha (Porto), usando na capa um papel corrente calandrado e colorido, sendo corrente calandrado (branco) nas páginas interiores. Refira-se ainda que a revista foi impressa usando a tradicional tipografia de chumbo e a fotogravura, sendo a encadernação brochada e grampada. Capa A estrutura gráfica da capa (fig. 5.69) desta publicação foi constante ao longo dos três números desta série, apresentando-se semelhante a uma página preliminar pelos elementos que a constituem e aparência visual – ver adiante a página preliminar da segunda série desta revista. Esta questão e o uso de um papel corrente calandrado para a capa, deixamnos a ideia da existência de poucos recursos económicos neste projecto, o que justificará ainda tão pouca quantidade de números editados. Na parte superior e em jeito de título corrente está a numeração alinhada a um dos lados (à esquerda no primeiro número e à direita a partir do número dois), a data da revista ao centro e a série na esquerda a partir do número dois, sempre compostos em tipo sem patilha. Este elemento informativo em cabeçalho está separado do resto da capa por um filete duplo, sendo seguido pelo subtítulo e título da publicação. Estes, por sua vez, são compostos com dois tipos romanos de estilos distintos, hierarquizados com maior destaque no título, sendo rematado por um filete de fantasia, tudo com alinhamento centrado. 60 Rocha, Op. Cit., 1985, p. 249. 230 Figura 5.69. Capa da A Boémia, n. 1, Porto, Janeiro de 1914. Depois surge um segundo conjunto de informação dividido em duas partes, formando uma mancha gráfica que ocupa um pouco mais da metade direita da capa. Na parte superior está a identificação do director e redactores composto em tipo sem patilha, seguido da indicação da propriedade em tipo romano. Este primeiro bloco de informação está em parte alinhado segundo um eixo definido pelo início dos nomes dos autores, mas quebrado pela indicação da propriedade. De seguida está o sumário enquadrado por uma cercadura simples de cantos arredondados, e composto em dois tipos romanos distintos. A organização deste sumário é tradicional, notando-se apenas o uso de letra em caixa alta em variante cursiva, usada de forma indistinta nos títulos dos textos e secções da revista. Finalmente, configurando um terceiro grupo de informação, surge na parte inferior a identificação do director, morada e termo de impressão, sendo o primeiro composto em tipo sem patilha e os restantes em diferentes tipos romanos. Os alinhamentos são aqui diferenciados consoante o conteúdo, variando entre o centrado do termo de impressão e alinhamento indefinido no resto dos elementos. Supomos que esta tenha sido uma opção dos impressores, tentando mostrar alguma capacidade técnica e adornar visualmente a capa. Apesar de toda a variedade de tipos de letra, tipologia dos elementos gráficos e alinhamentos, as hierarquias acabam por estar bem determinadas, destacando-se claramente nesta capa o título e o uso de diferentes conjuntos de informação. Por outro lado, é interessante verificar que essa variedade parece um prenúncio da exuberância tipográfica do interior da revista, como veremos seguidamente. Páginas interiores A primeira página (fig. 5.70) de cada número d’A Boémia apresentou sempre um cabeçalho com a mesma estrutura gráfica. Neste constava superiormente a numeração e data da publicação, seguido pelos título e subtítulo num espaço separado por um filete simples em cima e um de intestação em baixo. O cabeçalho tinha ainda a apresentação da informação técnica (identificação do director, do editor, dos redactores, propriedade, morada e termo de 231 impressão). A repetição deste conjunto de informação visível na capa verifica-se nesta e em várias outras revistas, justificando-se pelo facto de serem pensadas para uma encadernação em volumes, tendo as capas um carácter descartável. Toda aquela informação foi composta com diferentes tipos de letra, indo do romano ao sem patilha de diferentes famílias. Após este cabeçalho, rematado com um filete simples, iniciava o corpo textual da revista sem que se possa definir uma característica para a composição gráfica da revista. Ou seja, o corpo da revista que sucede a esse cabeçalho não tem uma estrutura gráfica uniforme nem coerente. Ainda que o texto tenha sido composto apenas numa coluna, a organização dos elementos (textos, títulos e outros elementos gráficos) na composição desta e das seguintes páginas variou bastante. Figura 5.70. A Boémia, n. 2, Porto, Fevereiro de 1914: p.1. O corpo da revista variou entre as 8 e as 16 páginas e apresentou sempre uma grande variedade de elementos tipográficos em quase todas as páginas. O único elemento comum nas páginas e que se manteve inalterado em todos os números foi o título corrente. Este era constituído por um filete simples, tendo em cima o nome da publicação, alinhado ao centro, e a numeração de página alinhada à margem exterior. Nas páginas, os textos iniciavam sempre com um título composto com um tipo de letra diferente, variando entre diversos tipos romanos e de fantasia, sendo ainda marcados graficamente com filetes simples, duplos, ondulados ou fantasia. Os textos eram organizados numa coluna com alinhamento justificado e uma boa marcação de parágrafos. Uma mancha gráfica que apenas variava quando se apresentava poesia, sendo nesse caso centrada no espaço. O corpo dos textos era composto em tipo romano, sendo os destaques no texto em tipo romano de estilo diferente ou com um tipo fantasia (ver: fig. 5.71: p.2; fig. 5.72: p.2). Os textos eram rematados com o nome do autor, variando mais uma vez entre diferentes tipos romanos e fantasia, com filetes fantasia e no número três desta série também com vinhetas ornamentais ou figurativas colocadas em pé de página (fig. 5.73 e fig. 5.74). Alguns textos (prosa e poesia), sem que se tenha descortinado um critério específico para além do decorativo, eram marcados com uma cercadura ornamental (fig. 5.73). Em casos pontuais verificou-se ainda o uso de capitulares ornamentais no início dos textos (fig. 5.70). 232 Figura 5.71. A Boémia, n. 1, Porto, Janeiro de 1914: pp. 2–3. Figura 5.72. A Boémia, n. 2, Porto, Fevereiro de 1914: pp. 2–3. 233 Figura 5.73. A Boémia, n. 2, Porto, Fevereiro de 1914: pp. 4–5. Figura 5.74. A Boémia, n. 3, Porto, Março de 1914: pp. 2–3. Relativamente às imagens, a revista A Boémia usou-as pouco nas suas páginas, entre 1 a 2 imagens por edição, sendo estas normalmente reproduções de desenhos ou pinturas de artistas menores. As imagens eram normalmente enquadradas por uma moldura de filetes ornamentados (ver: fig. 5.70). Uma última referência para a presença de publicidade que 234 ocupava o verso da capa e preenchia ainda o verso da contra-capa, mas sem valor artístico digno de referência. Esta primeira série fica assim marcada por um tratamento tipográfico aparentemente incoerente, mas que como já vimos anteriormente61 indicia uma persistência do estilo gráfico comercial e popular com origem na segunda metade do século XIX, no qual se usava uma grande diversidade de famílias tipográficas numa mesma composição. Por outro lado, a fraca qualidade do papel usado e a curta duração desta revista permitem-nos supor que a direcção não possuía meios financeiros suficientes para suportar o custo das boas produções. Ou seja, a falta de recursos terá conduzido à escolha de uma oficina tipográfica condicionada por razões meramente económicas, em detrimento de outra com melhor capacidade produtiva. Projecto gráfico: 2ª série (1914), 2 números A segunda série da revista A Boémia apresenta um projecto gráfico totalmente distinto. Os dois números desta série continuaram a ser editados no Porto, ainda em 1914. O editor desta série foi Adelino Guimarães, a colaboração literária manteve-se sensivelmente a mesma e não se registou alteração na orientação estética-literária indicada na primeira série. Na colaboração artística destacam-se agora os nomes de João A. Ribeiro, autor da capa, e Virgílio Ferreira nas caricaturas. O formato desta série é ligeiramente menor, 150x220mm, sendo os dois números constituídos por capa (mole) e um corpo de páginas que variou entre as 16 e as 32 páginas. A oficina tipográfica responsável pela produção foi então a Empresa Gráfica “A Universal”, também do Porto. Toda a publicação foi impressa apenas a uma cor (preto) em papel couché nos sistemas tradicionais de tipografia de chumbo, fotogravura e litografia na capa, sendo a encadernação brochada e grampada. Capa A nova e distinta configuração da capa (fig. 5.75) é agora dominada por um desenho da autoria do pintor João Augusto Ribeiro (1860–1932), formado na Academia Portuense de Belas-Artes. Uma imagem simbólica onde a figura feminina remete pela sua forma de vestir para a ideia de vida mundana, desregrada e sem preocupações, ou seja, uma vida boémia. A imagem litográfica inclui ainda o título e subtítulo da revista em letra caligráfica/litográfica com influência do estilo Arte Nova. Contudo, o autor revela deficiências no domínio do desenho da letra, notórias sobretudo na falta de unidade no traçado tipográfico das letras do subtítulo – recordemos que a reprodução litográfica obrigava a desenhar as letras invertidas. A ilustração foi enquadrada na parte superior por dois filetes de canto ornamentados, encaixando a data (centrada) e dando suporte à numeração (alinhada nas margens esquerda e direita) em jeito de título corrente. Estes elementos informativos foram todos compostos no mesmo tipo sem patilha. De uma forma global, esta capa resulta num conjunto mais apelativo do que a da primeira série, induzindo simbolicamente a imagem ao decadentismo-simbolismo que governava a linha estética-literária desta revista. 61 Ver capítulo: 5.2.1. A Águia, revista quinzenal ilustrada de literatura e crítica (1910–1932) 235 Figura 5.75. Capa da A Boémia, n. 1, 2ª série, Porto, Julho de 1914. Páginas interiores A segunda série abre com uma página preliminar no verso da capa, ocupando o lugar que antes era dado à publicidade – mantém-se no verso da contra-capa e surge agora também numa página no meio da revista, mas continua a não merecer destaque. Esta página preliminar (fig. 5.76) d’A Boémia apresentava um cabeçalho onde constava o título e subtítulo, sendo o primeiro composto num tipo fantasia de estilo Arte Nova e o segundo em tipo romano. Esses dois elementos estavam separados horizontalmente por um ornamento e verticalmente por um filete de fantasia, ambos de estilo Arte Nova, havendo um destaque hierárquico para o título, enquanto o subtítulo surgia à direita organizado de forma vertical com alinhamento central. Sob esse cabeçalho surge um bloco informativo com a apresentação da informação técnica (identificação do director, do editor, propriedade, morada, condições de assinatura e preços). Após nova separação vertical com um filete de fantasia, era apresentado o sumário enquadrado por uma moldura de filete simples com duas espessuras, simulando alguma volumetria e criando destaque nessa parte da informação. Finalmente, e num pequeno bloco de texto na parte inferior esquerda, estava o termo de impressão. Toda esta informação foi composta num só tipo de letra romano, mostrando desde logo uma abordagem gráfica completamente diferente da primeira série. O corpo da revista que sucede a essa página preliminar vai-se revelar também, relativamente à série anterior, bastante diferente e graficamente sóbrio (fig. 5.77). O texto em prosa é composto numa única coluna, variando os versos entre o uso de uma e duas colunas, parecendo ser esta última opção mais uma consequência de gestão de espaço condicionado à dimensão dos versos e estrofes. O tipo de letra usado no corpo do texto é o romano, composto com um corpo generoso e uma entrelinha cerrada provocando uma mancha de texto escura e pesada. No caso das páginas de poesia esse efeito é atenuado pela área de vazio que acontece de forma natural (fig. 5.79). 236 Figura 5.76. A Boémia, n. 1, 2ª série, Porto, Julho de 1914: verso da capa e p.1. Figura 5.77. A Boémia, n. 1, 2ª série, Porto, Julho de 1914: pp. 2–3. 237 Figura 5.78. A Boémia, n. 1, 2ª série, Porto, Julho de 1914: pp. 10–11. Nas páginas, os textos iniciavam sempre com o título do texto composto num tipo sem patilha, em versaletes e sublinhado com um filete simples (fig. 5.78). O texto da primeira página (fig. 5.76) era encabeçado por uma vinheta (ilustração de uma paisagem) e, como os demais textos em prosa, iniciava com uma capitular simples em tipo romano. Os textos em prosa eram ainda organizados numa coluna com alinhamento justificado e uma boa marcação de parágrafos. Como referimos, essa mancha gráfica dos textos variava apenas quando se apresentava poesia, sendo nesse caso centrada no espaço ou ajustada às margens nos casos em que se usavam duas colunas. Todos os textos finalizavam com a identificação do autor composto em tipo sem patilha. Nos casos em que fim de um texto e o início do seguinte coexistiam na mesma página, a sua separação era marcada com um discreto ornamento floral (fig. 5.78: p. 11). Exceptuando a primeira página, as que apresentam imagem e as que têm publicidade, todas as demais páginas têm um título corrente. Este é alinhado à margem exterior, composto em tipo romano e constituído pela numeração de página e título da revista, estando este último apoiado sobre por um filete simples que ocupa cerca de um terço da largura da coluna de texto. Nesta série d’A Boémia existem entre uma a duas imagens por edição, mas adquirem um rumo estético distinto das que se podem observar na primeira série. As imagens tomam páginas inteiras (fig. 5.79) e são agora caricaturas de personalidades desenhadas por Virgílio Ferreira. Este autor segue a linha de revolução estética lançado pelo Grupo de Coimbra,62 tendo participado previamente na revista A Águia (Porto, 1910–1932) onde a sua colaboração ficou na sombra de nomes mais importantes do panorama artístico nacional. A revista encerrava na contra-capa com uma vinheta mostrando uma figura feminina a tocar harpa e uma citação composta em tipo sem patilha. A citação relaciona-se com o título da 62 Ver capítulo: 5.2.1. A Águia, revista quinzenal ilustrada de literatura e crítica (1910–1932). 238 revista, remetendo para a obra Scènes de la vie de bohème do poeta francês Henri Murger (1822–1861): “A boémia é o estágio da vida artística; o prefácio da academia”.63 Figura 5.79. A Boémia, n. 1, 2ª série, Porto, Julho de 1914: pp. 6–7. Como referimos, os dois números desta série exibiram publicidade no miolo e no verso da contra-capa. Ainda que os anúncios não tenham um valor digno de nota no âmbito do nosso estudo, assinalamos o facto de serem compostos quase sempre com os mesmos tipos usados na paginação do resto da revista, revelando cuidado na sua elaboração gráfica. Assinale-se ainda a presença de publicidade a Marques Abreu, gravador que segundo Rui Canaveira64 mantinha boas relações com vários intelectuais da época, entre os quais se encontrava João Augusto Ribeiro, autor da capa. Em conclusão, esta segunda série d’A Boémia apresenta-se graficamente bastante diferente da primeira, tendo um carácter mais neutro e apresentando uma coerência de composição gráfica e tipográfica em todas as páginas da revista. Contudo, estas contrastam bastante com a capa, uma diferença que encontramos diversas vezes neste tipo de publicações, não coincidindo o estilo das capas com o das páginas interiores. Esta diferença reside, fundamentalmente, na entrega da criação e/ou composição das duas partes, capa e páginas, a diferentes individualidades. Neste caso, a capa terá sido um encargo feito ao artista João Augusto Ribeiro, enquanto a organização gráfica e composição das páginas foi seguramente da responsabilidade dos técnicos da Empresa Gráfica “A Universal”. A qualidade de impressão melhorou relativamente à série anterior, podendo estar ligado a uma maior presença de publicidade na revista e a um benefício financeiro daí retirado. Porém, a curta duração da revista, e desta segunda série em particular, não nos permitem retirar maiores conclusões sobre estas questões – não encontrámos qualquer referência ou indicação relativamente a estas questões. 63 Esta obra, adaptada a peça de teatro em 1849, e a livro em 1851, está também na origem de três óperas (com libreto em italiano): a mais conhecida “La Bohème” de Giacomo Puccini (1896), a “La Bohème” de Ruggero Leoncavallo (1897) e a zarzuela espanhola “Bohemios” de Amadeo Vives (1904). 64 Canaveira, Op. Cit., 2002, p. 92. 239 5.2.10. A Galéra, revista quinzenal de arte e sciencia (1914–1915) Apresentação A revista A Galéra foi editada em Coimbra e teve o primeiro número publicado a 28 de Novembro de 1914, tendo saído em total seis números65 – o quinto e sexto números foram publicados sob a forma de um número duplo, constituindo um tributo ao escritor António Nobre (1867–1900). A publicação ostentou no primeiro número o subtítulo revista quinzenal de arte e sciencia, subintitulando-se a partir do segundo número como revista de lettras, arte e sciencia. Teve como editor José da Costa Cabral, sendo os principais nomes da direcção António Alves Martins, Ferreira Monteiro e Garcia Pulido. Entre os colaboradores destacam-se os nomes de Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, Alfredo Guisado, Afonso Lopes Vieira, Tito Bettencourt ou Eugénio de Castro. Escritores que abraçavam linhas estéticas decadentista e simbolista (influência de Baudelaire, Verlaine Rimbaud e Mallarmé).66 Esta revista teve como director artístico Tarquínio Bettencourt, aparecendo este cargo somente assinalado no primeiro número. Na colaboração artística, para além do director artístico que foi o autor da capa, surgem ainda os nomes de Teixeira de Carvalho, Saul d’Almeida e Alberto de Oliveira. Projecto gráfico Com um formato 170x245mm, a revista A Galéra era constituída por uma capa (mole) que foi impressa em papel couché fino no primeiro número, e papel corrente calandrado nos restantes números. As páginas interiores eram em papel corrente calandrado, variando entre as 16 e as 32 páginas – o número duplo que aglutina a quinta e sexta edição apresentou 48 páginas. A partir do segundo número somava-se ainda uma folha em duas laudas, em cor diferente, que envolvia o miolo. No segundo e terceiro número verifica-se também a presença de uma folha hors-texte com imagem impressa em papel couché sobre cartolina colorida, sendo a imagem do terceiro número reproduzida a três cores. Esta publicação foi toda impressa apenas a uma cor (preto), tendo como única excepção uma imagem em hors-texte no número dois, que foi impressa a 3 cores. A revista foi produzida na Typographia Minerva67 (Famalicão) através da tradicional tipografia de chumbo e fotogravura, sendo a encadernação brochada e grampada. Capa Esta revista apresentou duas capas distintas. Uma no número um e outra para os restantes números. A capa do primeiro número (fig. 5.80) é dominada por uma ilustração simbolista (reprodução em meios tons) de Tarquínio Bettencourt, do qual se sabe apenas que era irmão gémeo do escritor Tito Bettencourt, ambos amigos de Mário de Sá-Carneiro.68 Na ilustração vê-se em fundo um plano de água com uma embarcação que será uma galera, sendo esta uma embarcação que se distingue por se mover com o recurso de remos e velas. Acreditamos que ela surge aqui como um símbolo de um esforço conjunto que pretende conduzir à vitória dos “novos”, que haveriam de configurar o grupo de artistas da vanguarda portuguesa, sobre o pragmatismo burguês, tendo o nome pela sua força simbólica sido 65 No final do quarto número anuncia-se que com o número duplo “termina assim a 1ª série (1º trimestre de «A Galéra»). A Galéra, n. 4, Porto, 1 de Fevereiro de 1915: s.p. 66 Rocha, Op. Cit., 1985, p. 247. Sobre esta oficina tipográfica consultar o capítulo: 5.2.3. O Ave, gazeta de Santo Thyrso (1912–1913). 67 68 A falta de dados sobre Tarquinio Bettencourt é apontada por François Castex em “Recensão crítica a 'Mário de Sá-Carneiro. Fotobiografia”, onde afirma: “haverá de estranhar, também, a ausência da menção de certos amigos de Sá-carneiro que tiveram papel de maior ou menor relevo no percurso do escritor: os irmãos gémeos Tito e Tarquínio Bettencourt, cuja semelhança o fascinava (...)” Ver: Castex, François. “Recensão crítica a ‘Mário de Sá-Carneiro. Fotobiografia’, de Marina Tavares Dias”. Em: Revista Colóquio/Letras. Recensões Críticas, n.º 113/114. Janeiro de 1990: p. 226. 240 adoptado para título da revista. A ideia de vitória é ainda simbolizada na figura feminina alada, que supomos ser uma referência mitológica à deusa grega Nike (vitória). Notamos semelhanças entre a figura da capa e a conhecida escultura grega Vitória de Samotrácia, actualmente no Museu do Louvre (Paris), que representa precisamente essa deusa e está assente sobre uma base que simboliza a proa de uma embarcação. Recorde-se que esta escultura serviu a Filippo Marinetti como termo de comparação, no ponto 4 do seu Manifesto del Futurismo (1909),69 afirmando que havia mais beleza na velocidade do automobile ruggente do que na Vitoria de Samotracia. Contudo, acreditamos que nesta capa a figura não representa a vitória, mas sim a entidade responsável por entregá-la ao vitorioso. Um acto simbólico fortalecido na representação pictórica na forma como aquela figura mitológica pinta o título da revista. Figura 5.80. Capa d’A Galéra, n. 1, Porto, 28 de Novembro de 1914. Figura 5.81. Capa d’A Galéra, n. 2, Porto, 20 de Dezembro de 1914. A capa dos números seguintes (fig. 5.81) foi também criada por Tarquínio Bettencourt, sendo bastante distintas na expressão dos elementos – só a numeração e data se manteriam compostas em tipo sem patilha sob a ilustração. Curiosamente, esta nova versão assemelha-se em estilo à de outra importante revista publicada anteriormente também em Coimbra, A Rajada (1912), podendo-se encontrar alguns pontos de ligação entre alguns colaboradores literários das duas publicações, sobretudo nas ligações à Renascença Portuguesa.70 Esta capa apresenta um estilo que nos faz lembrar a revista A Rajada, cuja influência é denunciada não só pela organização e enquadramentos dos elementos, mas também pelo 69 Ver: “Fondazione e Manifesto del Futurismo” de Filippo Marinetti. Em: Hulten, Pontus. (org.). Futurismo & Futurismi. Milano: Bompiani, 1986: pp. 511–512. 70 Entre eles, Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro tinham abandonado o movimento em 1912 não satisfeitos com o saudosismo, e seguiam já no percurso que os levaria a Orpheu. 241 tipo de letra fantasia usado no título da revista. Contudo, o estilo da ilustração e a composição visual da capa afastam-se da aproximação à Ver Sacrum e às raízes Arte Nova vienenses, presentes no trabalho de Correia Dias naquela outra revista. A ilustração da capa apresenta agora uma embarcação que rasga um mar, tendo como fundo um céu negro e a lua. Uma imagem simbólica que cremos ser uma referência ao espírito boémio noctívago dos artistas/poetas decadentistas. Por baixo da ilustração surge o reformulado subtítulo da revista desenhado com uma letra de estilo Arte Nova. A linha de texto ocupa toda a largura da ilustração, sendo complementada com alguns elementos gráficos que destacam o carácter literário da revista, “Revista de Lettras”, podendo-se afirmar que a hierarquia dos elementos textuais que constituem a capa é bem marcada. Tarquínio Bettencourt assinou ainda a capa por baixo do subtítulo de forma discreta. Páginas interiores Contrariamente ao caso da capa, as diferenças na organização das páginas interiores entre o primeiro e os restantes números desta publicação são ténues, não justificando a subdivisão desta análise. No primeiro número a revista abria com uma página preliminar impressa no verso da capa (fig. 5.82), contendo a ficha técnica e sumário divididos em cinco conjuntos de informação. Estes são separados por quatro filetes ornamentais diferentes, estando a informação bem definida em termos hierárquicos. Em cabeçalho e dominando a página temos o título num tipo de letra fantasia, recordando-nos os tipos usados nos cabeçalhos de impressos comerciais, e o subtítulo da revista composto em tipo sem patilha. De seguida, com um corpo menor vem a indicação da “Direcção e Propriedade” e a identificação do director artístico em tipo romano. No conjunto central está o sumário, sendo este marcado com um tipo sem patilha com destaque e a descrição em tipo romano. De seguida está a morada, editor e depositário compostos em tipo romano e fantasia. Finalmente, o conjunto inferior tem o termo de impressão composto em tipos sem patilha, romano e fantasia de estilo Arte Nova. O alinhamento dos blocos associam a justificação em bloco com alinhamento central, estando a mancha descentrada com as margens interiores menores que as exteriores, tal como nas páginas de texto que se seguem. Nos números seguintes o verso da capa deixa de ser impresso, passando essa informação para uma página impressa numa folha extra-texto (de cor vermelha nos números dois e três) que envolvia o miolo, servindo a outra lauda da folha no final da revista para suporte de notícias breves, informações e anúncios publicitários. A face anterior dessa folha (fig. 5.83 à esquerda) tem, na parte superior esquerda, uma reprodução da embarcação com o título A Galéra; Revista de arte e sciencia. A ilustração da embarcação e o tipo de letra usado no título são os mesmos que se encontram na capa do primeiro número desta revista. Sobre o lado direito e ao centro está a inscrição em latim Suave mari magno praeteriti. Est procedere ad futurum. (É agradável, o mar grande do passado. É avançar para o futuro.).71 Esta frase é composta em tipo sem patilha e justificado em bloco com a ajuda de ornamentos. É no verso dessa primeira folha que está agora impressa a página preliminar com o sumário. Nesta nova configuração temos, em cabeçalho, o título em destaque com uma interessante integração em corandel, com a indicação do subtítulo da revista, e identificação de direcção, redacção e editor). Após um filete fino, separando os blocos de texto, está a morada e o termo de impressão. O sumário é apresentado dentro de um rectângulo de fio fino, onde se verifica uma capaz aplicação das variantes do tipo romano usado, criando as necessárias hierarquias da informação através de um bom uso do redondo, itálico e versaletes. Por baixo são apresentadas as “Condições d’Assignatura” e um pequeno aviso sobre os anúncios. 71 Uma frase que cremos pretender acentuar como é prazenteiro aquele grande mar do passado (os valores estéticos que presidem esta revista) e a embarcação que avança para o futuro, e que os conduzirá ao movimento de vanguarda português. Agradeço a tradução realizada por Inês Mendes. 242 Uma página que apresenta a mesma estrutura (mancha de texto e margens) das demais páginas interiores, mas com uma apresentação condicionada pelo conteúdo apresentado. Figura 5.82. A Galéra, n. 1, Porto, 28 de Novembro de 1914: verso da capa e p. 1. Figura 5.83. A Galéra, n. 2, Porto, 20 de Dezembro de 1914: sp. 243 Figura 5.84. A Galéra, n. 2, Porto, 20 de Dezembro de 1914: p. 1. A partir do segundo número regista-se uma ligeira estabilidade no uso dos recursos gráficos/tipográficos, relativamente ao primeiro número. Assim, após aquela folha extratexto, a primeira página de texto apresenta um friso ilustrado alusivo ao nome da revista (fig. 5.84). Nela vêm-se duas galeras navegando impulsionadas pela força de remos simbolizando um esforço conjunto, levando na proa um grupo de figuras que tocam trompetas anunciando o seu movimento. Uma ilustração que acreditamos ser alusiva à supracitada inscrição em latim: Suave mari magno praeteriti. Est procedere ad futurum. Após esse friso a revista decorria normalmente com os textos encadeados numa sequência linear. Exceptuando as páginas de início de texto, as demais apresentam um título corrente, que apresenta apenas o título da revista. Esta informação é complementada por um ornamento que vai variando entre dois modelos (veja-se no ornamento a terminação superior exterior: fig. 5.85: p. 11 e fig. 5.86 p. 20) que seguem uma alternância sem padrão. As restantes páginas interiores desta revista apresentam uma mancha de texto com uma estrutura estável (fig. 5.86), com margens interiores e superior ligeiramente menores que as inferior e exteriores que são aproximadamente da mesma dimensão. O texto é normalmente composto numa só coluna de texto, sendo esta na poesia (fig. 5.85) visualmente centrada no espaço compositivo (respeitando as margens). O texto é quase todo ele composto em tipo romano, mas vai variando a família e o corpo e criando manchas de cinzento mais ou menos densas (fig. 5.86), resultando ainda assim num conjunto visualmente equilibrado. 244 Figura 5.85. A Galéra, n. 1, Porto, 28 de Novembro de 1914: pp. 10–11. Figura 5.86. A Galéra, n. 1, Porto, 28 de Novembro de 1914: pp. 20–21. 245 Figura 5.87. A Galéra, n. 3, Porto, 6 de Janeiro de 1915: pp. 14–15. Figura 5.88. A Galéra, n. 5/6, Porto, 25 de Fevereiro de 1915: p. 35. Em cada um dos números d’A Galéra os títulos dos textos têm todos uma apresentação diferente, podendo ser mais ou menos elaborada. Em todos há uma grande variedade de tipos de letra, usando tipo romano, sem patilha ou fantasia de variadas características. Relativamente à sua forma, os títulos alternam entre os que apenas usam texto (fig. 5.82, 246 5.87 e 5.88) e os que são complementados com ornamentação (fig. 5.85 e 5.86). Neste último caso os ornamentos são frisos de alusão arquitectónica, oscilando entre a influência do estilo Arte Nova francesa (filetes de fantasia, tipos de letra e ornamentações), e em menor quantidade verifica-se também a presença de elementos com um estilo de influências secessionistas, notório sobretudo nos filetes de fantasia rectilíneos. Sobre esta questão dos ornamentos nos títulos resulta interessante observar as semelhanças com a revista O Ave (1912), impressa também na Typographia Minerva (Famalicão), percebendo-se como as oficinas aplicavam os seus recursos disponíveis em projectos distintos. Ainda relativamente a esta questão dos ornamentos dos títulos, refira-se que consoante avançam os números da revista as ornamentações vão simplificando e reduzindo em número, sendo alguns textos caracterizados pela simplicidade de recursos (ver: fig. 5.87: p. 15). Ainda assim, a variabilidade na apresentação dos títulos só estabilizaria no duplo número que encerra a edição desta revista. Porém, os títulos desse continuam ainda a ser compostos com tipos de diferentes estilos, mas variando agora apenas entre um tipo fantasia de estilo Arte Nova (a maioria), um sem patilha ou um romano. A grande diferença reside na ausência de frisos ornamentados (exceptuando o da primeira página que se mantém), passando então a ser unicamente marcados por um pequeno filete fino colocado sob o título (fig. 5.88). Regista-se ainda o uso de outros elementos que caracterizavam a composição gráfica da revista A Galéra. Os textos iniciam sempre com o recurso a uma capitular que pode ser simples (fig. 5.87 e fig. 5.88), ornamentada (fig. 5.86) ou ilustrada (o único caso regista-se na primeira página do segundo número. Ver: fig. 5.84). Também neste aspecto se vai notando uma simplificação no uso deste recurso, e no último número apenas se usaram capitulares simples. Os textos finalizavam sempre com a identificação do autor, cuja apresentação foi variando. No primeiro número o nome era composto em tipo romano em caixa alta, que por vezes podia ainda ser acompanhado por um filete ornamental centrado com a caixa de texto (fig. 5.86: p. 20). A partir do segundo número surgem algumas reproduções das assinaturas dos autores, impressas por meio de uma gravura (ver: fig. 5.87: p. 14), e os demais nomes em tipo romano surgiam agora entre sinais tipográficos (dois pontos ou ornamentos. Ver: fig. 5.88). Uma última referência para as imagens que têm pouca relevância nesta publicação, sendo mesmo ausentes no primeiro e quarto números. No segundo e terceiro números verifica-se a apresentação em hors-texte de uma imagem em cada, de pouco interesse artístico. E, finalmente, no último número apresenta a reprodução de três fotografias do escritor António Nobre, a quem aquele número duplo era dedicado. Imagens essas que surgiam inseridas lateralmente no corpo do texto alinhado em corandel. Em resumo, à imagem de outras revistas publicadas em Coimbra, A Galéra exibe uma influência Arte Nova que parece adoptada neste caso como uma influência absorvida doutras revistas como A Rajada, mas nunca atingindo a qualidade e rigor gráfico daquela. A apresentação gráfica da publicação evoluiu de um primeiro número com um estilo disperso até um último mais uniforme e contido. Comparativamente com outras revistas da época, o recurso às imagens pouco valoriza esta publicação, denotando pouco recursos económicos – nunca conseguiram preencher todos os espaços disponíveis para publicidade. Ainda assim, a composição gráfica da revista é equilibrada e usa uma estrutura uniforme, devendo-se seguramente neste caso, e na ausência de um director artístico, à qualidade técnica da Typographia Minerva. 247 5.2.11. A Labarêda, revista mensal de literatura e arte (1914) Apresentação A revista A Labarêda (fogo intenso) foi editada no Porto entre Junho e Julho de 1914 tendo sido publicados apenas dois números. Subintitulada como Revista mensal de literatura e arte, A Labarêda teve como editor Manuel de Azevedo, e como director, Narciso de Azevedo. Na colaboração literária destacaram-se, entre outros, os nomes de Eugénio de Castro, Mário Beirão, Teixeira de Pascoaes, Afonso Duarte e António Patrício. Escritores que caminhavam entre uma linha estética decadentista-simbolista e saudosista, sendo esta última a mais forte e evidenciada na ligação de alguns dos principais colaboradores com a revista A Águia (1910), aproximando-se em termos editoriais e estético-literários também às publicações A Rajada (1912), A Boémia (1914) e à Dionysos (1912). Apesar de ter durado apenas dois números, esta revista apresentou como director artístico o pintor Joaquim Lopes (1886–1956) e uma interessante colaboração artística de Soares Lapa (capa), António Carneiro e Joaquim Lopes, juntando-se a reprodução de obras dos pintores neoclássicos Vieira Portuense e Domingos Sequeira. Projecto Gráfico A revista A Labarêda apresentou um formato 170x250mm, um tamanho muito próximo ao da segunda série d’A Águia (formato Super Royal) que se imprimia nessa época na mesma oficina tipográfica. Era constituída por capa e um corpo de dezasseis páginas, às quais se somavam duas folhas de duas laudas independentes e não numeradas: uma com imagens em hors-texte no centro da revista, e outra que envolvia todo o corpo da publicação e que incluía a página preliminar. Esta publicação foi impressa na Typographia Costa Carregal72 (Porto) que havia já impresso dois dos órgãos da Renascença Portuguesa já aqui analisados, as revistas A Águia (a partir da segunda série, iniciada em 1912) e A Vida Portuguesa (1912). Em termos materiais a revista era constituída por uma capa mole em cartolina colorida impressa a duas cores, um miolo em papel jornal calandrado impresso a uma cor, e as páginas hors-texte em papel couché impresso a uma cor (preto ou sépia, coexistindo ambas as cores alternadamente no mesmo número – outra semelhança com o que acontecia n’A Águia). A publicação foi impressa recorrendo à tradicional tipografia de chumbo, recorrendo ainda à fotogravura (imagens meios tons) e calcografia (gravura colorida na capa). A encadernação é brochada e grampada. Como referimos, esta publicação apresentou como director artístico o pintor Joaquim Lopes. No ano de edição desta revista este pintor era ainda aluno na Academia Portuense de Belas Artes, onde se formaria no ano seguinte (1915). Posteriormente partiria para Paris para aprofundar a sua formação, tendo estudado na Académie de la Grande Chaumière, onde construiria uma obra influenciada pela estética impressionista. Regressou a Portugal em 1930, tornando-se então professor na instituição portuense73 onde se formou (1930–1956) e na qual desempenharia o cargo de director entre 1948–1952. Capa A capa d’A Labarêda foi igual nos dois números publicados (fig. 5.89), sendo o seu autor Soares Lapa (assinatura na ilustração). Esta é dominada por uma ilustração simbolista mostrando uma figura humana masculina ajoelhada, representação do poeta como um ser superior como o viam os saudosistas, que observa em fundo uma língua de fogo intensa, remetendo assim para o termo “labareda” que está na origem do título desta revista. Nessa figura está reflectida a luminosidade da chama, e a profundidade da imagem é intensificada Sobre esta oficina tipográfica ver a análise da revista A Águia (segunda e terceira séries). Em 1950, sob a direcção de Joaquim Lopes, a Academia Portuense de Belas Artes passaria a integrar o sistema de ensino superior e a designar-se por Escola Superior de Belas Artes. Esta designação duraria até 1994 quando passou a integrar a Universidade do Porto e a designar-se por Faculdade de Belas Artes. 73 72 248 no contraste entre a figura fundo, respectivamente em tons quentes e frios, e dramatizada através das linhas do corpo e da sombra projectada por este – a capa foi impressa a duas cores (verde e vermelho no primeiro número, preto e vermelho no segundo) somadas à cor da cartolina (cinzenta no primeiro número e laranja no segundo) que lhe serve de base. Figura 5.89. Capa d’A Labarêda, n. 2, Porto, Julho de 1914. Todos os elementos da capa formam parte do conjunto ilustrado, sendo todos os elementos textuais desenhados, criando uma uniformidade expressiva onde todos os elementos são envolvidos por um rectângulo negro. Em cabeçalho temos o título A Labarêda a vermelho, onde o artigo está separado do nome por dois pontos sobrepostos. Este elemento de identidade da revista apresenta um batente na cor da cartolina. O desenho das letras dessa identidade ajusta-se à curva do enquadramento da ilustração, criando uma relação de unidade visual entre os dois. Na parte inferior está o subtítulo da revista enquadrado no início e final com dois sobrepostos que, como veremos, marcam visualmente o grafismo desta revista. Tanto este elemento gráfico como o desenho da letra são de estilo Arte Nova, notando-se uma intenção de criação de um conjunto harmonioso, ainda que as letras não sejam uniformes no seu traçado. A composição da capa é complementada com a indicação do número da revista, inserido num rectângulo vazado sobre o negro no canto inferior esquerdo. É uma capa interessante não só do ponto de vista simbólico, mas também visual e gráfico pela forma como todos os elementos se relacionam em termos expressivos. Também a carga dramática introduzida pela cor resulta de forma muito positiva na mensagem, havendo um interessante aproveitamento da cor de base do papel como elemento fundamental da edificação da imagem global. Páginas interiores A revista iniciava com a página preliminar que era impressa numa primeira folha não numerada – a numeração das páginas do miolo iniciava na página ímpar seguinte, sendo a numeração dos dois números sequenciada. A página preliminar apresentava a identificação da revista (título e subtítulo), sumário e toda informação técnica (data, número, directores e 249 proprietários, contactos, valores de assinatura e termo de impressão). O grafismo desta página é comedido e equilibrado (fig. 5.90), recorrendo a um único tipo de letra romano e às suas variantes. A composição e hierarquização de todos os elementos é equilibrada, organizada num bloco de eixo central, sendo complementada com o recurso a filetes (finos, duplos, ondulado e fantasia) para diferenciação do tipo de informação. Verifica-se ainda o uso de dois pontos sobrepostos, conforme já havíamos observado na capa, um recurso usado aqui como elemento de ornamentação e para a justificação das linhas de texto, guarnecendo a composição da página com um estilo com alusões ao Arte Nova. As páginas de texto d’A Labarêda seguem um esquema gráfico de uma coluna que se divide em duas ténues variantes, uma opção para textos em prosa e outra para textos em poesia (fig. 5.91). As diferenças residem em dois pontos básicos nas páginas de poesia: o corpo da letra que é ligeiramente maior e o alinhamento do texto é alinhado à esquerda, enquanto na prosa é justificado. Cremos que estas diferenças gráficas se devam a uma tentativa de equilíbrio da mancha gráfica provocada pelas características próprias dos dois tipos de texto, apresentando os poemas linhas de texto com a extensão condicionada pela métrica e extensão dos versos. Figura 5.90. A Labarêda, n. 2, Porto, Julho de 1914: sp. No demais, todos os principais elementos e características da paginação são idênticos (fig. 5.91 e fig. 5.92). Os limites da mancha gráfica são sempre iguais, com as margens interiores e inferiores menores do que as exteriores e superiores, respectivamente. A paginação recorre a um único tipo de letra romano para todas as partes escritas (título, subtítulo, identificação do autor, data do texto, número de página, entre outros), seguindo sempre a mesma organização na composição dos títulos (em caixa alta alinhados ao centro), subtítulos (em caixa alta de menor corpo que o título e por baixo deste) e identificação de autores (um bloco de duas linhas em caixa alta, no canto superior esquerdo). Finalmente, os dois pontos sobrepostos que funcionam como ornamento são usados de forma análoga nos títulos (simples em ambos os lados), nos subtítulos (duplos em ambos os lados) e nos nomes dos autores (simples ou duplos consoante as necessidades de alinhamento das duas linhas num bloco justificado). 250 Figura 5.91. A Labarêda, n. 2, Porto, Julho de 1914: p. 26–27. Figura 5.92. A Labarêda, n. 2, Porto, Julho de 1914: p. 24 e página hors-texte. Uma última referência para as imagens. Como referimos, estas surgem em páginas horstexte (fig. 5.92) que respeitam os mesmos princípios gráficos das demais páginas no que concerne às margens, à organização e composição dos elementos textuais (títulos das obras 251 e identificação de autores) e ornamentos. A estes elementos soma-se apenas a identificação do número da revista no canto inferior direito. As imagens escolhidas para reprodução são todas desenhos académicos de figura humana de autores consagrados. Uma opção que acreditamos se dever à influência do percurso do director artístico, Joaquim Lopes, na Academia Portuense de Belas Artes onde foi discípulo dos importantes pintores naturalistas Marques de Oliveira e José de Brito. Domingos Sequeira e António Carneiro, com desenhos reproduzidos na revista, também frequentaram e leccionaram naquela instituição de ensino do Porto, enquanto Vieira Portuense (1765–1805) que estudou em Lisboa e em Roma é reconhecido como um dos introdutores do neoclassicismo em Portugal. Em conclusão, a revista A Labarêda apresentou um trabalho gráfico de qualidade, rigoroso e sóbrio, pontuado levemente e de forma criteriosa por influências Arte Nova. Apesar desta publicação apresentar um director artístico, acreditamos que a qualidade se deverá em grande parte à Typographia Costa Carregal (Porto), que apresentava recursos técnicos de reconhecida qualidade, aplicando aqui um modelo gráfico próximo ao usado na segunda e terceira séries da revista A Águia. A cargo de Joaquim Lopes terá ficado a coordenação das colaborações artísticas e, possivelmente, de algumas opções gráficas como o uso de referências ao estilo Arte Nova, em jeito de ornamento decorativista que também marcara visualmente outras revistas dentro da mesma linha estética-literária – A Rajada (1912), A Boémia (1914) e a Dionysos (1912). Esta mistura será uma consequência da formação Beaux-Arts de Joaquim Lopes, fundada no academismo e adornada por um estilo Arte Nova de fachada, constituindo um estilo eclético e historicista que agradava os intelectuais no sentido em que os distanciava de publicações menores ou comerciais. Esta ideia fica reforçada ao observarmos a selecção de imagens que ilustraram esta revista. Nesta existe uma marcada presença do neoclassicismo nos desenhos, podendo existir um paralelismo com o despertar do clássico que ocorreu nesta época na Catalunha e na Itália, onde a opção pelo clássico de raiz latina surgia como alternativa ao Art Nouveau vindo do norte da Europa. Sobre esta opção não será certamente estranha a influência que os impressionistas franceses tiveram sobre o director artístico d’A Labarêda, Joaquim Lopes, e que à imagem de Paul Cézanne (1839–1906) tanto apreciavam o equilíbrio e perfeição dos velhos mestres clássicos.74 74 Gombrich, Ernest. A história da arte. (16ª ed. revista e expandida). Lisboa: Público, 2005: p. 538. 252 5.2.12. Nação Portuguesa, revista de cultura nacionalista (1914–1938) Apresentação A revista Nação Portuguesa teve seis séries com publicação dividida em duas fases temporais. A primeira fase da revista foi formada unicamente pela primeira série, tendo sido publicados 11 números entre 1914–1916. A segunda fase da publicação ocorreu entre 1922–1938, período no qual saíram as restantes cinco séries. Tendo em conta não só o hiato temporal que separa as fases, mas também o facto destas apresentarem características distintas, decidiu-se separar a análise desta revista, observando-se aqui somente a primeira série e as restantes mais adiante.75 A primeira série da Nação Portuguesa iniciou a publicação dos seus onze números a 8 de Abril de 1914, terminando em Abril de 1916. Uma série que foi editada em Coimbra e apresentou como primeiro subtítulo Revista de filosofia política, sendo alterado na segunda série para aquele pelo qual ficaria conhecida esta revista.76 Segundo Cecília Barreira,77 esta revista apresentou-se como um órgão do Integralismo Lusitano, um movimento monarquista nacionalista, tradicionalista por opção estético-filosófica, como diziam os seus arautos, e afirmando-se mais pela recusa de modelos, ideações políticas ou credos do que por autêntica criação projectiva. Esta primeira série da Nação Portuguesa foi dirigida por Alberto Monsaraz e teve como editor França Arménio. Na colaboração literária destacam-se, entre vários outros, os nomes de António Sardinha, Hipólito Raposo, Luís de Almeida Braga, Pequito Rebelo, Rolão Preto, Alberto de Monsaraz e Alfredo Pimenta. Apesar de existirem imagens na revista (em pouca quantidade), estas não são identificadas e encontrámos qualquer referência à sua autoria, não existindo também qualquer director artístico responsável pela publicação. Projecto Gráfico: 1ª série (1914–1916), 11 números. A revista Nação Portuguesa apresentou um formato 180x237mm, era constituída por capa mole em papel Vergé forte e um corpo que variava entre 100 a 120 páginas em papel Corrente. As imagens eram impressas em papel Couché e coladas posteriormente em páginas regulares. Exceptuando a capa, que foi impressa a duas cores (vermelho e preto), a revista usou apenas uma cor (preto) na sua produção. Esta primeira série foi impressa na Tipografia Teixeira – Mário Antunes Leitão (Porto), sem que tenhamos descortinado a razão para a deslocação da produção de Coimbra para o Porto. Na impressão recorreram à tradicional tipografia de chumbo e à fotogravura (similigravura nas imagens meios tons e zincogravura nas executadas a traço). A encadernação dos exemplares consultados (todos os volumes estavam encadernados) foi brochada e cosida. Capa A composição da capa da primeira série (fig. 5.93) pode dividir-se em duas partes: uma em cabeçalho que mostra a identidade da revista, a outra, abaixo deste, engloba o Sumário e um conjunto de informações técnicas (director, editor, data, numeração, morada e termo de impressão). O cabeçalho identificativo é formado por um cliché tipográfico no qual se une o título da revista e um símbolo gráfico. Este símbolo (à esquerda no cabeçalho) representa a divisa do 75 Ver capítulo: 5.2.30. Nação Portuguesa, revista de cultura nacionalista (1914–1938). Rocha, Op. Cit., 1985, p. 640. 76 77 Barreira, Cecília. “Três nótulas sobre o integralismo lusitano (evolução, descontinuidade, ideologia, nas páginas da «Nação Portuguesa», 1914–1926.” Análise Social, Revista do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa , Vol. XVIII (3.º–4.º–5.º), n.º 72–73–74 (1982): pp. 1421–1429. 253 Rei D. João II (1455–1495), cuja legenda “Pola Lei e Pola Grei”78 acompanha o corpo da divisa, uma imagem constituída por um pelicano alimentando as crias com o próprio sangue. À direita o título da revista foi desenhado em letra gótica, com a primeira letra a vermelho em forma de capitular, constituindo uma alusão à letra característica dos incunábulos da época de governação daquele rei. Este conjunto é emoldurado por um conjunto de cercaduras fortes que delimitam o cabeçalho, reforçando o estatuto de destaque. O cabeçalho é complementado com subtítulo da revista colocado em posição centrada e por baixo deste. O subtítulo foi composto em tipo nacional de estilo gótico separadamente do cliché superior que forma a identidade visual da revista. Figura 5.93. Capa da Nação Portuguesa, n. 1, 1ª Série, Coimbra, 8 de Abril de 1914. No resto da capa, separado da parte superior por um filete fino, a composição dos dois grupos de informação (Sumário e informações técnicas) foi executado também em tipo de letra nacional de estilo gótico. O Sumário forma um grupo independente no centro da capa, usando um sublinhado em filete simples impresso a vermelho sob as linhas do seu conteúdo. Na informação técnica foi dado destaque ao director da publicação, apresentando o resto da informação uma hierarquia secundária. Um conjunto que está rematado na parte inferior com um filete de intestação, no qual o filete fino foi impresso a vermelho e o forte preto. Páginas interiores As páginas interiores desta primeira série da Nação Portuguesa (fig. 5.94 e 5.95) exibem os textos compostos em tipo romano, em duas colunas divididas por um filete em corondel, com a marcação de parágrafos recuada e o entrelinhamento um pouco fechado para o corpo de letra usado. Esta soma de características resultou numa mancha gráfica densa, escura e com linhas de texto curtas, próximas do que se usa normalmente em colunas de texto em 78 Divisa de D.João II ao tomar o poder, apoiado nas ruas pelo povo que sofria os abusos dos nobres. Para mais informação sobre a história e importância deste Rei no contexto nacional, consultar: Serrão, Joaquim. História de Portugal, Volume II: Formação do Estado Moderno (1415–1495). (2.ª ed.). (Vol. II). Lisboa: Verbo, 1978. 254 jornal, resultando por isso num ritmo pouco fluente no processo de leitura. Os títulos foram compostos em tipo fantasia de estilo Arte Nova, centrados com a mancha de texto e separados deste por um pequeno filete simples também centrado. Figura 5.94. Nação Portuguesa, n. 1, 1ª Série, Lisboa, 8 de Abril de 1914: p. 1. Figura 5.95. Nação Portuguesa, n. 1, 1ª Série, Lisboa, 8 de Abril de 1914: p. 2. 255 As demais páginas (sem títulos) são caracterizadas pelo uso de um título corrente. Este é constituído por um filete duplo da largura da mancha gráfica, com o título da revista centrado e com a numeração de página na margem exterior, ambos compostos em tipo egípcio. Este modelo manteve-se constante em toda a revista, sendo apenas interrompido pela apresentação de algumas imagens, mas que em nada interferem na estruturação da paginação. Em conclusão, esta é uma revista densa, com um grande número de páginas, marcada por uma modelação gráfica monótona na qual as imagens têm pouca presença. Nota-se na capa uma intenção de conotar visualmente a revista, através da simbólica e do tipo de letra gótico, com os princípios monarquistas e nacionalistas advogados. Contudo esse ambiente gráfico da capa não se reflectiu nas páginas interiores, onde o uso de tipo fantasia Arte Nova nos títulos será, seguramente, uma consequência da adaptação dos modelos usados normalmente pela oficina tipográfica responsável pela sua produção. Pela soma de todas as características aqui observadas, pela sua modéstia gráfica, sobretudo no miolo, esta revista resulta visualmente menos atraente que outras suas contemporâneas aqui observadas. 256 5.2.13. A Renascença, revista de crítica, literatura, arte (1914) Apresentação A revista A Renascença foi editada em Lisboa tendo saído apenas um único número, em Fevereiro de 1914, com o subtítulo Revista de crítica, literatura, arte. Esta publicação teve como editor A. Tavares e, como director, Carvalho Mourão. Foi importante por diferentes motivos, por um lado reúne na sua colaboração literária um eclético conjunto de nomes, entre os quais se destacam Júlio Dantas, Coelho Pacheco, Fernando Pessoa, Mário de SáCarneiro e Alfredo Guisado, cruzando textos de diferentes linhas estéticas que vão dos mais tradicionalistas aos da nova geração da vanguarda. Por outro, conforme refere Clara Rocha,79 a revista marcou o aparecimento de um novo surto simbolista português. Este foi designado por Paulismo e recupera temas, imagens e atitudes estéticas típicas da poesia finissecular, prenunciando o aparecimento da vanguarda portuguesa através de um Simbolismo literário mais hermético. A Renascença apresentou apenas uma imagem na capa, cujo autor não se identificou, não tendo qualquer outro tipo de colaboração artística. Não encontramos qualquer indicação para esta revista ter durado somente um número. Porém, como referimos anteriormente, algumas revistas aqui analisadas devem ter encontrado dificuldades em conquistar um público estável e em número suficiente para a sua sobrevivência, reflectindo-se normalmente em problemas financeiros e causando-lhes uma difícil “existência” ou duração.80 Refira-se que este número único da Renascença não apresentou publicidade, constituindo esta normalmente uma forma de suporte financeiro das revistas que não teriam outros apoios. Uma questão que fica reflectida na nota da página preliminar (fig. 5.97), onde se indica que “Aceitam-se anuncios para a capa e guardas da revista (...)”, que nunca chegariam a acontecer por tão efémera duração desta publicação. Projecto Gráfico A revista A Renascença apresentou um formato 160x230mm e foi constituída por capa mole e um corpo de dezasseis páginas, em ambos casos impressa a duas cores (vermelho e preto) sobre papel corrente. Uma publicação que foi impressa na Tipografia do Anuario Comercial (Lisboa) que havia já impresso a revista A Rajada (1912), recorrendo à tradicional tipografia de chumbo e à fotogravura (similigravura a meios tons na imagem da capa). A encadernação é brochada e grampada. Capa A capa d’A Renascença (fig. 5.96) é dominada pelo título e por uma ilustração de uma figura feminina elevada. O título foi desenhado em letra caligráfica com desequilíbrios no traçado de algumas letras, mais condensadas no início do termo “Renascença”. O artigo “A” o “R” do título foram ambos impressos a vermelho, enquanto as restantes letras estão a vermelho. Na ilustração destaca-se a figura feminina, reproduzida em cor vermelha sobre o resto do desenho a preto, mostrando uma imagem de voo para o alto que representa a uma vivência nefelibata, muito cara aos simbolistas, e que se apresenta aqui com um cariz estilístico muito finissecular. A ilustração da capa é delimitada inferiormente e lateralmente por uma linha, sendo aberta na parte superior onde em cabeçalho está o título da revista numa letra caligráfica. Na parte inferior esquerda a ilustração ultrapassa o limite imposto pela referida linha ampliando a ideia de profundidade. Dentro do campo da ilustração, na parte inferior direita, o subtítulo da publicação foi também desenhado em letra caligráfica, disposto em quatro linhas justificadas à esquerda com as letras iniciais a vermelho formando uma sequência vertical. Recorreram ainda ao uso de conjuntos de quatro pontos 79 A designação advém do primeiro verso de um poema de Fernado Pessoa, “Impressões do crepúsculo”, publicado nesta revista na página 11. Sobre esta questão e a importância estética-literária desta revista, consultar: Rocha, Op. Cit., 1985, pp. 258–265. Para um aprofundamento sobre este movimento consultar ainda: Guimarães, Fernando. O Modernismo Português e a sua Poética. Porto: Lello, 1999. Consultar capítulo: 3.2.4. Condicionantes das edições como um produto de mercado. 80 257 que parecem querer criar uma mancha rectangular, rematado com a assinatura do autor e data. Em rodapé e exterior à imagem está o local de edição, número e data da publicação em letra caligráfica de diferentes estilos. O número à esquerda foi composto em tipo romano, enquanto o resto da informação do rodapé foi composto em tipo fantasia de estilo Arte Nova. Figura 5.96. Capa d’A Renascença, n. 1, Lisboa, Fevereiro de 1914. Páginas interiores Ao observarmos as páginas da revista A Renascença encontramos muitas semelhanças com as da revista A Rajada, editada dois anos antes. Uma afinidade gráfica que encontra o seu elo de ligação na selecção da mesma oficina tipográfica para a impressão de ambas as publicações, a Tipografia do Anuario Comercial (Lisboa). O número único desta publicação abriu com uma página preliminar impressa no verso da capa (fig. 5.97). O conteúdo da página foi organizado em três áreas delimitadas por um marco em filete fino impresso a vermelho, tendo em cabeçalho o termo “Sumario” e a numeração da revista composto em tipo fantasia de estilo Arte Nova. O segundo espaço comporta o conteúdo do sumário e apresenta a informação bem hierarquizada, valorizando a identificação dos autores através do uso da caixa alta de um tipo romano, e por seu lado os títulos dos artigos/textos foram impressos a vermelho. Essa informação é ainda separada com sinais tipográficos de temática floral, formando na última linha um bloco uniforme que ocupa praticamente uma linha de texto. Por último, é seguido por um conjunto de informações relativas à publicação (condições, correspondência, preços avulso e de assinatura, e informação sobre anúncios), compostas com diferentes tipos romanos e alinhadas em espinha e sem grande interesse gráfico. Destacam-se os termos “condições”, “correspondência”, “assinaturas” e “anúncios” pelo uso de cor vermelha, enquanto a apresentação do preço avulso e dos valores das Assinaturas sobressai com um tipo de estilo egípcio na sua variante negra. 258 Figura 5.97. A Renascença, n. 1, Lisboa, Fevereiro de 1914: verso da capa e p. 1. Figura 5.98. A Renascença, n. 1, Lisboa, Fevereiro de 1914: pp. 10–11. O esquema de delimitação do espaço compositivo das páginas através de filetes impressos a vermelho repete-se ao longo de toda a revista, variando apenas a divisão do espaço numa quantidade de áreas adaptada aos conteúdos mostrados. A primeira página do miolo (fig. 5.97) foi dividida em quatro áreas, tendo em cabeçalho a data, local e numeração da revista, 259 impressos a preto. O segundo espaço mostra o título da revista ladeado por dois pontos sobrepostos impressos a vermelho, seguido de um conjunto de informação técnica (título, subtítulo, propriedade e direcção, direcção e termo de impressão) impressa a preto. Este segundo espaço tem a informação subdividida através do uso de filetes finos e de fantasia e alguns sinais tipográficos. O primeiro texto da revista, uma apresentação da publicação, inicia após esses dois espaços, ocupando o terceiro e o quarto, respectivamente, com o título e o corpo do texto. O primeiro foi impresso a vermelho e o segundo a preto, apresentando esta página alguns dos elementos mais estruturantes da composição gráfica que se observam nas restantes páginas. Figura 5.99. A Renascença, n. 1, Lisboa, Fevereiro de 1914: pp. 12–13. Todas as páginas da revista foram impressas a duas cores (preto e vermelho) seguindo um mesmo esquema básico em todas elas, mostrando uma equilibrada e coerente unidade de estruturação gráfica (fig. 5.98 e fig. 5.99). Os textos estão todos organizados numa coluna delimitada por uma cercadura rectangular, que é subdividida verticalmente, criando diferentes campos com funções bem definidas. Estes são impressos a vermelho com filetes finos. Também os títulos dos textos foram impressos a vermelho, enquanto as capitulares que iniciam os textos estão a vermelho e preto, sendo o corpo do texto sempre a preto. O tratamento tipográfico dado às páginas é coerente e hierarquicamente bem definido. O texto é praticamente todo composto com um tipo romano, excepto na página 3 e 14 onde, respectivamente, o nome do autor, dedicatória e em datas no texto, foi usado um tipo sem patilha. Os textos foram encadeados em sequência, iniciando os textos logo após o fim do anterior independentemente do local (fig. 5.99: p. 13), apesar de se notar uma tentativa de que os inícios coincidissem com a abertura de nova página – a marcação de pausas nos textos mais ou menos espaçadas são notórias (fig. 5.99: p. 12). Os títulos surgem no início dos textos são compostos em tipo romano, sendo normalmente rematados com dois pontos tipográficos sobrepostos (simples ou florais), repetindo-se o título em cabeçalho em todas as demais páginas correspondentes ao mesmo texto, mas apresentando ali corpo menor. Esta característica já marcara o grafismo da revista A Rajada, ainda que nesta os textos iniciaram sempre numa nova página. 260 O grafismo das páginas ficou ainda caracterizado pela introdução de uma capitular ornamentada na primeira letra de cada texto, seguindo-se a continuação do termo ou a primeira palavra composta em versaletes. Como referimos, as capitulares apresentam duas cores, vermelho na letra e preto na ornamentação, excepto a capitular da página 11 (fig. 5.98) que foi impressa totalmente a vermelho. Esta excepção dever-se-á à diferença de tipo usado na capitular, que terá provavelmente sido causada pela falta de mais letras “O” da mesma família, pois vários textos iniciam com essa letra capitular o que terá provocado a necessidade de excepcionalmente recorrer àquela letra. Os textos encerram com a identificação do autor composta em versaletes de tipo romano, alinhada à direita da caixa de texto, podendo ainda apresentar à esquerda a data, local ou identificação da fonte original do texto. Em conclusão, ainda que esta revista apresente semelhanças na paginação com a observada n’A Rajada, esta será seguramente uma característica aportada pela oficina tipográfica, pois n’A Renascença não encontramos aplicada a ideia de “obra de arte total” verificada na outra publicação de 1912. A influência do estilo Arte Nova que podemos aqui observar tende mais para uma apropriação do outro modelo, mas nunca chegando a ser tão bem executado, apesar de apresentar uma paginação equilibrada sem recurso a imagens ou ilustrações (exceptuando a da capa), enriquecida pelo uso da cor nos elementos estruturantes da composição gráfica. Também a capa não é condizente com o estilo do modelo aplicado nas suas páginas interiores, nem tão rico na sua construção gráfica quanto a d’A Rajada. Assim, podemos afirmar que apesar dos bons recursos da oficina tipográfica, comprovados na outra publicação de 1912, não valem por si só na ausência de quem deles consiga tirar proveito estético, resultando numa composição gráfica de característica decorativa ou de fachada, sem ter uma relação em concreto com um conteúdo literário, que aliás cruzava diferentes tendências conforme observámos na apresentação desta revista. 261 5.2.14. Atlântida, mensário artístico, literário e social para Portugal e Brasil (1915–1920) Apresentação A revista Atlântida foi um projecto editorial ambicioso que se publicou em Portugal e no Brasil entre 1915 e 1920, e que pretendia o estreitamento das relações entre os dois países.81 Uma intenção que foi apoiada pelos governos dos duas nações, merecendo o seguinte destaque no frontispício (presente do número 1 ao 25): “Sob o alto patrocínio de S. Ex.as os Ministros das Relações Exteriores do Brazil e dos Extrangeiros e Fomento de Portugal”. Segundo o editorial do primeiro número assinado por João de Barros, a vontade de publicação de uma revista que estreitasse relações entre os dois países existia já desde 1909, mas só encontraria o espaço e os apoios naquela data (1915). O desejo de “contribuir para a aproximação estreita dos dois povos” foi ainda favorecida pelo eclodir da Primeira Guerra Mundial, conforme escreve a direcção da revista em “Prospecto”.82 Neste contexto, percebemos que a revista tenha tomado o nome do lendário continente, Atlântida, que se supõe ter ligado no passado os continentes da América e Europa. Esta revista foi editada em Lisboa e publicada em Portugal e no Brasil, tendo saído quarenta e oito números agrupados em 12 volumes. Teve como directores João de Barros (Lisboa) e João do Rio (Brasil), ao qual se juntaria em 1919 Graça Aranha (desde França). Como editor e co-proprietário é identificado Pedro Bordalo Pinheiro,83 cessando essas funções em 1919 e surgindo a partir do volume IX apenas como “director técnico” – nessa data o editor passaria a ser José Baptista. Subintitulada como Mensário artístico, literário e social para Portugal e Brasil, esta revista foi mais do que uma publicação artística, literária e social, apresentando temas de política internacional e economia. A partir do número 37, primeiro do volume X (1919), a revista passaria a subintitular-se Órgão do pensamento latino em Portugal e no Brasil. A nível literário é identificada como pertencendo ao grupo de revistas de herança decadentista e simbolista.84 A colaboração literária foi extensa e importante, apresentando entre outros, Leonardo Coimbra, Olavo Bilac, José Pacheko, Augusto Casimiro, Guerra Junqueiro, Jaime Cortesão ou Teófilo Braga, tendo estes escrito sobre diferenciadas temáticas. Na colaboração artística (reprodução de obras) surge também uma longa e importante lista de nomes, entre os quais destacamos Almada Negreiros, António Soares, Columbano Bordalo Pinheiro, José Malhoa, Raul Lino, José Pacheko, Saavedra Machado, Soares dos Reis, Veloso Salgado ou Santos Silva (vinhetas e ilustrações). Projecto gráfico A revista Atlântida apresentou um formato de 185x260, sendo constituída por capa e um corpo que rondou em média as 100 páginas, sendo a numeração das páginas contínua entre os números de cada volume. A estas acrescentam-se um número variável de páginas horstexte com imagens, suplementos de notícias ou assuntos vários e/ou publicidade. Esta revista foi impressa na Imprensa Libânio da Silva (Lisboa), recorrendo à tradicional tipografia de chumbo, à fotogravura (similigravura nos meios tons, zincogravura nos desenhos a traço) e litografia (imagens coloridas). Uma oficina tipográfica que, conforme já observámos anteriormente,85 era conhecida por ser a preferida pelos políticos e artistas, sendo dirigida 81 Assim o afirma a direcção da revista num texto em “Prospecto” inserido no final do primeiro número. Ainda que a numeração das páginas do “Prospecto” dê continuidade à da revista, este surge em forma de folheto aparentemente autónomo do corpo da revista, pois não integra o índice deste primeiro número. Consultar: “Prospecto” in Atlântida, n. 1, Vol I, Lisboa, 1915: pp. 93–95. 82 Idem, p. 95. Sobrinho de Rafael Bordalo Pinheiro. Rocha, Op. Cit., 1985, p. 247. 83 84 85 Ver sobre este tipógrafo as referências neste estudo em: 2.2.8. A reforma da fundição de tipos nacional; 2.2.9. A mecanização da tipografia e o crescimento da imprensa periódica; 2.2.11. Século XX; 2.2.12. A incerteza de um estilo gráfico. 262 pelo importante impressor português Libânio da Silva, que ficou ainda famoso por ter escrito o Manual do Typographo (1908) que, durante algumas décadas, serviria de referência prática e no ensino nacional das artes gráficas em Portugal. No número cinco (volume II, p. 496), 1916, este tipógrafo mereceria uma nota de pesar pela sua morte, na qual se louvava também a sua mestria na sua especialidade. Não existindo nesta revista referência a um director artístico, acreditamos que a responsabilidade pelo grafismo da mesma terá sido conduzida pela oficina tipográfica de Libânio da Silva, justificando assim a preferência que os intelectuais nacionais mostravam ter pelos seus serviços. A nível material foi usado papel corrente forte na capa, o miolo (texto) foi também impresso em papel corrente forte, as páginas hors-texte em papel couché forte e os suplementos em papel de jornal. As capas variaram na sua apresentação, sendo na sua maioria impressas apenas a uma cor, e em casos excepcionais incluiria reproduções litográficas policromáticas impressas em papel couché e coladas sobre a capa. No interior as páginas de texto foram impressas a uma cor (preto), sendo as imagens impressas a uma cor variável ou policromáticas. Na encadernação os cadernos foram grampados, colados e brochados. Registaram-se variações na cor do papel em algumas revistas que, segundo uma nota da direcção,86 se deveu à “absoluta falta de papel egual ao que sempre foi usado para a impressão da Atlântida”. Uma nota que vem reforçar os cuidados com as questões de produção da revista, reflectidos na escolha daquela que seria uma das melhores oficinas tipográficas do país naquela época. Capa A capa da revista Atlântida apresentou um conceito gráfico onde apenas se notam pequenas variações ao longo dos quarenta e oito números. Esta teve como base uma apresentação tipográfica de carácter clássico, bem composta e hierarquizada (fig. 5.100). Apresentava na parte superior o título, ocupando quase toda a dimensão horizontal, seguido do subtítulo num corpo menor, disposto em quatro linhas e alinhado em bloco. Notem-se aqui dois casos ortotipográficos que apresentam uma função de estética e uniformidade do bloco de texto. O primeiro encontra-se na preposição “para”, na terceira linha, que tendo um corpo ligeiramente menor, alinhada ao centro, ajuda na criação de um destaque visual nas designações “Portugal e Brasil”. O segundo surge nas conjunções complementares “e”, também com o corpo reduzido para que se perder a unidade gráfica do bloco de texto. A capa é rematada na parte inferior com a numeração da revista, sendo indicado o ano à esquerda e o número à direita. O tipo de letra usado é litográfico com característica de romano, e a impressão monocromática foi variando entre diferentes tons (azul escuro, castanho, carmim, laranja ou verde). Esta versão da capa apresenta uma composição com uma agradável e equilibrada mancha gráfica na relação do espaço em branco/vazio com o impresso. A partir do número oito, volume II, a capa passa a incluir uma pequena ilustração oval no centro do espaço (fig. 5.101) que anteriormente se encontrava vazio, sem alterar os demais elementos. Este elemento que nos recorda um ex-libris, apresenta uma ilustração onde está uma gaivota voando sobre uma onda, representando o voo desta ave marinha, usado algumas vezes como símbolo da liberdade, a ligação entre os dois países separados pelo Oceano Atlântico. Mais tarde seriam incluídas imagens ilustradas nas capas,87 podendo estas ser coladas sobre o espaço vazio e rodeadas por um filete fino ou pautado (fig. 5.102), recorrendo ainda a uma redução da dimensão do subtítulo. Noutros casos dominou toda a composição da capa adaptando-se as demais partes (título e subtítulo) aos constrangimentos colocados pela ilustração, mantendo-se a numeração sempre em rodapé. 86 Atlântida, n. 7 (volume II), Lisboa, s.d.: p. 704. 87 Os exemplares disponíveis nas bibliotecas consultadas encontram-se encadernados, tendo sido subtraídas algumas capas nesse processo. Ainda assim, cruzando a informação obtida com a consulta de exemplares avulso registámos seis casos de capas com inclusão de ilustração. 263 As temáticas das ilustrações foram variando, indo de reproduções de obras meramente ilustrativas de artistas nacionais como António Soares (fig. 5.103), Jorge Barradas ou Joaquim Lopes, ou relacionaram-se com a temática abordada naquele número. Por exemplo, no número duplo 33–34 dedicado à Primeira Guerra Mundial apresenta uma ilustração (fig. 5.104) de Augusto Pina sobre essa questão. Figura 5.100. Capa d’Atlântida, n. 5, Lisboa, 15 de Março de 1916. Figura 5.101. Capa d’Atlântida, n. 12, Lisboa, 15 de Outubro de 1916. 264 Figura 5.102. Capa d’Atlântida, n. 31, Lisboa, Maio de 1918. Figura 5.103. Capa d’Atlântida, n. 32, Lisboa, 1918. Figura 5.104. Capa d’Atlântida, n. 33-34, Lisboa, 1919. Páginas interiores A revista Atlântida apresentou um grafismo assumidamente clássico, caracterizando-se por uma composição de grande rigor, unidade no projecto gráfico e usando o mesmo tipo de letra romano e estrutura de página em toda a revista. A revista iniciava com o frontispício que emparelhava com uma página preliminar no verso da capa (fig. 5.105).88 Esta última incluía o sumário e aparentemente não teve alterações até final da publicação da revista (a subtracção das capas nas encadernações dos exemplares consultados impediu uma visualização de todos os sumários). Este dividia-se em três campos rectangulares, proporcionais à informação inclusa, sendo estes delimitados por um filete de fio duplo. No primeiro indicava-se o título da revista e os seus directores, no segundo a data, sumário e colaboração artística, enquanto o terceiro era preenchido pelas condições de assinatura. No frontispício repetia-se o título e subtítulo tal como na capa, mantendo as proporções entre eles mas com uma redução do tamanho. Por baixo destes vinha a indicação do “Alto Patrocínio” dos governos português e brasileiro, composto num corpo hierarquicamente menor e em tipo romano alinhado em espinha. Em baixo à esquerda estava a indicação do volume do número. Tal como a capa, a partir do número oito, volume II, o frontispício passou a incluir uma pequena ilustração oval (a mesma da capa) no centro do espaço que anteriormente se encontrava vazio entre o “Alto Patrocínio” e a indicação do volume, mantendo-se os demais elementos do frontispício inalterados. A partir do número vinte e seis, volume VII, desaparece a indicação do “Alto Patrocínio” permanecendo os demais elementos. A última alteração do frontispício aconteceria no número duplo 33–34, passando a assemelhar-se ainda mais com a capa, mas com uma ligeira redução, constando na parte 88 Entre estas normalmente era inserido um suplemento (um caderno de oito páginas). Porém, como esse suplemento não consta no sumário nem nos exemplares encadernados consultados, tendo inclusivamente uma numeração de página distinta. Por se considerar que nada acrescenta ao projecto gráfico, não consideraremos essas páginas nesta análise. 265 inferior o ano (à esquerda) e o número (à direita), encostando a indicação do volume sob a ilustração oval. O termo de impressão era impresso no verso do frontispício – uma linha de texto centrada na parte inferior da página. Figura 5.105. Atlântida, n. 5, Lisboa, 15 de Março de 1916: verso da capa e frontispício. Figura 5.106. Atlântida, n. 2, Lisboa, 1915: pp. 134–135. 266 Figura 5.107. Atlântida, n. 12, Lisboa, 15 de Outubro de 1916: pp. 1104 e hors-texte. Figura 5.108. Atlântida, n. 12, Lisboa, 15 de Outubro de 1916: pp. 1144–1145. As páginas de texto apresentavam uma configuração semelhante a um clássico livro de literatura (fig. 5.108). Com as margens interiores e superior da mancha gráfica menores do as suas opostas, a composição do texto está configurada numa coluna com alinhamento justificado e uma boa marcação dos parágrafos. No caso da poesia a dimensão das linhas 267 de texto adaptavam-se à extensão das estrofes, sendo a mancha de texto centrada dentro dos limites definidos pelas margens (fig. 5.106). Na composição do texto recorreram a um único tipo de letra romano, e todos os demais elementos da linguagem gráfica usados são, de um modo geral, sóbrios. Os títulos dos textos (fig. 5.107) começaram por ser compostos com o mesmo tipo romano do texto, centrados na mancha gráfica e separado do texto com um pequeno filete fino. Nos primeiros números os títulos iniciavam a uma altura de cerca de ¾ da página, deixando a parte superior em branco. A única excepção residia no primeiro texto de cada número, que era marcado nesse espaço branco sobre o título com uma vinheta. Uma excepção que se foi alastrando paulatinamente a um maior número de textos, tornando-se a partir da revista número nove (primeira do volume III) um padrão, chegando a aplicação vinhetas ou desenhos/estampas em cabeçalho nas páginas dos títulos (fig. 5.108) a todos os textos. A temática desses elementos decorativos é variada, notando-se uma preponderância para os motivos florais, tendo em alguns casos formado conjunto com o título do texto e envolvendoo no seu desenho. Entre outros elementos caracterizadores das páginas destacamos o uso de título corrente em cabeçalho. Este apresenta a identificação da revista centrado com a mancha de texto e o número de página alinhado com a margem exterior (fig. 5.108), sendo ambos omitidos nas páginas de início de texto (fig. 5.107 e 5.108). São ainda usadas vinhetas no final de alguns textos, sem que tenhamos percebido o que motivou a opção do seu uso ou ausência. Como referimos, a reprodução de obras artísticas (ilustrações e desenhos) ou fotografias (pinturas e esculturas) surgiam preferencialmente em páginas hors-texte (fig. 5.107). Para além dessas, registam-se ainda alguns casos de inserção de imagens nos textos, sendo esta efectuada de forma intercalada ou com o texto em corandel. As imagens variavam entre as 5 e as 10 por publicação e levavam sempre a indicação de título e autor da obra reproduzida. A partir do volume V nota-se um incremento da quantidade de imagens policromáticas reproduzidas na revista. Em conclusão, esta revista apresentou um carácter gráfico clássico, sendo composta com grande rigor, unidade tipográfica e conservando ao longo de todos os quarenta e oito números a mesma estrutura compositiva. Um estilo simples, claro e objectivo que alinha com a vertente mais institucional desta revista, manifesto no apoio dos governos português e brasileiro. Tal como outras revistas impressas na Imprensa Libânio da Silva aqui analisadas,89 patenteia um grande cuidado em todas as questões materiais e de composição tipográfica, fazendo não só justiça ao reconhecido mérito daquela oficina tipográfica, mas reflectindo também a perfeição técnica com influência no estilo didodiano proclamado por Libânio da Silva, na introdução do seu Manual do Typographo (1908), como o modelo de bem imprimir.90 Este impressor formou-se na oficina do francês François Lallemant, uma das mais conceituadas casas impressoras em Portugal naquela época, fundada em Lisboa em meados do século XIX, ocorrendo ali a sua introdução aos modelos neoclássicos. Tornar-se-ia posteriormente um defensor desse modelo, em oposição à “moda caprichosa” (Arte Nova). Assim, estando a seu cargo a elaboração gráfica desta revista, podemos considerá-la como um exemplo da rigorosa capacidade cultural, criativa e técnica de Libânio da Silva e da oficina tipográfica que dirigia. Um exemplo de como um bom impressor podia criar e produzir um projecto editorial de qualidade. 89 Contemporânea (1922–1926) e Athena (1924–1925). 90 Esta questão foi abordada anteriormente nos capítulos: 2.2.11. Século xx e 2.2.12. A incerteza de um estilo gráfico. Contudo, recorde-se que, no momento em que aquele Manual do typographo foi escrito, os modelos que imperavam no meio editorial nacional se moviam entre o neoclassicismo e o estilo moderno (Arte Nova). Ver: Silva, Op. Cit., 1908, p. 84. 268 5.2.15 Contemporânea – número specimen (1915) Apresentação Este número specimen (protótipo) da Contemporânea, publicado em Lisboa em Abril de 1915, foi um projecto editorial idealizado por José Pacheko,91 revista que dirigiu artisticamente. Nos cargos de director e editor surgem, respectivamente, os nomes de João Corrêa D’Oliveira e Eduardo Costa. Um projecto editorial que se tornaria verdadeiramente importante devido à revista editada a partir de 1922.92 Este número único da Contemporânea foi publicado graças à vontade de José Pacheko, surgindo logo após a controversa edição da Orpheu (Março de 1915), revista na qual também colaborou. Na Contemporânea José Pacheko reuniu um “punhado de artistas moços”,93 figurando entre eles os escritores António Sardinha, Agostinho de Campos, Hipolyto Rapozo, Vasco de Carvalho, Maria Amália Vaz de Carvalho, Alfredo Guimarães, Teixeira de Queiroz, Justino Montalvão, Carlos Franco e Albertina Paraíso. Na colaboração artística contava com António Carneiro, Jorge Barradas, Eduardo Viana e Almada Negreiros (capa). As páginas desta revista ficaram marcadas por um conteúdo caracterizado pelo ecletismo temático: arte, literatura, teatro, desporto, moda e sociedade. Uma variedade que a caracteriza e aproxima mais a uma publicação de acordo com a cultura de massas, assemelhando-se a um magazine popular ilustrado que se difundiam nestes anos nos principais centros urbanos europeus, e que teria grande destaque em Lisboa na década de 1920. Notamos ainda na Contemporânea alguma aproximação ao estilo Arte Nova da revista alemã Jugend não só na expressão das ilustrações, mas também na matriz do conteúdo literário, situando-se como a congénere alemã entre uma revista de arte e um periódico de entretenimento popular. Um facto que estará certamente relacionado com a preferência dos artistas de vanguarda por essas formas de entretenimento popular, em detrimento das formas clássicas, constituindo uma forma de inspiração.94 José Pacheko propunha a Contemporânea como um lugar de agitação e encontro para todos os que se interessavam pela arte em Portugal. Assim, esta revista resulta num espaço envolto pelo clima criado pela Orpheu que caminhava através do Simbolismo para o Futurismo. Este número specimen era acompanhado de um folheto com uma nota da “Sociedade de Propaganda de Portugal”,95 impresso em papel timbrado com a identidade visual da Contemporânea. Com data de Março de 1915, aquela “Sociedade” aconselha no folheto a aquisição da revista Contemporânea “visto que ella representa um bello esforço para o engrandecimento da nossa Terra.” Projecto gráfico Este número specimen foi impresso na Imprensa Libânio da Silva (Lisboa),96 recorrendo à tradicional tipografia de chumbo, à fotogravura (similigravura nos meios tons, zincogravura 91 A importância da revista Contemporânea e de José Pacheko no panorama artístico nacional foi abordado em: 1.3.4. Anos 20: a “euforia urbana”. 92 Ver capítulo: 5.2.29. Contemporânea, grande revista mensal (1922–1926). Contemporânea, número specimen, Lisboa, Maio de 1915: p. 1. 93 94 Filippo Marinetti faz a apologia do entretenimento popular em Il Teatro di Varietà (Milão, 29 de Setembro de 1913), publicado em forma de folheto e incluído no Daily-Mail de 21 de Novembro de 1913 sob o nome Music Hall. Este tema seria popular em Lisboa na década de 1920, sendo também muito próprio da vanguarda catalã a partir de 1925. Segundo a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, a “Sociedade de Propaganda de Portugal” foi fundada em 28 de Fevereiro de 1906 com o fim de “promover (...) o desenvolvimento intelectual, moral e material do país e, principalmente, esforçar-se por que ele seja visitado e amado por nacionais e estrangeiros.” As restrições impostas pelas bibliotecas consultadas impedem-nos de apresentar uma imagem deste folheto. 95 96 Sobre esta oficina tipográfica ver a revista comentada anteriormente: 5.2.14. Atlântida, mensário artístico, literário e social para Portugal e Brasil (1915–1920). 269 nos desenhos a traço) e litografia (imagem da capa). A encadernação foi brochada e grampada. Com um formato 238x315mm, a revista Contemporânea era composta por capa e um miolo de 32 páginas que compõem três secções distintas e um anexo, somando ainda uma página hors-texte com uma imagem. O anexo era constituído por um caderno de oito páginas divididas em dois grupos de quatro páginas, inseridas no início e no final, envolvendo o corpo central, impressas a uma cor (preto) em papel Jornal amarelo e com numerações independentes em cada grupo (de 1 a 4 em ambos casos); um conjunto de vinte páginas impressas a uma cor (preto) em papel Couché, também com numeração independente; uma página hors-texte em papel Couché; e, finalmente, um anexo em página dupla no final da revista com modelos de decoração impressos a uma cor em papel Vegetal. A capa mole foi impressa policromaticamente em papel Couché. Este projecto teve José Pacheko como director artístico e mentor. Conforme observámos anteriormente,97 o importante desempenho deste “arquitecto pela graça de Deus” esteve relacionado com a convivência com diversos artistas modernos em Portugal e em Paris. Supõe-se que José Pacheko terá vivido em Paris entre 1910 e 1913, para lá regressando após o seu casamento em finais de 1913, instalando-se definitivamente em Portugal em meados de 1914 devido aos conflitos da Primeira Grande Guerra. Na capital francesa conviveu, entre outros, com Amadeo de Souza-Cardoso, Santa-Rita Pintor e Mário de SáCarneiro. Já em Lisboa juntou-se ao grupo de artistas da Orpheu, convertendo-se numa figura cultural emergente e desenvolvendo até à data da sua morte (1934) um intenso esforço pela modernização da arte e sociedade nacional. A nível gráfico, realizaria diversos projectos de capas de livros, entre os quais se destacam algumas obras de Mário de Sá-Carneiro, envolvendo-se ainda com outros projectos editoriais – foi também director artístico da revista Ideia Nacional –, entre os quais se destaca a autoria da capa da Orpheu. Neste projecto editorial da Contemporânea notou-se desde logo uma preocupação pela qualidade gráfica e material das edições, que seria ainda mais evidente na revista editada a partir de 1922, como veremos adiante. Neste contexto torna-se claro não só a escolha da oficina tipográfica do importante impressor Libânio da Silva, mas também a selecção do notável conjunto de artistas modernos portugueses que viriam a colaborar na Contemporânea. Capa A capa da revista Contemporânea é dominada visualmente pela sua identidade visual (título) e pela ilustração de Almada Negreiros (fig. 5.109). O título surge em cabeçalho sendo desenhado com uma letra caligráfica, elemento que supomos ser da autoria de José Pacheko e que se tornou na identidade visual do projecto Contemporânea. Apresenta um firme carácter expressivo – manteve-se inalterada até ao final da revista em 1926 –, surgindo ainda noutros artefactos de comunicação98 deste projecto editorial, e evidenciando em José Pacheko uma consciência da utilidade comunicativa de uma identidade visual. O cabeçalho da revista é complementado pela indicação da numeração e um elemento decorativo em ambos os lados do logótipo – um vaso com flores que surgirá posteriormente várias vezes impresso nas páginas interiores da revista. Tanto estes como os demais 97 Ver: 1.3.4. Anos 20: a “euforia urbana”. Ver ainda: 1.4.1. A “geração de Orpheu” 98 Para além do folheto que acompanhava este número specimen, referido anteriormente, na “Colecção de Manuscritos de Alberto Serpa”, da Biblioteca Pública Municipal do Porto, há uma carta (documento 878) de José Pacheko (sem data) dirigida a Henrique Mantta pedindo a sua colaboração para a revista, também em papel timbrado com a mesma identidade visual impressa a vermelho em cabeçalho. 270 elementos textuais da capa – título da ilustração e identificação do autor, em rodapé – são compostos em tipo romano. Figura 5.109. Capa da Contemporânea, número specimen, Lisboa, Abril de 1915. A ilustração da capa da autoria de Almada Negreiros, intitulada “A idade da seda”, apresenta uma imagem de cortesia entre um casal elegantemente vestido. A temática ilustrativa está centrada na moda, remetendo para a modernidade citadina advogada por José Pacheko nas páginas desta sua revista. A ilustração uma expressão onde se destaca o alongamento das figuras, configurando um desenho de traços estilizados que deformava e simplificava elegantemente as feições das figuras, exagerando a perspectiva, sendo ainda apoiado por uma redução da expressão pictórica na simplicidade da linha e no uso de cores planas. Este uso de cores planas era um recurso recorrente nesta época com o fim de evitar deficiências de reprodução, acabando por se tornar uma característica expressiva das obras ilustrativas de diferentes artistas da época. Um estilo que anunciava o Art Déco gráfico em Portugal, recordando-nos a obra do inglês Aubrey Beardsley (1872–1898), do espanhol Salvador Bartolozzi (1882–1950) e, sobretudo, do francês Georges Lepape (1887–1971). Embora a leitura deste estilo de ilustração reivindicasse uma maior atenção para a sua descodificação, o mundanismo temático parecia não obrigar a uma capacidade de observação e cognição tão evoluída como algumas ilustrações simbolistas já aqui analisadas. Este factor parecia aproximar mais a revista de um público menos exclusivo, trilhando já o caminho que vai definir em 1922 a “revista feita expressamente para gente civilizada” e também para “civilizar gente”. Porém, como se verificou, aquela foi uma tentativa incompreendida num país que não estava preparado para a recepção de tão moderna intenção. Porém, denota uma mudança na maneira de entender a cultura por parte dos artistas e, aqui fundamentalmente, de José Pacheko, num momento em que a principal revista da vanguarda nacional, Orpheu, havia já saído a público. Páginas interiores O interior deste número specimen diverge do tradicional modelo de revista literária que temos observado, variando entre o aspecto gráfico de um jornal e de um magazine (estes apenas 271 se tornariam populares em Portugal na década de 1920), graças à diversidade de conteúdo e à grande quantidade de imagens, inseridas na composição do texto ou em páginas isoladas. Apresentou-se com quatro secções que se distinguem entre elas a nível do tratamento gráfico e na cor do papel em que foram impressas, tendo ainda uma numeração de páginas individualizada em cada caderno. Assim, para um melhor entendimento, essas quatro secções serão aqui observadas individualmente, designando-as daqui em diante por “cadernos”. Contudo, pode-se desde logo referir que os cadernos mantêm elos de ligação que nos permite distinguir uma unidade do projecto gráfico, revelada através dos seguintes elementos: unidade da escolha das famílias tipográficas dos tipo e ornamentos usados, uso de um “título corrente” com a identidade visual da Contemporânea, colocado em cabeçalho e centrado com a mancha de texto e, finalmente, no fólio composto sempre com o mesmo tipo romano, colocado em rodapé também centrado com a mancha de texto. Figura 5.110. Contemporânea, número specimen, Lisboa, Abril de 1915: caderno 1, p.1. O primeiro caderno tinha quatro páginas e foi impresso em papel Jornal amarelo. Estas primeiras páginas apresentam um tratamento gráfico semelhante ao de um jornal corrente, com a mancha de texto estruturada numa base de três colunas (fig. 5.110), alternado com uma pequena parte subdividida em duas colunas (fig. 5.111). Em ambos os casos o texto foi paginado segundo o modelo vertical, surgindo composto de forma continuada e separado pelas designações temáticas ou dos textos/notícias. A primeira página deste caderno (fig. 5.110) inicia com um título em cabeçalho definidor das suas características, “História dos quinze-dias: successos & suggestões; chronicas & echos”. Ou seja, este caderno trata de um conjunto de informações generalistas, divididas em subsecções temáticas e relativas a um passado recente. O cabeçalho é separado graficamente por um filete a toda a largura da mancha de texto, sendo seguido por um bloco de informação técnica (numeração, preços e endereço de contacto), e pelo “Summario” de toda a edição. Estes dois conjuntos de informação são marcados com ornamentação tipográfica – um rectângulo composto com pequenos círculos no primeiro e, no segundo, duas linhas de elementos florais delimitando-o superior e inferiormente. Duas tipologias de ornamentação que foram repetidas no resto do caderno 272 para marcar graficamente as divisões necessárias (fig. 5.110 e 5.111). Na primeira página é ainda usado como ornamento um vaso com flores, idêntico ao usado na capa. Figura 5.111. Contemporânea, número specimen, Lisboa, Abril de 1915: caderno 1, pp. 2–3. Figura 5.112. Contemporânea, número specimen, Lisboa, Abril de 1915: caderno 1, p. 4; caderno 2, p. 1. 273 A composição tipográfica mostra cuidado e rigor, tendo sido usado um só tipo romano em todos os textos. Estes são iniciados com uma capitular simples do mesmo tipo usado no texto, ou ainda com capitular ornamentada (fig. 5.111: p. 2). Os títulos das subsecções temáticas são também no mesmo tipo romano, e os demais títulos e subtítulos em tipos sem patilha. O uso de imagens neste primeiro caderno é reduzido. Para além de duas pequenas gravuras nas secções “Nos Theatros” (primeira página) e “Nos Sports” (segunda página), aparecem duas reproduções fotográficas na página quatro (fig. 5.112) que se adaptam à organização do espaço em três colunas, acomodando-se uma à largura da coluna central e a outra funcionando em corandel. O segundo e principal caderno abre como se tratasse do início da revista (fig. 5.112), sendo este impresso em vinte páginas sobre papel Jornal branco. Essa primeira página é visualmente dominada pela ilustração de título “Meia Noite” de Jorge Barradas, remetendo para o ambiente da capital francesa e a elegância da moda que ali se via, ideia descrita no texto “Meia Noite de Paris” de Justino de Montalvão nas páginas 12–13. Uma ilustração de traço elegante e delicado, de influências estilísticas Art Déco, que evidencia a modernidade e elegância da moda da mulher parisiense desejada pela mulher burguesa lisboeta. Jorge Barradas era um apreciador do ondulante e requintado desenho de moda francês, declarando o próprio artista influência nos trabalhos do catalão Xavier Gosé (1876–1915) e dos franceses Paul Iribe (1883–1935), George Barbier (1882–1932) e Georges Lepape.99 Aliás, também o desenho de Almada aponta para estas mesmas influências, entre as quais salientamos uma vez mais a obra de Georges Lepape. Esta primeira página é ainda complementada em cabeçalho com a identidade visual da Contemporânea e um conjunto de informação técnica (numeração, indicação do director, editor, director artístico, propriedade, morada e termo de impressão). A composição deste segundo caderno apresenta uma configuração variável ao longo das suas vinte páginas. Porém, pode-se afirmar que se nota uma estrutura base na maioria das páginas que assenta em duas colunas (fig. 5.113), usada sobretudo na apresentação de textos mais extensos. Estas vão alternando com outras páginas de configuração variável, criando assim um ritmo que se distância do de outras revistas caracterizadas por uma, algumas vezes, insípida e repetitiva uniformidade estrutural. O ritmo nas páginas da Contemporânea vai sendo marcado pela introdução de páginas onde imperam as imagens, criando um mosaico (fig. 5.114: p. 4) com fotografias e ornamentações gráficas – frisos de alusão arquitectónica –, ou intercalando com o texto em composições gráficas mais livres (fig. 5.114: p. 5 e fig. 5.116). Noutros casos o ritmo recorre apenas a uma tradicional introdução de elementos ilustrativos com o texto em corandel (fig. 5.113). Noutro há uma inusitada apresentação da dupla página com uma orientação horizontal (fig. 5.115), onde a composição gráfica quebra os modelos estruturais que normalmente se observavam na época, e que seguiam os arquétipos tradicionais dos diferentes estilos com maior ou menor rigor. Recordemos que em Portugal esses se resumiam normalmente ao classicismo oitocentista, ao Fin-de-siècle ou ao Arte Nova de diferentes origens. Nesta dupla página horizontal, para além dos constantes elementos caracterizadores já referidos, volta a aparecer o cliché do vaso com flores que também foi usado na capa usado como elemento ornamental. A ilustração dessa dupla página, uma composição inédita de Eduardo Viana, ganha com esta orientação uma dimensão extra na pregnância da imagem que uma composição vertical não permitiria. Essa ampliação é ainda reforçada pela relação física que se estabelece com o artefacto impresso, forçada pela rotação da revista para a perfeita visualização do conteúdo. 99 Rodrigues, António. Jorge Barradas. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1995: p. 19. 274 Figura 5.113. Contemporânea, número specimen, Lisboa, Abril de 1915: caderno 2, pp. 2–3. Figura 5.114. Contemporânea, número specimen, Lisboa, Abril de 1915: caderno 2, pp. 4–5. 275 Figura 5.115. Contemporânea, número specimen, Lisboa, Abril de 1915: caderno 2, pp. 10–11. Figura 5.116. Contemporânea, número specimen, Lisboa, Abril de 1915: caderno 2, pp. 14–15. 276 Figura 5.117. Contemporânea, número specimen, Lisboa, Abril de 1915: caderno 3, p. 1. Este segundo caderno fica ainda marcado por uma maior aplicação de elementos ornamentais e uma maior variedade nos tipos de letra usados nos títulos. Estes, para além de usar tipos romano e sem patilha, passam agora a ser compostos também com tipos fantasia de estilo Arte Nova e caligráfica ou litográfica. O terceiro e último caderno cobre a segunda metade do caderno impresso em papel Jornal amarelo que, como referimos na apresentação do projecto gráfico, envolvia o segundo caderno. Neste terceiro apresenta-se a “secção feminina” com o sugestivo título “Modas & Elegâncias – Correio das Senhoras”, configurando um conjunto de quatro páginas onde a imagem é dominante, surgindo o texto apenas na primeira página (fig. 5.117). Nesse texto apresentaram a secção e a sua responsável, Madame Richard,100 indicando que se destina “não só a orientar, dirigir e aconselhar as suas leitoras, como a prestar-lhes todos os serviços de que porventura careçam.” Isto é, este seria um espaço de aconselhamento e resposta a questões das leitoras sobre moda, beleza, higiene, e várias outras questões domésticas que na época seriam do interesse feminino. Entende-se assim que pela possível variedade de temas que ali seriam tratados, este caderno tenha sido composto de forma bastante livre, não existindo aparentemente uma estrutura fixa ao longo das quatro páginas. Ainda assim, neste caderno do número specimen sobressai na primeira página o cabeçalho com o título composto numa letra caligráfica bastante adornada, tendo em ambos os lados duas pequenas ilustrações alusivas ao tema da moda. Uma página complementada por duas 100 Aproveitamos este caso para referir a questão sufragista em Portugal. Este movimento social nacional acompanhou, de certa forma, o que se passava noutros países, começando a discutir-se nos inícios da última década do século XIX – o primeiro passo nesta questão deu-se na Nova Zelândia em 1892. Contudo, apenas a partir da implantação da república portuguesa, em 1910, haveria grandes evoluções, mas que foram travadas pela Lei nº 3 de 3 de Julho, do ano de 1913, vedando expressamente o voto às mulheres em Portugal. Esta situação não seria alterada durante todo o período da Primeira República (1910–1926), sendo concedido pela primeira vez apenas em 1931 – embora com limitações –, pelo decreto 19.692, de 5 de Maio. Refira-se, finalmente, que a descriminação em função do sexo em termos de direito de voto foi abolida definitivamente a 26 de Dezembro de 1968, com a publicação da Lei n.º 2137, ficando apenas restringindo aos cidadãos que não soubessem ler e escrever e nunca tivessem sido recenseados. 277 colunas com texto, e uma composição de imagens que ocupam o espaço entre colunas e a parte inferior. Figura 5.118. Contemporânea, número specimen, Lisboa, Abril de 1915: caderno 3, pp. 2–3. Figura 5.119. Contemporânea, número specimen, Lisboa, Abril de 1915: anexo 1. A dupla página seguinte (fig. 5.118) apresenta uma composição com vários figurinos e adereços numerados, tal como as imagens da primeira página, e cuja legenda ocupa a 278 última página conjuntamente com publicidade. Por fim, fazemos aqui uma breve referência ao anexo impresso em papel Vegetal (fig. 5.119) que surge no final da revista. Esta parte da revista apresenta somente um conjunto de modelos decorativos, servindo estes para decorar uma caixa para chá, uma faca de cortar papel e um vaso, tal como estava descrito na “Secção Feminina – Arte Decorativa” na página vinte do segundo caderno. Não sendo significativo em termos de conteúdo, fica aqui apenas o registo da sua presença e da curiosidade de ser impresso naquele tipo de papel pouco usual. Note-se contudo que José Pacheko manteve presente a identidade visual e, uma vez mais, do elemento decorativo constituído por um vaso com flores. Ainda que este número specimen não teve continuidade, talhando-nos a possibilidade de averiguar a validade daquelas opções editoriais e gráficas, acreditamos que estas nasceram como um reflexo da passagem de José Pacheko por Paris, onde teria ficado influenciado pelo ambiente cosmopolita e pelos diversos contactos com artistas modernos portugueses e estrangeiros. Assim, a revista Contemporânea foi lançada num momento de intenso fervilhar intelectual e cultural, inserindo-se num conjunto de várias outras actividades que José Pacheko pretendeu lançar (congressos, publicações, galeria de exposições, entre outras).101 Pelo seu conteúdo e ambiente gráfico o número specimen assemelha-se a um magazine ilustrado de carácter recreativo, sendo apenas uma experiência abortada do que viria a ser a “sua revista” Contemporânea, publicada de forma regular a partir de 1922, com a intenção de impor a arte viva no gosto dos compradores burgueses. Uma “Revista feita expressamente para gente civilizada” e também “para civilizar gente”, que pretendia e declarava ser o veículo para a integração social da Arte Moderna. Ainda assim, podemos verificar que as opções tomadas na elaboração deste número specimen, demonstram em José Pacheko uma intenção e cuidado particulares na construção de uma revista de qualidade única, não só nas contribuições literárias e artísticas, mas também no seu grafismo e produção, caracterizada pela riqueza e variedade de tipos de papel, ilustrações, grafismos e tipos de letra. Um projecto secundado pela capacidade técnica da Imprensa Libânio da Silva que, ao contrário do verificado na revista Atlântida, teve aqui uma acção menos interventiva ao nível da responsabilidade pelo grafismo. 101 Consultar capítulo: 1.3.4. Anos 20: a “euforia urbana”. 279 5.2.16. Eh Real!, panfleto semanal de crítica e doutrinação política (1915) Apresentação A revista Eh Real! teve um único número editado em Lisboa com data de 13 de Maio de 1915. Conforme o seu texto de apresentação,102 esta “pequena brochura” foi publicada em consequência da crise social que se vivia no país naquela época, e tinha como objectivo uma intervenção na vida pública, centrando as suas atenções em questões relacionadas com a actividade política e cultural. Questão que nos permite entender a sua designação em subtítulo de Panfleto semanal de crítica e doutrinação política, alinhando com um conjunto de outros panfletos que foram naquela época editados em oposição à efémera ditadura do general Pimenta de Castro.103 O general foi deposto na revolta de 14 de Maio de 1915, um dia depois da publicação desta revista, caindo assim o intuito de oposição que presidia a edição desta publicação, não fazendo sentido a sua continuidade. Refira-se que apesar do título da revista e da colaboração de Artur Ribeiro Lopes (confesso monárquico) o poder indicar, a linha editorial da Eh Real! não seguia a ideologia monárquica. Publicada pouco depois da revista Orpheu, esta publicação destacou-se entre outros panfletos do género, tendo importância no nosso estudo graças ao texto de Fernando Pessoa ali impresso, “O preconceito da ordem”, no qual apresenta a sua faceta de cariz político. Propriedade da “Empresa do Eh Real!”, esta revista apresentou como director e editor João Camoezas,104 destacando-se na colaboração literária Fernando Pessoa, Artur Ribeiro Lopes, Sérgio Sílvio e João Simões da Costa, entre outros. Não apresentou qualquer tipo de colaboração artística. Projecto gráfico Com um formato 160x215mm, a Eh Real! era composta por capa e um corpo de dezasseis páginas, impressa toda ela com recurso a uma cor (preto) em papel Jornal, sendo este colorido na capa. Da oficina tipográfica sabemos apenas que se situava em Lisboa na Rua de São Bento n.º 24, não existindo qualquer outra indicação. A revista foi toda ela impressa recorrendo somente à tradicional tipografia de chumbo, sendo a sua encadernação brochada. Capa Como observámos na apresentação, esta revista anunciava um carácter panfletário que se reflectiu naturalmente na precariedade de recursos usados na sua produção. Essa característica panfletária reflecte-se na solução gráfica (fig. 5.120) da apresentação do título, em grande dimensão, composto com um tipo fantasia de estilo Arte Nova e colocado numa posição diagonal, entre dois filetes rasos, conotando uma ideia de acção que é também acentuada no uso do ponto de exclamação no título. Igualmente a cor do papel, um avermelhado, ajuda a caracterizar a capa desta revista naquele ambiente panfletário. A capa é complementada com a apresentação do Sumário, composto em dois blocos verticais, colocados nos espaços vazios gerados lateralmente à diagonal do título, sendo a ocupação do espaço complementada com a aplicação de dois ornamentos gráficos. Apresentam uma boa hierarquização da informação com os temas em tipo sem patilha, sendo a numeração, título dos textos e identificação de autor em tipo romano. A capa era 102 Eh Real!, n.1, Lisboa, 13 de Maio de 1915: pp. 1–2. A designada “ditadura do general Pimenta de Castro” durou pouco mais de três meses (de 25 de Janeiro de 1915 a 14 de Maio de 1915), período em que governou o país depois do governo ter sido derrubado por uma revolta militar, consequência do clima político conturbado que se vivia em consequência da Primeira Guerra Mundial. 104 João de Camoezas (1887–1951), médico de formação, teve uma vida ligada à política. Foi deputado entre 1915– 1926, tendo exercido o cargo de Ministro da Instrução Pública entre 1923–1925, altura em que assinaria uma “Portaria de Louvor” (1923) à revista Contemporânea. Colaboraria ainda na revista Seara Nova. Consultar: 5.2.29. Contemporânea, grande revista mensal (1922–1926). 103 280 ainda rematada em rodapé com a apresentação do preço e número da revista, composto em tipo sem patilha sublinhado. Figura 5.120. Capa da Eh Real!, n.1, Lisboa, 13 de Maio de 1915. Páginas interiores A estrutura gráfica da Eh Real! segue um esquema simples, organizando o seu conteúdo numa única e uniforme coluna texto centrada na página (margens iguais nos pares superior/inferior e exterior/interior), bem composta em tipo romano, com boa marcação de parágrafos e mantendo-se as margens e mancha de texto uniformes em toda a revista. A primeira página (fig. 5.121) inicia com um cabeçalho de apresentação, onde se destaca o título Eh Real! em tipo fantasia, igual ao usado na capa, mas agora em posição horizontal. O título tem debaixo o subtítulo composto em tipo sem patilha condensado, criando uma sensação visual de sublinhado. Junto a estes está a ficha técnica, delimitada em baixo entre filetes pelas direcções da redacção/administração e da oficina tipográfica, informação composta em diferentes tipos romanos e sem patilha. Em cima, com uma configuração semelhante a um título corrente, sublinhado por um filete de intestação, está a data e a numeração da revista compostos em tipo sem patilha. Após este cabeçalho as páginas sucedem num ritmo gráfico regular (fig. 5.123), marcadas apenas pela introdução da identificação de secções temáticas, títulos e subtítulos dos textos, que vão sendo compostos com recurso a diferentes tipos de letra fantasia de estilo Arte Nova, romanos e sem patilha, sem que se note uma linha gráfica coerentemente definida (fig. 5.122). Esses elementos identificadores dos textos são normalmente sublinhados e separados entre eles com o recurso a diversas tipologias de filetes (simples ou ornamentais). As páginas são ainda caracterizadas pelo uso de um título corrente em cabeçalho, com a identificação de fólio na margem exterior, o título da revista centrado, composto em tipo sem patilha, e um filete fino a toda a largura da mancha de texto. 281 Figura 5.121. Eh Real!, n.1, Lisboa, 13 de Maio de 1915: p. 1. Figura 5.122. Eh Real!, n.1, Lisboa, 13 de Maio de 1915: pp. 4–5. 282 Figura 5.123. Eh Real!, n.1, Lisboa, 13 de Maio de 1915: pp. 8–9. A única excepção a esta regularidade gráfica surge na quarta página (fig. 5.122), onde se critica política e culturalmente o general Pimenta Machado, recorrendo à configuração ilustrativa de um monumento fúnebre dedicado à gramática e à sintaxe da língua portuguesa, acusando-se ali o general como sendo o seu assassino. Um elemento ilustrativo que é construído apenas com recurso a filetes tipográficos. No resto da publicação não existe qualquer outro tipo de ilustração ou imagem. De uma forma geral, o grafismo da revista Eh Real! apresenta uma configuração neutra, destacando-se apenas na forma diferenciada como o título foi aplicado na capa e pela ilustração tipográfica supra-referida. A efemeridade desta publicação, apenas um número, não permite tirar mais conclusões sobre a firmeza das opções gráficas. Ainda assim, podese dizer que o ambiente panfletário que esta revista parecia assumir na capa, fruto da linha de intervenção política que a presidia, não se reflecte no grafismo das páginas interiores, onde apresenta uma paginação dentro dos padrões normais da época, verificados noutras revistas, e que se limitavam à aplicação de modelos tradicionais das oficinas tipográficas onde eram produzidas. 283 5.2.17. Orpheu, revista trimestral de literatura (1915) Apresentação A revista Orpheu foi publicada em Lisboa em 1915,105 tendo saído a público dois números. Teve como directores, do primeiro número, Luís de Montalvor (Lisboa) e Ronald de Carvalho (Brasil) e, no segundo, Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro. O editor foi António Ferro e na colaboração literária destacaram-se, entre outros, Alfredo Guisado, Almada Negreiros, Côrtes-Rodrigues, Raul Leal, Ângelo de Lima, Santa Rita Pintor e Eduardo Guimaraens. Subintitulada revista trimestral de literatura, no contexto cultural e literário nacional a importância desta revista revela-se na forma como o seu título passou a denominar uma geração, convertendo-se no símbolo da vanguarda histórica portuguesa.106 Conforme escreveu mais tarde Álvaro de Campos (o heterónimo futurista de Fernando Pessoa), “«Orpheu» é a soma e a síntese de todos os movimentos literários modernos”107 configurando um espaço de ecletismo estético. Ou seja, Orpheu foi o ponto de confluência de um variado conjunto de movimentos estético-literários: o Paulismo, o Interseccionismo, o Simultaneísmo, o Futurismo, o Simbolismo, o Decadentismo e o Sensacionismo. Em resumo, pode-se afirmar que a revista Orpheu configurou um espaço de união de dois diferentes caminhos, e formalmente antagónicos, da modernidade: o que deriva do Simbolismo por influência de Stéphane Mallarmé e o que vem do Futurismo por via de Walt Whitman e Filippo Marinetti. Se o primeiro número da revista ficou ainda bastante marcado pelo Simbolismo, o Futurismo sobressairia no segundo, mas apenas atingiria a sua expressão máxima dois anos mais tarde com a publicação da Portugal Futurista.108 Na colaboração artística devemos destacar José Pacheko, autor da capa do primeiro número, não apresentando qualquer tipo de imagem no corpo da revista. Numa nota introdutória do segundo número, a Redacção afirmava que “seria interessante inserir em cada número desenhos ou quadros de um colaborador (...). A realização desta parte do nosso programa começa no número actual com a inserção dos quatro definitivos trabalhos futuristas de Santa Rita Pintor.” Assim, o segundo número conta com a apresentação de um conjunto de imagens em hors-texte daquele autor, que seria um dos principais dinamizadores do movimento Futurista português, juntamente com Fernando Pessoa, Almada Negreiros e Amadeo de Souza-Cardoso. Projecto gráfico Com um formato de 165x240mm, a revista era composta por capa mole e um miolo de oitenta e duas páginas, com numeração continuada entre os dois números, às quais se acrescentavam algumas páginas de introdução (não numeradas) e quatro hors-texte de página dupla no segundo número. A capa do primeiro número foi impressa a duas cores, a capa do segundo apenas com uma (preto), tal como as páginas interiores e os hors-texte. A Orpheu foi impressa na Tipografia do Comércio, em Lisboa, tendo recorrido a papel Couché para a capa, papel Corrente para as páginas interiores e papel Couché nas hors-texte. Para a 105 Existem divergências quanto à data exacta de publicação dos dois números da Orpheu, variando segundo os textos encontrados. No nosso estudo optámos pelas datas que surgem nas suas páginas, e que correspondem nos dois números, respectivamente, aos trimestres de “Janeiro-Fevereiro-Março” e “Abril-Maio-Junho” de 1915, sendo também estas datas que figuram na catalogação da Biblioteca Nacional de Portugal. 106 Estas questões foram abordadas de forma alargada em: 1.4. Que pensavam e pediam os artistas modernos portugueses. 107 Pessoa, Fernando. Páginas íntimas e de auto-interpretação. Edição organizada por Jacinto Prado Coelho e Georg Rudolf Lind. Lisboa: Ática, 1966: p. 155. 108 Ver: 1.4.2. A vanguarda artística portuguesa: um projecto de inovação. 284 sua impressão recorreu à tradicional tipografia de chumbo e à fotogravura (similigravura). A encadernação foi brochada e cosida. Capa O primeiro número da Orpheu apresenta uma capa da autoria de José Pacheko, onde se destaca o desenho de estilo simbolista. Este relaciona-se objectivamente com estética simbolista que marcou o primeiro número, notória na “Introdução” de Luís de Montalvor e em vários textos.109 A composição de Pacheko destaca-se uma figura feminina desnudada, situada entre duas grandes velas acesas, com os braços abertos em cruz e um longo cabelo formando uma espécie de manto de virgem. Esta composição artística, desenhada a lápis e colorida em fundo com uma ligeira aguada azul, configura uma alegoria caracterizada por um ambiente místico ligado à religião, reforçando o tom simbolista daquele primeiro número da Orpheu. Figura 5.123. Capa da Orpheu, n.1, Lisboa, Janeiro-Fevereiro-Março de 1915. O título da revista foi construído em letra caligráfica do mesmo autor, realizada com lápis como no desenho e obtendo uma uniforme expressão de ambos os elementos (icónico e verbal). Cremos que esta opção mais decorativa de Pacheko, em detrimento da utilização de uma tipografia standard, surgiu como complemento do desenho propondo um ritmo e uma sensibilidade musical através do cursus do título. Salientamos ainda a arriscada opção por uma letra caligráfica e a sua colocação inferior e assimétrica, reduzindo a força do título em termos comunicacionais. Se somarmos ainda a ausência de outro tipo informação na capa (data, número, etc.) e a assinatura de Pacheko sob o desenho, podemos entender esta capa como uma tentativa de afirmação autoral, aproximando-se dessa forma ao grupo dos “modernos” – esta foi a sua única intervenção na revista. No segundo número o “comité redactorial” optou por abdicar da característica artística na capa, fixando-a apenas com uma composição tipográfica (fig. 5.124), justificando-o assim numa nota introdutória: 109 Rocha, Op. Cit., 1985, pp. 335–338. 285 “De princípio, concordara o comité redactorial de Orpheu em não inserir colaboração artística: por isso mesmo se adoptou uma capa que o era, brilhante composição do arquitecto José Pacheco. Posteriormente à saída do primeiro número, julgou, porém, o mesmo comité que seria interessante inserir em cada número desenhos ou quadros de um colaborador, em vista do que decidiu fixar a capa, tirando-lhe o carácter artístico e dando-lhe um simples e normal aspecto tipográfico.” É, porém, assinalável que aquela opção de dar “um simples e normal aspecto tipográfico" à capa, convocando uma neutralidade estilística/artística na sua construção, tenha conduzido a uma composição tão interessante em termos de design gráfico. Ou seja, em oposição à poesia simbolista do desenho e da caligrafia da primeira capa, na composição do título e número da segunda foi usado um tipo de estilo egípcio de expressão assertiva, à qual não é alheio o uso de uma variante condensada, usada no número, proporcionando o uso de um corpo maior sem comprometer a libertação do espaço vazio que o valoriza. Esse espaço é formado por um fundo negro sobre o qual surgia o título e o número “2” de grandes proporções, configurando uma imperativa afirmação da revolução que se procurava promover com os textos no seu interior. Nesse sentido, a relação entre a capa e o conteúdo literário é aqui tão interessante como no caso do Simbolismo do primeiro número, verificando também neste segundo caso uma manipulação da linguagem gráfica que complementa a aproximação estética-literária da Orpheu ao Futurismo, tal como veremos na construção literária, gráfica e visual de alguns dos textos ali publicados (analisado adiante). Figura 5.124. Capa da Orpheu, n.2, Lisboa, Abril-Maio-Junho de 1915. Não se encontrou nenhuma referência relativamente à autoria da capa do segundo número. Contudo, comparando com o grafismo clássico das suas páginas interiores, somos levados a crer que esta capa terá sido uma criação conjunta entre impressor e o “comité redactorial”, no qual estaria incluído seguramente Mário de Sá-Carneiro. Este escritor publicou neste número um poema futurista “Manucure”110 concebido plasticamente que, entre outros 110 Sá-Carneiro, Mário de. “Manucure”. Em: Orpheu, n.2, Lisboa, Abril-Maio-Junho de 1915: pp. 98–107. 286 aspectos (analisados adiante), ilustra graficamente a “Assunção da Beleza Numérica” (fig. 5.134) e glorifica a “nova sensibilidade tipográfica” dos ambientes “citadinos”. Neste contexto, pode-se traçar um paralelismo entre o número da capa e os números de polícia que identificam as casas no espaço público, tomando assim o segundo número da Orpheu como uma porta de entrada para a aventura futurista. Refira-se ainda que o número e o título foram impressos em tipos de madeira, aparentemente criados para esta aplicação específica, acabando por lhe atribuir conceptualmente um carácter artístico que, segundo a nota do “comité redactorial”, parecia não pretender ter. Páginas interiores A paginação desta publicação abria com uma página preliminar (fig. 5.125) que se manteve graficamente idêntica nos dois números.111 Organizada sobre um eixo central, a informação nela apresentada vai sucedendo-se verticalmente (título, subtítulo, locais de edição e directores, numeração e data, sumário, colaborador artístico e termo de impressão), sendo acompanhada paralelamente pela alteração dos tipos de letra em que é composta. O uso intercalado de diversos tipos sem patilha, fantasia e romanos de diferentes estilos vai dando lugar à criação de hierarquias, secundadas com alterações de corpos, caixa e variação de pesos (negros, redondo e itálicos). Esta opção gráfica, que já vimos noutras revistas, singulariza-se aqui pela diversidade de tipos de letra usados, atribuindo uma famílias distinta para cada tipo de informação, destacando-se, sobretudo, o tipo sem patilha expandido e com um forte carácter geométrico usado no título da revista, compensando assim a exiguidade do espaço. Opção que evidencia conhecimento e capacidade técnica da parte dos impressores responsáveis pela composição gráfica desta revista. Figura 5.125. Orpheu, n.1, Lisboa, Janeiro-Fevereiro-Março de 1915: s.p. 111 As restantes páginas não numeradas apresentam as condições de assinatura, publicidade a livros de colaboradores da Orpheu, mantendo um tratamento gráfico semelhante. No segundo número há ainda alguns avisos e a referida nota introdutória do “comité editorial”. 287 Figura 5.126. Orpheu, n.1, Lisboa, Janeiro-Fevereiro-Março de 1915: anterrosto. Figura 5.127. Orpheu, n.1, Lisboa, Janeiro-Fevereiro-Março de 1915: frontispício. Figura 5.128. Orpheu, n.1, Lisboa, Janeiro-Fevereiro-Março de 1915: pp. 22–23. 288 Figura 5.129. Orpheu, n.1, Lisboa, Janeiro-Fevereiro-Março de 1915: p. 51. Figura 5.130. Orpheu, n.1, Lisboa, Janeiro-Fevereiro-Março de 1915: p. 76. Figura 5.131. Orpheu, n.2, Lisboa, Abril-Maio-Junho de 1915: sp. A revista Orpheu foi uma revista de poesia, e as suas páginas ficariam marcadas visualmente pela configuração própria de um livro de literatura e o ritmo que um texto poético marca. Se exceptuarmos as primeiras quatro páginas não numeradas, a composição 289 gráfica do miolo da revista não diferia muito de um tradicional livro de poesia. O corpo literário da Orpheu abre então com anterrosto (fig. 5.126) e frontispício (fig. 5.127), duas páginas ímpares compostas de forma clássica, com alinhamento central e a informação bem hierarquizada – um tratamento gráfico bem distinto do observado na página preliminar. Um aspecto neoclássico que se prolongou nas páginas de toda a revista, sendo todas elas compostas com um único tipo de letra romano. Sendo uma revista essencialmente de poesia, as margens da mancha de texto eram delineadas pelo filete do título corrente (fig. 5.128), ultrapassando assim a irregularidade do ritmo da mancha gráfica provocado pelos textos com essa forma literária. O título corrente é ainda formado pela numeração de página, título e data da revista (página par), e título e autor do texto (página ímpar), sendo estes alinhados ligeiramente recuados nas margens exteriores e interiores, respectivamente. A sequência de textos está organizada por autores, sendo cada um deles marcado com uma página ímpar divisória, uma página de título falso que apresenta o título dos textos e identificação do autor (fig. 5.129). Estes dois elementos estavam compostos em caixa alta, com destaque hierárquico para o título, com a mesma disposição do anterrosto. O primeiro texto de cada autor iniciava na página ímpar seguinte (fig. 5.130), com uma inserção vertical que variava consoante as estrofes, e no caso de existirem mais textos do mesmo autor estes iam-se sucedendo de forma sequencial (fig. 5.128). Figura 5.132. Orpheu, n.2, Lisboa, Abril-Maio-Junho de 1915: pp. 92–93. O alinhamento dos textos dependia da dimensão dos versos dos poemas, sendo alinhados na margem esquerda quando os versos eram longos (fig. 5.130), e recuados para o interior da mancha quando os versos eram curtos (fig. 5.128). Também os títulos variavam a sua posição e características dependendo desses alinhamentos: no primeiro caso eram alinhados ao centro e compostos em caixa alta e itálico, e no segundo caso eram alinhados à margem esquerda, sublinhados e compostos em versaletes. As características gerais que observámos no primeiro número da Orpheu manter-se-iam quase inalteradas no segundo. Registe-se contudo a introdução de quatro imagens em horstexte de página dupla (fig. 5.131), inexistentes no primeiro número, a introdução de 290 pequenos elementos ornamentais marcando pausas em alguns poemas, e o abandono do uso de versaletes nos títulos com sublinhado (fig. 5.132), passando a caixa alta. Figura 5.133. Orpheu, n.2, Lisboa, Abril-Maio-Junho de 1915: pp. 100–101. Figura 5.134. Orpheu, n.2, Lisboa, Abril-Maio-Junho de 1915: pp. 102–103. 291 Em termos de conteúdo, o segundo número a Orpheu aproximou-se de um ideal de vanguarda culturalmente mais abrangente, sendo este objectivo alcançado em “consequência do encontro das letras e da pintura.”112 Essa união que na Orpheu tomava uma direcção única do Futurismo, nota-se mais em termos de conteúdo literário e plástico do que na forma gráfica. Ainda assim, o segundo número desta revista ficaria marcado por um momento gráfico e tipográfico distinto (fig. 5.133 a 5.136) na apresentação do poema futurista “Manucure”, de Mário de Sá-Carneiro.113 Um poema onde a ruptura com o tradicional foi feita a nível literário e pela sua apresentação gráfica, ampliando dessa forma o seu valor semântico. Um poema que foi modelado visual e graficamente pelo fascínio que aquele poeta sentia pelas metrópoles, o ambiente do café (local de sociabilidade e convívio artístico), e pelos trabalhos gráficos de âmbito comercial e publicitário (anúncios, marcas e cartazes, entre outros). Neste âmbito é importante salientar a importância que Mário de SáCarneiro dá naquele texto às questões gráficas e tipográficas, sobretudo na parte que exulta com a vibração de “toda a nova sensibilidade tipográfica”. Citemos aqui a parte114 referente à exploração gráfico-visual de “Manucure” (fig. 5.134, 5.135 e 5.136): Eh-lá! grosso normando das manchettes em sensação! Itálico afilado das crónicas diárias! Corpo-12 romano, instalado, burguez e confortável! Góticos, cursivos, rondas, inglesas, capitais! Tipo miudinho dos pequenos anúncios! Meu elzevir de curvas pederastas!... E os ornamentos tipográficos, as vinhetas, As grossas tarjas negras, Os «puzzle» frívolos da pontuação, Os asteriscos – e as aspas... os acentos... Eh-lá! Eh-lá! Eh-lá! ... – Abecedários antigos e modernos, Gregos, góticos, Slavos, arabes, latinos –, Eia-hô! Eia-hô! Eia-hô!... (Hip! Hip-lá! nova simpatia onomatopaica, Rescendente da beleza alfabetica pura: Uu-um... kess-kresss... vliiim... tlin... blong... flong... flack... Pâ-am-pam! Pam... pam... pum... pum... Hurrah!) 112 Negreiros, José de Almada. Obras completas: textos de intervenção. (Vol. VI). Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1993: p. 174. 113 Orpheu, n.2, Lisboa, Junho de 1915: pp. 98–107. Em termos da sua importância estético-literária este poema de Mário de Sá-Carneiro foi já abordado em “3.3.3. O protagonismo da tipografia na revolução poética vanguardista” A citação inclui imagens das intervenções gráficas que não podemos transcrever, cujas referências correspondem às das figuras 5.135 e 5.136. 114 292 Mas o estrangeiro vira a página, Lê os telegramas da Última-Hora; Tão leve como a folha do jornal, Num rodopio de letras, Todo o mundo repousa em suas mãos! – Hurrah! por vós, indústria tipográfica! – Hurrah! por vós, empresas jornalísticas! Por último desdobra-se a folha dos anúncios... – Ó emotividade zebrante do Reclamo, – Ó estética futurista – up-to-date das marcas comerciais, Das firmas e das tabuletas!... E a esbelta singeleza das firmas, LIMITADA ........................................................................................................ 293 ........................................................................................................ Tudo isto, porém, tudo isto, de novo eu refiro ao Ar Pois toda esta Beleza ondeia lá também: Números e letras, firmas e cartazes – Altos-relevos, ornamentação!... – Palavras em liberdade, sons sem-fio, São explorações textuais, gráficas e tipográficas que estão conforme o que Filippo Marinetti havia definido na teorização visual do seu ISF – Rivoluzione tipográfica, ou seja, o uso de diferentes tipos de letra e de diversos corpos num mesmo texto. Recursos gráficos que, como referimos, possibilitavam a transformação dos valores semânticos do texto, constituindo uma manipulação tipográfica e visual subversiva relativamente aos códigos e modelos que regiam a tradição da comunicação literária, e que se adaptavam às intenções de ruptura dos movimentos de vanguarda. Remetem ainda para questões relacionadas com a expressão do design gráfico, ou seja, mostram o funcionamento semântico a partir de empatias físicas e de sensações. Figura 5.135. Orpheu, n.2, Lisboa, Abril-Maio-Junho de 1915: pp. 104–105. 294 Figura 5.136. Orpheu, n.2, Lisboa, Abril-Maio-Junho de 1915: pp. 106–107. Em conclusão, olhando de uma forma global para a paginação da Orpheu, esta abordagem tipográfica deixa uma sensação de acção epidérmica frente à uniformidade tipográfica do resto da revista, tendo a subversão gráfica apenas ultrapassado os limites da composição tipográfica ortogonal, indo um pouco além disso nas páginas 101 e 105 (Orpheu n.º 2) do poema “Manucure”. Nesse sentido, acreditamos que o facto da ruptura gráfica surgir apenas no texto de Mário de Sá-Carneiro, se relacione mais com aquele autor do que com uma metodologia do corpo editorial da revista. Mesmo no texto “Ode Marítima” do futurista Álvaro de Campos (pp. 131–152) existe apenas um tímido incremento do corpo da letra em algumas linhas do texto salientando expressões onomatopeicas, típicas da expressão literárias futurista, mas sem quebrar com a tradicional organização tipográfica do texto. As características gerais que observámos no primeiro número da Orpheu manter-se-iam quase inalteradas no segundo. Registe-se contudo a introdução de quatro imagens em hors-texte de página dupla (fig. 5.131), inexistentes no primeiro número, a introdução de pequenos elementos ornamentais marcando pausas em alguns poemas, e o abandono do uso de versaletes nos títulos com sublinhado (fig. 5.132), passando a caixa alta. Conjuntamente, acreditamos que uma maior expressividade gráfica na composição dos textos, que rompesse mais com os modelos tradicionais e ortogonais, necessitaria de mais capacidade técnica dos compositores tipográficos e dos meios de reprodução. Seria também uma opção que tornaria os projectos editoriais mais dispendiosos, e essa era uma forte condicionante desta revista e de muitos outros casos. Como sabemos,115 esses eram obstáculos que afectavam objectivamente a qualidade do meio gráfico e tipográfico nacional naquela época. 115 Ver capítulo: 2.2.11. Século xx. 295 5.2.18. Centauro, revista trimestral de literatura (1916) Apresentação O número único da revista Centauro foi publicado em Lisboa com data de Outubro-NovembroDezembro de 1916.116 O editor foi Lemos de Napoles, a direcção ficou a cargo de Luís de Montalvôr, que havia dirigido no ano anterior a Orpheu, e incluiu colaborações literárias de algumas das principais figuras do modernismo português. Para além do próprio Luíz de Montalvôr, na Centauro figuraram ainda textos assinados por Camillo Pessanha, Alberto Osório de Castro, Raul Leal, Fernando Pessoa, Júlio de Vilhena e Silva Tavares. Esta revista trimestral de literatura assumiu, juntamente com a Exílio (analisada adiante), um papel fundamental no processo de definição do modernismo em Portugal. O seu principal motivo de interesse é a colaboração de Camillo Pessanha (1867–1926), alinhando o seu texto e a revista com os princípios do Decadentismo e do Simbolismo, sendo aquele autor a mais pura expressão do Simbolismo em Portugal. Assim, esta revista foi um espaço de afirmação de uma das duas linhas directrizes do modernismo nacional, nomeadamente a que seguiu o exemplo de Stéphane Mallarmé.117 Na colaboração artística contou com Christiano Cruz que apresentou na revista uma ilustração a carvão em hors-texte, Este artista foi um dos fundadores do “Grupo de Coimbra” (ver a análise da revista A Águia) que se havia destacado no o primeiro “Salão dos Humoristas” em 1912, e que no ano seguinte escrevera Guerra à bota-de-elástico, onde se insurgia contra retórica naturalista (oitocentista) que persistia e invadia a segunda década do século XX.118 Foi também uma figura de proa do modernismo nacional, entendendo-se nesse contexto a sua colaboração nesta importante revista da vanguarda histórica portuguesa. Não existe direcção artística referenciada. Projecto gráfico Esta revista de formato 180x250mm foi composta por oitenta e oito páginas, uma página hors-texte com a única imagem da revista e uma capa semi-rígida. Produzida em Lisboa na Tipografia do Annuario Commercial, usou na capa um Cartão liso de cor crua impressa a uma cor (verde), nas páginas do miolo usou um papel Corrente forte impresso a preto, e a imagem foi impressa a duas cores em papel Couché colado sobre papel Gofrado. Para a sua impressão recorreu à tradicional tipografia de chumbo e à fotogravura (similigravura – meios tons). A encadernação foi brochada e cosida. Capa A capa do número único da Centauro (fig. 5.137) tem uma configuração gráfica bastante sóbria, apresentando apenas o título da revista e o número. Apesar dessa simplicidade, é curioso notar como a opção por um inusitado desenho da letra caligráfica, com uma inclinação contrária à normalmente usada nos itálicos tradicionais, acaba por nos prender a atenção.119 Também a colocação do número no canto inferior direito, composto em tipo romano e inserido numa circunferência, e o contraste provocado pelo verde dos elementos impressos sobre o tom cru do cartão de base, são circunstâncias que reforçam o poder comunicativo desta capa. 116 A data apresentada na revista é do último trimestre de 1916. À imagem do determinado na revista Orpheu considera-se o trimestre para fins de datação das legendas. Ver capítulo: 1.4.2. A vanguarda artística portuguesa: um projecto de inovação. Ver capítulo: 1.3.2. O período pré-Orpheu (1910–1914). 117 118 O tipo assemelha-se ao Patent Reclame do catálogo da casa Schriftgießerei Flinsch (Frankfurt, Alemanha) de c. 1895. 119 296 Figura 5.137. Capa da Centauro, n.1, Lisboa, Outubro-Novembro-Dezembro de 1916. Páginas interiores O interior da Centauro abria com uma página preliminar (fig. 5.138). Esta apresentava um conjunto de informação variado (título, subtítulo, editor, propriedade, director, data e numeração, sumário, colaboração artística, “termo de impressão” e local de edição) que se vai sucedendo verticalmente e, exceptuando o termo de impressão, com a composição organizada sobre um eixo central. Essa sucessão de informações vai sendo paralelamente acompanhada por uma alteração dos tipos de letra (sem patilha, romanos e fantasia de diferentes estilos), e pelo uso de alguns filetes simples e duplos. As hierarquias vão sendo marcadas com a variação dos corpos da letra, caixa e variação dos pesos negros, redondos e itálicos, apresentando em tudo uma grande semelhança com a página preliminar da revista Orpheu (1915). Uma semelhança cuja responsabilidade atribuímos ao director, Luiz de Montalvôr, que havia dirigido também a outra revista, e que possivelmente a terá tomado como exemplo a seguir. Por outro lado, apesar das revistas não terem sido impressas na mesma oficina tipográfica, como já observámos algumas vezes neste estudo, este era também um modelo muito usado na época, que vinha do século passado, e onde a diversidade de tipos de letra usados funcionava como uma espécie de catálogo da casas impressoras. Da mesma forma, as páginas eventuais seguintes que abrem o corpo da revista Centauro também se assemelham às opções de organização e composição da Orpheu. A página de anterrosto e o frontispício (fig. 5.139 e 5.140) apresentam inclusivamente o mesmo tipo de letra romano na sua composição, e a organização hierárquica pouco varia de uma revista para a outra. São páginas organizadas segundo um eixo central, hierarquizadas segundo um modelo clássico bem definido. A única diferença seria a introdução da imagem de um centauro em hors-texte na página par junto ao anterrosto, um desenho a carvão de Christiano Cruz num estilo simbolista ilustrando o título da revista. O Centauro, como ser da mitologia grega, apresenta várias interpretações, mas acreditamos que surge aqui como a encarnação de Quíron, o centauro filho do Sol (representado no desenho) e das nuvens de chuva, considerado na mitologia grega superior a todos seus pares pela sua inteligência e sabedoria. 297 Figura 5.138. Centauro, n.1, Lisboa, Outubro-Novembro-Dezembro de 1916: s.p. Figura 5.139. Centauro, n.1, Lisboa, OutubroNovembro-Dezembro de 1916: frontispício. Figura 5.140. Centauro, n.1, Lisboa, Outubro-Novembro-Dezembro de 1916: s.p. e anterrosto. 298 Figura 5.141. Centauro, n.1, Lisboa, Outubro-NovembroDezembro de 1916: s.p. Figura 5.142. Centauro, n.1, Lisboa, Outubro-NovembroDezembro de 1916: p. 7. Após estas primeiras páginas surge o corpo textual da revista, adoptando um modelo gráfico que continua a assemelhar-se ao observado na Orpheu. A sua configuração gráfica global é semelhante a um tradicional livro de literatura, configurando um projecto gráfico consistente e bem realizado, recorrendo a um único tipo de letra romano para os elementos que compõem as páginas (títulos, subtítulos, texto, título corrente, fólio, entre outros). Os textos iniciavam com o título numa página de título falso (fig. 5.141), que por vezes incluía o nome do autor (fig. 5.144: p. 39), organizada de forma semelhante ao anterrosto com o texto centrado na página, iniciando o texto na primeira página ímpar que se seguia. Nesta (fig. 5.142) repetia-se o título, composto agora em caixa alta, bem hierarquizado e colocado centrado na página a cerca de ¾ da altura da mancha de texto. Em casos excepcionais verificam-se algumas variações nos alinhamentos, mas que não alteram o aspecto global. Os parágrafos dos textos em prosa são bem marcados com um recuo, e a entrelinha é bem proporcionada com a mancha de texto (prosa e poesia). As páginas de texto caracterizavam-se ainda pela apresentação de outros dois elementos: o título corrente que mostrava o título do texto em cabeçalho, composto em caixa alta e centrado com a mancha de texto; e o fólio em rodapé também centrado com a mancha de texto. Prescindiam destes dois elementos nas páginas eventuais e o do título corrente na primeira página dos textos, ou nos casos em que as poesias ocupavam apenas uma página (fig. 5.144: p.38). No caso da poesia, devido à variação da largura das linhas de texto, o texto era centrado na área definida para a mancha de texto. Refira-se ainda que há uma ausência total de qualquer outro elemento tipográfico ou ornamento gráfico. De uma forma global, exceptuando a página preliminar, esta revista apresenta um carácter gráfico clássico. Aproxima-se de um tradicional livro de literatura, herdando dele parte das normas e das características formais e gráficas. Ainda que seja posterior à publicação da Orpheu, partilhando com ela alguns princípios estético-literários e o modelo gráfico base, não se notam reflexos de algumas das experiências tipográficas futuristas ali efectuadas. Uma questão que reforça a nossa observação de que as rupturas gráficas pontuais verificadas na 299 revista Orpheu se relacionaram com Mário de Sá-Carneiro, ou seja, fora uma opção deste e não uma metodologia adoptada pelo corpo editorial para a publicação. A Centauro apresentou-se com uma linha estético-literária simbolista, princípio que ficou graficamente evidente apenas na única imagem da revista. Foi tipograficamente bem composta, com uma mancha de texto proporcional ao formato da revista, e espelha conhecimentos e rigor da parte de quem a dirigiu e compôs tipograficamente. Figura 5.143. Centauro, n.1, Lisboa, Outubro-Novembro-Dezembro de 1916: pp. 10–11. Figura 5.144. Centauro, n.1, Lisboa, Outubro-Novembro-Dezembro de 1916: pp. 38–39. 300 5.2.19. Exílio, revista mensal de arte, lettras e sciencias (1916) Apresentação O número único da Exílio foi publicado em Lisboa em Abril de 1916, antecedendo a publicação da Centauro, desempenhando a par desta um papel fundamental no processo de definição da vanguarda histórica cultural em Portugal, edificando uma ponte entre a Orpheu de 1915 e a Portugal Futurista que sairia em 1917. Editada pela empresa Rodrigues e C.ª, a revista foi dirigida por Augusto de Santa Rita, Pedro de Meneses (pseudónimo de Alfredo Guisado), António Ferro e Armando Côrtes-Rodrigues. Na colaboração literária destacam-se, para além dos directores, os nomes de Theófilo Braga e Fernando Pessoa. Não é indicado qualquer responsável pela colaboração artística, e a única imagem presente na revista é uma reprodução de um “retrato inédito” do escritor Guerra Junqueiro (1850–1923). Esta revista mensal de arte, lettras e sciencias apresentou um carácter estético-literário semelhante ao da Centauro. Dirigida por um conjunto de colaboradores da extinta Orpheu alinha com o Decadentismo, assumindo ainda um carácter político de índole nacionalista e monárquico, representando o título Exílio um sentido de “solidão” que não passaria de um “sonho, efémero”,120 dos seus mentores. Projecto gráfico Com um formato 185x240mm, a Exílio apresentou-se com 48 páginas e uma imagem em hors-texte resguardadas por uma capa mole. Produzida em Lisboa na Tipographia A. J. Ferros & Ferros Filhos, usou na capa e nas páginas do miolo papel Corrente de boa qualidade, enquanto a única imagem foi impressa a vermelho (meios tons) em papel Couché e colada sobre Cartolina colorida. Entre os exemplares consultados verificou-se a existência de capas impressas em papel Corrente branco e vermelho, mas não pudemos confirmar a existência de outras cores. Exceptuando a página de sumário que foi impressa a duas cores (preto e vermelho), a capa e as páginas interiores foram impressas a uma cor (preto). Para a sua impressão recorreu à tradicional tipografia de chumbo e à fotogravura (similigravura – meios tons). A encadernação foi brochada. Capa A capa desta publicação declara graficamente o carácter político nacionalista da Exílio através da simbólica (fig. 5.145), assumindo a composição da informação textual a forma da cruz de Cristo. Uma representação religiosa que vai de encontro ao afirmado por Augusto Santa-Rita no texto de apresentação, “Exílio, sua justificação”:121 Saudosa do Pomar de Maravilhas que foi e será Portugal, (...) em praias de Mysterio exilada a nova geração litteraria, atravez d’esta revista, como Christo, disposta a crucificar-se em calvario de Belleza (...). Como Elle, ella revellará o ceu que existe áquem das nossas almas. Um texto onde se justifica ainda a origem do título Exílio, um termo simbolista e ideológico que representaria a solidão e isolamento em que vivia a nova “geração de Orpheu” na procura da nova face da arte e cultura nacional. 120 Para aprofundamento destas questões, consultar: Almeida, Teresa. “Nacionalismo e Modernismo: o projecto Exílio”. Em: Jackson, Op. Cit., 2003: p. 344. 121 Exílio, n.1, Lisboa, Abril de 1916: pp. 5–6. 301 Figura 5.145. Capa da Exílio, n.1, Lisboa, Abril de 1916. Reforçando esse carácter político de índole nacionalista foi colocado na cabeça a Cruz da Ordem de Cristo, símbolo histórico da Ordem de Cristo portuguesa e intrínseco à representação de Portugal.122 O texto da capa (título e subtítulo), excepto o número composto em tipo romano, foi desenhado caligraficamente num estilo que remete para o gótico e a sua relação essencial com a igreja, reforçando dessa forma a simbólica anteriormente referida. É um conjunto que denota fragilidades na harmonia do traço da letra, mostrando alguma falta de capacidade do autor. Sobre este não se encontrou nenhuma indicação, e verificando-se uma inexistência de colaboração artística, assumimos como sendo da responsabilidade da própria oficina tipográfica. Páginas interiores O corpo da revista Exílio iniciava no verso da capa (fig. 5.146) com a apresentação da ficha técnica da publicação (título, subtítulo, director, editores, fundadores, contacto, preço, valor de assinatura e termo de impressão). Esta variou a sua apresentação consoante o tipo de papel usado, podendo ser branca ou vermelha (segundo os exemplares consultados). O espaço compositivo que aglutinava diferentes grupos de informação foi dividido por caixilhos rectangulares delimitados por filetes. As hierarquias da informação relacionaram-se mais com a posição que os blocos ocupavam no espaço, do que com os tipos de letra usados que iam de sem patilha de diferentes famílias, ao romano, passando pelo fantasia de estilo Arte Nova. O frontispício que seguia o verso da capa repetia o grafismo a capa sobre o branco do papel do corpo da revista. A opção por este grafismo no frontispício parece indiciar que a capa 122 Herdeira dos Templários em Portugal (extintos em 1312), a Ordem de Cristo, religiosa e militar, foi fundada por iniciativa de D. Dinis em 14 de Março de 1319 pela Bula Papal Ad ea ex-quibus de João XXII. Os seus membros desempenharam um papel significativo nos Descobrimentos, conquistas e evangelização de novas terras, tendo-se tornado um símbolo intrínseco a Portugal e que ainda perdura (é o símbolo da Força Aérea Portuguesa. Secularizada em 1789, a Ordem de Cristo foi extinta em 1910 e restabelecida em 1918, com o objectivo de premiar altos serviços militares ou civis. 302 seria um elemento descartável numa futura encadernação por volumes – a revista anunciavase como mensal e a opção de encadernação era habitual neste tipo de publicações. Figura 5.146. Exílio, n.1, Lisboa, Abril de 1916: verso da capa e frontispício. Figura 5.147. Exílio, n.1, Lisboa, Abril de 1916: p. 3 (sumário) O sumário da Exílio (fig. 5.147) surgia na página ímpar após o frontispício, destacando-se na revista por ser a única página impressa a duas cores, preto e vermelho. Nesta última cor foram impressos a cercadura do sumário, o título da revista e respectivo filete, a indicação 303 do sumário, dois dos quatro filetes que sublinham a indicação “Summario do numero 1” e as suas secções temáticas. Os demais elementos textuais e gráficos da página foram impressos a preto. Tal como verificámos no verso da capa, nesta página também há um uso diversificados de tipos de letra de diferentes características (romano, sem Patilha e fantasia de estilo Arte Nova), não existindo em ambos os casos qualquer relação de proximidade com o estilo gráfico da capa e frontispício. Um uso variado de tipos de letra que já verificámos ser normal naquela época, indiciando apenas a adopção de um modelo estabelecido. As páginas do corpo de texto desta revista assemelham-se às de um livro de literatura, assentando o seu conteúdo numa estrutura de uma coluna de texto (fig. 5.148). Em alguns casos nota-se alguma deficiência na composição tipográfica dos textos em prosa, resultante de uma incapacidade técnica na resolução do alinhamento justificado, o que provocou o aparecimento de diversos espaços vazios na mancha de texto. Situação que não se verifica nas páginas com poemas, onde o texto segue a sua configuração em verso, tendo sido composto centrado na página. Figura 5.148. Exílio, n.1, Lisboa, Abril de 1916: pp. 8–9. O trabalho tipográfico nas páginas vai denotando algumas irregularidades de coerência. Verificamos que os textos foram compostos usando sempre o mesmo tipo de letra romano, mas os títulos e subtítulos dos mesmos textos já apresentam muitas variações, não se percebendo um razão que as justifique. Os títulos e subtítulos umas vezes são compostos em caixa alta, noutras em caixa baixa, os tipos usados variam entre o sem patilha (a maioria) de diferentes famílias tipográficas (fig. 5.149), tipo romano ou ainda tipo fantasia nalguns subtítulos (fig. 5.148). As páginas ficavam ainda caracterizadas graficamente por um conjunto de outros elementos. Os textos em prosa iniciavam com uma capitular ornamentada e os parágrafos eram marcados com um recuo acentuado. Os títulos ficavam separados dos textos através do uso de dois filetes ligeiramente desalinhados. Quando existia um subtítulo essa separação era usada entre este último e o texto, existindo uma separação para o título com um filete fino. No final dos textos surgia a identificação dos seus autores, composto no mesmo tipo romano dos textos e alinhado à margem direita da caixa de texto – nalguns casos surgia a 304 data em numeração romana, composta com o mesmo tipo, mas alinhada na margem oposta. As páginas tinham ainda um título corrente que apresentava o título da revista, em caixa alta, e fólio colocados respectivamente nas margens interiores e exteriores. Estes eram também compostos no mesmo tipo romano do texto. Figura 5.149. Exílio, n.1, Lisboa, Abril de 1916: pp. 22–23. Uma referência para a única imagem da revista. Inserida em hors-texte, apresenta uma reprodução de um “retrato inédito” do escritor Guerra Junqueiro,123 identificada como sendo um cliché da propriedade do escritor Victoriano Braga e realizado no Studio Avenida em Lisboa. O grafismo da revista Exílio terá sido provavelmente da responsabilidade da oficina tipográfica que a produziu, sendo este um procedimento normal na época. Apresenta um grafismo que fica marcado pelo conflito entre uma aparência clássica, as falhas no rigor que essa configuração exigia e a variedade no uso de tipos de letra sem unidade estilística. Ainda que apresente relação com a revista Centauro e sendo, sobretudo, uma derivação da revista Orpheu, não se notou qualquer influência desta última no seu grafismo. É resultado de um projecto editorial que morreu à nascença, não havendo seguramente um suporte financeiro que permitisse a escolha de uma oficina tipográfica com mais recursos técnicos e melhor qualidade gráfica. 123 Poeta panfletário e satírico, a sua obra ficou marcada pelas influências de Charles Baudelaire, Pierre-Joseph Proudhon, Victor Hugo e Jules Michelet. Realizou ao longo da sua vida uma intensa escrita poética com o fim último de, pela crítica, renovar a sociedade portuguesa. Envolveu-se também com questões políticas, tendo sido deputado do Partido Progressista, assumindo ainda e entre 1911–1914 o cargo de Ministro de Portugal na Suíça. 305 5.2.20. Gente Lusa, arquivo de letras e artes (1916) Apresentação A revista Gente Lusa surgiu em Janeiro de 1916 na Praia de Granja, uma pequena vila balnear próxima do Porto, tendo-se publicada em duas séries e contando cada uma delas com cinco números. Ambas as séries tiveram o mesmo editor, António Reis, e os mesmos directores, Carlos de Morais e Zacarias Correia. Na colaboração literária destacam-se na primeira série, entre outros, Leonardo Coimbra, Afonso Duarte, Ruy Vaz, Júlio Brandão, Camilo Castelo Branco e António Patrício. Na segunda série destacaram-se ainda os nomes de António Correia de Oliveira e Pinto Ferreira. Esta foi uma revista com um conteúdo literário assumidamente tradicionalista e patriótico, afirmando no seu primeiro texto editorial: “Nascida numa terra de glorioso passado Gente Lusa professará o culto nobilíssimo da Tradição.”124 Uma revista que pretendia manter viva a herança cultural do país, arquivando um legado literário ou cultural como denuncia o seu subtítulo. Esta revista teve como director artístico o pintor Joaquim Lopes (capa da primeira série), que já havia desempenhado esta função na Labarêda (1914).125 Uma publicação que se destacou ainda por uma importante colaboração artística onde figuraram obras de Amadeo de SouzaCardoso, Soares dos Reis, António Carneiro, Teixeira Lopes e António Lima (capa da segunda série). Projecto gráfico A duas séries da revista Gente Lusa foram muito semelhantes em termos da sua produção gráfica. Apresentaram o mesmo formato de 160x240mm, sendo ambas constituídas por capa mole e um corpo que variou dentro de um intervalo de 16 e 32 páginas. Produzidas graficamente no Porto nas oficinas da Tipografia Porto Medico, Magalhães & Mendes Lda., usou na capa um papel (tipo) Kraft forte impresso a uma cor (preto) na primeira série e usando duas cores na segunda (preto e vermelho). Nas páginas interiores usaram papel Corrente impresso a uma cor (preto), e nos casos em que as imagens foram impressas exclusivamente numa página ou em hors-texte, foram respectivamente impressas a uma cor (preto ou vermelho) em papel Couché, ou ainda impressas nesse mesmo papel e posteriormente coladas sobre cartolina colorida. Para a impressão desta revista recorreram à tradicional tipografia de chumbo e à fotogravura (similigravura nos meios tons, zincogravura nas imagens a traço e na capa). Na segunda série usariam ainda a calcografia (buril ou ponta seca) na ilustração da capa. A encadernação do exemplar consultado foi brochada e cosida – não se encontraram exemplares encadernados individualmente, percebendo-se pela numeração sequenciada das páginas entre os diferentes números de cada uma das séries, que a revista estava pensada para esse tipo de arquivamento. Capa As duas séries desta revista apresentaram duas capas distintas.126 A capa da primeira série da revista Gente Lusa (fig. 5.150) é da autoria de Joaquim Lopes. Uma capa que ficou marcada pelo seu título composto numa letra caligráfica cancellaresca, e pela da sobreposição da letra “G” sobre um símbolo gráfico. Curiosamente, o desenho da letra “G” 124 Gente Lusa, n. 1, Paria da Granja, Janeiro de 1916: p. 2. Sobre este artista consultar capítulo: 5.2.11. A Labarêda, revista mensal de literatura e arte (1914) 125 126 O exemplar original consultado na BPMP encontra-se encadernado e apenas conservava as capas dos primeiros números de cada série. A paginação é sequencial em cada uma das séries, sendo muito provável que estas tenham mantido idênticas as capas de cada um dos seus respectivos cinco números. 306 apresenta um desenho que não é harmónico com as restantes letras do título, sugerindo uma adaptação daquela letra inicial condicionada pela sobreposição com o símbolo assente numa base redonda. Figura 5.150. Capa da Gente Lusa, n.1, série 1, Praia da Granja, Janeiro de 1916. No símbolo observa-se a representação do escudo nacional, constituído por uma Cruz da Ordem de Cristo sob uma Esfera Armilar, e secundado pelo lema régio em latim In hoc signo vinces (com este signo vencerás).127 Este símbolo, para além da sua clara relação com os valores monárquicos, representaria a ligação com o passado e a intenção de retorno aos valores da “tradição” que, como supra-referimos, era indicada no seu editorial. O título e o símbolo estão ainda envolvidos por uns traços que parecem pronunciar o desenho de uma estrutura arquitectónica, denunciado pelo desvanecimento da terminação do traço nas suas extremidades, simbolizando a solidez do projecto editorial. Junto a estes elementos, na metade superior da capa, está o subtítulo desenhado com uma letra também caligráfica, de desenho impreciso visível na injustificada alteração de corpos. A metade inferior apresenta a data, preço, local e número da edição, compostos em tipo romano e variação de corpos, dispostos no espaço de forma a ocupar o espaço vazio. Na segunda série, a capa (fig. 5.151) seria profundamente alterada e impressa a duas cores, preto e vermelho (esta última onde indicado). Esta era dominada por uma ilustração de António Lima (1891–1958), pintor, gravador e iluminista, que se tornaria conhecido pelo seu trabalho na execução de ex-libris e gravuras heráldicas. A ilustração tem como motivo 127 Sobre a Cruz da Ordem de Cristo consultar a análise da revista Exílio. A Esfera Armilar, instrumento de astronomia aplicado à navegação inventado na Ásia no século I A.C., tornou-se um símbolo nacional no reinado de D. Manuel I (1469–1521) devido ao impulso que aquele monarca deu aos Descobrimentos Portugueses, sendo ainda hoje símbolo associado àquela epopeia. A expressão em latim in hoc signo vinces terá sido adoptada como lema régio pelo primeiro Rei de Portugal, D. Afonso Henriques (1096–1185), durante a Batalha de Ourique em 1139, que terá originado o reinado de Portugal e na qual Afonso Henriques terá sido aclamado como o seu primeiro rei. Esta questão, ao que tudo indica será uma lenda, surgindo relatada no Canto III, estâncias 42–53, do livro Os Lusíadas de Luís de Camões. 307 central um cavaleiro montado no seu cavalo e envergando armadura, uma figura associada à ideia de coragem, lealdade e generosidade. A ilustração está enquadrada por uma estrutura arquitectónica de estilo Gótico, remetendo para o século XII citado na ilustração, ladeado por duas lanças que sustentam um par de molduras ornamentais em forma de bandeirola, que por seu lado dão suporte símbolo das Quinas128 e ao título e subtítulo da revista, ambos compostos com uma letra caligráfica de estilo gótico – o símbolo das Quinas, título e subtítulo foram impressos a vermelho. Na moldura inferior, à esquerda do subtítulo, voltam a figurar o desenho da capa a Cruz da Ordem de Cristo, impressa a vermelho, e a expressão em latim in hoc signo vinces, cujos termos estão separados por uma pequena flor impressa a vermelho. Esta composição ilustrada era rematada na parte inferior com a indicação do número e série. Figura 5.151. Capa da Gente Lusa, n.1, série 2, Praia da Granja, 1916. Esta nova versão da capa apresenta na ilustração um maior número de significantes, acentuando, com o recurso ao estilo gótico, o carácter nacionalista e religioso deste projecto, para além dos já mencionados objectivos editoriais da primeira série. A qualidade da ilustração, da reprodução e do papel de suporte são de muito boa qualidade, mantendose bem conservadas. Páginas interiores A composição gráfica e organização das páginas interiores da Gente Lusa, ao contrário da capa, manter-se-iam idênticas nas duas séries. A revista iniciava no verso da capa (fig. 5.152) com a apresentação de uma página preliminar, apresentando ali a sua ficha técnica (título, subtítulo, directores literários e artístico, editor, contacto e propriedade), o sumário e os preços avulso e de assinatura. Exceptuando o título da revista, composto em tipo sem patilha, a ficha técnica e sumário eram compostos usando um tipo romano. Uma página que 128 Este símbolo constituído por cinco escudetes (normalmente pintados a azul) figura no centro do escudo da actual Bandeira Nacional portuguesa. A sua origem deriva também da supra-referida Batalha de Ourique, e existem diferentes teorias para o seu significado. Segundo as duas mais conhecidas, os escudetes aludem às cinco feridas recebidas por D. Afonso Henriques naquele conflito ou às cinco chagas de Cristo. Figuram na bandeira nacional desde o reinado do herdeiro de D. Afonso Henriques, D. Sancho I (1185–1211). 308 apresenta uma mancha gráfica “cinzenta”, com hierarquias pouco definidas e onde se destacavam o título e o sumário. O primeiro sobressai pelo corpo, tipo de letra e pelo sublinhado com um filete duplo, enquanto o segundo se destaca sobretudo pelo enquadramento com uma cercadura rectangular simples. Avançando para a primeira página do corpo da revista encontramos o frontispício (fig. 5.152). Neste repetia-se a parte fundamental do grafismo ilustrativo da capa da primeira série, sob o qual surgiam a indicação dos directores literários, do director artístico e do editor. Informação composta em tipo romano, em caixa alta, e bem hierarquizada. Após essa informação existe um ex-libris da Gente Lusa constituído pelo termo em latim Tempus (o tempo) e a representação de Chronos, que na mitologia grega é a personificação do tempo. O uso do ex-libris é claramente uma influência do seu tradicional uso em frontispícios dos livros de literatura, supondo-se que a sua autoria seja de António Lima que, conforme referimos, ficou conhecido pelo seu trabalho na execução de ex-libris e gravuras heráldicas. Esta página é ainda complementada pela apresentação do local de “Redacção e administração”, composto com um tipo fantasia de estilo Arte Nova, e pelo termo de impressão composto com o mesmo tipo romano aplicado na informação, e inserido dentro de um rectângulo sombreado que o destaca na página. Figura 5.152. Gente Lusa, n.1, Praia da Granja, Janeiro de 1916: verso da capa e frontispício. As páginas com texto iniciavam na primeira página ímpar após o frontispício. À imagem de um tradicional livro de literatura, as páginas de texto eram compostas tendo como base uma estrutura de uma coluna de texto, fosse este em prosa ou em verso. Neste último caso a mancha de texto era centrada. No final da revista existia normalmente uma secção de pequenas notícias e comentários, sendo esta composta em duas colunas. Em ambos os casos era uma composição onde ressaltava o uso de uma margem interior subdimensionada (fig. 5.153). Questão que se torna relevante tendo em conta que, como os exemplares consultados, esta era uma revista pensada para ser encadernada em volumes, o que tornaria essa margem interior ainda mais apertada para uma boa leitura. 309 Figura 5.153. Gente Lusa, n.1, Praia da Granja, Janeiro de 1916: pp. 6–7 Os textos eram compostos na sua maioria em tipo romano, mas houve casos onde foi usado um tipo fantasia de estilo Arte Nova (fig. 5.153). Este último estilo era também usado nos títulos dos textos, ainda que as famílias tipográficas usadas tenham variado, denotando a composição das páginas uma inconsistência na mancha gráfica originada. Ainda nos títulos, verificou-se na segunda série um uso escasso de tipo sem patilha. Os textos em prosa iniciavam com uma capitular simples. Nalguns casos o início dos textos em prosa foi marcado pela apresentação de uma ilustração (fig. 5.155) que nem sempre tem uma ligação directa com o conteúdo do texto, sendo seguramente resultado de um aproveitamento de clichés existentes na oficina tipográfica. Rematavam os textos com a identificação do autor, composta em tipo romano em caixa alta, ou com a reprodução da assinatura em zincogravura (fig. 5.156). As páginas caracterizavam-se ainda pelo uso de um título corrente (fig. 5.154), composto pelo título da revista e fólio, sendo o primeiro centrado com a mancha de texto e o segundo ligeiramente recuado da margem exterior. O título corrente não foi usado quando coincidia com o início dos textos ou em páginas ocupadas por uma imagem. Esta revista apresentou também nas imagens uma inconsistência estilística e tipológica, indo da ilustração de mancha ao desenho de traço, passando pela reprodução fotográfica. Uma questão que, conforme referimos, acarretou a necessidade de utilização de diferentes técnicas de impressão. A aplicação das imagens na composição das páginas também variou, podendo ser a referida colocação em cabeçalho no início dos textos – nesta tipologia verificou-se o uso repetido de algumas vinhetas tipográficas –, intercalado com o texto, inserido no texto em corandel, ocupando uma página inteira ou ainda em hors-texte. Neste último caso é curioso notar a apresentação do ex-libris da revista, aplicado na folha sobre a qual era colada a imagem (fig. 5.156). Este ex-libris seria ainda aplicado na contracapa da segunda série. 310 Figura 5.154. Gente Lusa, n.3, Praia da Granja, 1916: pp. 78–79. Figura 5.155. Gente Lusa, n.3, Praia da Granja, 1916: pp. 80–81. 311 Figura 5.156. Gente Lusa, n.1, Praia da Granja, Janeiro de 1916: p. 12 e hors-texte. Fazendo uma análise comparativa entre esta revista e A Labarêda (1914), que também tinha Joaquim Lopes como director artístico, notamos uma maior diversidade na escolha dos autores e tipologia das imagens. Este será provavelmente fruto do caminho editorial traçado para a Gente Lusa, que se assumia como um Arquivo de letras e arte. Uma opção que não justifica contudo que a qualidade do trabalho tipográfico e do rigor estilístico d’A Labarêda não se verifique na Gente Lusa. Uma ideia que nos permite concluir que o grafismo era em grande parte responsabilidade das oficinas tipográficas responsáveis, e que a Tipografia Porto Medico, Magalhães & Mendes (Porto) apresentava lacunas no seu desempenho técnico e na qualidade do trabalho produzido. 312 5.2.21. Portugal Futurista, publicação eventual (1917) Apresentação A revista Portugal Futurista foi publicada em Lisboa em Novembro de 1917, tendo saído um número único que foi apreendido pela polícia por ordem do poder político. A revista apresentou como director Carlos Filipe Porfírio e como editor S. Ferreira. Na colaboração literária surgem os nomes de Almada Negreiros, Raul Leal, Mário de Sá-Carneiro, José Pacheko, Bettencourt-Rebelo, Fernando Pessoa e do seu heterónimo futurista Álvaro de Campos. São ainda apresentadas transcrições de textos de Guillaume Apollinaire, Blaise Cendrars e Filippo Marinetti. Na colaboração artística desta revista surgem os nomes de Santa-Rita Pintor e Amadeo de Souza-Cardoso, não existindo qualquer referência à direcção artística. Conforme observado anteriormente e como nos diz Fernando Alvarenga,129 o aparecimento desta publicação, subintitulada publicação eventual, surgiu em continuidade ao “escândalo” que ainda ecoava da “Conferência Futurista” realizada sete meses antes no Teatro da República em Lisboa. Nesta revista, entre outros textos, destaca-se a publicação de alguns dos mais importantes manifestos130 nacionais, evidenciando a intenção de esclarecimento programático do Futurismo em Portugal. Ainda que, a mando do poder político a sua circulação tenha sido impedida pela polícia na saída da oficina tipográfica – supõe-se que tenha sido pela agressividade que se pode encontrar nos textos –, esta revista é considerada como o auge da expressão literária e plástica, no sentido teórico e prático, do Futurismo em Portugal. Neste contexto deve-se ainda destacar a síntese escrita por Bettencourt-Rebelo de alguns manifestos dos futuristas italianos Filippo Marinetti, Umberto Boccioni e Carlo Carrà e, ainda, a transcrição de manifestos de Filippo Marinetti e Valentine de Saint-Point. A publicação deste conjunto de textos, entre os demais, reforça a intenção clarificadora dos princípios futuristas que fundamentaram o lançamento desta revista. Refira-se que na base da apreensão da Portugal Futurista, que se opunha à tradição cultural vigente, terá estado a agressividade linguística patente em alguns textos ali publicados, razão pela qual o poder político impediria ainda a continuidade deste projecto editorial. Projecto gráfico Com um formato de 240x340mm, a Portugal Futurista era composta por capa mole e um miolo de quarenta e duas páginas. A revista foi impressa na Tipografia F. Monteiro (Lisboa), em papel Jornal, usando apenas uma cor (vermelho) na capa, duas na contracapa (preto e vermelho) e uma (preto) em todo o miolo. Para a sua impressão recorreu ao tradicional processo tipográfico de chumbo, usando na capa tipos de madeira de grande dimensão, enquanto nas imagens recorreram à fotogravura (similigravura). A encadernação foi brochada e grampada. É uma das poucas revistas que faz referência à tiragem, que é indicada na contracapa como tendo sido de 10.000 exemplares. Capa A capa da Portugal Futurista (fig. 5.157) apresenta uma abordagem original na sua construção, distinguindo-se das demais revistas no uso da contracapa para a apresentação de informação relativamente à edição (fig. 5.158). A capa é constituída pela apresentação do título da revista e identificação dos colaboradores literários e artísticos, surgindo na contracapa novamente o título, o preço e o número. Refira-se contudo que estas duas partes 129 Alvarenga, Fernando. “A Contribuição de Portugal Futurista”. Em: Jackson, Op. Cit, 2003: p. 345. Esta questão também foi abordada no capítulo: 1.3.3. A ruptura da tradição (1915–1919). 130 “Ultimatum futurista às gerações portuguesas do século XX” de Almada Negreiros (pp. 36–38); “Ultimatum” de Álvaro de Campos – Fernando Pessoa (pp. 30–34). A questão dos manifestos da vanguarda histórica portuguesa foi analisada em “1.4.3. Os manifestos programáticos portugueses”. 313 não formam um conjunto gráfico-visual contínuo, existindo uma clara definição entre as partes posterior (capa) e anterior (contracapa) da publicação. Figura 5.157. Capa da Portugal Futurista, n.1, Lisboa, Novembro de 1917. Figura 5.158. Contracapa da Portugal Futurista, n.1, Lisboa, Novembro de 1917. A abordagem original da capa apresenta-a como uma “declaração” manifestada exclusivamente através de elementos textuais/tipográficos, uma afirmação inequívoca do que os autores da publicação pretendiam apresentar: o Futurismo nacional e os nomes que o suportavam. Essa expressão afirmativa é reforçada através de um intenso uso da cor vermelha, funcionando a caixa alta do título, o grande formato da capa e do texto como um grito, uma voz de tom impositivo, com características panfletárias e agressivas adaptadas à forma de expressão ideológica e estética do Futurismo. Na capa e contracapa são usados apenas elementos tipográficos de madeira, aparentando terem sido desenhados expressamente para este uso. Note-se no desenho da letra expandida e com algumas características incomuns, apresentando um O redondo, um R com o eixo horizontal rebaixado e um L com a haste horizontal sobredimensionada. Todos os demais elementos recorrem a tipos sem patilha e às suas variantes condensadas e expandidas. A composição da capa apresenta uma construção ritmada, criando diferentes grupos que dividem o título e grupos de colaboradores, mas não rompendo com a composição ortogonal, ao contrário da contracapa onde o termo “FUTURISTA” foi composto numa diagonal ascendente, em caixa alta de grande dimensão, criando uma espécie de carimbo que eleva e declara a ideologia da publicação. Nessa contracapa, a sensação visual de ritmo foi ainda reforçada com o uso de duas cores: preto no título da revista, no preço e em “n.º”, e vermelho no número “1” e na indicação da tiragem em rodapé. Páginas interiores As páginas da Portugal Futurista apresentam uma opção estrutural principal na composição dos textos que usa duas colunas, utilizando nas demais uma diversidade de opções compositivas. Ainda assim, salienta-se a existência de alguns textos onde se verifica uma 314 intenção de ruptura com a composição gráfica tradicional como forma de reforço do conteúdo literário dos textos. A revista131 abre com informação técnica (título, director, editor e livrarias depositárias) no verso da capa, somando-se uma pequena nota enquadrada num rectângulo de filete duplo, após a qual inicia o miolo e corpo textual da Portugal Futurista. Como referimos, a maioria dos textos usa uma estrutura de duas colunas (fig. 5.160 e 5.168). Estas páginas caracterizam-se fundamentalmente pelo uso de texto composto em tipo Romano, com alinhamento justificado, entrelinha equilibrada e uma boa marcação de parágrafos assinalada com recuo, salientando-se nesta estrutura a generosa abertura entre colunas. Ainda nesta estrutura de colunas, os títulos e subtítulos dos textos foram normalmente compostos em tipos sem patilha, usando em alguns casos tipo romano. Figura 5.159. Portugal Futurista, n.1, Lisboa, Novembro de 1917: pp. 4–5. Nos casos em que não foi usada a estrutura de duas colunas as opções foram diversas, fosse em textos em prosa ou em verso (fig. 5.159; 5.165; 5.166). Em todos eles a única característica comum reside no uso de tipo romano na composição do corpo dos textos, enquanto os títulos foram variando entre os tipos sem patilha ou romanos de diferentes famílias. Contudo, há um conjunto de textos que se distinguem pelo tratamento gráfico que os caracterizou, notando-se uma tentativa de aproximação às explorações tipográficas indiciadas nos princípios visuais – uso de diferentes tipos de letra e de diversos corpos num mesmo texto – definidos por Filippo Marinetti na teorização do seu ISF – Rivoluzione tipográfica (1913), e que são abordadas sinteticamente por Bettencourt-Rebelo nas primeiras páginas desta revista.132 Destacam-se neste âmbito de ruptura com os modelos tradicionais da composição tipográfica, os textos “L’abstractionisme futuriste” de Raul Leal e, sobretudo, os textos “Saltimbancos” e “Mima-Fatáxa” de Almada-Negreiros. 131 O original que nos foi possível consultar na Biblioteca da Fundação de Serralves não tinha a primeira folha, faltando por isso as duas primeiras páginas, tendo-se recorrido à edição fac-similada para a análise daquelas páginas. 132 Bettencourt-Rebelo, “O Futurismo”: Portugal Futurista, n.1, Lisboa, Novembro de 1917: pp. 6–9. 315 Figura 5.160. Portugal Futurista, n.1, Lisboa, Novembro de 1917: pp. 6–7. Figura 5.161. Portugal Futurista, n.1, Lisboa, Novembro de 1917: pp. 12–13. 316 Figura 5.162. Portugal Futurista, n.1, Lisboa, Novembro de 1917: pp. 14–15. “L’abstractionisme futuriste”, escrito em francês por Raul Leal, é dedicado à obra de SantaRita Pintor. O autor caracteriza-o como vertiginosamente genial, apresentando um conjunto de opções gráficas na construção do texto através das quais pretendeu simular na escrita a vertigem da obra daquele artista (fig. 5.161 e 5.162). O texto fica marcado por um ritmo gráfico assinalado com um numeroso uso de termos compostos em cursivo, é graficamente cunhado com uma constante presença de “– Vertige”, composto num tipo romano didodiano numa variante extra-negra, que encostou várias vezes a termos também em cursivo. Opções com as quais tenta a construção de uma nova sintaxe, adaptada aos princípios futuristas. O texto seguinte, “Saltimbancos” de Almada-Negreiros, é também dedicado a Santa-Rita Pintor. Aqui foi adoptado um recurso de composição gráfica, uma extensa e uniforme mancha de texto, através da qual se forma uma densa mancha cinzenta – cor que é citada diversas vezes no texto como referência ao mundo monótono (fig. 5.162, 5.163 e 5.164). Ou seja, a intenção de “provocar de sensações” é aqui atingida literária e visualmente por uma ruptura formal com a “velha sintaxe”, omitindo a pontuação e as maiúsculas, e usando números e onomatopeias na construção de sonoridades. Esta opção gráfica já havia sido usada por Almada-Negreiros num folheto publicado em Abril de 1917, K4 Quadrado Azul, poesia terminus diz-se aqui o segredo do génio intransmissível.133 Neste caso da Portugal Futurista o efeito visual é contudo menos intenso do que o observado no folheto de AlmadaNegreiros, sendo reduzido em “Saltimbancos” pelo branco das margens da mancha de texto, praticamente inexistente em K4 Quadrado Azul. Em todo o caso, deve-se salientar que 133 A importância deste folheto reside fundamentalmente no “Manifesto da Exposição de Amadeo de SouzaCardoso”, escrito por Almada-Negreiros na sequência das exposições de Amadeo no Porto e Lisboa em 1916, que geraram violentas críticas negativas por parte do público. Esta publicação de Almada-Negreiros apresentou características literárias futuristas, seguindo os princípios definidos por Marinetti em MTL e ISF, notando-se uma clara intenção de destruição da sintaxe e redefinição de uma nova semântica. Sobre a importância deste folheto consultar capítulo: 1.4.3. Los manifiestos programáticos portugueses. Sobre o grafismo deste folheto consultar: Ferreira, Luís. A “geração de Orpheu” e os vestígios de uma “rivoluzione” tipográfica futurista em Portugal. In: Amado, P; Veloso, A; Martins, O.; Dias, N. – II Encontro Nacional de Tipografia. Aveiro: Universidade de Aveiro, 2012. [Atas da Conferência] 317 Almada-Negreiros rompe aqui com os modelos tradicionais estabelecidos no círculo das publicações literárias da época, transformando a dupla página num plano único, um palco onde o texto se apresenta como um intenso “provocador de sensações”. Neste contexto, é ainda interessante observar como as pausas no texto são provocadas com a criação de pequenos espaços vazios (fig. 5.163) nas linhas de texto, ou ainda com a inserção de números como uma espécie de divisão em capítulos do mesmo texto (fig. 5.164). Figura 5.163. Portugal Futurista, n.1, Lisboa, Novembro de 1917: pp. 16–17. Em “Mima-Fatáxa sinfonia cosmopolita e apologia do triangulo feminino”, também de Almada-Negreiros, o texto inicia com uma original folha de rosto na página 25 (fig. 5.165), seguindo-se o texto entre as páginas 26–29 (fig. 5.166 e 5.167) onde voltam a ser usados os recursos tipográficos enunciados em IST, mas contrariamente ao “Saltimbancos” aqui é usada pontuação, maiúsculas, juntando-se uma grande variedade gráfica através de alterações do corpo de letra, alternância de tipos de letra e do sentido vertical/horizontal da composição. É um texto com uma sucessão desorganizada de palavras e sons (alusão) que pretende passar uma impressão de espectáculo segundo princípios futuristas. Segundo Maria de Sousa, “Almada revela-se aqui perfeitamente integrado no futurismo, novo, audacioso, dinâmico, chocante, violento.”134 É um texto que configura uma ruptura mais evidente com a tradição gráfica, surgindo como uma manifestação mais acabada dessa inovadora expressão poética e das concepções visuais-gráficas futuristas. Uma forma de expressar adequada ao processo de percepção dinâmica da verdadeira sensibilidade futurista, definida por Marinetti, e característica da experiência moderna. 134 Sousa, Maria de. “O Futurismo do Portugal Futurista”. Em: Jackson, Op. Cit., 2003: p. 360. 318 Figura 164. Portugal Futurista, n.1, Lisboa, Novembro de 1917: p. 18–19 Figura 165. Portugal Futurista, n.1, Lisboa, Novembro de 1917: pp. 24–25. 319 Figura 166. Portugal Futurista, n.1, Lisboa, Novembro de 1917: pp. 26–27. Figura 167. Portugal Futurista, n.1, Lisboa, Novembro de 1917: pp. 28–29. 320 Figura 168. Portugal Futurista, n.1, Lisboa, Novembro de 1917: pp. 32–33. Figura 169. Portugal Futurista, n.1, Lisboa, Novembro de 1917: pp. 34–35. A revista fica ainda marcada pelo uso de um título corrente em cabeçalho, constituído por um filete fino com a dimensão da mancha de texto sobre o qual é apresentado o título da revista, composto num tipo romano egípcio de variante negra alinhado à esquerda, e pelo número de página composto no mesmo tipo romano do texto e alinhado à direita. O uso das 321 imagens nesta revista é na sua maioria ilustrativo, mostrando imagens de obras de SantaRita Pintor e Amadeo de Souza-Cardoso (fig. 5.160 e 5.161), e fotografias de Santa-Rita Pintor (fig. 5.159) e de Almada-Negreiros (fig. 5.169). Exceptuando a fotografia de AlmadaNegreiros, que surge em corandel e em jeito de um cartaz resumindo a “1ª Conferência Futurista” realizada no Teatro da República a 14 de Abril de 1917, as restantes imagens foram introduzidas de forma sequencial nos textos que lhes fazem referência. Sobre esta questão importa salientar que as imagens são todas fotográficas, revelando não só o estado de desenvolvimento da fotogravura em Portugal, mas também denota uma opção estilística do corpo editorial da publicação. Uma opção que passava por mostrar através da fotografia as obras condizentes com a “visão dinâmica” da verdadeira “sensibilidade futurista”, tal como afirmado no ISF – La sensibilità futurista (A sensibilidade futurista).135 Em resumo, esta é a revista da Vanguarda Histórica nacional que, de um modo ao mesmo tempo polémico (recorde-se que foi apreendida pela polícia) e programático, assume uma orientação unicamente futurista. Contudo, no seu grafismo apenas foi aplicado um pequeno conjunto de opções tipográficas alinhadas com os princípios futuristas, sendo estas fundamentalmente obra de um único autor, Almada-Negreiros. São vestígios de uma ruptura gráfica-tipográfica que, sem embargo, quase se diluem na totalidade do corpo da revista. Confirma-se assim o observado no segundo número da revista Orpheu, ou seja, estas são opções restringidas à individualidade de alguns artistas, Mário de Sá-Carneiro e, timidamente, Fernando Pessoa/Álvaro de Campos na Orpheu e Almada-Negreiros na Portugal Futurista, resultando do seu envolvimento directo na concretização gráfica da sua poética na procura de uma nova sintaxe, obtendo ainda uma ruptura com a tradicional organização do texto na página. São exemplos das potencialidades expressivas das formas tipográficas promovidas nos manifestos MTL, ISF e SGM dos futuristas italianos. Note-se, porém, que Filippo Marinetti e os seus companheiros italianos usaram uma metodologia tomada da collage, recortando letras e palavras de diferentes origens e montando-as em forma de texto, produzindo obras gráficas de ruptura futurista pensadas para uma reprodução através de fotolito e impressão offset. Uma técnica de impressão que, como observámos anteriormente, teria uma tardia instalação em Portugal,136 limitando assim as capacidades construtivas e reprodutivas dos artistas da vanguarda nacional, comparativamente com os seus congéneres italianos. 135 Sobre esta questão ver o capítulo 3.3.2. La “rivoluzione” gráfica futurista. 136 A primeira obra a ter impressão offset em Portugal seria, em 1935, Arca de Noé. III Classe, contos para crianças, de Aquilino Ribeiro. Peixoto, Jorge, História do livro impresso em Portugal. Coimbra: (sin nomine), 1967: p. 27. Esta questão foi abordada no capítulo: 2.2.10. A litografia em Portugal. 322 5.2.22. Pela Grei, revista para o Ressurgimento Nacional pela formação e intervenção de uma opinião pública consciente (1918–1919) Apresentação A revista Pela Grei teve ao longo dos seus sete números dois lugares de publicação, tendo saído os três primeiros em Lisboa e restantes quatro no Porto – não se encontraram pistas das razões que conduziram a esta mudança. Iniciou a sua publicação em 1918 terminando no sétimo número editado a 20 de Maio de 1919. Teve como director e editor o escritor António Sérgio, que também colaboraria na parte literária em conjunto com, entre outros, Raul Proença, Silva Telles, Ezequiel de Campos, Barros Queiroz, João Perestrello. Não apresentou qualquer tipo de colaboração artística. Esta Revista para o ressurgimento nacional pela formação e intervenção de uma opinião pública consciente apresentou-se como um “Órgão da Liga de Acção Nacional”, tendo esta sido fundada no mesmo ano de lançamento da revista (1918). Segundo Fernando Lopes,137 não se conhecem mais actividades daquela associação para além da publicação da Pela Grei, tendo esta revista representado uma “corrente específica, oposta aos monárquicos e católicos conservadores, mas também ao republicanismo «jacobino» que vinha dominando a cena política portuguesa desde o 5 de Outubro de 1910”. Note-se que esta revista foi publicada durante o regime Sidonista138 que surgira em consequência do clima de instabilidade política provocada pela Primeira Guerra Mundial. Assim, e conforme o título indica, esta foi uma revista que se preocupava com a sociedade (grei), assumindo um carácter social, político, pedagógico e económico. Apesar da sua reduzida colaboração literária, foi uma publicação importante por reunir um grupo de colaboradores literários que seriam figuras de proa da futura Seara Nova que, como veremos adiante, seria a mais importante revista de feição política do grupo de publicações aqui analisado. Projecto gráfico A Pela Grei apresentou-se com um formato de 180x240mm, sendo composta por capa mole e um corpo que variou entre as 48 e as 64 páginas. Esta revista foi impressa apenas a uma cor (preto) no mesmo tipo de papel Jornal. À imagem do lugar de edição a revista também apresentou uma alteração da oficina tipográfica responsável pela sua produção gráfica. Assim, os três primeiros números foram impressos na Tipografia do Anuário Comercial (Lisboa) e os últimos quatro na Tipografia da Renascença Portuguesa (Porto). A publicação foi toda impressa recorrendo apenas à tradicional tipografia de chumbo. Os exemplares consultados encontravam-se encadernados num único volume, sendo a encadernação neste caso brochada e cosida, desconhecendo-se por isso o tipo de encadernação original. A alteração de local de produção gráfica traria pequenas alterações, notando-se sobretudo a mudança do tipo de letra usado e o rigor da composição. Essas diferenças, como referiremos adiante, são sobretudo visíveis na composição das páginas interiores. Capa A capa desta revista manteve-se inalterada ao longo dos seus sete números. Esta apresentase com um estilo neoclássico numa composição equilibrada e exclusivamente tipográfica (fig. 5.170). Uma capa de características informativas que se distingue pela apresentação do sumário, para além dos seus elementos identificadores normais. A configuração gráfica é 137 Lopes, Fernando. “A revista «Pela Grei» (doutrina e prática políticas)”. Análise Social, Vol. XVIII (3.º–4.º–5.º), 1982 (n.º 72–73–74), pp. 759–772 138 O Sidonismo foi um regime antiparlamentarista, introduzido por Sidónio Pais (1872–1918) em Portugal, durante a primeira República, entre 1917–1918. O Parlamento foi subordinado ao Executivo, numa tentativa de pôr fim à anarquia e instabilidade políticas que se viviam naquela fase, conduzindo o governo a um regime presidencialista. Defendia ainda uma relação com o passado monárquico como herança que devia ser preservada. Este regime terminaria com o assassinato de Sidónio Pais, em Lisboa, a 14 de Dezembro de 1918. Para mais informações sobre o Sidonismo, ver: Silva, Armando. Sidónio e Sidonismo. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra/Museu da Presidência da República, 2006. 323 clara e com hierarquias bem definidas, recorrendo apenas um tipo de letra romano e ao jogo de caixas (alta e baixa), corpos e variantes da família (redondo, versaletes e itálico). O uso das variantes é usado sobretudo no sumário, mostrando conhecimento e capacidade técnica do compositor tipográfico. Figura 5.170. Capa da Pela Grei, n.1, Lisboa, 1918. O destaque recai sobre o título, seguido pela identificação da agremiação à qual pertence a revista. O sumário distingue-se dos demais elementos da capa (além dos referidos, indicação de volume, subtítulo, director, numero e termo de impressão) pelo enquadramento num rectângulo de fio fino e pela sua organização. Esse enquadramento ajuda ao equilíbrio da capa, pois atenua o conflito entre o alinhamento justificado do sumário e o alinhamento centrado do resto dos elementos da capa. Nota ainda para o uso, pouco comum, do parágrafo francês para marcação da primeira linha do sumário. Páginas interiores O corpo da revista Pela Grei abria na primeira página ímpar após a capa. Iniciava com um cabeçalho de identificação composto por título, subtítulo, identificação do director, número e ano, identificação do secretário e termo de impressão (fig. 5.171). Exceptuando os dois primeiros elementos, os restantes estavam delimitados verticalmente por duas linhas de filetes duplos, definindo um espaço dentro do qual a restante informação era separada em espaços marcados por filetes simples (verticais e horizontais). Após o cabeçalho iniciava o corpo de texto. A composição dos textos assemelhava-se a um clássico livro de literatura, usando uma estrutura de uma coluna, formando uma mancha de texto equilibrada (fig. 5.172 e 5.173). À imagem da capa, as páginas interiores da Pela Grei continuavam a usar na sua composição o mesmo tipo de letra Romano e suas variantes. Os títulos distinguem-se pelo incremento do corpo e colocação no espaço centrado e com o espaçamento vertical aberto. No caso de existirem subtítulos nos textos, estes eram compostos em corpos inferiores ao do título. Os textos apresentam a marcação de parágrafo com um recuo generoso, mas equilibrado, exceptuando o primeiro texto da revista que iniciava com uma capitular simples. 324 Figura 5.171. Pela Grei, n.1, Lisboa, 1918: p. 1. Figura 5.172. Pela Grei, n.1, Lisboa, 1918: pp. 36–37. 325 Figura 5.173. Pela Grei, n.4 e n.5, Porto, 1918: pp. 36–37. As secções da revista eram marcadas com o seu título em caixa alta, sublinhado e com alinhamento à direita com a margem. Algumas secções ou textos apresentavam, respectivamente, sumário ou um pequeno texto de introdução/epígrafe, compostos entre o título e o corpo do texto, com um corpo e largura das linhas menor do que o do texto, alinhamento justificado e encostado à margem direita (fig. 5.172 e fig. 5.173). Verifica-se ainda o uso de um pequeno conjunto de outros elementos caracterizadores das páginas. O título corrente era constituído pelo título da revista composto em versaletes e alinhado ao centro, e pelo fólio alinhado com a margem exterior. O final dos textos era marcado com a aplicação de um pequeno filete raso. Como referimos, após os primeiros três números publicados em Lisboa, a edição da revista passou para o Porto e ali permanecendo até final, tendo esta alteração de local sido acompanhada pela opção de outra oficina tipográfica para a produção desta revista, também daquela cidade nortenha. Apesar dessa mudança de oficina o grafismo da revista mantevese idêntico, notando-se apenas algumas alterações que passamos a referir (ver fig. 5.173). A mais notória verifica-se na escolha de um tipo de letra distinto, mantendo-se o uso de um só tipo de letra romano, mas com um desenho que afectaria a elegância da composição gráfica. O tipo de letra elegido apresenta um desenho mais aberto e encorpado, criando uma mancha de texto mais compacta e visualmente menos agradável. Uma situação que poderia ter sido compensada por um aumento da entrelinha compensando o peso da letra. Contudo, julgamos que a oficina do Porto teria menores recursos técnicos, encontrando-se algumas injustificadas variações de entrelinhamento ao longo texto. Relativamente aos primeiros três números, nota-se ainda uma descontinuidade no uso do título corrente e os filetes rasos que encerram os textos tornam-se maiores, criando um elemento visualmente marcante. Em conclusão, destacamos pela sua qualidade gráfica, no conjunto dos sete números da Pela Grei, os primeiros três produzidos na Tipografia do Anuário Comercial (Lisboa), uma oficina tipográfica da qual já verificáramos a sua qualidade técnica e produtiva nas análises 326 da Renascença (1914) e, particularmente, da revista A Rajada (1912), que apresentam outros estilos gráficos. Aqueles três primeiros são tipograficamente bem compostos, elegantes e graficamente mais equilibrados que os quatro últimos, onde existem desequilíbrios tipográficos e se nota uma menor capacidade técnica da portuense Tipografia da Renascença Portuguesa. Na globalidade a revista caracteriza-se pela apresentação de um estilo neoclássico, graficamente focalizada na transmissão do seu conteúdo exclusivamente literário. 327 5.2.23. Ícaro, revista de Coimbra (1919–1920) Apresentação A revista Ícaro foi publicada em Coimbra entre Julho de 1919 e Janeiro de 1920, tendo saído um total de três números. Apresentou Ernesto Gonsalves como director, Luiz de Vasconcelos como editor, destacando-se na colaboração literária, entre outros, Afonso Lopes Vieira, Cabral do Nascimento, Eugénio de Castro e Teixeira de Pascoaes. Não apresentou qualquer tipo de colaboração artística. Esta revista de Coimbra apresentou um conteúdo literário ligado a uma linha de tradição, norteada por uma temática decadentista da aspiração à elevação em Beleza, conforme indiciado no seu texto introdutório: «Ícaro, filho de Dédalo...» O mito clássico, vivendo intimamente no desejo humano, revelou-se em nós, nos que tentam, orgulhosos da rubra ansiedade da vida, ascender em Beleza, em Perfeição e Orgulho. Sob o céu heleno, cheio de uma graça idílica e serena, o vôo icário tinha uma harmonia escultural, e o seu ritmo – a aspiração das asas quiméricas – bendizia a vida, ansiando para a sua beleza uma mor beleza. (...) E embora o vôo ansioso se malogre, sempre as asas frágeis e mutiladas conservarão o mesmo frémito aventureiro – aspirando à Beleza, ao Sonho e à Vida.139 Neste texto apresentam-se ainda os objectivos deste projecto editorial, justificando ao mesmo tempo a escolha daquele título retirado da mitologia grega: Ícaro, o indivíduo ambicioso que é vítima da sua própria ambição. Segundo Clara Rocha, o estilo poético dominante nesta revista é “bizantino”, usa um vocabulário barroco e adjectivação rebuscada típica duma estética finissecular.140 Projecto Gráfico A revista Ícaro apresentou-se com um projecto gráfico que se manteve uniforme ao longo dos seus três números. Com um formato 160x230mm, esta publicação era composta por capa mole em papel Vergé forte colorido, e um corpo que variou entre as 26 e as 32 páginas em papel corrente forte. Foi produzida graficamente na Imprensa da Universidade (Coimbra), sendo toda ela impressa a duas cores (preto e vermelho) em tipografia de chumbo. A encadernação foi brochada e grampada. Capa Os três números desta revista apresentaram capas graficamente semelhantes (fig. 5.174), variando apenas a cor do papel colorido de base e a apresentação do número, omitido na primeira edição. A composição gráfica da capa é simples, com poucos elementos, mas rica em pormenores. O título em cabeçalho, composto em tipo romano, mostra-se num estilo historicista composto por uma letra inicial ornamentada. Esta é complementada pelo resto do título enquadrado por um rectângulo formado por uma linha dupla de filetes. O uso das duas cores (vermelha e preta) e o seu posicionamento assimétrico na capa reforçam o carácter historicista deste elemento de identidade da publicação, apoiado numa estrutura clássica que veremos aplicada nas páginas interiores e que evidencia as margens inferiores e exteriores. Uma estrutura assimétrica que delimita ainda o posicionamento inferior dos restantes elementos da capa (subtítulo e número da edição). Estes últimos são também compostos em tipo romano, estando o subtítulo centrado com a mancha gráfica e com dois pontos ornamentais colocado em ambas margens laterais da sua linha de composição. O número está inserido dentro de um círculo de filete de intestação. Este conjunto de elementos, suas características e composição configuram uma capa que se adequa ao estilo poético da revista, finissecular e tradicionalista. 139 Ícaro, n.1, Coimbra, Julho de 1919: p. 1. Rocha, Op. Cit., 1985, p. 368. 140 328 Figura 5.174. Capa da Ícaro, n.3, Coimbra, Janeiro de 1920. Páginas interiores Figura 5.175. Ícaro, n.1, Coimbra, Julho de 1919: página perliminar e p. 1. 329 Tal como as capas, a organização e composição gráfica das páginas interiores da Ícaro também foram idênticas nos três números. Previamente ao corpo da revista surgia no verso da capa uma página preliminar (fig. 5.175). Nesta apresentava-se a identificação (título, subtítulo, identificação do corpo directivo, editorial e administrativo, contacto, numeração e data), o preço avulso e o sumário da revista. Todos esses elementos textuais foram compostos num único tipo de letra fantasia de estilo Arte Nova. As hierarquias foram trabalhadas recorrendo às diferenças de corpo e caixas, à organização no espaço e ainda a pequenos filetes finos, obtendo assim uma página elegante, hierarquizada coerentemente e com uma clara composição tipográfica. Seguidamente iniciava o corpo da revista. A composição apresentava margens inferiores e exteriores bastante mais abertas do que as suas opostas (fig. 5.176), acentuando um carácter típico dos livros de literatura clássicos – na poesia adaptava-se à dimensão das linhas de texto alinhadas à margem esquerda de ambas as páginas. A estrutura e carácter gráfico das páginas dos três números eram semelhantes, configurando assim uma composição gráfica bastante coerente e equilibrada. As páginas de texto eram visualmente elegantes, com uma boa mancha de texto composta num único tipo de letra romano, com as linhas bem espaçadas e com os parágrafos bem marcados. Os textos iniciavam a cerca de dois terços da altura da mancha de texto, marcados graficamente por uma capitular ornamentada e impressa a duas cores, complementada no resto da palavra em caixa alta. O texto introdutório no primeiro número (fig. 5.175) apresentou uma capitular mais expressiva, o texto composto em itálico e com a entrelinha mais aberta, diferenciandose assim das demais páginas, todas no mesmo estilo. Os títulos dos textos foram colocados um pouco acima do início do texto, equilibrado numa posição vertical descentrada com o espaço vazio, e alinhado ao centro com a mancha de texto. Os títulos são compostos em caixa alta num tipo de letra fantasia de estilo Arte Nova, complementados pela colocação de dois pontos verticais, em ambos os lados, dentro dos padrões do daquele estilo. Sempre que necessário, os títulos eram quebrados em duas linhas evitando a proximidade às margens (fig. 5.176). Nestes casos os dois pontos verticais eram colocados na linha de menor dimensão, alinhados com os limites da outra linha de título, configurando um bloco visualmente rectangular. Em alguns casos os títulos são ainda acompanhados de pequenas epígrafes alinhadas à margem direita (fig. 5.176). Os textos encerram com a identificação do autor composta em caixa alta e alinhada também à margem direita (fig. 5.177). As páginas de início de texto, ou a primeira de uma sequência de poemas de um mesmo autor, são ainda marcadas por um friso ornamental na parte superior da mancha gráfica. Este é composto por uma sequência de elementos tipográficos florais (tantos quantos os necessários para ocupar a horizontal da mancha), impressos a preto, sendo estes sublinhados por um filete simples impresso a vermelho. Um friso que impõe um estilo que se aproxima da Arte Nova e se assume como uma característica visual da revista Ícaro. Uma última nota para a numeração das páginas que foi colocado entre parêntesis na parte inferior da página, centrada com a caixa de texto. Esta revista fica assim marcada por um grafismo bem executado, elegante e equilibrado, mas com um estilo hesitante entre um historicismo, presente na capa e letras capitulares, e o Arte Nova apoiado nos frisos ornamentais e nalgumas escolhas de tipos de letra. Esta mistura de um estilo historicista revivalista, inerente ao século XIX, com um toque de Arte Nova define um estilo que ficou designado por Fin-de-siècle, um ecletismo historicista que agradava a inteligentsia, a aristocracia e a alta burguesia nacional. 330 Figura 5.176. Ícaro, n.2, Coimbra, Outubro de 1919: pp. 52–53. Figura 5.177. Ícaro, n.3, Coimbra, Janeiro de 1920: pp. 84–85. Deve-se contudo salientar que a composição tipográfica da revista denota um apurado rigor gráfico, sendo das poucas revistas da época impressas a duas cores, revelando aqui uma boa capacidade técnica e produtiva da Imprensa da Universidade (Coimbra). 331 5.2.24. A Tradição, revista académica coimbrã (1920) Apresentação A revista A Tradição foi publicado em Coimbra, tendo sido publicados um número espécimen em 7 de Março de 1920 e um tomo, indicando ser constituído por cinco fascículos com data de Agosto de 1920.141 No cargo de editor e director desta revista surgia o nome de Camilo Valente, destacando-se na colaboração literária, entre outros, Afonso Duarte, Augusto Casimiro e Alfredo Brochado. Na colaboração artística surgem os nomes de Fausto Gonçalves (capa), Alberto de Sousa, João Augusto Machado, Abel Eliseu, Joaquim Salgado e José Seabra (ilustrações). Não se encontra indicação da existência de um director artístico. Esta revista académica coimbrã apresentou um conteúdo literário ligado a uma linha de tradição, como o seu título indicia, revelando saudade do passado e do espaço nacional. Não foi um projecto editorial de realce, estando antes a sua importância na forma como alicerçou o surgimento da importante revista coimbrã, a Presença (1927), importante meio de divulgação do Segundo Modernismo. Projecto gráfico Com um formato de 180x240mm, esta revista era composta por capa mole e um corpo de quarenta páginas, em ambos casos impressas em papel Corrente. O corpo da revista era complementado por dez páginas hors-texte com imagens impressas em papel Calandrado. A Tradição foi impressa na Casa Tipográfica Alves & Mourão (Coimbra), sendo a capa a duas cores (preto e laranja) e as páginas interiores e as hors-texte a apenas uma cor (preto). Para a sua produção recorreram à tradicional tipografia de chumbo e à fotogravura (similigravura nos meios tons das reproduções de fotos e desenhos, zincogravura nos desenhos a traço da capa e ilustrações), e a encadernação do tomo foi brochada e cosida. Capa A capa desta revista apresenta um carácter Arte Nova (fig. 5.178), sendo dominada visualmente por um conjunto formado pelo título e uma ilustração, com uma configuração e grafismo que se assemelham à capa d’A Rajada (1912). A ilustração é da autoria de Fausto Gonçalves (1893–1946), pintor naturalista coimbrão – estudou pintura em França onde foi discípulo do francês Paul-Albert Laurens (1870–1934) – e professor de desenho científico na Universidade de Coimbra (Ciências e Medicina).142 Nesta imagem está representado um monumento que assinala os 300 anos da morte de Luís Vaz de Camões (c. 1524–1580),143 considerado o poeta símbolo da nacionalidade portuguesa, personificando aqui os valores da tradição, do passado e o nacionalismo que orientavam este projecto editorial. Mas é na composição do título e da organização gráfica que esta capa mais se aproxima do estilo Arte Nova que observámos n’A Rajada. O tipo de letra fantasia usado no título d’A Tradição é idêntico ao daquela outra revista, e a organização dos elementos também cria um eixo de força descentrado, sobre a esquerda, inverso ao equilíbrio das composições clássicas. Esses dois elementos principais, título e ilustração estão enquadrados por um rectângulo de filete fino, sendo rematados em rodapé pelo subtítulo composto num tipo de letra fantasia de estilo Arte Nova distinto do usado no título. A numeração e data da 141 Os originais encontrados na Biblioteca Pública Municipal do Porto e na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra tinham esta configuração/encadernação em tomo. Sendo o número espécimen desprovido de interesse literário no âmbito do estudo aqui apresentado, não faremos a sua análise gráfica, referindo apenas que se trata de uma publicação tipo Jornal com capa e oito páginas sem grande valor gráfico. 142 Frias, Hilda. As artes plásticas em Coimbra. [Consulta: 20 de Julho de 2011] 143 Este monumento datado de 1881 situava-se no local onde actualmente fica a Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, supondo-se que estaria rodeado pelo jardim visível na ilustração. Nas décadas de 1940– 1950, aquando da renovação da Alta Universitária de Coimbra, o monumento seria transferido para a Rua do Arco da Traição, encontrando-se actualmente no início da Avenida Sá da Bandeira de Coimbra. 332 publicação colocadas na zona superior direita também repetem a d’A Rajada, mas estes elementos são aqui compostos em tipo romano em caixa alta. Existe contudo uma clara desvalorização hierárquica do valor comunicacional do subtítulo, numeração e data – relativamente à ilustração e título –, que foi vincada nas opções cromáticas dos diferentes elementos. Figura 5.178. Capa d’A Tradição, tomo I, Coimbra, Agosto de 1920. Páginas interiores O interior iniciava com o sumário no verso da capa (fig. 5.179), impressa com uma cor laranja, estando organizada no espaço numa posição que respeita a mancha gráfica da capa. O sumário foi composto em tipo romano em duas colunas de texto, enquadrado por um marco de filetes duplos e ornamentos tipográficos, sendo o título “Sumário” composto num tipo fantasia de estilo Arte Nova igual ao do subtítulo da capa. Em rodapé, a toda a largura da mancha gráfica e por baixo de um filete fino, está o termo de impressão. A primeira página de texto abre com um cabeçalho ilustrado (fig. 5.180), onde podemos observar o título da revista inserido sobre uma ilustração dos edifícios da Universidade de Coimbra, sendo ainda ladeado pelo brasão da cidade que apoia o artigo “A” do título. Este cabeçalho é ainda complementado com a apresentação do nome do director e editor, o termo de impressão e a numeração. Esta é uma página que foge ao padrão que guiará graficamente o resto da revista. Tanto o título deste primeiro texto como a existência de uma capitular apresentam uma configuração que não se encontra em qualquer outro ponto da revista – o tipo fantasia usado nesses dois elementos também é usado apenas aqui. 333 Figura 5.179. A Tradição, tomo I, Coimbra, Agosto de 1920: verso da capa. Figura 5.180. A Tradição, tomo I, Coimbra, Agosto de 1920: p. 1. 334 Figura 5.181. A Tradição, tomo I, Coimbra, Agosto de 1920: pp. 18–19. Figura 5.182. A Tradição, tomo I, Coimbra, Agosto de 1920: p. 20 e hors-texte. A mancha gráfica que governou a composição de toda a revista ficou definida numa posição descentrada, com margens exteriores e inferiores mais abertas que as que lhe são opostas (fig. 5.181). Uma configuração típica dos livros de literatura clássicos, surgindo aqui de forma sequencial os textos exclusivamente literários. Os textos são todos compostos num 335 único tipo de letra romano, com as linhas espaçadas de forma equilibrada e com uma marcação de parágrafos recuada bem marcada (textos em prosa). Os títulos apresentam de forma diferenciada nos textos em prosa e nos poemas. Nos primeiros parece não existir uma uniformidade, sendo compostos sem uma ordem específica em tipo sem patilha, romano ou fantasia, variando ainda a organização e relação espacial com o corpo do texto. Nas páginas com poesia apresentam uma configuração estável (fig. 5.182), compostos em caixa alta em tipo fantasia de estilo Arte Nova, centrados na caixa de texto e espaçados do princípio dos poemas, que iniciam a cerca de dois terços da altura da mancha de texto. Em ambos os casos, poesia e prosa, os textos são rematados com a identificação do autor, sendo esta apenas com o nome composto em versaletes ou com a reprodução da sua assinatura. Em três ocasiões o remate do texto é complementado por uma pequena ilustração (fig. 5.181) de figura humana de traço estilizado, da autoria de José de Seabra. São ilustrações que introduzem um estilo de lógica Art Déco mostrando retratos de gente moderna anónima, elementos de moda cujo modelo continuava a chegar de Paris.144 As páginas são ainda caracterizadas pela presença de título corrente, composto pela indicação do fólio na margem exterior, e pela identificação da área temática na margem interior. Estes elementos caracterizam-se graficamente pela sua composição em caixa alta, no mesmo tipo romano do texto, sublinhados com um filete fino e rematados em ambos os lados por dois pontos verticais. Estes foram duplicados (duas vezes dois pontos) os casos em que as áreas temáticas apresentaram designações com uma menor quantidade de caracteres. Uma configuração gráfica que aproxima o título corrente a estilo Arte Nova. Uma última referência para as páginas hors-texte. Estas serviram de suporte à apresentação exclusiva de um conjunto de desenhos e fotografias, mostrando imagens relacionadas com a vida académica universitária, de elementos arquitectónicos/monumentais da cidade de Coimbra ou de alguns autores e colaboradores artísticos (fig. 5.182). As reproduções apresentam uma boa qualidade. Resumindo, esta revista apresenta um trabalho gráfico bem realizado, equilibrado, mas com algumas inconsistências de uniformidade no tratamento dos títulos nos textos em prosa. Esta variação tipológica nos títulos pode ser entendida como uma forma de diferenciar a autoria dos textos, contudo acaba por expor com maior evidência uma falta de coerência, ou incapacidade técnica, na elaboração de uma escolha harmónica com o estilo gráfico da revista. Um estilo que denota influências do Arte Nova, surgindo aqui de forma tardia – estamos já em 1920 –, que parece ter “bebido” influência na revista A Rajada. Esta revista vem avolumar um invulgar conjunto de revistas coimbrãs que apresentam um estilo gráfico Arte Nova ou Fin-de-siècle, como vimos anteriormente na Ícaro, que nos permite supor que seria de preferencial agrado da inteligentsia daquela cidade. 144 França, José-Augusto. Os Anos Vinte em Portugal: Estudo de Factos Sócio-Culturais. Lisboa: Editorial Presença, 1992: p. 116. 336 5.2.25. A Crisálida, mensário de literatura, sciência, arte e cultura (1921); A Nossa Revista, mensário fundado pelos alunos da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (1921–1922) Apresentação Este é um caso singular no corpus de análise onde dois títulos perfazem um único projecto editorial, tendo sido editados um total de nove números: dois com o título A Crisálida e sete com o título A Nossa Revista. No terceiro número (primeiro com o novo título) deste projecto editado no Porto surge num “Aviso” da Direcção da revista a seguinte mensagem: “Prevenimos os nossos estimados Leitores e Colaboradores de que tendo nós solicitado ao Ex.mo Snr. Dr. Leonardo Coimbra, dignissimo Director da Faculdade de Letras desta cidade, para assumir a direcção honorária desta revista e visto êste Snr. Nos ter gentilmente honrado com o seu assentimento, resolvemos substituir o nome de «A Crisálida» – sob o qual tem girado êste mensário – pelo de «A Nossa Revista», o qual não virá em nada perturbar a orientação até hoje seguida.”145 Parece no entanto existir uma tentativa de marcar uma posição editorial na elaboração/alteração dos subtítulos que acompanham os dois títulos. Se no primeiro caso A Crisálida surgia como um Mensário de literatura, sciência, arte e cultura, em A Nossa Revista apresenta-se como um Mensário fundado pelos alunos da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Note-se que existe uma diferença interpretativa entre os dois títulos: enquanto A Crisálida146 simboliza no seu nome um estado individual latente, que tem um potencial determinado numa acção futura, num porvir, mas que implica um estado de repouso – muitas borboletas no estágio de crisálida não apresentam movimento/acção aparente; no segundo caso, A Nossa Revista declarava a publicação como um local de encontro de uma colectividade. Este projecto editorial destacaria-se por servir como rampa de lançamento para alguns dos mais importantes nomes da futura revista neo-realista Presença (Coimbra, 1927), publicação fundamental para a divulgação do Modernism português. Os dois títulos aqui analisados foram editados por José Martins Ferreira e dirigidos por Baltasar Cardoso, surgindo ainda o nome de Leonardo Coimbra como director honorário em A Nossa Revista. Na colaboração literária destacaram-se, entre outros, Sales Lima, Pina Morais, José Marinho, Afonso Duarte, Alfredo Brochado, José Régio e Teixeira de Pascoaes. Apresentou colaboração artística a partir do segundo número, reconhecendo-se a presença das obras de António Carneiro e João Peralta, não sendo identificado um responsável pela direcção artística. Projecto gráfico O primeiro número d’A Crisálida apresenta um projecto gráfico diferente dos demais números de ambos os títulos, ainda que entre o primeiro e segundo número d’A Crisálida a capa se mantivesse igual, havendo novas alterações significativas a partir do número conjunto 6–7. Acreditamos que este facto se deve sobretudo a terem optado por diferentes oficinas tipográficas, tendo sido o primeiro número impresso na Tipografia Oficina S. José (Porto) e os restantes oito números na Tipografia Gonçalves (Porto). Esta revista apresentou uma invulgar variação das suas dimensões, sendo diferentes em quase todos os seus números: 210x295mm (n.º 1), 190x285mm (n.º 2), 190x280 (n.º 3), 215x297 (n.º 4 e n.º 5), 212x300mm (n.º 6–7), 200x290mm (n.º 8) e 210x280mm (n.º 9). O miolo apresentou um número fixo de dezasseis páginas nos dois primeiros números, variando na segunda fase do projecto entre as dezasseis e as trinta e duas páginas. O papel usado na impressão da capa e miolo foi o papel de Jornal fino,147 sendo colorido em algumas capas, o que também denuncia a precariedade nos recursos económicos, pois seria o seu uso seguramente 145 A Nossa Revista, n.3, Porto, Setembro de 1921: sp. 146 147 Crisálida é o estágio pupa ou ninfa prévio à transformação da lagarta em borboleta. O exemplar original consultado na BPMP encontra-se em mau estado de conservação, em parte devido à fragilidade do papel usado. 337 condicionado a um aproveitamento de sobras de papel – situação comum em oficinas tipográficas de menores recursos. Entre o terceiro e quinto número surgem em hors-texte imagens impressas em papel Couché coladas sobre cartolina colorida ou grampadas directamente nos cadernos do miolo, sendo estas impressas a uma cor (preto) ou três cores. Todo o resto da revista foi impresso a uma cor (preto) recorrendo à tipografia tradicional em chumbo e à fotogravura (similigravuras nos meios tons e zincogravura nas imagens a traço). A encadernação foi brochada e grampada. Capa Como referimos anteriormente, este projecto editorial apresentou três capas distintas ao longo dos seus nove números, as quais analisaremos aqui diacronicamente. A primeira capa corresponde aos dois primeiros números d’A Crisálida (fig. 5.183), cuja composição é dominada por um conjunto de elementos desenhados (ilustração e texto) do qual não encontrámos indicação do autor – esta primeira fase do projecto editorial tampouco apresenta qualquer colaboração artística que possa indiciar a autoria. Na construção da composição parece ter existido uma tentativa de aludir ao termo “crisálida” do título, evocando o desenho das letras que o configuram a forma de uma borboleta, sobrepondo-se estas a um elemento floral, criando um efeito de profundidade que faz levitar o título. A composição é complementada pela apresentação do subtítulo da revista, que à imagem do título é também composto em letra caligráfica. Em ambos os casos observa-se que o autor da capa teria pouco domínio do desenho caligráfico (recordemos que sendo zincogravura implicava que o desenho fosse realizado invertido), resultando num conjunto que apresenta uma tardia aproximação ao estilo Arte Nova francês, sendo esteticamente pouco relevante. Figura 5.183. Capa d’A Crisálida, n.º 1, Porto, Julho de 1921. Nesta primeira versão da capa observava-se ainda a presença em rodapé da data e numeração da revista. Estes elementos foram no primeiro número compostos em tipo romano e no segundo em tipo sem patilha, mas que em nada altera o carácter da composição da capa. A este respeito recordemos que entre os dois números d’A Crisálida se verificou uma alteração da oficina tipográfica responsável pela sua produção gráfica, mas que apenas teve consequências maiores nas páginas interiores (analisadas adiante). 338 O terceiro número corresponde ao primeiro com o título A Nossa Revista, sendo esta alteração acompanhada pela apresentação de uma nova capa (fig. 5.184). O novo grafismo mostrava uma composição gráfica de evocação arquitectónica, um friso onde os elementos (texto e ornamentos) foram organizados num eixo vertical colocado sobre a esquerda do campo visual, criando uma estrutura descentrada que respeitava a grelha das páginas interiores com margens interiores menores que as exteriores. Nesta renovação, os elementos textuais mantiveram características aproximadas às da versão anterior da capa. O título e subtítulo, inseridos agora num rectângulo, continuavam a ser compostos em letra caligráfica. O desenho das letras do título apresentava semelhanças com o do subtítulo d’A Crisálida, sobretudo na intenção de ligar o desenho de algumas letras do conjunto. Desconhecemos se o autor da capa d’A Nossa Revista continuava a ser o mesmo, mas o desenho caligráfico continua a mostrar deficiências que são particularmente notadas no desenho do subtítulo, onde o uso de diferentes estilos caligráficos forma um conjunto irregular e cacofónico. Figura 5.184. Capa d’A Nossa Revista, n.º 4, Porto, Outubro de 1921. Figura 5.185. Capa d’A Nossa Revista, n.º 8, Porto, Fevereiro de 1922. Por baixo da identidade da revista surgia outro bloco de informação com a indicação de data e numeração, enquadrado numa bordadura e composto em tipo sem patilha. Por baixo está um cliché com a ilustração de uma figura feminina inserida numa circunferência, imagem que já observámos noutras capas148 e que normalmente surgia ligada à vida boémia e nefelibata, característica dos simbolistas. Esta versão da capa continua a manifestar uma execução débil no que respeita ao desenho caligráfico, atribuindo uma fragilidade plástica e comunicativa ao conjunto. 148 A figura feminina surge nas capas d’A Boémia (segunda série, 1914), A Galéra (1914–1915), A Renascença (1914), Orpheu (1915) e Alma Nova (segunda série, 1916–1918). 339 A terceira versão da capa (fig. 5.185) surgiu a partir do número duplo que aglutinou a sexta e sétima edição da revista. Numa folha solta inserida no início daquela edição anunciava-se que pretendiam “regularizar a saída deste mensário”, referindo-se à periodicidade, acrescentando ainda que “a partir dêste número, iniciamos a publicação duma série de páginas de arte, assim como alguns outros melhoramentos”. Como veremos, essas alterações de conteúdo da publicação foram acompanhadas pela renovação do grafismo da capa e das páginas interiores. Os “melhoramentos” no aspecto gráfico reflectiram-se num abandono do estilo Arte Nova e um retorno ao neoclassicismo francês. Assim, esta terceira versão da capa abandonou o uso da caligrafia, sendo todos os elementos textuais compostos com o recurso a duas famílias de tipos romanos. Se os elementos textuais da capa passaram a configurar um conjunto plasticamente mais neutro, a sua composição acrescenta informação dispersando a colocação dessas partes, em oposição à união da versão anterior. Para além do título, subtítulo, numeração e data, que estão agora colocados separadamente no espaço, esta versão da capa passou a mostrar também os nomes dos colaboradores literários. Estes nomes formavam um bloco de texto com alinhamento justificado e parágrafo francês, ficando alinhado à direita e verticalmente ao centro da mancha gráfica da capa, onde todos os elementos respeitavam a grelha das páginas interiores e criava um eixo de força visual descentrado. Na parte inferior esquerda da capa, junto à apresentação do subtítulo, surge novamente o cliché com uma figura feminina inserido numa circunferência. O desenho, do qual desconhecemos a autoria, é semelhante ao usado na versão anterior da capa, mas a execução foi renovada e a reprodução é de melhor qualidade. Páginas interiores Tal como a capa deste projecto, também o grafismo das páginas sofreu alterações que se podem dividir em três fases, mas não sincronizadas com as da capa. A primeira fase resume-se ao primeiro número da revista A Crisálida, estando a sua transformação seguramente relacionada com a mudança da oficina responsável pela sua produção gráfica. A revista abre com uma página preliminar no verso da capa (fig. 5.186) onde figura um conjunto de informações normal neste tipo de páginas (título da publicação, sumário, as identificações do director, editor, administrador e redactores, os valores de assinatura e número avulso, morada e termo de impressão), e que foi composto recorrendo a diferentes tipo de letra romano, sem patilha e fantasia. Um grafismo que mistura diferentes estilos de tipos de letra e que, como já vimos, constituía uma forma de compor normal na época. Nesta página verifica-se ainda o uso de alguns filetes de fantasia na separação dos elementos informativos em rodapé. O sumário juntamente com o número e data da edição, colocados em posição central, estão enquadrados por um caixilho composto por filetes de fantasia de estilo Arte Nova que caracterizou a ornamentação gráfica desta fase da revista. As páginas do miolo (fig. 5.187) foram organizadas com uma estrutura de duas colunas, apresentando um generoso espaço branco de corondel. O texto é todo composto em tipo romano, variando a sua diagramação consoante o tipo de texto. Na prosa apresenta um alinhamento justificado, com uma boa marcação de parágrafo. Na poesia é alinhado à esquerda, podendo a mancha de texto estar centrada com o espaço da coluna, notando-se ainda alguma variação do corpo da letra entre poemas. Salvaguardando a primeira página que apresenta um conjunto de excepções relativamente às demais – a mancha tem um ornamento em cabeçalho, o texto inicia com uma capitular e ocupa apenas a metade inferior da página –, os títulos dos textos vão variando, sendo compostos em tipos romano, sem patilha ou fantasia, alinhados à esquerda e sublinhados ou centrados entre filetes de fantasia sem uma ordem ou lógica aparente. 340 Figura 5.186. A Crisálida, n.º 1, Porto, Julho de 1921: verso da capa e p. 1. Figura 5.187. A Crisálida, n.º 1, Porto, Julho de 1921: pp. 8–9. Este número d’A Crisálida apresenta um uso intenso de filetes e vinhetas de diferentes estilos, caracterizando-se ainda as páginas pelo uso de um título corrente em cabeçalho. Este é constituído por um filete duplo a toda a largura da mancha de texto, interrompido 341 próximo da margem exterior pela inserção do número de página em tipo romano, e próximo da margem interior pelo título da revista em tipo fantasia igual ao usado no sumário. Cremos que este uso diversificado, aparentemente aleatório, nos corpos da letra e alinhamentos do texto ou títulos, será consequência não só da falta de formação técnica dos impressores, mas também da escassez ou pouca qualidade do material disponível na Tipografia Oficina S. José (Porto). Desconhecemos o motivo do abandono da colaboração daquela oficina, mas a partir do segundo número a revista passou a ser produzida pela Tipografia Gonçalves (Porto), o que não significou uma descontinuidade das opções gráficas de base e caracterizadoras da revista. Assim, no segundo número d’A Crisálida continua a existir uma página preliminar no verso da capa (fig. 5.188) com os mesmos elementos informativos, mas ainda que tenham sido organizados de forma distinta mantiveram a influência do estilo Arte Nova. Nesta página o cabeçalho é composto pelo título da revista, a identificação do director, editor, redactores e administração, e ainda o termo de impressão. Um conjunto de informações que está organizado em áreas separadas por filetes. No centro da página surge o sumário com o número e data da edição, enquadrados por um caixilho de estilo Arte Nova. Em rodapé são apresentados os valores de assinatura e morada da redacção/administração. Apesar de existir alguma contenção nos recursos estilísticos dos tipos de letra usados, relativamente ao número anterior, na composição desta página verifica-se a presença de tipo romano, sem patilha e fantasia. Figura 5.188. A Crisálida, n.º 2, Porto, Agosto de 1921: verso da capa e p. 17. As páginas de texto também sofreram alterações no seu grafismo, passando a existir duas opções de estrutura consoante se trata de textos em prosa ou verso. Se no primeiro caso continuaram a usar-se as duas colunas (fig. 5.189), separadas agora por um filete em corondel, no segundo passaram a compor os poemas usando apenas uma coluna de texto centrada no espaço da mancha gráfica (fig. 5.190). O corpo dos textos é sempre composto num tipo romano, enquanto os títulos e subtítulos apresentam diversidade tipológica, surgindo sem regra aparente, compostos em tipo romano, sem patilha ou fantasia. O corpo dos títulos e subtítulos aumentou e a sua ornamentação (tipográfica ou desenhada como no caso do tema fixo Arquivo Mensal) tornou-se mais expressiva, criando um elemento de 342 predominância visual nas páginas. Em oposição o título corrente reduziu a sua expressão, sendo agora composto em tipo romano e constituído pelo título da revista sublinhado por um filete fino centrado na página, e pelo número de página colocado entre dois curtos filetes finos alinhado à margem exterior. Figura 5.189. A Crisálida, n.º 2, Porto, Agosto de 1921: pp. 18–19. Figura 5.190. A Crisálida, n.º 1, Porto, Agosto de 1921: pp. 20–21. 343 Figura 5.191. A Nossa revista, n.º 4, Porto, Outubro de 1921: verso da capa e p. 49. Figura 5.192. A Nossa Revista, n.º 3, Porto, Setembro de 1921: pp. 34–35. Nota-se um maior rigor na composição tipográfica dos textos, verificando-se um maior cuidado no tratamento do entrelinhamento, na justificação dos textos em prosa e na marcação dos parágrafos. Também a identificação dos autores foi uniformizada, sendo 344 colocada no final dos textos, alinhada à direita da caixa que os suporta e composta em versaletes do mesmo tipo de letra romano. Com a alteração do título da revista para A Nossa Revista não se verificaram modificações estruturais no grafismo da revista. Ainda assim nota-se que existiu uma paulatina neutralização de alguns elementos tipográficos, sobretudo uma contenção no uso de tipos de letra fantasia nos títulos dos textos e sua ornamentação, mas sem nunca a abandonar totalmente (fig. 5.191 e 5.192). A terceira fase iniciou no número duplo que aglutinou a sexta e sétima edição da revista, relacionando-se, tal como observámos na capa correspondente, com um conjunto de outras opções editoriais. Continua a existir um uso de uma estrutura em que o texto é composto numa ou duas colunas, passando agora a prosa a ser composta nessas duas opções sem um regra aparente. Na estrutura em duas colunas o espaço que as medeia foi reduzido, desaparecendo o uso do filete em corondel, resultando contudo numa aproximação excessiva das colunas (fig. 5.193). Os títulos e subtítulos dos textos continuaram a ser compostos com recurso a tipos de letra romanos, sem patilha e fantasia, mas abandonaram o uso de ornamentação complementar (fig. 5.193 e 5.194). Em contrapartida, a identificação dos autores no final dos textos passou em alguns casos a ser feita com a reprodução da sua assinatura (fig. 5.193 e 5.194). Nota-se ainda uma alteração na composição e uso do título corrente, passando o título da revista a alinhar com a margem interior, sendo dispensado no seu uso quando coincide com a aplicação de um título na parte superior da página. Figura 5.193. A Nossa Revista, n.º 8, Porto, Fevereiro de 1922: pp. 122–123. 345 Figura 5.194. A Nossa Revista, n.º 8, Porto, Fevereiro de 1922: pp. 140–141. Uma última referência para a publicidade e as imagens. A publicidade foi uma presença constante na revista desde o primeiro número d’A Crisálida, tendo sido sempre impressa no verso da contracapa. As imagens apenas surgiram entre o terceiro e quinto número, resumindo-se à apresentação de reproduções de obras dos pintores António Carneiro e João Peralta em hors-texte. Em ambos os casos não se registam características gráficas merecedoras de uma abordagem mais aprofundada no âmbito deste estudo. Na observação e análise deste projecto editorial são evidentes os problemas de rigor gráfico e produtivos na elaboração e impressão das revistas, sobretudo no uso de materiais de pouca qualidade. Destaca-se pela negativa o emprego de papel de baixa gramagem e fraca qualidade que origina transparências que prejudicam em muitos casos a boa percepção dos textos. Por outro lado, também a constante variação de dimensões da revista acentua a falta de rigor na produção,149 estando seguramente na origem desta anormal falta de uniformidade dos formatos o aproveitamento de sobras de papel, facto que reduziria os valores de produção. Estas características conduzem-nos à dedução que este terá sido um projecto editorial com grandes limitações orçamentais, o que terá levado à escolha de oficinas tipográficas pelo preço, em detrimento da qualidade técnica e capacidade de produção. Ainda assim, nota-se ao longo da publicação uma tentativa de simplificação gráfica e estilística na apresentação visual da revista, mas que nunca chegou a ser capazmente concretizada. Ficou marcada por um estilo de influência Arte Nova Recordemos que este foi um projecto editorial conduzido por alunos universitários, os quais não teriam capacidades monetárias suficientes para promover uma produção mais capaz, estando por isso sujeitos aos constrangimentos técnicos e estilísticos impostos pela oficina tipográfica eleita. 149 Apesar da inexistência de tamanhos de papel padronizados na época, esta é uma questão que não originou nas demais revistas aqui analisadas semelhante instabilidade e variação de formatos. 346 5.2.26. Nova Phenix Renascida (1921) Apresentação A revista Nova Phenix Renascida teve um número único publicado em Coimbra em Julho de 1921. Editada por Luiz de Souza e Vasconcelos e dirigida por Luiz Vieira de Castro, apresentou na colaboração literária, entre outros, João Cabral do Nascimento, Ernesto Gonsalves e Camilo Castelo Branco. Nesta revista, que segue a linha da tradição, mostra um conjunto de textos que configuram a convergência de diversas tendências estético-literárias, figurando a ideia mitológica da Fénix, juntando a herança clássica renascida numa atitude modernista. Esta proposta, apresentada por Manoel de Menezes no texto introdutório,150 justifica o título da revista, conceptualmente tautológico, que estava de acordo com a vontade de “reabilitação das letras portuguesas” e de criação de um novo ambiente propício ao renascimento da “grande obra de cultura e de afinamento de gosto”. Esta publicação foi exclusivamente literária, não apresentando qualquer tipo de colaboração ou direcção artística. Refira-se ainda que nesta revista foram publicadas algumas cartas inéditas do escritor Camilo Castelo Branco (1825–1890), considerado um dos mais importantes escritores nacionais do século XIX. Projecto gráfico A Nova Phenix Renascida apresentou-se com um formato 165x250mm, sendo constituída por capa e trinta e duas páginas no miolo. Produzida na Tipografia F. França Amado, Sucessor (Coimbra), recorreu a papel Vergé forte para a impressão da capa e das páginas interiores. Refira-se que a gramagem da capa era superior (semi-rígida) e que nos dois exemplares originais consultados se notou variação de cor, sendo numa capa azul-cinza e noutro a cor natural do papel. A revista foi toda impressa a uma cor (preto), recorrendo apenas à tipografia tradicional em chumbo, e a encadernação foi brochada e grampada. Capa A capa da Nova Phenix Renascida (fig. 5.195) mostra uma composição exclusivamente tipográfica, apresentando apenas o título e o número. A organização desses elementos no espaço segue as bases que regem a estrutura da mancha de texto suas páginas interiores, estando o título alinhado com a margem interior e o número com a inferior e exterior. Apesar da simplicidade da capa, parece existir uma tentativa de simbolizar o título através da sua composição gráfica. Assim, a utilização de um tipo sem patilha condensado acentua a verticalidade da proporção rectangular do formato da revista, e a (ligeira) abertura do kerning imprime uma leveza ao título que o deixa “voar” no espaço – paralelismo simbólico com o renascimento e voo da Fénix da mitologia grega. A composição tipográfica do título é rematada com a duplicação de dois pontos verticais, complementando um bloco visual rectangular do conjunto e incutindo-lhe um traço Arte Nova. Porém, este caso distingue-se doutros exemplos que já observámos anteriormente, também vindos de Coimbra, onde se distinguia uma influência daquele estilo de origem francesa. Aqui, aproximam-se de um estilo mais objectivo com raízes no trabalho de Peter Behrens, cujo grafismo mais geometrizado e o uso de tipos sem patilha haveria de influenciar o Art Decó da década de 1920. Refira-se ainda a aplicação do número da revista, composto em tipo romano, enquadrado no interior de um rectângulo em filete fino, estabelece uma separação virtual com o resto da capa e cria uma base, dando-lhe estabilidade posicional no espaço vazio através da criação de uma diagonal visual, cruzando de forma equilibrada o espaço compositivo. 150 Manoel de Menezes. “Portugal Literário”. Nova Phenix Renascida, n.º 1, Coimbra, Julho de 1921: pp. 1–4. 347 Figura 5.195. Capa da Nova Phenix Renascida, n.º 1, Coimbra, Julho de 1921. Páginas interiores Figura 5.196. Nova Phenix Renascida, n.º 1, Coimbra, Julho de 1921: verso da capa e p. 1. 348 Figura 5.197. Nova Phenix Renascida, n.º 1, Coimbra, Julho de 1921: pp. 20–21. Figura 5.198. Nova Phenix Renascida, n.º 1, Coimbra, Julho de 1921: pp. 26–27. 349 O interior desta publicação iniciava com uma página preliminar no verso da capa (fig. 5.196), apresentando em cabeçalho a identificação (título, contacto, identificação do corpo directivo, editorial e administrativo), o preço avulso, o sumário da revista em posição central, e na parte inferior um anúncio dos textos de Camilo Castelo Branco e a identificação da livraria depositária. Elementos que estavam delimitados verticalmente por filetes de intestação, sendo a separação entre eles feita por deferentes tipos de filete simples, rectângulo em filete de intestação no sumário e filete duplo na parte inferior. A composição foi composta na sua maioria com tipos romanos (dois distintos e suas variantes) e com tipo sem patilha. As hierarquias foram trabalhadas recorrendo às diferenças de corpo dos tipos de letra, caixas e variantes, à organização no espaço e aos referidos filetes, obtendo assim uma página hierarquizada de forma clara e coerente. A primeira página da Nova Phenix Renascida (fig. 5.196) abre novamente com um cabeçalho identificativo da publicação, onde se pode ver em primeira linha o seu número, local e data, e entre dois filetes de intestação o título e nome do director da revista. Este uso de cabeçalhos na primeira página, repetindo alguma informação técnica da publicação, resultava normalmente da intenção da revista vir a ser encadernada em volumes, podendo nesses casos haver a subtracção da capa. Todos os elementos do cabeçalho são compostos num único tipo de letra romano, que será também usado nos textos de toda a publicação. O cabeçalho está inserido na mancha tipográfica que se manteve em todas as páginas, apresentando margens inferiores e exteriores mais abertas que as suas opostas, configurando assim uma estrutura gráfica clássica próxima da usada normalmente em livros de literatura. A revista apresenta um conjunto de textos e poemas que obedecem a um conjunto de normas estáveis, mas diferentes entre prosa e verso. Assim, na prosa (fig. 5.197) a primeira página inicia com o título a cerca de dois terços da altura da mancha gráfica, num tipo de letra romano (igual em todos os textos em prosa), iniciando o texto com uma linha de intervalo. O corpo do texto é composto noutro tipo romano redondo, excepto as cartas de Camilo Castelo Branco que são composta na variante itálica daquele tipo, com as linhas equilibradamente espaçadas e com uma boa marcação de parágrafos (recuada). No caso da poesia (fig. 5.198) o início dos versos encontra-se ao mesmo nível da prosa, mas os títulos vão variando consoante as necessidades de aplicação de títulos e subtítulos. Os poemas são compostos em tipo romano itálico, surgindo centrados na mancha gráfica definida pelas margens. Os títulos e subtítulos são compostos em tipo fantasia de estilo Arte Nova, hierarquizados com variação de corpo e aplicação de um filete fino. As páginas de início de texto são em ambos os casos, prosa e poemas, ainda caracterizadas pela aplicação na margem superior de um filete de intestação a toda a largura da mancha gráfica (fig. 5.197 e 5.198). O remate dos textos é também semelhante na prosa e poemas, finalizando com a identificação do autor composta em versaletes colocada ligeiramente recuada sobre a margem direita. Todas as páginas apresentam fólio na parte inferior da mancha gráfica, composto em tipo romano, com alinhamento centrado e colocado entre dois hífenes. De uma forma global, o número único desta revista é bastante sóbrio na sua apresentação gráfica, sendo bem composta, elegante e desprovida de qualquer tipo de ornamentação. Apresenta um estilo que se enquadra entre o Arte Nova e a objectividade do que será o Art Decó, ou seja, adapta-se a tendências estilísticas mais sóbrias e rectilíneas consentâneas com os anos vinte que então iniciavam. Destaca-se pela apresentação de uma capa bastante sintética na sua expressão visual, com um toque de modernidade dado pelo uso do tipo sem patilha e uso dos pontos sobrepostos, recordando a ornamentação Arte Nova, aplicados de forma simples mas fundamental para a característica geometrizada da composição e para o equilíbrio do conjunto. Contudo, a efemeridade deste projecto (apenas um número editado) impede-nos de observar a solidez e evolução do grafismo desta revista. 350 5.2.27. Seara Nova (1921–1979) Apresentação A revista Seara Nova é o projecto editorial mais extenso dentro do grupo de revistas analisado neste estudo. Iniciou a publicação a 15 de Outubro de 1921, em Lisboa, continuando com breves interrupções e periodicidade variável até ao número duplo 1598– 1599 em 1979.151 Depois daquela data continuou a publicar-se um exemplar anual, assegurando assim perante a lei portuguesa a manutenção do título, tendo surgido em 1985 uma nova série. No Verão de 2004 a publicação retomou um novo ritmo adquiriu uma periodicidade trimestral (sazonal) e incorporou todas as edições entretanto saídas (entre 1979 e 1985), continuando ainda hoje a ser editada. Aqui analisaremos apenas os 72 números publicados dentro do arco temporal definido para o nosso estudo, caracterizado como o “1º ciclo (1921–1926) – período da fundação, definição doutrinária, crítica sistemática aos «males da República», intervenção política pontual e denúncia do perigo fascista.”152 Esta revista de doutrina e crítica teve vários directores ao longo dos anos, incluindo algumas individualidades vindas da cisão dos grupos da “Renascença Portuguesa” e da revista A Águia, entre os quais se destacaram Aquilino Ribeiro, Augusto Casimiro, Raul Brandão, Raul Proença, entre muitos outros. Foi uma revista de carácter essencialmente doutrinário e político, conotada com a esquerda – defendem desde o primeiro número uma maior justiça social e o triunfo do socialismo, inspirados na Revolução Bolchevique Russa de 1917 –, mas contou também com vários ensaios de doutrinação estético-literária de “inegável interesse literário.”153 Porém, ficou conotada essencialmente como sendo uma revista de feição política. No editorial do primeiro número apontavam no programa154 uma vontade em “renovar a mentalidade da elite portuguesa, tornando-a capaz dum verdadeiro movimento de salvação”, evocando os colaboradores como “poetas militantes, críticos militantes, economistas e pedagogos militantes.” Uma ideologia guiada fundamentalmente pelo desacordo com o rumo que a República tomava naquela época, e contra a qual se “propunham preparar o terreno para que as gerações vindouras possam colher as sementes agora lançadas à terra.”155 Uma alegoria que, segundo António Ventura, terá estado na base da criação do nome Seara (campo de cereais semeados) desta revista. Editada pela Empresa de Publicidade Seara Nova, apresentou no período aqui analisado uma extensa colaboração literária sobressaindo, entre muitos outros, Jaime Cortesão, Raul Brandão, Quirino de Jesus, Câmara Reis, Augusto Casimiro, Raul Proença e Florbela Espanca. No campo artístico apresentou um importante grupo de colaboradores, entre os quais se destacam Leal da Câmara, Humberto Pelágio, Cervantes de Haro, Rodrigues Miguéis, José Tagarro, Jorge Barradas e Sousa Lopes. A direcção artística é identificada apenas entre os números 7 (1 de Fevereiro de 1922) e o 19 (13 de Novembro de 1922), período em que essa função foi desempenhada por Humberto Pelágio, tendo partilhado essa função com Leal da Câmara entre os números 10 (15 de Março de 1922) e número 15 (1 de Julho de 1922) – este último partiria nesse ano para o Brasil, onde ficaria até Maio do ano 151 Este período temporal encontra-se definido na documentação histórica da Seara Nova como o nuclear da revista original. Informação disponível em: [consulta: 2 de Fevereiro de 2012] 152 Rosas, Fernando; Brito, J.M. Brandão de (coord). Dicionário de História do Estado Novo. Lisboa: Círculo de Leitores, 1996. 153 Rocha (1985), Op. Cit., p. 373. Seara Nova, n.º 1, Lisboa, 15 de Outubro de 1921: pp. 1–3. 154 Ventura, António. O Imaginário Seareiro. Ilustradores e Ilustrações da Revista Seara Nova (1921–1927). Lisboa: Instituto Nacional de Investigação Científica, 1989: p. 17. 155 351 seguinte, para colaborar no arranjo do pavilhão português na Exposição Internacional Comemorativa do 1º Centenário da Independência, no Rio de Janeiro. A nível artístico deve-se ainda destacar a Seara Nova como um meio fundamental na introdução do Neo-Realismo em Portugal, que na década de 1930 emergiu como um movimento de resistência à ditadura salazarista. Projecto gráfico: 1º Ciclo (1921–1926), 72 números. A revista Seara Nova apresentou um formato 210x300mm, sendo constituída por capa mole e um corpo que variou normalmente entre as 32 e as 48 páginas. A capa usou de forma alternada papel Couché ou papel Corrente calandrado, foi impressa a duas ou três cores, enquanto as páginas interiores variaram entre o papel Couché e o papel Jornal calandrado, sendo sempre impressas a uma cor (preto). As imagens foram impressas a uma cor (variando entre diferentes tons primários). O primeiro ciclo aqui analisado foi produzido em três oficinas distintas de Lisboa, sendo o primeiro número impresso na Tipografia Ibérica, entre os números 2 e 27 na Tipografia da Associação dos Compositores Tipográficos, e os restantes (28 a 72) na Tipografia Torres. Não se encontraram indicações relativamente a estas mudanças, supondo-se que se relacionassem com normais questões orçamentais de produção. Para a impressão desta revista recorreram à tradicional tipografia de chumbo, xilogravura e à fotogravura (similigravura nos meios tons, bicromias e tricromias, e zincogravura nas imagens a traço). A encadernação foi brochada e grampada. Como referimos, esta revista foi em determinada fase dirigida artisticamente por Humberto Pelágio (1900–1967) e, em menor número, Leal da Câmara (1876–1948). Segundo António Ventura em O imaginário seareiro, parece não existir muitas referências sobre a vida e obra de Humberto Pelágio.156 José-Augusto França refere-se a ele dizendo apenas que “a primeira luz de informação sobre «os movimentos plasticistas modernos» foi lançada na «Seara Nova», pelo fugaz director artístico, advogado e desenhador de modernismo precioso e talento reduzido, Humberto Pelágio.”157 Esta crítica para assentar no facto da importância daquela personalidade se dever, sobretudo, à sua participação como um dos primeiros divulgadores dos movimentos plásticos modernos através de artigos escritos na revista Seara Nova – movimentos que eram normalmente ignorados pela maioria da imprensa escrita da época –, desvalorizando dessa forma a sua colaboração artística. Humberto Pelágio era formado em Direito, teve uma vida multidisciplinar e foi ainda director artístico da publicação Ressurreição (Lisboa, 1918–1920).158 Ficou ainda conhecido pelo desenvolvimento do intercâmbio na área cultural e nas relações internacionais de Portugal com a Catalunha, nomeadamente através da colaboração em publicações periódicas catalãs como o republicano El Día Gráfico (Barcelona, 1913–1939) e o semanário literário e político Veu de Catalunya (Barcelona, 1899–1937). Em Portugal seria ainda agente da Editorial Catalana de Barcelona, fundada em 1917 sob o patrocínio do partido político “Lliga Regionalista”. O seu trabalho artístico parece não ter ido além da sua participação na revista Seara Nova, onde foi também director artístico, actuando ali na concepção de capas, ilustrações e vinhetas, bem como no contacto com os novos artistas. No número 19 publicava-se uma nota onde afirmavam que Humberto Pelágio não podia “continuar a exercer essa direcção [artística] pelos seus muitos afazeres”.159 156 Ventura, Op. Cit., 1989, p. 101. França, José-Augusto. A Arte em Portugal no Século XX: 1911–1961. (3ª ed.). Venda Nova: Bertrand, 1991: p. 98. Esta publicação não se enquadra no âmbito das publicações definido para o nosso estudo. Seara Nova, n.º 19, Lisboa, 13 de Novembro de 1923: p. 107. 157 158 159 352 Leal da Câmara terá começado por estudar Agronomia e Medicina Veterinária, mas abandonou o seu curso em 1896 com apenas 20 anos, dedicando-se então totalmente à propaganda e defesa dos ideais republicanos em Portugal, na altura ainda sob o regime monárquico. Revelou desde muito cedo capacidades no desenho, principalmente para a caricatura, colaborando em diversas publicações periódicas, entre as quais se destacam A Corja (Lisboa, 1898) e O Inferno (Lisboa, 1896), das quais foi também director artístico, e ainda A Marselhesa: Supplemento de Caricaturas (Lisboa, 1897–1898), Semanário de Caricaturas (Lisboa, 1899) e Os Ridículos (Lisboa, 1895–1898). Devido à participação nessas revistas, normalmente satíricas, foi considerado inimigo da Igreja e da Monarquia, sendo obrigado a exilar-se na passagem do ano de 1899 para 1900, em Madrid e depois em Paris. Durante o exílio, Leal da Câmara internacionalizou o seu trabalho como ilustrador e caricaturista, colaborando em diversas publicações periódicas espanholas, entre as quais se destacam Madrid Cómico (Madrid, 1880–1923), El Imparcial (Madrid, 1868–1933) e La Esfera (Madrid, 1914–1931). Em 1900 encontrava-se em Paris como correspondente do madrileno El Imparcial, sendo esse o período mais produtivo e interessante de seu trabalho na imprensa humorística, destacando-se também a profícua colaboração no L'Assiette au Beurre (Paris, 1901–1912). Ainda em Paris, desenhou inúmeros cartazes e postais, vincando sempre os seus ideais revolucionários republicanos. Com a instauração da República em Portugal, Leal da Câmara regressou ao país a convite da publicação Sátira (Lisboa, 1911– 14), dirigida por Stuart de Carvalhais, e participa nos dois Salões dos Humoristas de 1912 e 1913 [ver capítulo: 1.3.2. O período pré-Orpheu (1910–1914)]. Em 1917 fundou o grupo dos Fantasistas juntamente com Diogo de Macedo e Armando Basto [ver capítulo: 1.3.3. A ruptura da tradição (1915–1919)]. Paralelamente à sua actividade de caricaturista e ilustrador desenvolveu uma carreira como docente de Desenho Ornamental, primeiro na Escola Industrial Faria Guimarães, no Porto, e posteriormente na Escola Fonseca Benevides, em Lisboa. Em 1922 partiria para o Brasil para colaborar no projecto do “Pavilhão Português” da Exposição Internacional do Rio de Janeiro, realizada naquele ano. Após o seu regresso continuaria a colaborar na imprensa periódica, mas numa vertente menos satírica e de humor mais suave, e apesar de já afastado da Seara Nova manteve uma forte ligação com a revista até ao fim da sua vida. A sua participação na Seara Nova foi, desde o início, de suma importância, sendo o único artista plástico a colaborar efectivamente na produção da revista não só como director artístico e ilustrador, mas também como capista, desenhador de vinhetas, alegorias e na criação do próprio logótipo da Empresa Seara Nova, proprietária da revista. Capa No primeiro número da Seara Nova ficava assinalada a seguinte intenção: “As capas da nossa revista são de Leal da Câmara, artista de excepcional valor, que também ilustrará algumas das nossas páginas”.160 Esta aspiração, que entendemos plausível no início do projecto, não se concretizaria daquela forma tão absoluta. Como veremos seguidamente, ainda que aquele artista tenha criado várias capas, estas não foram exclusivamente da sua autoria, somando-se outros nomes de “novos” e consagrados artistas nacionais e internacionais, ou ainda sem autoria determinada. Em termos gerais, as capas mostram contribuições originais ou reproduções de obras de diversos artistas, somando-se algumas meramente decorativas e outras apenas verbais. A Seara Nova apresenta ao longo dos seus 72 números uma grande variedade de capas, não só a nível gráfico e estilístico, mas também na quantidade e diversidade de temáticas apresentadas. As primeiras duas capas são da autoria de Leal da Câmara, um dos principais colaboradores desta revista no período aqui analisado. O primeiro número (fig. 5.199) apresenta uma capa com o título Seara Nova em cabeçalho, composto numa letra caligráfica, disposto em duas linhas centradas com o eixo vertical da capa. Este título funcionaria durante bastante tempo como o elemento de identidade da publicação, ou seja, consolidou160 Seara Nova, n.º 1, Lisboa, 15 de Outubro de 1921: p. 32. 353 se como o logótipo da Seara Nova. Sob o título surge uma imagem ilustrada com um conjunto de seis espigas de trigo dispostas em forma de leque aberto flamejante. Sobre esse fundo foi colocada uma ilustração em destaque, onde se observa um nu feminino pousado na frente de um campo cultivado. Esta composição ilustrada coloca em evidência o pendor político-socialista de oposição à elite intelectual que governava o projecto editorial da revista, uma tendência inspirada na Revolução Bolchevique Russa de 1917,161 estando representada no ramo de trigo, símbolo da lavoura da terra, do trabalho operário e, sobretudo, do título desta publicação. Ou seja, as espigas relacionam-se com o campo cultivado, a fecundidade ou germinação, associando-se desta forma à imagem central. Nesse contexto, a figura feminina surge aqui como a mulher-mãe-guerreira comunista, um arquétipo de força e de resistência, a mãe-planta, símbolo de fertilidade. Assim, as figuras mitológicas de Venus e Diana (símbolos do amor) queridas pelas elites criticadas na Seara Nova, foram aqui substituídas, nas respectivas mitologias romana e grega, por Proserpina e Demeter que se relacionavam com os ciclos da terra, os rituais agrários e a fertilidade. Uma figura feminina que foi assim representada com traços rudes, longe do ideal de beleza, de braços abertos simbolizando a dádiva, a fertilidade, e ganhando destaque no contraste com a expressividade das cores vermelha escura e preta usadas na ilustração das espigas. Figura 5.199. Capa Seara Nova, n.º 1, Lisboa, 15 de Outubro de 1921. Figura 5.200. Capa Seara Nova, n.º 2, Lisboa, 5 de Novembro de 1921. Esta simbologia da fecundidade em conjunto com o ramo de trigo estará ainda ligada ao conteúdo do poema, apresentado também neste primeiro número, “Apólogo de uma espiga de trigo” de J. M. de Sant’Iago,162 do qual destacamos a seguinte passagem: 161 Foi nesta revista que se difundiu o slogan de esquerda “A terra é de quem a cultiva”, tornando-se famoso nas contestações relacionadas com o mundo agrário. Este surge num texto escrito por Raul Brandão neste primeiro número da Seara Nova, referindo-se à fome e miséria que assolavam o país, originadas, em grande parte porque o lavrador, numa tradição feudalista, entregava ao senhorio quase tudo o que a terra produzia. Ver: Seara Nova, n.º 1, Lisboa, 15 de Outubro de 1921: pp. 4–6. 162 Seara Nova, n.º 1, Lisboa, 15 de Outubro de 1921: pp. 7–9. 354 E nas suas entranhas, noite e dia, minha raiz sorvia a seiva, o sangue, que me alimentava... leite da terra, com que a terra amiga no seu seio materno me criava e, como bôa mãe, me amamentou: que da raiz ao cáule, e que do cáule à espiga, pelas minhas artérias circulava, e que floriu, e enfim frotificou! O segundo número apresentou uma capa (fig. 5.200) com o mesmo princípio esquemático da anterior. Assim, a ilustração ocupou todo o espaço com o logótipo em cabeçalho, com um desenho ligeiramente renovado em relação ao do primeiro número. O traço da letra é aqui mais forte e aproximando-se à expressão da ilustração, denotando em Leal da Câmara um entendimento e domínio do equilíbrio da composição plástica. A ilustração apresenta um tema que recai novamente sobre a questão da fertilidade, através da representação de três ramos floridos, indo de encontro com a ideia de renovação, do renascimento social e político pretendido e expressado no título da revista. A ilustração foi reproduzida a azul e preto, mantendo o tom escuro da capa anterior e apresentando um traço com uma plasticidade expressionista. Uma expressão que se coadunava aos princípios editoriais da Seara Nova de oposição ao elitismo vigente no meio cultural, social e político nacional. Figura 5.201. Capa Seara Nova, n.º 3, Lisboa, 20 de Novembro de 1921. Roberto Nobre (1903–1969) foi o autor da capa do número 3 (fig. 5.201). Este jovem artista algarvio, que já colaborara noutros projectos editoriais,163 criou aqui uma paisagem outonal cujo movimento das folhas em espiral, acompanhado pelo contorcer dos troncos das árvores, evocam o vento que afasta o elemento sem vida. Julgamos tratar-se de um exercício meramente pictórico, uma paisagem com influência na arte tradicional japonesa dos séculos 163 No âmbito do nosso estudo encontramos colaborações na revista Alma Nova. Ver capítulo: 5.2.28. Alma Nova (1914–30). 355 XVIII e XIX, construída em tons de amarelo e preto, sob os quais sobressai em fundo o branco do papel. Todavia mantém uma temática relacionada com as questões da natureza e os ciclos de fertilidade, neste caso o Outono, relacionando esta capa com as anteriores. O título da revista ocupa agora a parte inferior da capa, mas foi desenhado com uma letra caligráfica de menor qualidade, comparativamente com os anteriores de Leal da Câmara. O desenho destas letras de estilo Arte Nova lembra as de George Auriol (1863–1938), mas sem a elegância e harmonia do traço que aquele artista francês apresentou no seu trabalho. Ainda assim, esta capa mostra um interessante exercício de japonesismo, estilo pouco visto no âmbito deste estudo, evidenciando um interessante ecletismo estilístico de Roberto Nobre. Figura 5.202. Capa Seara Nova, n.º 4, Lisboa, 5 de Dezembro de 1921. Figura 5.203. Capa Seara Nova, n.º 5, Lisboa, 24 de Dezembro de 1921. As seguintes três capas voltam a ser de Leal da Câmara. No quarto número (fig. 5.202) este artista introduz uma capa com uma ilustração que recorda a revista francesa L'Assiette au Beurre com a qual colaborara. O plano mostra no cabeçalho um rectângulo vermelho com o logótipo da publicação, retomando aqui o desenho do primeiro número, tendo por baixo uma caricatura da esfinge da República Portuguesa164 legendada com uma frase satírica. A caricatura, expressão estilística aplicada normalmente como forma de análise impiedosa e de crítica política e/ou social, foi aqui usada para censurar a acção do Governo da República. Leal da Câmara desenhou-a como uma figura gorda, de traços rudes, remetendo para a corrupção e interesses oligárquicos que dominavam o governo do Estado.165 Uma situação simbolizada aqui na faca que corta o pão das “indemnisações” (título da ilustração) 164 A efígie da República Portuguesa foi tomada como símbolo nacional em 1911. A escultura original que deu lugar a esta caricatura foi criada pelo escultor José Simões D’Almeida (1880–1950), tendo como base a figura central da obra La Liberté guidant le peuple (1830) de Eugène Delacroix (1798–1863). 165 Ventura, Op. Cit., 1989, p. 98. 356 que alimentaria os corruptos, e enfatizada pela legenda que acompanha a ilustração. Estes elementos verbais da capa (título e legenda) foram compostos em tipo fantasia de estilo Arte Nova, configurando uma capa que vale sobretudo pelo seu valor satírico. A capa da Seara Nova número 5 (fig. 5.203) apresentou também uma ilustração de características humorísticas, sendo alusiva à quadra natalícia. A ilustração tem como protagonista a figura do Zé Povinho, personificando o povo português,166 em atitude de espanto perante a decoração da árvore de Natal: uma caveira, duas tíbias cruzadas, uma espada, um tambor, uma bomba, entre outros. Supomos que estes elementos representariam diferentes factos que conduziram à instabilidade política e social que se vivia naquela época em Portugal. A ilustração, impressa a preto sobre um rectângulo verde, é sublinhada em rodapé com a legenda “Pus o meu sapatinho no fogão... e deu bota!”, salientando a expressão de espanto do Zé Povinho perante a troca das tradicionais decorações de Natal. Esta capa usou na legenda um tipo de letra egípico, enquanto a identidade da revista manteve em cabeçalho o logótipo semelhante aos anteriores, aqui modificado no seu desenho de forma a aparentar ser construído com uma fita de decoração natalícia. Neste contexto festivo foram ainda aplicados dois elementos ornamentais, impressos a verde, que rematam o logótipo da revista, estando esse cabeçalho separado do resto por um filete raso desenhado com a mesma expressão gráfica do logótipo. Leal da Câmara construiu assim uma interessante capa que aliava gráfica e simbolicamente, a referência à quadra festiva com os princípios políticos e sociais que governavam o projecto editorial da Seara Nova. Figura 5.204. Capa Seara Nova, n.º 6, Lisboa, 14 de Janeiro de 1922. 166 A figura do Zé Povinho, criada por Rafael Bordalo Pinheiro, é uma personagem satírica de crítica social que foi adoptada como a personificação do povo português. Surgiu pela primeira vez na revista lisboeta A Lanterna Mágica, de 12 de Junho de 1875, mas seria a partir de 1879, com o lançamento do jornal O António Maria (Lisboa, 1879– 1898) de Rafael Bordalo Pinheiro que passaria a ser uma presença constante na ridicularização dos factos nacionais. Actualmente continua a ser usado como uma figura satírica, representando geralmente a fatalidade de se ser português. 357 Como referimos, Leal da Câmara foi docente de Desenho Ornamental, actividade que ficou patente nalgumas das capas que este artista executou para a Seara Nova. A primeira foi a do sexto número (fig. 5.204), observando-se ali uma grinalda de flores de cor lilás sobre um fundo amarelo com uma trama em rede também em lilás. O logótipo, colocado em rodapé nesta capa, foi aberto a branco contrastando com a ilustração, formando a composição uma capa que constituiu um exercício plástico autoral, funcionando neste caso como um elemento meramente apelativo, sem intenções simbólicas relacionadas com o programa editorial. A capa do número 7 (fig. 5.205) foi a primeira realizada por Humberto Pelágio. Apresenta um estilo que nos recorda as obras da Wiener Werkstätte através da composição das letras geometrizadas e do elemento central, uma ilustração inserida numa forma quadrangular. Esta foi bordeada por elementos vegetalistas entre os quais sobressai na lateral direita um Sátiro, figura da mitologia grega, e no canto inferior esquerdo uma figura feminina agachada, inseridos num conjunto ornamental que enquadra o tema central. Ali destaca-se uma figura feminina de braços levantados com umas espigas de trigo na mão esquerda, elemento que normalmente acompanha as representações tradicionais da deusa grega Demeter, cuja simbologia abordámos anteriormente. Esta foi aqui representada na frente de um horizonte onde se distinguem alguns montes (em tons de preto e cinzento) e um Sol que se destaca em cor laranja, elemento fundamental dos ciclos da terra, dos rituais agrários e da fertilidade. Ou seja, uma vez mais a capa difundia uma ideia de regeneração, uma simbologia que pretendia representar a renovação das mentalidades preconizada pelo projecto editorial da Seara Nova. Esta ilustração, de grande carga simbólica, revelou-se de grande importância no contexto desta revista, sendo adoptada como um símbolo de identidade visual da Seara Nova e usada como ex-líbris da revista até à década de 1940. Recorde-se ainda que o autor desta capa, Humberto Pelágio, surgia neste número 7 identificado pela primeira vez como director artístico da revista. Figura 5.205. Capa Seara Nova, n.º 7, Lisboa, 1 de Fevereiro de 1922. Figura 5.206. Capa Seara Nova, n.º 8, Lisboa, 15 de Fevereiro de 1922. 358 O título da revista, sob a ilustração central, foi desenhado numa letra de fantasia de estilo Art Déco, geometrizada e de carácter extra-negro, disposto em duas linhas centradas verticalmente. O termo Seara surge ladeado por dois quadrados ilustrados, um com uma face e o outro com a representação de um Sátiro. No rodapé da capa foi colocado o ano da publicação em numeração romana, em letra caligráfica, rematado com dois quadrados que harmonizam com o estilo da capa. Saliente-se que esta capa foi, não só pelo seu simbolismo, mas sobretudo pelo seu desdobramento e adopção como símbolo de identidade visual, uma das mais importantes de todos os números aqui analisados. A capa do número 8 (fig. 5.206), segundo a indicação impressa na página preliminar, foi criada por Leal da Câmara e Roberto Nobre. Contudo, a ilustração central apresenta apenas a assinatura de Roberto Nobre, levando-nos a supor que o nome do outro autor remete para a autoria do logótipo e, possivelmente, da organização dos elementos na composição. A ilustração toma a questão da luz como tema nuclear, dando continuidade ao tema base apresentado na capa anterior através do Sol. Um desenho que apresenta um braço levantado, segurando na mão um archote com fogo, sobrepondo-se a um fundo vegetalista num em estilo Secession vienense. A ilustração, em tons de preto e vermelho vivo, foi inserida num rectângulo branco vertical que acentua o movimento de elevação do archote, e está enquadrada entre uma frase em latim, “Lux spendeo et flamis incendo”, que se pode traduzir por “finda a luz, acendo a chama”.167 A luz e a chama remetem para o elemento Sol, sendo neste caso aqueles que inflamam a natureza de calor solar, constituindo mais uma alegoria aos ciclos da vida e da fertilidade, aliados à força do trabalho humano representado no braço musculado. Ou seja, retomamos aqui o princípio da renovação, surgindo aqui o fogo como o elemento que combate do mal representado pelo negro da capa, o princípio regenerador e fomentador da nova vida. Um princípio que estaria assegurado pela força humana e pelo trabalho. A capa foi rematada em rodapé com logótipo da Seara Nova aberto a branco, ganhando particular destaque sobre o fundo negro. A capa do número 9 (fig. 5.207), impressa a castanho (meios tons), mostra uma reprodução fotográfica de uma escultura de João da Silva (1880–1960). Este artista lisboeta distinguiuse sobretudo como medalhista, estudou escultura e medalhística na École des Arts Décoratifs de Gèneve e nas Beauxs-Arts de Paris, tendo nesta última estudado com o reconhecido medalhista francês Jules-Clément Chapalin (1839–1909). João da Silva era um republicano convicto, estando em sintonia com ideais políticos e sociais da Seara Nova, e desenvolveu o seu trabalho artístico entre Portugal e França. A obra reproduzida nesta capa mostra uma elegante figura feminina com sapatos de salto, mas o facto desta estar envolta numa capa e a fotografia ter sido feita de perfil, não nos permite uma boa identificação ou leitura da obra, restando apenas o enigma da identificação.168 Cremos que a reprodução desta obra de João da Silva na capa da Seara Nova se deve, em parte, à amizade do artista com alguns dos directores e, ainda, pelo destaque que a sua obra tinha naquela época em Portugal. Assim, pode-se concluir que a sua apresentação se relaciona, fundamentalmente, com o valor artístico que esta poderia aportar à publicação, não tendo qualquer outro significado simbólico. O logótipo da revista foi aqui substituído pelo que já fora usado no terceiro número, revelando uma tentativa de conciliação do movimento do manto da figura com o desenho mais ritmado daquela letra Arte Nova. 167 Agradecemos a tradução do latim para português realizada por Inês Mendes. 168 António Ventura refere que João da Silva terá realizado no início da década de 1920 diversas peças deste estilo, representando jovens da sociedade de Paris, podendo esta ser uma delas, mas da qual não foi possível identificar o título e procedência. Ainda segundo este autor, existe uma listagem de nomes das jovens retratadas num inventário das obras de João da Silva. Ventura, Op. Cit., 1989, p. 110. 359 Figura 5.207. Capa Seara Nova, n.º 9, Lisboa, 1 de Março de 1922. Figura 5.208. Capa Seara Nova, n.º 10, Lisboa, 15 de Março de 1922. Figura 5.209. Capa Seara Nova, n.º 11, Lisboa, 1 de Abril de 1922. Figura 5.210. Capa Seara Nova, n.º 12, Lisboa, 15 de Abril de 1922. 360 O décimo número (fig. 5.208) apresenta uma capa da autoria de Leal da Câmara dedicada à Exposição Internacional do Rio de Janeiro (Brasil) de 1922. Como referimos, este artista partiu posteriormente à data deste número para o Brasil, indo colaborar na execução do projecto do “Pavilhão Português” presente naquela exposição. Para esta capa o artista desenhou um elemento que aglutina alguns dos símbolos nacionais: uma Esfera Armilar sobre uma Cruz de Cristo, sobrepondo-se ambos ao Escudo Nacional do qual se vêm apenas 4 dos 7 castelos que o constituem. Ou seja, é uma capa que exulta os símbolos da República, e foi impressa a preto sobre um fundo de verde (uma das cores nacionais). O logótipo da revista, novamente o de Leal da Câmara, foi aqui composto numa só linha horizontal e foi colocado no rodapé da revista. Contudo, quando comparado com outras versões apresentadas anteriormente, verifica-se uma deficiência na harmonia do desenho das letras, talvez aqui condicionado pela exiguidade do espaço. O número 11 (fig. 5.209) apresenta na capa uma obra do escultor Alves de Sousa (1884– 1922), formado nas Escola de Belas Artes do Porto e amigo pessoal de dois directores da revista, Câmara Reis e Augusto Casimiro.169 O desenho aqui reproduzido mostra uma cena numa floresta, onde três figuras femininas surgem ajoelhadas perante um animal aparentemente morto. Em legenda sob a imagem surge “... e os Russos morrem à fome nas florestas”, indicando que o desenho seria uma referência à Guerra Civil Russa (1917–1922) que, como referimos anteriormente, teve influência objectiva no lançamento desta revista. O “afastamento da beleza”170 que observamos neste desenho expressionista evidencia o dramatismo implícito na cena, aproximando-se ao sofrimento humano, à pobreza e violência da situação vivida na Rússia naquela época, situação que era abordada regularmente nas páginas desta revista de ideologia socialista. A letra que compõe o título Seara Nova apresenta um estilo caligráfico original de influência Art Déco que, à imagem de outros tipos desse estilo, apresenta limitações na legibilidade. Uma característica que advém das acentuadas diferenças na modulação das letras – menos conseguida na letra “O” onde a diferença entre a parte fina e a forte não foi conseguida como nas demais –, acompanhado por uma marcada geometrização do traço, um rebaixamento das barras horizontais do A, E e R, e da subida da diagonal do N acompanhada por uma redução do seu ângulo natural, tornando-a próxima de uma horizontal. É contudo uma letra de forte expressividade que entoa com o desenho expressionista de Alves de Sousa. Refira-se ainda que o título ocupa o espaço vazio na metade inferior da capa, sendo rematado em rodapé pela indicação do ano da publicação em numeração romana. A capa do número 12 (fig. 5.210) volta a ser da responsabilidade de Leal da Câmara. Esta é claramente ornamental, replicando um painel de azulejos do século XVIII onde se vêm dois anjos segurando umas volutas. A imagem foi impressa nos habituais tons azuis da azulejaria nacional, tendo o logótipo da revista sido harmonizado com um desenho ao estilo da pintura de azulejos, como se este fosse parte do próprio painel. Esta capa insere-se na linha das capas ornamentais de Leal da Câmara, relacionando-se seguramente com a sua actividade lectiva referida anteriormente. Como veremos adiante com mais detalhe na análise da revista Contemporânea, este recurso à reprodução ou réplica de elementos historicistas surgido a partir da década de 1920, tomou os princípios do Deutsche Werkbund, nos quais a associação da arte e do antigo com a tecnologia surge como forma de valorizar as coisas produzidas industrialmente. 169 Ventura, Op. Cit., 1989, p. 69. Gombrich, Op. Cit., 2005: p. 564. 170 361 O número 13 (fig. 5.211) teve uma capa de Humberto Pelágio, que partilhava nesta altura a direcção artística com Leal da Câmara, apresentando como tema a “Primeira travessia aérea do Atlântico Sul”. Esta foi realizada entre Março e Junho de 1922171 por Sacadura Cabral (1881–1924) e Gago Coutinho (1869–1959), constituindo um feito que mereceu grande destaque em Portugal.172 A ilustração mostra um hidroavião a sobrevoar um mar revoltoso, entendendo-se esta como uma metáfora das dificuldades e contra-tempos que os dois pilotos estariam a passar para objectivar a travessia (este número da Seara Nova foi editado a 12 de Maio de 1922, estando os pilotos nesse momento na ilha brasileira de Fernando de Noronha desde 18 de Abril devido a uma avaria da aeronave, provocada precisamente por um mar revoltoso, esperando ali a sua substituição). A ilustração executada em tons de branco e negro mostra um ambiente soturno reforçador dessas dificuldades, parecendo-nos apropriado ao clima de incerteza que rodeava naquele momento a conclusão da viagem. O título da revista repete o desenho usado no número 11, colocado em rodapé no espaço vazio deixado pela ilustração, não sendo acompanhado de qualquer outro elemento. A capa do número 14 (fig. 5.212) usa o ex-líbris que Alves de Sousa realizou para o número 7, mas numa proporção muito menor – idêntica à que seria usada no cabeçalho de introdução da revista, como veremos adiante. Também o título da revista foi composto com o mesmo tipo fantasia usado no sétimo número, mas ocupando agora a metade superior da capa. A capa, toda impressa a castanho, foi ainda complementada em rodapé com a apresentação do ano da publicação, o preço e número. A primeira surgia ao centro em numeração romana, composta com letra caligráfica, enquanto os outros dois elementos surgiam, respectivamente nas margens esquerda e direita, ambos compostos em tipo romano. A capa do número 15 (fig. 5.213) é de Leal da Câmara, sendo a última enquanto director artístico da Seara Nova. Trata-se de mais um trabalho meramente decorativo tal como tinha feito nas capas dos números 6 e 12. É um trabalho gráfico simples e visualmente apelativo. Mostra um padrão vegetalista que ornamenta um tecido, reproduzido em tons de vermelho, e sobre o qual foi aberto em cabeçalho o logótipo da revista. As flores exóticas do padrão seriam uma influência importada da Índia, juntamente com as técnicas de estampagem de algodão, e que se tornaram predominantes desde o século XVIII.173 Esta terceira capa ornamental de Leal da Câmara evidencia a sua capacidade artística nesta vertente decorativista, actividade na qual teve um desempenho de destaque. A capa do número 16 (fig. 5.214) assemelha-se à do nono, mostrando a reprodução fotográfica de outra escultura de João da Silva. Uma vez mais apresenta uma elegante figura feminina, um modelo de modernidade executado num estilo Art Déco, julgando-se ser da mesma série de esculturas parisienses do outro caso. Importa aqui referir que a vanguarda Futurista não se reflectiu na escultura portuguesa, tendo a modernidade escultórica portuguesa adoptado a gramática formal Art Déco como via de modernidade. O título da revista é também igual ao usado no outro número, e esta capa foi impressa apenas a preto (meios tons). 171 A viagem foi atribulada sendo necessário substituir a aeronave por duas vezes, provocando o alongar do tempo necessário para completar a travessia. Para mais informação sobre o assunto consultar: Lemos, Carlos. O Almirante Gago Coutinho. Lisboa: Instituto Hidrográfico, 2000. 172 Entre outros meios de comunicação, foi tema de capa do segundo número da 3ª série da Alma Nova (Maio– Junho de 1922) e o primeiro número da Contemporânea (Maio de 1922) era também dedicado à “Primeira travessia aérea do Atlântico Sul”, como veremos adiante. Sobre a importância desta epopeia no contexto da História da Arte ver: França, Op. Cit., 1992, pp. 61–72. A este respeito refira-se que o navegador e explorador português Vasco da Gama (c. 1460–1524) ligou o continente europeu à Índia, por via marítima, na sua primeira expedição de 1497–1499, tendo chegado a Calecute a 20 de Maio de 1498. 173 362 Figura 5.211. Capa Seara Nova, n.º 13, Lisboa, 12 de Maio de 1922. Figura 5.212. Capa Seara Nova, n.º 14, Lisboa, 1 de Junho de 1922. Figura 5.213. Capa Seara Nova, n.º 15, Lisboa, 1 de Julho de 1922. Figura 5.214. Capa Seara Nova, n.º 16, Lisboa, 1 de Agosto de 1922. 363 O número 17 repetiu a capa do 14, alterando somente o respectivo número e cor, sendo agora impressa apenas a azul. Supomos que este recurso à repetição de capas, que veremos usado algumas vezes nesta publicação, surgiu apenas como uma solução de recurso, muito provavelmente provocada por problemas orçamentais, que terão implicado também a alteração da periodicidade da publicação de quinzenal para mensal. A capa do número 18 (fig. 5.215) foi unicamente verbal, apresentando um texto intitulado “No regimen da impunidade” que alertava para a suspeita de casos de corrupção do Governo. É uma capa de protesto no qual o corpo editorial da revista denunciava de forma incisiva aquelas suspeitas, repudiando o silêncio que as envolve. Contudo, o estilo neoclássico usado na composição desta capa não se ajusta ao carácter assertivo da mensagem. Ou seja, o uso de um tipo romano didodiano no título, acompanhado por um texto composto em tipo romano enquadrado por um rectângulo de filete duplo, numa composição de alinhamento sobre um eixo vertical, constituiu uma capa com um grafismo clássico elegante, configurando uma mensagem com um carácter graficamente distante do conteúdo contestatário da mensagem. Nesse sentido, acreditamos que o uso de um grafismo mais expressionista, forte e contundente, ter-se-ia enquadrado melhor com o teor da mensagem. A capa do número 19 (fig. 5.216) contou com uma ilustração de Jorge Barradas, impressa a duas cores (castanho e preto). Este artista que colaborou como ilustrador e capista em diversos jornais e revistas nacionais,174 sobretudo nas de temas generalistas ou magazines populares ilustrados, realizou aqui uma obra que foge aos padrões semânticos mais vistos na sua obra, marcada sobretudo pelo humor de influências internacionais ligadas à revista alemã Simplicissimus (1896, ou ainda o alongamento sintético das figuras humanas típica do Jugendstil, seguindo nos anos vinte pelos caminhos do Art Déco (influências dos franceses George Lepape e George Barbier).175 Nesta capa apresentou um desenho próximo de um estilo realista, mais consentânea com os princípios da revista, onde uma figura humana masculina nua empurra um arado que lavra a terra. É uma obra que glorifica o trabalho e a agricultura, aproximando-se da temática que tinha marcado algumas capas dos primeiros números da Seara Nova. Ainda que este desenho de Jorge Barradas não atinja a qualidade expressiva apresentada nos estilos pelos quais a sua obra ficou marcada, demonstrou aqui uma capacidade de adaptar a expressão do seu desenho à mensagem (programa editorial) que esta publicação procurava passar. Os seguintes três números apresentaram capas com ilustrações da autoria de Rodrigues Miguéis (1901–1980), um artista com uma obra plástica menorizada pelo maior destaque que sempre foi dado à sua obra literária e jornalística – nesta publicação colaborou também como crítico de arte –, não se encontrando por isso informação sobre a sua obra artística. Na capa do número 20 (fig. 5.217) realizou uma cena de crucificação onde, entre um grande número de figuras que rodeia a figura de Cristo na cruz, se distinguem dois soldados abraçados, um cavaleiro acompanhado por um cavalo branco, um rei e um padre. Um conjunto de personagens que por um lado transportava temporalmente a cena do Calvário para a época em que se editava a revista, e por outro apontavam os culpados pela situação política, económica e social que o país atravessava (a monarquia, a igreja e os militares como referência à Guerra). Trata-se de um retrato negro da sociedade portuguesa, evidenciado pelo tom azul-cinza escuro com que a capa foi reproduzida. A composição da capa foi complementada com o título da revista, colocado na parte superior direita, 174 Podemos encontrar obras suas nas revistas ABC, Revista Portuguesa, O Riso D’A Vitória, entre várias outras. Nas publicações analisadas no nosso estudo podemos encontrar o seu nome ligado aos títulos A Rajada (1912), A Contemporânea (1915; 1922) e Revista Portuguesa (1923). Para um estudo mais aprofundado da sua obra, consultar: Rodrigues, Op. Cit., 1995. 175 364 composto com uma letra caligráfica negra, com um desenho baseado num tipo sem patilha, onde se destacam as hastes horizontais do A com um agressivo vértice no perfil horizontal, secundado pelo número da edição em menor tamanho. Figura 5.215. Capa Seara Nova, n.º 18, Lisboa, 5 de Outubro de 1922. Figura 5.216. Capa Seara Nova, n.º 19, Lisboa, 3 de Novembro de 1922. Figura 5.217. Capa Seara Nova, n.º 20, Lisboa, Dezembro de 1922 – Janeiro de 1923. 365 As capas dos números 21 e 22 surgiram com uma composição totalmente remodelada, constituída pelo título, uma ilustração e o sumário. Os dois primeiros estavam unidos na parte superior por um rectângulo de filete raso, enquanto o sumário em rodapé foi alinhado ao centro dentro de um rectângulo de filete duplo. As ilustrações dos dois números retomam a temática da fertilidade e do mundo agrícola, mostrando no primeiro caso (fig. 5.218) uma figura masculina que semeia um campo, com uma casa rural em fundo. O segundo (fig. 5.219) mostra uma figura feminina segurando um molho de espigas. São dois desenhos expressionistas que glorificam o trabalho e que, como nos outros casos da mesma temática, aproximam a mensagem icónica do título e do programa editorial desta revista. Neste contexto, destacamos a capa do número 21 pela expressividade da imagem xilográfica que acentua o tom dramático da ilustração, recordando-nos a técnica semelhante promovida pelo Expressionismo alemão. Refira-se ainda que na impressão das ilustrações usaram no número 21 apenas a cor negra, enquanto no número seguinte usaram preto e laranja. Figura 5.218. Capa Seara Nova, n.º 21, Lisboa, Fevereiro-Março de 1923. Figura 5.219. Capa Seara Nova, n.º 22, Lisboa, Abril de 1923. Nestas capas o título foi composto em tipo romano didodiano, o mesmo que fora usado no número 18, composto aqui numa linha horizontal. O sumário passou a ser apresentado na capa e usou um tipo de letra romano didodiano (igual ao usado no título) no termo Sumário e na listagem de artigos, enquanto a numeração, data e preço foram compostos em tipo egípcio. Esta organização compositiva e tipográfica proporcionavam uma elegância visual que favoreciam o protagonismo da ilustração, tornando estas capas num elemento comunicativo graficamente apelativo. Os seguintes cinco números, entre o 23 e o 27 inclusivamente, apresentaram um distanciamento visual e gráfico em relação às capas observadas anteriormente, deixando de ter imagem icónica e passam a ser exclusivamente verbais. Uma opção que trouxe para as capas características próximas às de uma primeira página no número 23, ou de um frontispício nos seguintes quatro números. A ausência do elemento icónico retirou força comunicativa às capas, esvanecendo-se assim o seu poder persuasivo. 366 Não encontramos nos textos da revista indicações para esta significativa mudança de carácter gráfico, mas julgamos que se tenha devido a questões económicas de produção, pois a colaboração artística e a reprodução das imagens obrigavam a um maior esforço económico – o número 27 foi o último produzido na Tipografia da Associação dos Compositores Tipográficos (Lisboa). Refira-se ainda que este conjunto de capas apresentou diferenças gráficas indiciadoras de uma falta de direcção artística, ainda que esta já não existisse desde o número 15. As capas daqueles cinco números foram encabeçadas por um bloco tipográfico contendo a ficha técnica da revista (corpo directivo, contacto da redacção e administração, e indicação da propriedade literária). Este conjunto de informações foi composto em tipo romano, apresentando uma criteriosa utilização das caixas e versaletes na organização da hierarquia da informação. Sob este cabeçalho de informação técnica surgia o título da revista com grande destaque. Entre os números 23 e 26 foi composto em tipo sem patilha (fig. 5.220 e 5.221) que apresenta um desenho das letras incoerente na sua proporção – as letras S, E e R têm uma forma mais expandida que as restantes –, e com um R graficamente desequilibrado por um deficiente desenho da sua perna. Este tipo de letra foi substituído no número 27 (fig. 5.222) por um tipo fantasia de estilo Arte Nova, que julgamos ter sido desenhado especificamente para esta capa. Uma ideia que justificamos pela forma como o desenho de algumas letras se sobrepõe, situação fisicamente impossível na composição tipográfica tradicional, sendo por isso reproduzido a partir de um cliché tipográfico. Figura 5.220. Capa Seara Nova, n.º 23, Lisboa, Maio de 1923. O número 23 (fig. 5.220) diferenciou-se dos demais por apresentar texto na metade inferior da capa, incluindo inclusivamente a indicação do fólio. A ficha técnica, numeração, data da publicação e título, colocados na metade superior, estão separados dessa introdução textual por um pequeno filete raso, centrado na página, seguindo o texto o esquema tradicional das páginas interiores (abordado adiante). Refira-se ainda que o título do texto foi composto em tipo fantasia de estilo Arte Nova, enquanto os demais elementos (subtítulo, epígrafe e texto corrido) são compostos em tipo romano. 367 Figura 5.221. Capa Seara Nova, n.º 24, Lisboa, Junho de 1923. Figura 5.222. Capa Seara Nova, n.º 27, Lisboa, s.d. Aquele esquema da capa do número 23 seria alterado nos seguintes quatro números. Assim, entre os números 24 (fig. 5.221) e 26 modificaram apenas a metade inferior, mantendo igual a metade superior onde apresentavam a informação técnica principal e o título da revista. Sob este último, onde antes existia um filete separador, passou a ser impresso o subtítulo da revista, Revista de doutrina e crítica, composto em tipo romano Clarendon. Na metade inferior passou a constar o sumário da edição e um rodapé com a restante informação técnica e o termo de impressão. O sumário, centrado na página, foi enquadrado por um rectângulo de filete fino e incluía a numeração e data da edição. Nesta metade inferior a hierarquia da informação ficou bem definida através dos usos tipográficos (tipo de letra e corpo), sendo o termo Sumário, a data e numeração compostos em tipo sem patilha, enquanto o rodapé com o resto da informação usou tipo romano. Refira-se ainda que a composição da página foi alinhada ao centro adaptado a um eixo deslocado à esquerda, adaptado à mancha gráfica das páginas interiores. Os conjuntos de informação técnica no cabeçalho e rodapé apresentam uma justificação em bloco, procurando assim harmonizar a grande quantidade de informação à mancha gráfica. No número 27 (fig. 5.222) é um caso distinto, pois não apresenta uma parte da informação técnica (tampouco figura nas páginas interiores), desconhecendo-se desta forma a data de publicação ou o local de impressão. Dúvida que poderia ajudar a esclarecer as alterações na organização gráfica da capa. Ou seja, enquanto o cabeçalho se mantém idêntico na organização e no tipo de letra usado, o título da revista foi composto em tipo fantasia de estilo Arte Nova que apresenta um espaçamento irregular entre letras, sobretudo entre o S e o E. O subtítulo manteve-se na mesma posição dos casos anteriores, mas usou aqui um tipo sem patilha tornando-se mais neutro na composição. O Sumário continuou enquadrado num rectângulo definido por um filete de fantasia, enquanto o seu conteúdo foi composto em tipo sem patilha no nome dos autores e tipo romano no título dos respectivos textos. Em rodapé foi apresentado um conjunto de anúncios a publicações editadas pela Empresa de Publicidade Seara Nova, a editora desta revista. 368 Conforme referimos, a dúvida que persiste sobre a oficina responsável pela produção deste número poderia ajudar, em parte, a esclarecer as diferenças de tratamento gráfico entre os números anteriores e os seguintes. Ou seja, comparativamente com as capas anteriores e com as seguintes, este número 27 apresenta uma variedade de tipos de letra e um uso do espaço que mostram um menor equilíbrio gráfico da composição da capa. Um facto para o qual não encontramos uma razão objectiva, mas que seguramente esteve relacionado com a mudança de oficina tipográfica que se verificou no seguinte número. Por último, devemos mencionar que este conjunto de 5 capas foi impresso a duas cores, usando entre o 23 e o 25 preto e vermelho, o 26 preto e verde, e o 27 preto e castanho. A partir do número seguinte a Seara Nova passou a ser impressa na Tipografia Torres (Lisboa), verificando-se então a apresentação de um novo grafismo da capa que durou até ao número 34. Os dois primeiros números dessa sequência (28 e 29) foram idênticos, apresentando os demais ligeiras variações observadas adiante. Aqueles sete números apresentaram um cabeçalho com informação técnica semelhante ao que vinha sendo usado nos números anteriores, composto em tipo romano, mas agora com o alinhamento complementado na linha inferior por um conjunto de pontos sobrepostos. O título Seara Nova manteve o destaque na capa, mas não apresentou sempre a mesma configuração. Assim, entre os números 28 e 31 e o 34 usaram o mesmo que observámos no número 27, enquanto o número 32 (fig. 5.227) e 33 (fig. 5.228) repetiam respectivamente os que vimos usar pela primeira vez no sétimo e décimo primeiro número. Sob o título foi colocado o subtítulo, composto em caixa alta de tipo fantasia estilo Arte Nova entre os números 28 e 30, e em tipo romano nos restantes quatro números. A separação daqueles elementos com os restantes foi feita com um filete duplo, apresentando no centro o número e data da edição, em tipo fantasia de estilo Arte Nova numa variante condensada. Por fim, os números 28 e 29 distinguem-se dos demais pela apresentação do Sumário da edição na capa. Este usou na sua composição um tipo egípcio no termo Sumário, enquanto a apresentação dos autores e títulos dos textos foi composta em tipo romano. É ainda interessante verificar-se o trabalho realizado na construção da hierarquia da informação na ficha técnica e no sumário, bem definida através do uso da variante redonda, itálica e os versaletes do mesmo tipo romano. Um trabalho que revela uma capacidade técnica da Tipografia Torres superior à demonstrada pela oficina tipográfica que até então produzia a Seara Nova. A metade inferior desse grupo de sete capas foi ocupada por elemento icónico, tendo as ilustrações sido realizadas por diferentes autores e merecendo aqui uma abordagem diferenciada. As capas dos números 28, 29, 31 e 32 apresentaram desenhos da autoria de José Tagarro (1902–1931). Este artista frequentou as Belas Artes de Lisboa, onde foi discípulo de Columbano Bordalo Pinheiro e Carlos Reis, ficando a sua obra marcada por vários tipos de influências, desde tendências fauvistas, o formalismo de El Greco ou a influência do desenho de Ingres. Na sua curta vida (morreu com 29 anos) colaborou em algumas publicações periódicas, entre as quais se destaca a Seara Nova (entre capas e ilustrações nas páginas interiores, foi o artista com mais colaborações no período analisado), a Alma Nova (em 1927, já fora do intervalo temporal do nosso estudo) ou a Ilustração (Lisboa, 1926–1935), executando trabalhos que abordam diversas temáticas (entre outros, retratos, mitologia ou caricaturas). 369 Figura 5.223. Capa Seara Nova, n.º 28, Lisboa, Dezembro de 1923. Figura 5.224. Capa Seara Nova, n.º 29, Lisboa, 20 de Janeiro de 1924. Para o número 28 (fig. 5.223) José Tagarro executou uma ilustração com um expressivo traço linear, onde se pode ver um porco de grandes dimensões sobre uma figura feminina com um barrete frígio, representando estas figuras o referido na legenda da ilustração: “Temos de libertar a República da baixa Política – a quem Bordalo chamava a Grande Porca...”.176 A República surge aqui submetida ao peso da política, ou seja, uma porca insaciável que tudo come e aniquila, pretendendo a ilustração criticar a situação política nacional. A capa do número 29 (fig. 5.224) foi executada com a mesma expressividade de traço da anterior. Mostrava o retrato da actriz de teatro italiana Vera Vergani (1894–1989), cuja actuação teve bastante destaque na imprensa da época,177 centrando-se assim numa questão mais mundana e alargando o espectro de temáticas abordadas nas capas da Seara Nova. 176 Esta questão remete para uma ilustração de Rafael Bordalo Pinheiro, publicada a 17 de Janeiro de 1900 em forma de postal ilustrado, onde uma enorme porca de grandes dimensões está rodeada de pequenos bácoros que disputam as suas tetas, representando a primeira o poder e os segundos os partidos políticos. Ver: Ventura, Op. Cit., 1989, p. 182. 177 A revista Ilustração Portugueza anunciava antecipadamente, no seu número 925 de 10 de Novembro de 1923 (p. 611), a futura passagem por Portugal desta “eminente actriz italiana” após uma temporada nos Estados Unidos da América. A actriz esteve em Portugal em Novembro e Dezembro desse ano, onde representou no Teatro Politeama (Lisboa) fazendo parte da Companhia Dramática Italiana do Teatro Argentino de Roma. Segundo Rui Coelho, as apresentações da companhia tiveram muito sucesso, sobretudo pelos desempenhos daquela actriz. Ver: Coelho, Rui. A dramaturgiia goldoniana em Portugal no século xx: o mundo e o teatro. Centro de Estudos de Teatro – Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa [Em linha]. (2011). [consulta: 13 de Junho de 2012]. Disponível em: 370 Figura 5.225. Capa Seara Nova, n.º 30, Lisboa, 31 de Janeiro de 1924. Figura 5.226. Capa Seara Nova, n.º 31, Lisboa, 15 de Fevereiro de 1924. O número 30 (fig. 5.225) interrompe a sequência de 4 capas de José Tagarro. Este número apresenta uma imagem do busto de Teófilo Braga (1843–1924), cuja autoria não está identificada, mas cuja pintura se assemelha ao retrato que Columbano Bordalo Pinheiro executou, em 1917, para a galeria de retratos dos Presidente da República Portuguesa – Teófilo Braga presidiu o Governo Provisório da República Portuguesa entre 29 de Maio e 4 de Agosto de 1915, em substituição do demitido Manuel de Arriaga. A inclusão do retrato deste político e ilustre escritor na capa da Seara Nova esteve seguramente relacionada com a sua morte, ocorrida três dias antes da data de edição deste número da Seara Nova. Razão que explica também a interrupção da sequência de capas de José Tagarro. Assim, o número 31 (fig. 5.226) voltava a ser deste autor e centrou a ilustração na questão da vitória dos trabalhistas (partido de esquerda) em Inglaterra que tinham ganho as eleições em 1924. Nesta capa o desenho surge com um traço mais intenso, mostrando um trabalhador agigantado que sustenta na mão quatro personagens representando uma cena burguesa. Em fundo vê-se uma paisagem de ambiente industrial, construindo desta forma uma encenação dos desequilíbrios entre as classes, ilustrando a sustentação do nível de vida dos burgueses com o trabalho operário. Voltamos a estar perante uma capa de carácter sociopolítico, um protesto de conotação socialista. A ilustração era apenas complementada por uma indicação do tema de capa, composto em tipo romano e impresso a vermelho, enquanto a imagem foi impressa em meios-tons de preto. 371 Figura 5.227. Capa Seara Nova, n.º 32, Lisboa, 1 de Março de 1924. Figura 5.228. Capa Seara Nova, n.º 33, Lisboa, 20 de Março de 1924. Figura 5.229. Capa Seara Nova, n.º 34, Lisboa, 9 de Abril de 1924. 372 A capa do número 32 (fig. 5.227) encerrava a sequência de capas de José Tagarro. Esta apresentou destaque na frase, “O Nosso Entrudo”,178 enquanto a ilustração mostra um Pierrot e outra personagem clownesca, que segundo António Ventura caricaturava Augusto de Castro,179 director do jornal Diário de Notícias. Uma caricatura que ilustra uma nota publicada por Câmara Reys180 onde este referia criticamente a vontade que Augusto de Castro declarara em ocupar um lugar na delegação diplomática de Paris ou Londres. Uma imagem que pretendia ridicularizar o desejo ingénuo, não oculto, e o jogo de influências demonstrado por Augusto de Castro para obter um cargo de embaixador, o qual acabaria por ocupar em Londres naquele ano de 1924. O título com referência ao Entrudo refere-se à figura ridícula representada por aquele jornalista, enquanto a cor vermelha usada na coloração da caricatura pretende representar a vergonha que deveria sentir. A legenda em rodapé, que salienta esses aspectos, foi composta em letra fantasia de estilo Arte Nova, enquanto o título do tema de capa usa um tipo romano. Deve-se ainda salientar nesta capa o contraste provocado pelo tipo usado em Seara Nova, que volta a usar o desenho que surgia pela primeira vez no número 7, num estilo que nos recorda as obras da Wiener Werkstätte e o Art Déco que anuncia. Na capa do número 33 (fig. 5.228) o tipo de letra usado no título foi alterado para o que já tínhamos visto nos números 11 e 13, de características Art Déco. A imagem icónica que ilustra este conjunto é da autoria de Mário Eloy (1900–1951), um dos mais importantes artistas nacionais do Segundo Modernismo (equivalente ao Movimento Moderno) que, tal como outros artistas da época, renegou o ensino académico das Belas Artes de Lisboa (frequentou apenas entre 1912 e 1913) e seguiu uma carreira autodidacta. A sua vida artística desenvolveu-se no cruzamento das influências naturalistas de Columbano Bordalo Pinheiro, o “sistema cromático cézanniano” de Eduardo Viana181 e, mais tarde, após passagens por Madrid, Paris e Berlim, influências do expressionismo do alemão Georges Grosz. A obra de Mário Eloy “O Morcego do Cais”, reproduzida nesta capa em meios-tons de preto, ilustra unicamente o anúncio da sua primeira exposição em conjunto com Alberto Cardoso, realizada em 1924 no Salão de Ilustração Portuguesa do jornal O Século (Lisboa). Não aporta assim qualquer outro tipo de mensagem secundária além de um destaque àquela exposição. A obra reproduzida na capa do número 34 (fig. 5.229) é uma água-forte da autoria de Sousa Lopes (1879–1944). Este artista teve uma formação recebida em Lisboa, Países Baixos, Espanha e França, apresentando uma obra que denunciam influências do espanhol Joaquín Sorolla (1863–1923) e do francês Paul-Albert Besnard (1849–1934); destacou-se ainda por ter assumido a direcção do Museu Nacional de Arte Contemporânea entre 1927 e 1944. A obra mostrada nesta capa, “C.E.P. Sepultura d'um soldado portuguêz na «Terra de Ninguém» em Neuve Chapelle (França)”182 (1918), é uma água-forte da série intitulada Portugal na [Primeira] Grande Guerra que ilustram num estilo expressionista a participação do país naquele conflito. Na capa da Seara Nova a obra foi identificada apenas com o título “Na terra de ninguém”, surgindo junto com a indicação da técnica usada e o nome do autor. Esta informação foi composta em tipo romano, em caixa alta, disposto em duas linhas sublinhadas e colocadas sob a imagem à direita. Refira-se ainda que esta capa foi impressa usando duas cores, preto e castanho, adaptando-se assim às características cromáticas da água-forte original. 178 O termo Entrudo refere-se aos três dias de Carnaval. Ventura, Op. Cit., 1989, p. 122. Seara Nova, n.º 30, Lisboa, 31 de Janeiro de 1924: p. 125. Ver: “A redescoberta de Cézanne”. Em: Gonçalves, Op. Cit., 1993: pp. 116–118. A obra faz parte do espólio do Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa. 179 180 181 182 373 Figura 5.229. Capa Seara Nova, n.º 36, Lisboa, Junho de 1924. Figura 5.230. Capa Seara Nova, n.º 37, Lisboa, Julho-Agosto de 1924. Figura 5.231. Capa Seara Nova, n.º 38, Lisboa, Setembro-Outubro de 1924. 374 A capa do número 35 é uma repetição da usada com o número 13, da autoria de Humberto Pelágio, havendo apenas uma alteração nas cores usadas (preto e castanho claro). Ainda que a repetição de capas fosse na maior parte das vezes somente uma solução de recurso, neste caso parece haver relacionamento com a capa do número seguinte. Ou seja, esta capa do número 35 parece constituir uma referência prévia ao Primeiro Raid aéreo Lisboa – Macau (China),183 levado a cabo por Brito Pais e Sarmento Beires em Abril de 1924. Essa epopeia foi então o tema de capa do número 36 (fig. 5.230), sendo ali representada com a reprodução de um retrato de Sarmento de Beires, da autoria de José Tagarro. Um desenho executado com um traço expressivo no qual se nota a influência dos desenhos a grafite de Ingres, mostrando o domínio na construção de volumetrias e jogos de luz e sombra que caracterizava a obra deste artista. Tendo em conta o programa editorial da Seara Nova, julgamos que a escolha de Sarmento Beires para retratar aquela importante epopeia ter-se-á devido, não só, a ter sido ele o mentor da aventura, mas fundamentalmente pelo seu envolvimento com a política (apoiava o partido republicano) que o conduziria, mais tarde, a opor-se ao regime ditatorial instaurado a 28 de Maio de 1926, razão pela qual seria preso e exilado no Brasil. O desenho que ilustra a capa é sublinhado com o nome do aviador português, composto em tipo romano, em caixa alta e com o espaço entre letras aberto em consonância com a leveza do desenho. Sob nome, em rodapé, surge uma citação da escritora Carolina Michaëllis de Vasconcelos (1851–1925), um bloco de texto centrado e também composto em tipo romano em caixa alta. A parte superior da capa mantém-se semelhante ao usado no número 34, apenas alterando a cor usada na impressão do título da revista, sendo neste caso laranja. A capa do número 37 (fig. 5.230) apresentou uma reprodução da obra Le coup de ven (Ventania), realizada em 1915 pelo pintor suísso Théophile Alexandre Steinlen (1859–1923). O desenho mostra uma cena rude, onde uma família composta por uma mãe com um filho no colo, e outros três que caminham a seu lado debaixo de um forte vento. Constitui um cenário de rua que denunciavam os aspectos mais cruéis da vida do povo anónimo da Europa pós-guerra, um tema consonante com a linha editorial da Seara Nova. A imagem surge sob o cabeçalho que se mantêm, na essência, semelhante aos anteriores – o título foi composto com a mesma letra que vimos no número 33 –, tendo na parte superior a tradução do título da obra e a identificação da autoria, com destaque para o primeiro, ambos compostos em tipo romano, caixa alta e com o espaço entre letras aberto. Na parte inferior do desenho de Théophile Steinlen surgia uma citação184 do escritor francês Anatole France (1844–1924), na qual este apresenta a obra daquele artista. O texto foi composto em tipo romano com alinhamento justificado em bloco, formando assim um pedestal da imagem que a dignifica. Uma composição que nos faz entender esta capa como uma homenagem póstuma àquele artista suíço, falecido em finais de 1923. Refira-se ainda que a imagem foi reproduzida em meios-tons de preto, sendo o único apontamento de cor (laranja) usado no título da capa. O número 38 (fig. 5.231) apresentou uma reformulação gráfica da capa, sendo aqui acompanhada por um desenho da autoria de Rodrigues Miguéis, assinado com o pseudónimo Ipsilone. Este autor apresentou neste desenho um estilo expressionista,185 183 Macau, situado na China, era desde meados do século XVI um território colonizado e administrado por Portugal, tendo sido desanexado a 20 de Dezembro de 1999 – pertence agora à República Popular da China. Esta epopeia e a sua importância no contexto da História da Arte podem ser vistas na mesma fonte indicada para a protagonizada por Gago Coutinho e Sacadura Cabral, apresentada na análise da capa do número 13 desta revista. 184 A origem desta citação é desconhecida. 185 Recordemos que o Expressionismo foi um estilo que regeu duas conhecidas revistas alemãs também conotadas com a esquerda política, a Die Aktion (1911–1932) e a Der Sturm (1910–1932). A Der Sturm seria seguramente conhecida no meio artístico nacional – Amadeo de Souza-Cardoso expusera em Berlim no Primeiro Salão de Outono da galeria Der Sturm, em 1913. Ver capítulo: 1.3.3. A ruptura da tradição (1915–1919). 375 aproximando-se já ao neo-realismo que haveria de chegar mais de uma década depois a Portugal,186 com uma ilustração da figura mitológica de Ícaro. Este mito grego, relacionado com a ascensão e queda do herói, foi aqui usado apenas pelo seu lado positivo da elevação, representando esta a recusa do limite humano e das suas normas. Nesse sentido, entendemos que Ícaro surge nesta capa como a figuração dos princípios regeneradores apostolados pela Seara Nova. Uma ideia que foi reforçada pela expressão do desenho na sua aproximação a um estilo neo-realista, que dessa forma cria uma afirmação antiestablishment mais definida. Nesta nova configuração gráfica o título foi aplicado em cabeçalho, composto num tipo de letra fantasia com um desenho geometrizado, em caixa baixa, reproduzido com tipos de madeira. No desenho do título salientamos o desenho da letra “a”, cuja forma foi sendo adaptada à da letra que o antecedo na procura de um conjunto mais compacto. O título foi impresso a vermelho, sendo frisado na parte superior com um filete raso a toda largura, na mesma cor. Na parte inferior daqueles elementos foi impresso o número da publicação num tipo do mesmo estilo do título, impresso a preto. O número 39 (fig. 5.232) volta a contar com um desenho de Humberto Pelágio, onde se observa um retrato do “Comandante Sacadura Cabral” falecido 15 de Novembro de 1924, constituindo assim uma capa de homenagem àquela personalidade – este número da Seara Nova data de Novembro-Dezembro de 1924. O desenho reproduzido a negro sobre uma mancha rectangular rosa, incluía ainda uma legenda, composta em tipo romano, que anunciava um texto da revista sobre aquele aviador escrito por Sarmento de Beires. Sobre a imagem surgia apenas o título da revista idêntico ao do número anterior, impresso a preto, mas omitindo o número talvez devido à dimensão da imagem. A capa do número 40 (fig. 5.233) volta a alterar a configuração gráfica, retomando o título de estilo Arte Nova que vimos por primeira vez no número 27, impresso agora a vermelho. Na parte central há uma ilustração satírica da autoria de Hugo Sarmento (1885–s.d.)187 intitulada “A lógica dos bombistas”. Nesta observa-se um homem sentado numa cela de prisão, com um semblante pensativo, explicando a legenda de que se trata de um bombista. Uma ilustração que aborda a falta de lógica dos ataques bombistas que ensombravam Lisboa desde o início da década de 1920, levados a cabo por grupos terroristas, e aos quais se somavam ainda greves, revoltas e tumultos provocados por grupos anarco-sindicalistas. O título e legenda, compostos em tipo romano com alinhamento centrado na capa, e a ilustração foram impressos a preto, configurando uma capa simples centrada na mensagem icónica de estilo satírico. As duas capas seguintes, dos números 41 e 42, são um reaproveitamento de capas já usadas. A primeira repete a capa do número 2 de Leal da Câmara, alterando apenas as cores para verde e preto. A segunda repete a ilustração do número 7, de Alves de Sousa, alterando o título da revista para um igual ao usado no número 40, sendo agora a imagem reproduzida a azul e rosa. 186 Enquanto o neo-realismo literário se foi desenvolvendo ao longo da década de 1930, numa reacção à ditadura do Estado Novo, segundo José-Augusto França, as artes plásticas só teriam “a sua base ideológica” definida num texto editado no jornal O Diabo em 28 de Abril de 1939. Ver: França, Op. Cit., 1991, p. 355. 187 Os dados biográficos deste autor são quase inexistentes, e apenas permitem averiguar o local e ano do seu nascimento (Luanda – Angola, em 1885). Ver: Ventura, Op. Cit., 1989, p. 112. 376 Figura 5.232. Capa Seara Nova, n.º 39, Lisboa, Novembro-Dezembro de 1924. Figura 5.233. Capa Seara Nova, n.º 40, Lisboa, Janeiro de 1925. 377 Figura 5.234. Capa Seara Nova, n.º 43, Lisboa, 15 de Março de 1925. Figura 5.235. Capa Seara Nova, n.º 47, Lisboa, Junho de 1925. Figura 5.236. Capa Seara Nova, n.º 49, Lisboa, 1 de Julho de 1925. 378 O número 43 (fig. 5.234) retoma o esquema gráfico do número 40, mostrando uma reprodução da obra O Rei D. Sebastião, o Desejado (1571) do pintor maneirista português Cristovam de Morais.188 Esta imagem retrata a discussão entre os escritores Carlos Malheiro e António Sérgio, sobre o mito sebastianista.189 O texto sob a imagem, composto em tipo romano, destaca em corpo maior o termo “tréplica” evidenciando o alongar do confronto entre os escritores, que discutiam publicamente aquele mito na imprensa. Neste número da Seara Nova acentuava-se o desinvestimento no tratamento gráfico das capas, iniciado após o número 39, mostrando desequilíbrios visuais na sua composição, recorrendo a reproduções de obras ou a simples repetições de capas de números anteriores. Nesse contexto, o número 44 surgiu com a mesma capa do número 6, de Leal da Câmara, e o número duplo 45–46 usou a ilustração de Rodrigues Miguéis apresentada no número 21. Neste segundo caso alteraram apenas o tipo e cor usada no título, usando aqui a vermelho o tipo com desenho de influência Art Déco já usado anteriormente, e retomaram a apresentação do sumário na capa em rodapé. O número 47 (fig. 5.235) retomou o esquema gráfico iniciado no número 40, mostrando uma reprodução do retrato de João Chagas (1863–1925), antigo Primeiro-Ministro da República de Portugal, da autoria de Columbano Bordalo Pinheiro. Esta capa constituiu uma homenagem àquele “grande jornalista e panfletário, cujo nome fica indelevelmente ligado à propaganda e triunfo da República Portuguesa”, e que tinha morrido a 28 de Maio de 1925. A legenda foi composta em tipo romano, destacando-se o nome de João Chagas em caixa alta em corpo maior. Neste caso notamos um maior equilíbrio na composição gráfica dos elementos no plano da capa, relativamente a casos anteriores, resultando sobretudo do jogo de proporções dos elementos verbais e iconográfico que formam a composição. A partir do número 48 a revista passou a ser publicada quinzenalmente, surgindo esse número com uma capa que repetia a do número 12 da autoria de Leal da Câmara. O número 49 (fig. 5.236) retomou o aspecto gráfico dos números 38 e 39. Uma proximidade visual imputada, fundamentalmente, pelo uso do título em cabeçalho com o mesmo tipo de letra, reproduzido agora a vermelho. A imagem da capa mostra uma fotografia de Columbano Bordalo Pinheiro, sendo acompanhada em rodapé por um texto de Raul Brandão que complementa a homenagem que a Seara Nova prestou nesta capa àquele pintor português. O título “Uma vida” em destaque, com o espaço entre letras bastante aberto, e o texto alinhado em espinha afunilando na base, sob o qual surge o nome de Raul Brandão também com os caracteres espaçados, formam um pedestal à imagem que eleva e reforça a imagem do homenageado. O texto foi composto em tipo romano, tendo a caixa alta no título e nome do autor do texto enfatizado o desenho do pedestal. A capa do número 50 é idêntica à do número 15, da autoria de Leal da Câmara, apenas alterando a cor base para um vermelho vivo. 188 Não se encontram registos das datas de nascimento e morte deste artista, sabendo-se apenas que viveu no século XVI. Esta pintura encontra-se actualmente no Museu Nacional de Arte Antiga (Lisboa). 189 O mito sebastianista refere-se à morte e desaparecimento de D. Sebastião (1554–1578) na batalha de AlcácerQuibir (Marrocos) a 4 de Agosto de 1578. O rei D. Sebastião, desaparecido nessa batalha, deixou o governo de Portugal sem descendência directa, abrindo uma crise que haveria de conduzir Filipe II de Espanha (tio de D. Sebastião) a tomar o reino de Portugal em 1580. O povo português da época acreditava, então, que D. Sebastião estaria apenas desaparecido e que haveria de voltar para retomar o poder dos espanhóis. Filipe II (designado Filipe I em Portugal) mandou trasladar para Portugal um corpo que alegava ser o do rei desaparecido, acreditando que assim acabaria com o sebastianismo, situação que não só não veio a acontecer, como ainda ampliou o mito de que o rei não estaria morto. Assim, na discussão entre aqueles dois escritores, o que estava realmente em causa era um problema educativo sobre o ensino da história nacional. Ou seja, discutia-se o confronto entre racionalismo e romantismo, entre mito e ciência, entre sentimento e razão. Sobre esta questão ver: Mota, Maria. Sob o Signo de Prometeu: A polémica Sebastianista entre António Serigio e Carlos Malheiro Dias (1924–1925). 8º Lusocom. Lisboa: Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 14–15 de Abril de 2009 [Atas da Conferência]. 379 Figura 5.237. Capa Seara Nova, n.º 51, Lisboa, 15 de Agosto de 1925. Figura 5.238. Capa Seara Nova, n.º 52, Lisboa, 1 de Setembro de 1925. Figura 5.239. Capa Seara Nova, n.º 53, Lisboa, 15 de Setembro de 1925. 380 A partir do número 51 destacou-se Rodrigues Miguéis na autoria das capas, ou como responsável pelo seu arranjo gráfico. A capa do número 51 (fig. 5.237) retoma o tema rural tratado em diversos números da Seara Nova, imperando a glorificação do trabalho e a agricultura. Esta ilustração onde um homem guia um arado puxado por dois bois recorda a capa do número 19 de Jorge Barradas, ainda que aqui o estilo da ilustração xilográfica de Rodrigues Miguéis seja distinto. Esta apresenta um carácter expressionista que acentua o esforço e a dureza do trabalho agrícola, sendo uma forma distinta de glorificar o esforço desse ofício. Refira-se que este desenho fora já usado na ilustração de alguns textos de números anteriores (entre outros, no n.º 39, p. 53 e no n.º 41, p. 93), constituindo por isso um reaproveitamento daquele desenho. Esta capa apresenta uma reconfiguração da composição gráfica, retomando o título o tipo sem patilha usado anteriormente entre os números 23 e 26, com alinhamento central, mas com os dois termos intercalados pela ilustração. Esta opção de composição aparenta querer reforçar o significado do título da revista, sendo aquele o campo onde frutificaria uma nova colheita. A composição da capa, impressa a duas cores (vermelho no título e preto nos restantes elementos) é complementada pelo número, composto em tipo sem patilha, alinhado ao centro e colocado na metade inferior destacando-se pelo seu “isolamento” no espaço branco. Salientamos ainda o uso de um filete raso em rodapé que, não só, reduz a força do espaço vazio, mas que também equilibra visualmente todo o conjunto, denotando no autor capacidade plástica e compositiva. Rodrigues Miguéis assina também a capa do número 52 (fig. 5.238) onde pontuam alguns dos elementos que configuraram a anterior, mas retomou uma composição gráfica que nos recorda a capa do número 38. As alterações parecem ter origem numa tentativa de harmonização da composição, aproximando a expressão da ilustração xilográfica com a do tipo usado no título. Este foi sobreposto por um filete raso e ocupam ambos o cabeçalho desta capa, enquanto a ilustração inserida num quadrado fica no centro na capa. Na parte inferior é ainda apresentado o número, composto em tipo sem patilha, que acentua um eixo de simetria e remata a composição na forma de um triângulo invertido. A ilustração mostra um arqueiro virado à esquerda, com o joelho direito em terra, com uma espada à cinta e usando apenas um barrete frígio. O arqueiro era um emblema usado na época por “grupos e movimentos políticos que propunham uma renovação da vida pública nacional”,190 relacionando-se aqui com a intenção da Seara Nova regenerar a República, representada através do barrete frígio. Por seu lado, o arco e flecha ligam-se ao mito de Artémis, associado não só à força vital mas também à luz da lua e, por consequência, aos ciclos da agricultura. A capa do número 53 (fig. 5.239) apresentou uma composição elementar limitada verticalmente por dois filetes de intestação, entre os quais o título foi colocado em cabeçalho, composto em tipo romano didodiano; o número da edição centrado na página, composto em tipo sem patilha (como nos dois números anteriores), surgindo na metade inferior uma gravura com uma caravela em alto mar. A capa não tem indicação de autoria e foi construída com recurso a uma soma de elementos pré-existentes. Ou seja, a ilustração já tinha sido usada no número anterior como ornamento (n.º 52, p. 70), mas surge aqui com uma carga simbólica relacionada com a questão dos Descobrimentos portugueses. O título usa o mesmo tipo que já vimos no número 18, mas agora a sua composição foi justificada em bloco forçando a abertura de um espaçamento das letras excessivo no termo Nova, questão que desconstrói a elegância da composição da capa. Refira-se ainda que a capa foi impressa usando somente a castanho. 190 Ventura, Op. Cit., 1989, p. 195. 381 Figura 5.240. Capa Seara Nova, n.º 54, Lisboa, 3 de Outubro de 1925. Figura 5.241. Capa Seara Nova, n.º 55, Lisboa, 10 de Outubro de 1925. Figura 5.242. Capa Seara Nova, n.º 56, Lisboa, 17 de Outubro de 1925. Figura 5.243. Capa Seara Nova, n.º 57, Lisboa, 24 de Outubro de 1925. 382 O número 54 (fig. 5.240) apresenta um esquema semelhante ao anterior, mas neste caso a composição foi inserida dentro de um rectângulo definido por um filete raso e um filete duplo. A capa impressa apenas a preto volta a aparentar ser uma opção de recurso, e uma vez mais a ilustração que a compõe, um homem carregando um saco, também já fora usada nalgumas páginas de números anteriores (entre outros, no n.º 41, p. 90, e no n.º 47, p. 202). Neste caso pode-se contudo perceber a relação simbólica com o esforço do trabalho operário, questão que caracterizou capas anteriores. Uma ilustração da autoria de Rodrigues Miguéis, identificado aqui graças à letra “Y” usada por aquele artista para assinar alguns dos seus trabalhos. O número 55 (fig. 5.241) tem a capa impressa a violeta e retoma o esquema gráfico do número 53, trocando a posição entre o número e a ilustração e acrescentando a data da edição junto ao filete inferior, composta em tipo romano em caixa alta. A ilustração, agora no centro da capa, apresenta um cesto com flores com origem numa ilustração antiga usada anteriormente no número 48 (p. 234). Esta remete objectivamente para a capa do sétimo número Contemporânea (Janeiro de 1923), revista na qual este tipo de recuperação de gravuras e ornamentos antigos, associado a um estilo gráfico neoclássico, foi usado por José Pacheko com frequência191 tanto em capas como em páginas interiores. Esta influência ou paralelismo com o projecto gráfico da Contemporânea, tanto das capas como das páginas anteriores, foi extensível a outras publicações editadas nesta década de 1920 como veremos noutros casos.192 O número 56 (fig. 5.242) apresentou uma variação à composição da capa anterior. Ou seja, se por um lado os filetes de intestação que limitam a composição e o número se mantiveram na mesma posição, os outros viram a sua organização alterada. O título Seara Nova teve os termos separados e colocados junto aos filetes, agregando os restantes elementos entre eles. A data passou para junto da ilustração na zona central da capa, seguindo o mesmo princípio gráfico do título – na indicação do ano também há um exagero do espaçamento das letras provocado pelo alinhamento justificado –, dividindo-se em duas partes e incorporando a ilustração no meio. A ilustração é novamente um cesto com flores, mas agora o estilo assemelha-se ao da azulejaria barroca nacional (azulejos de figura avulsa do século XVIII), inserindo-se na mesma linha de recuperações historicista de elementos tipográficos e gráfico-visuais que veremos, uma vez mais, no projecto gráfico de José Pacheko na revista Contemporânea. Esta capa foi impressa a duas cores, sendo os filetes e número reproduzidos a vermelho, enquanto os restantes foram impressos a preto. A capa seguinte retoma alguns princípios das capas que Rodrigues Miguéis realizou para os números 51 e 52 – apesar de neste número 57 não existir identificação da autoria, o estilo do desenho leva-nos a acreditar tratar-se do mesmo autor. Contudo a capa do número aqui analisado (fig. 5.243) manteve os filetes de intestação que vinha usando nos números anteriores e adaptou a data à ilustração no centro da composição. A ilustração xilográfica aproxima-se de um estilo neo-realista e retoma a temática do trabalho operário vista noutros casos, mostrando um casal com uma paisagem urbana em fundo.193 O título da revista usa o mesmo tipo de letra visto no número 52, mantendo também a mesma proporção usada naquela capa, mas foi composta em tipo de letra sem patilha. Em termos cromáticos foi usado vermelho no título e número da revista, sendo os restantes elementos impressos a preto. Nesta capa salientamos o equilíbrio da composição conseguido através de um jogo de proporções entre espaço vazio e elementos gráficos (texto, imagem e ornamentos), mostrando uma vez mais uma consciência e domínio da linguagem gráfica por parte de Rodrigues Miguéis. 191 Ver análise da capa referida adiante: 5.2.29. Contemporânea, grande revista mensal (1922–1926) Ver: Conímbriga (1923), Homens Livres (1923), Revista Portuguesa (1923), Athena (1924) ou a Tríptico (1924). 192 Esta imagem pode ser um prenúncio do Realismo Socialista que se tornaria conhecido a partir da década de 1930. 193 383 Figura 5.244. Capa Seara Nova, n.º 58, Lisboa, 31 de Outubro de 1925. A capa do número 58 (fig. 5.244) usou um esquema gráfico semelhante ao anterior, mas foi impressa somente a preto e modificou a localização da data, situando-se neste caso junto ao filete de intestação em rodapé. Esta alteração aportou, também, um maior peso gráfico à composição graças ao uso de um tipo de letra sem patilha na variante negra, mas que foi contrabalançado na composição por uma ilustração com menor peso visual. O desenho realizado por José Tagarro mostra um busto da figura mitológica Atena, reconhecível pelo seu elmo característico. De entre as diversas características simbólicas desta deusa grega, destacamos as que apresentam relação com o ideário da Seara Nova: deusa da inteligência, da razão e do espírito criativo, relacionando-se assim com todas as artes e particularmente com a literatura e a filosofia; criou ainda, miticamente, diversos ofícios, tendo feito germinar a oliveira, ensinado a extrair o azeite dela, gerando desta forma uma relação directa com a questão do trabalho agrícola e a germinação diversas vezes evocadas nas capas desta revista. O número 59 apresenta uma capa com uma característica interessante, pois os elementos que a formam são originários de capas de números anteriores. Contudo, a sua autoria aparece atribuída a Rodrigues Miguéis, indo assim de encontro à observação sobre a autoria da capa do número 57. Ou seja, apesar de não estar identificado, este autor terá desempenhado nesta fase um importante papel na direcção de arte da revista. Note-se que esta autoria não remete para a ilustração, pois esta é a mesma que ilustrou a capa do número 56 (fig. 5.242), que como vimos seria seguramente retirada da azulejaria barroca nacional. Quanto aos restantes elementos, o número, a data e o filete de intestação em rodapé permanecem idênticos aos do número anterior (fig. 5.244), alterando apenas a cor do filete para vermelho. O título em cabeçalho faz uma recuperação retomando a construção usada apenas no quarto número (fig. 5.202), onde o logótipo criado por Leal da Câmara foi vazado a branco num rectângulo vermelho, usado desta vez numa proporção menor e não encostando às margens. Devemos contudo assinalar que esta capa não apresenta a elegância de composição de outras capas realizadas por Rodrigues Miguéis. 384 A capa seguinte voltou a ser atribuída a Rodrigues Miguéis, apresentando este número 60 uma reconfiguração gráfica do número 52 (fig. 5.238). Nesta salienta-se a omissão do filete em cabeçalho e a colocação do título entre dois filetes duplos horizontais a toda a largura. Sob estes foi ainda acrescentado o novo subtítulo da revista, Semanário de doutrina e crítica, composto com o mesmo tipo sem patilha usado na data, também em caixa alta e ocupando a largura da mancha gráfica. Este elemento assinalou a alteração da periodicidade da publicação, que era anteriormente quinzenal. Deve-se referir ainda que esta capa foi impressa a duas cores, usando-se vermelho no título e número e sendo os restantes elementos impressos a preto. Figura 5.245. Capa Seara Nova, n.º 61, Lisboa, 21 de Novembro de 1925. O número 61 (fig. 5.245) apresenta um esquema gráfico semelhante ao dos números 57 e 58, somando apenas o novo subtítulo. Nesta capa a ilustração xilográfica mostra um homem desnudado inclinado e apoiado sobre o joelho direito, aparentando cansaço, e apresentando um tema que pode ser um cruzamento entre um trabalhador e Atlas, a figura mitológica grega.194 Ainda que não surja carregando um globo como na tradicional representação de Atlas, o facto daquele Deus grego representar o peso das dificuldades quotidianas, o excesso de tarefas que verga os ombros do trabalhador, conduzem-nos à relação simbólica com aquela divindade. Por outro lado, a configuração clássica do desenho do corpo masculino de perfil musculado, aproximando-se de um estilo neo-realista, constitui uma evocação às questões sociais, onde o corpo idealizado substituiu geralmente as formas individualizadas. Assim, a ilustração da capa fica essencialmente marcada pela força expressiva da ilustração que caracteriza a força do trabalho físico. Relativamente ao uso da cor, a capa foi impressa a verde no título, subtítulo e data da publicação, e preto nos demais elementos. 194 António Ventura no estudo iconográfico realizado sobre a Seara Nova aponta a possibilidade de se tratar de Atlas ou Prometeo, mas também não encontra elementos suficientes para uma identificação concreta. Ventura, Op. Cit., 1989, p. 190. 385 A capa do número 62 continuou com o reaproveitamento e cruzamento de elementos gráficos de outras capas. As únicas diferenças registaram-se no título da revista, que usou um tipo sem patilha igual ao dos números 23 (fig. 5.220) e 26, e na ilustração que repetiu o cesto com flores usado nos números 56 (fig. 5.242) e 59. Esta capa aparece no índice como sendo da responsabilidade de Rodrigues Miguéis, indicação que vai de encontro à nossa ideia da actuação daquele artista como director artístico da Seara Nova. Note-se que as alterações conduzidas nas composições das capas nem sempre resultaram em conjuntos equilibrados, verificando-se neste caso uma relação deficitária entre a dimensão do título e demais elementos, acentuada pela mancha gráfica do tipo sem patilha usado. Em termos cromáticos, esta capa foi impressa usando apenas a cor violeta. O número 63 apresenta uma capa quase idêntica à do número 55 (fig. 5.241), mas aproximando-se ao mesmo tempo da composição que vinha sendo usada nos números anteriores a este. As diferenças relativamente ao número 55 verificam-se na troca vertical de posições entre o número e a imagem (um cesto com flores), no uso dum tipo sem patilha na data (no 55 usaram tipo romano) e no uso de cores, imprimindo-se agora os filetes de intestação e a ilustração a laranja, sendo os demais elementos a preto. O subtítulo foi omitido neste número. Uma vez mais a capa foi identificada como sendo da autoria de Rodrigues Miguéis. A capa do número 64 (fig. 5.246) é dedicada a Antero de Quental, apresentando um retrato xilográfico daquele escritor, da autoria de José Tagarro. A ilustração, como noutros casos observados, havia sido usada anteriormente num texto do número 61 (p. 4). Sob esse desenho foi colocada uma reprodução da assinatura original de Antero de Quental. A composição capa volta a ser encaixada entre dois filetes de intestação, apresentando os demais elementos uma redistribuição no espaço: a data e o subtítulo, compostos com o mesmo tipo sem patilha, passaram respectivamente para o cabeçalho e o rodapé, junto aos filetes, enquanto o título da revista, composto em tipo romano, foi separado em duas partes, intercaladas pela ilustração. As cores usadas nesta capa foram o violeta, nas partes textuais, e o castanho nos filetes e ilustração. No número 65 a capa é uma recuperação da usada no número 53 (fig. 5.239). Relativamente àquela capa repetem-se os filetes, o título e a ilustração, mas entre os dois filetes de intestação aparecem, em sequência vertical, o título sublinhado pelo subtítulo, a ilustração da caravela em alto mar, o número e a data da publicação em rodapé. Esta capa foi impressa a duas cores, vermelho no título e número, e preto nos restantes elementos. Trata-se de mais um caso de reaproveitamento de elementos usados em capas anteriores, uma tendência que se justificaria certamente pela periodicidade semanal da revista, que deixavam menos tempo para a elaboração de capas com temáticas originais. O número seguinte foi dedicado ao Natal, surgindo com uma alteração ao esquema gráfico da composição que vinha sendo usado. Assim, a capa do número 66 (fig. 5.247), apresentou a reprodução de uma obra de Martinho da Fonseca (1890–1972), intitulada “Raparigas”, mostrando duas meninas de olhar triste e vestidas com trajes folclóricos. Este artista foi discípulo de Columbano Bordalo Pinheiro e destacou-se como professor e director da Sociedade Nacional de Belas Artes, estando o seu nome também ligado a outras revistas aqui analisadas (Alma Nova, Atlântida e A Águia) onde também foram reproduzidas obras suas. A obra aqui apresentada foi acompanhada por um texto de Teixeira de Pascoaes enaltecendo a obra de Martinho da Fonseca. O texto, composto em tipo romano, foi organizado sob a imagem em forma de invertido, criando assim um eixo visual que destaca a indicação “Natal 1925”. Esta capa mostra ainda o título em tipo romano, como nos números anteriores, sendo despida de qualquer um dos outros elemento gráficos e textuais que vinham sendo usados nas capas anteriores (filetes, número, data e subtítulo). Uma opção de composição gráfica que, aparentemente, pretendeu somente destacar a imagem ali 386 apresentada. A capa foi reproduzida a duas cores, castanho no título e “Natal 1925”, sendo os restantes elementos impressos a preto (a imagem a meios tons). Figura 5.246. Capa Seara Nova, n.º 64, Lisboa, 12 de Dezembro de 1925. Figura 5.247. Capa Seara Nova, n.º 66, Lisboa, 26 de Dezembro de 1925. 387 Figura 5.248. Capa Seara Nova, n.º 67, Lisboa, 2 de Janeiro de 1926. Figura 5.249. Capa Seara Nova, n.º 68–69, Lisboa, 9 de Janeiro de 1926. Figura 5.250. Capa Seara Nova, n.º 70, Lisboa, 16 de Janeiro de 1926. 388 O número 67 (fig. 5.248) foi o primeiro do ano 1926, e parece ter pretendido afirmar graficamente esse facto. Ou seja, ainda que tenha recorrido a uma ilustração usada anteriormente nos números 52 (fig. 5.238) e 60, apresentou uma composição delimitada por um rectângulo de filete duplo raso, impresso a verde-escuro, formando um marcante e expressivo caixilho que envolve todos os elementos que configuram a capa. A ilustração, impressa a preto, parece reforçar a intenção de seguir na direcção de “renovação da vida pública nacional” que presidia os princípios da Seara Nova. Sob a ilustração foi colocado o título, composto novamente em tipo romano e impresso no mesmo verde dos filetes, enquanto em rodapé surgia o ano, 1926, impresso a preto, destacando-se pelo uso de um tipo sem patilha numa variante negra com um corpo elevado. Esta capa da autoria de Rodrigues Miguéis não é tão elegante como algumas anteriores, onde o equilíbrio era conseguido através de um contrabalançar do peso visual dos elementos gráficos. Nesta parece ter existido uma intenção de reforço da ideia de início de um novo ciclo anual daquela publicação, retomando os números seguintes o esquema gráfico que vinha sendo usado nos números anteriores. A capa do “número especial” duplo 68–69 (fig. 5.249) centrou-se no tema “O problema colonial”,195 e foi realizada por José Tagarro. Este artista ilustrou xilograficamente aquela questão com a figura do Infante D. Henrique (1394–1460), a figura mais importante do início da Era das Descobertas portuguesa, tendo instigado as primeiras viagens expansionistas na costa africana e no Atlântico. Um facto salientado na ilustração na forma como a figura apoia a mão esquerda sobre um globo que destaca o continente africano. Esta ideia foi ainda salientada na legenda da imagem: “O Infante D. Henrique, iniciador do descobrimento scientífico do planeta e da obra de colonização europeia.” Como referimos, esta capa recuperou uma estrutura base semelhante às anteriores, tendo a composição delimitada verticalmente entre dois filetes de intestação, mas alterando alguns dos elementos gráficos que vinham sendo usados. Assim, o título Seara Nova em cabeçalho é composto numa só linha, em tipo sem patilha, salientando assim o facto de ser um “número especial”. Esta indicação surgiu sob o título junto à indicação da quantidade de páginas, que neste número ascendiam a 36 (desde que passara a semanal a Seara Nova apresentava normalmente 16), informação composta em duas linhas de tipo sem patilha, variante itálica e alinhamento central. A composição era dominada pela ilustração numa dimensão maior do que o normal, tendo na parte inferior a legenda citada, composta em tipo romano, justificado em bloco à largura da imagem com ajuda de conjuntos de pontos sobrepostos num estilo Arte Nova. O tema de destaque, colocado em rodapé, foi composto em tipo romano de estilo Egípcio ajustado à largura da mancha gráfica. Refira-se ainda que foi impressa a duas cores, vermelho no título e indicação do tema de destaque, sendo o resto dos elementos impressos a preto, criando desta forma um conjunto expressivo. O número 70 (fig. 5.250) tem uma capa dominada pela ilustração de Rodrigues Miguéis intitulada “Sem Trabalho”, onde se vê um trabalhador de tronco desnudado, musculado, com a camisa no braço, de punhos fechados e um olhar distante. O desenho de estilo neorealista configurava uma crítica à precariedade do emprego e à exploração capitalista dos trabalhadores. Uma ideia reforçada pela forma como a figura foi isolada no espaço vazio. A composição da capa foi novamente encaixada entre dois filetes de intestação, limitando verticalmente o espaço e pelo título Seara Nova composto em tipo romano, tendo este sido aqui dividido em duas partes, colocadas junto a cada um dos filetes. Rodrigues Miguéis 195 A questão aqui abordada refere-se à crise da economia colonial portuguesa de meados da década de 1920, sendo apontado por alguns historiadores como um dos factores que contribuíram para a queda da Primeira República. Um problema que teve origem em finais do século XIX e que se agravaria no período posterior à Primeira Guerra Mundial, estando os territórios de Angola e Moçambique no centro de uma disputa de interesses entre a Alemanha e Inglaterra. Para mais informações sobre esta questão, consultar: Alexandre, Valentim. “Ideologia, economia e política: a questão colonial na implantação do Estado Novo”. Em: Análise Social, XXVIII, 123–124. Lisboa: ISCTE-IUL, 1993: pp. 1117–1136. 389 recuperava aqui o uso de uma abordagem gráfica elementar, complementada com uma reprodução a duas cores (castanho no título e preto nos filetes e ilustração), que funcionava não só como um reforço visual da expressão da ilustração, mas que efectivava uma comunicação mais directa e assertiva da mensagem que pretendia passar. Os últimos dois números aqui analisados voltam a recorrer ao reaproveitamento de capas anteriores. A do número 71 é idêntica à do número 55 (fig. 5.241), com a imagem do cesto com flores, acrescentando apenas o subtítulo em tipo sem patilha e a indicação do volume da edição (Ano 5º) em tipo fantasia de estilo Arte Nova. O número 72 usa também o mesmo esquema, mas repete a ilustração da caravela que já fora usada nos números 53 (fig. 5.239) e 65. Considerações gerais: Este conjunto de capas abre caminho a algumas reflexões que importa aqui salientar. Conforme se pode observar em quase todas as revistas anteriormente analisadas, a variação gráfica-visual da composição da capa de uma revista literária não era um recurso usual – exceptuamos nesta observação as alterações coincidentes com o início de novas séries, ou claramente relacionadas com a mudança de oficina tipográfica –, verificando-se essa situação apenas num conjunto de capas da Alma Nova (1914–1930). A imutabilidade das capas estava, fundamentalmente, relacionada com o facto das publicações estarem pensadas para uma encadernação em volumes, supondo-se à partida que nesse processo as capas seriam subtraídas, ficando somente com a capa do volume – quase sempre uma capa dura graficamente neutra. Porém, o início da década de 1920 ficou marcada por um conjunto de projectos literários [Seara Nova, Contemporânea (1922–1926), Alma Nova (3ª e 4ª séries, 1922–1927) e Tríptico (1924)] que apresentam um conjunto de capas totalmente distinto do observado até então. Esta abordagem no tratamento das capas era uma característica usual noutras revistas de carácter mais mundano, como por exemplo os magazines populares – por exemplo, os magazines ABC (1920–1940), Ilustração (1926–1975), Magazine Bertrand (1927–1933), Civilização (1928–1936) e Ilustração Portuguesa (1903–1993) – que iam proliferando em Portugal no período posterior à Primeira Guerra Mundial. É importante salientar que as revistas que surgiam com esta abordagem tinham em comum um local de edição, Lisboa, a única cidade portuguesa que naquela data se poderia considerar cosmopolita, vivendo naquela década um período de “euforia urbana”.196 É também um indício da entrada na comunicação de massas na qual existia uma intenção de diversificação dos públicos, ainda que o programa editorial no caso da Seara Nova se relacionasse com os valores da cultura, da ética, da justiça e o progresso de um ponto de vista político. Contudo, os editores desta revista pareciam estar conscientes de que a função política e doutrinária da publicação só conseguiria os seus frutos se alcançasse o maior número de pessoas possível. Era uma abordagem gráfica que funcionava como um reforço comunicativo, fortalecendo a mensagem da capa através da relação entre a linguagem icónica e verbal que a formava. Por outro lado potenciava o carácter apelativo da revista e potenciava as vendas, questão que justifica a colaboração dos artistas escolhidos, ou a reprodução de obras de nomes consagrados da Arte nacional e internacional. Note-se que estas colaborações artísticas e gráficas mais importantes surgiram sobretudo nas capas, tendo optado nas páginas interiores por um caminho de maior sobriedade no tratamento gráfico, como veremos adiante. Contudo é curioso observar que na Seara Nova não houve um estilo ou opção projectual claramente definido, observando-se um intercalar de temáticas e discursos gráficos que 196 Henriques, Paulo. “Isolations. Art in the Portugal of Fernando Pessoa”. Em: Serra, João, et. al. Modern Art in Portugal 1910–1940: The artist contemporaries of Fernando Pessoa. Zurich: Stemmle, 1998: p. 42. Para um enquadramento político, social e cultural mais aprofundado deste período em Lisboa, consultar: França, Op. Cit., 1992: pp. 73–116. Esta questão foi abordada anteriormente no capítulo: 1.3.4. Anos 20: a “euforia urbana”. 390 variaram entre capas simbólicas (deuses e mitologia), capas ornamentais, outras que acentuavam a mensagem pelo estilo plástico (destacaram-se o Expressionismo e um pré Neo-realismo), algumas com características satíricas abordando a crítica social e política, e as que homenageavam personalidades ou o artista cuja obra era reproduzida. Sobre as questões estilísticas importa interpretar aqui alguns dados verificados. Nas capas da Seara Nova, tal como nas páginas interiores (analisados adiante), pode-se observar uma transição entre o estilo Arte Nova e o Art Déco. Este último, assimilava referências da Arte Nova francesa e germânica com o Secessão Vienense, passando pelo Expressionismo geométrico alemão e as vanguardas artísticas do início daquele século (Fauvismo, Cubismo, Futurismo e Abstraccionismo), surgindo assim um estilo caracterizado pela estilização bidimensional, elegante, sintética e fundamentalmente decorativo.197 Assim, depois da efemeridade do Futurismo português, o estilo Art Déco herdava o título de opositor à tradição, que continuava a seguir o caminho do naturalismo oitocentista, garantindo assim aquele percurso dos artistas vanguarda cultural nacional. Esta transição não era uma novidade, vinha sendo anunciado pelos artistas próximos aos princípios da “geração de Orpheu” – recorde-se as ilustrações de Almada Negreiros e Jorge Barradas na Contemporânea, número specimen (1915).198 Era um estilo que se adaptava a uma ilusão cosmopolita de modernidade pretendida pela “geração” e que, conforme vimos, ficou caracterizado por uma estilização bidimensional, sintética e decorativa da expressão gráfica. Devemos ainda destacar a irrupção do grafismo de estilo neoclássico. Como referimos, acreditamos que este surgiu sobretudo por influência do projecto gráfico da Contemporânea (1922), tanto das capas como das páginas anteriores – uma influência que foi extensível a outras publicações editadas nesta década de 1920. Naquela revista, como veremos adiante, o estilo neoclássico insere-se num conjunto de recuperações historicistas de elementos tipográficos e gráfico-visuais (filetes, ornamentos, gravuras, entre outros) usados para a construção de uma nova semântica gráfica, através do distanciamento do seu contexto original. Por outro lado, na Seara Nova parece configurar fundamentalmente uma eclética opção de afastamento de um gosto popular e burguês, normalmente associado em Portugal ao estilo Arte Nova e ao Fin-de-siècle. Ou seja, não nos parece existir nesta revista uma intenção de construção de novos significados como o verificado no caso da Contemporânea. Outro estilo que se destaca é o expressionista, surgindo como uma forma de acentuar a mensagem política e social transmitida nas capas, reforçando dessa forma o programa que estava na base do lançamento da Seara Nova. Nesse sentido, cremos que as influências do expressionismo alemão e da obra de Théophile Steinlen seriam as que mais se enquadravam com a intenção do projecto editorial desta revista, dado que o neo-realismo que se vai apresentando nalgumas capas, e que também alinhava com aqueles princípios, só se afirmaria em Portugal na década de 1930. Finalmente, importa ainda destacar o papel desempenhado pelos directores artísticos, que conseguiram determinar uma identidade própria sobre a variedade temática, conseguida através do reconhecimento, valorização e uso de alguns elementos gráficos – filetes, ornamentos ou logótipos. Como referimos na apresentação, este cargo foi apenas identificada apenas entre os números 7 e o 19, sendo desempenhada por Humberto Pelágio, que partilhou essa função com Leal da Câmara entre os números 10 e 15. Porém, e apesar de não estar identificado, estamos certos que um cargo semelhante foi desempenhado também por Rodrigues Miguéis a partir do número 51, surgindo este artista como responsável da grande maioria das capas publicadas. 197 Santos, Rui. O Modernismo Feliz: Art Déco em Portugal. Pintura, Desenho, Escultura 1912–1960. [Brochura da Exposição]. Lisboa: Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado, 2012. Consultar o capítulo: 5.2.15 Contemporânea – número specimen (1915). 198 391 Páginas interiores A Seara Nova apresentou-se com uma estrutura editorial que se organizava segundo um esquema tradicional, semelhante ao de outras revistas. Abria com uma página preliminar no verso da capa, seguida de uma primeira página caracterizada com cabeçalho de identidade, tendo na continuação o corpo textual dividido em diversas secções temáticas. Este esquema sofreu alguns ajustes ao longo do tempo, tendo-se assim decidido analisar aqui as páginas interiores da Seara Nova em conjuntos, pautados pelas alterações significativas no seu tratamento gráfico. Figura 5.251. Seara Nova, n.º 1, Lisboa, 15 de Outubro de 1921: verso da capa e p. 1. Os primeiros seis números da revista abriram com uma página preliminar no verso da capa (fig. 5.251). Esta apresentou um conjunto de informações que se dividia em quatro partes: 1) informação técnica principal, 2) síntese dos objectivos da revista, 3) o sumário e 4) informação técnica secundária. Estes conjuntos de informação foram graficamente divididos em áreas distintas, formando blocos de informação independentes. A informação técnica principal continha o título, subtítulo, direcção, redacção, editor e preços da publicação (avulso e de assinaturas), situando-se com algum destaque na metade superior esquerda. A síntese dos objectivos da revista ocupava também um lugar de destaque nesta página, tendo sido colocada na parte superior direita da página. Esta invulgar presença na página preliminar entende-se como uma necessidade de enfatização do programa deste projecto editorial. A informação técnica secundária apresentava o contacto e o termo de impressão, situando-se no rodapé da página. Finalmente, ocupando a maioria da parte da metade inferior do espaço de composição, era apresentado o Sumário acompanhado do número e data da publicação. Esta página preliminar apresenta características gráficas que já observámos diversas vezes neste estudo. Isto é, segue um esquema que era tradicionalmente usado pelas oficinas tipográficas na construção deste tipo de páginas, usando uma diversidade de tipos de letra romanos e sem patilha, recorrendo às variantes dos tipos de letra, caixas e alinhamentos para a hierarquização da informação. Essas hierarquias, bem definidas, eram ainda 392 complementadas com a divisão das informações com a ajuda de filetes (simples e duplos) e enquadramentos (rectângulos) que diferenciavam e organizavam as partes. Destacamos aqui a apresentação do título da revista, o logótipo criado por Leal da Câmara para a capa do primeiro número, reforçando aqui a importância deste elemento de identidade da Seara Nova. Este esquema gráfico da página preliminar manteve-se inalterado até ao sétimo número, coincidindo a sua reformulação com a entrada de Humberto Pelágio na direcção artística da revista (analisada adiante). A primeira página foi caracterizada com um cabeçalho de identidade, apresentando este o número, o título da revista e a data de publicação (fig. 5.251). Estas informações foram separadas em três áreas, alinhadas horizontalmente, definidas graficamente por rectângulos em filete simples e compostas num tipo de letra romano distinto. Este cabeçalho tinha uma função básica e essencial, pois assegurava a manutenção daquelas informações da revista no corpo de páginas aquando da suposta omissão das capas e página preliminar nas encadernações. Figura 5.252. Seara Nova, n.º 1, Lisboa, 15 de Outubro de 1921: pp. 20–21. O corpo textual da revista iniciava na primeira página estruturado em duas colunas (fig. 5.252 e 5.253), exceptuando o primeiro número que apresentou o programa da revista composto numa coluna de texto. O texto da revista foi composto com recurso a diferentes tipos de letra romano, corpos e entrelinha, mas mantendo sempre o alinhamento justificado. A organização dos textos foi feita segundo o modelo vertical, surgindo sequenciados nas páginas. Os títulos dos textos variavam entre o tipo romano, sem patilha ou fantasia de estilo Arte Nova, sem uma regra definida, com alinhamento centrado com as colunas – nos textos com maior destaque e secções temáticas os títulos foram centrados com a mancha total da página. Contudo, deve-se referir que com o avançar dos números houve uma estabilização do grafismo da revista, assente numa menor variação dos tipos, variantes das famílias tipográficas e da entrelinha. 393 Figura 5.253. Seara Nova, n.º 2, Lisboa, 5 de Novembro de 1921: pp. 58–59. Figura 5.254. Seara Nova, n.º 2, Lisboa, 5 de Novembro de 1921: pp. 42–43. 394 Figura 5.255. Seara Nova, n.º 4, Lisboa, 5 de Dezembro de 1921: pp. 118–119. Os primeiros números da revista ficaram ainda graficamente caracterizados pela utilização de imagens e ornamentos. As imagens, da autoria dos principais colaboradores artísticos da Seara Nova, adaptaram-se quase sempre ao modelo vertical de paginação, inseridas no encadear dos textos com uma dimensão limitada pela largura das colunas, ou inseridas em corandel num tamanho mais livre (fig. 5.255). As imagens não apresentam um estilo uniforme ou dominante, estando a sua expressão sempre determinada pela que caracterizava a obra do seu autor. No início de alguns textos mais importantes as imagens foram ainda relacionadas com ornamentos, normalmente de estilo Arte Nova, evidenciandoas graficamente (fig. 5.254). Foram ainda usados ornamentos ou ilustrações em forma de cliché (fig. 5.255), cuja função era assinalar as secções temáticas da revista (Literatura, Economia e Finanças, Crítica Literária, Teatro, entre outras). Neste caso pode-se observar um estilo dominante, aproximando-se ambas ilustrações e ornamentos a um estilo próximo ao Arte Nova. Registese ainda a presença de um título corrente, composto em tipo romano, formado pelo número de página na margem exterior, o nome da revista ao centro e a data na margem interior. O título corrente foi sublinhado por um filete simples nos três primeiros números (fig. 5.254), elemento que foi abandonado posteriormente (fig. 5.255). Estas características foram sofrendo ligeiras modificações e ajustamentos gráficos, diminuindo a sua presença com o avançar dos números. Como referimos, o sétimo número apresentou Humberto Pelágio na direcção artística da Seara Nova, verificando-se então diversas alterações estruturais e gráficas relacionados seguramente com a sua actuação. A abertura da revista continuou a ser feita com uma página preliminar (fig. 5.256), acrescentando nesta apenas um espaço publicitário numa barra horizontal em rodapé. O enquadramento da composição passou a ser feito por um rectângulo de filete fino, surgindo o termo de impressão na parte exterior em rodapé, enquanto as áreas foram separadas com a colocação de filetes finos. O Sumário foi reorganizado e colocado no centro do espaço compositivo, inserido dentro de um quadrado, junto ao qual foi destacado o nome do director artístico. O logótipo da revista foi substituído 395 pela réplica do elemento icónico da capa do sétimo número, criado por Humberto Pelágio e funcionando como um ex-líbris da publicação. Este elemento estava encaixado no centro da indicação do subtítulo da revista, composto em caixa alta num tipo de estilo egípcio. Finalmente destaca-se a unificação do tipo de letra usado nesta página, sendo quase todos os conteúdos apresentados com o mesmo tipo de letra romano – excepto o subtítulo, data e número, compostos num tipo de letra egípcio –, formando uma mancha gráfica neutra e equilibrada, passando as hierarquias a ser estabelecidas pela organização dos conteúdos no espaço. As páginas interiores apresentaram, também, diferenças no tratamento gráfico e tipográfico. O cabeçalho que abria a primeira página (fig. 5.256) foi simplificado e passou a ser dominado pelo logótipo desenhado por Leal da Câmara, acompanhado pelo número e data de edição situados em cada um dos lados, debaixo da primeira e última letra daquele elemento de identidade. As páginas de texto passaram a apresentar duas estruturas distintas: uma com duas colunas para os textos mais extensos (fig. 5.256), outra com três colunas para os restantes textos e as secções mais breves finais (fig. 5.257 e 5.258) “Da Arte”, “Dos Livros”, “Do teatro”, entre outras. Mas a maior e mais evidente alteração foi a unificação dos tipos de letra usados na composição da revista (títulos, texto e restantes elementos), passando quase toda ela a usar um único tipo de letra romano, exceptuando o uso de um tipo sem patilha nos títulos das secções breves finais. Os corpos e entrelinha dos textos e títulos também foram unificados, o alinhamento dos textos justificado e os títulos passaram a ser alinhados à esquerda, enquanto os subtítulos eram centrados com a mancha de composição. As margens interiores e superiores da área de composição eram ligeiramente menores do que as suas opostas, ficando no exterior apenas a indicação do folio – o título corrente usado anteriormente foi abandonado. Em termos iconográficos deixaram de existir ornamentações e desenhos ilustrando o início de secções, e o recurso a imagens foi substancialmente reduzido. Neste contexto, as imagens, desenhos e ornamentos intercalavam com os textos adaptando-se à dimensão das colunas, regra geral, centrados com a mancha gráfica (fig. 5.257). Na secção “Dos livros” eram colocadas pequenas imagens das capas dos livros, ou referentes ao autor e/ou história, inseridas em corandel nas colunas como uma capitular (fig. 5.258). Deve-se contudo mencionar que, em casos excepcionais, houve situações em que os ornamentos, ou ilustrações, dominavam visualmente algumas páginas, coincidindo normalmente com a apresentação de poesia (fig. 5.259). Na separação de textos foram aplicados alguns símbolos ou pontos tipográficos, e em menor número usaram filetes finos. Ainda que Humberto Pelágio tenha deixado a direcção artística da Seara Nova no décimo oitavo número, o esquema gráfico introduzido por ele manteve-se praticamente constante até ao número 23. As variações observadas verificaram-se principalmente na página preliminar, enquanto nas restantes páginas interiores apenas se nota uma menor unificação do grafismo, surgindo então algumas variações do corpo da letra e entrelinhamento nos textos. Assim, a partir do número 17 (ainda dirigido por Humberto Pelágio) a página preliminar voltou a usar, na posição do ex-líbris, o logótipo desenhado por Leal da Câmara, mantendo-se este também na primeira página. No número 21, coincidindo com a passagem do Sumário para a capa da revista (ver análise correspondente feita anteriormente), aquela página passou a ter uma maior presença de publicidade, ocupando o espaço deixado pela saída do Sumário. 396 Figura 5.256. Seara Nova, n.º 7, Lisboa, 1 de Fevereiro de 1922: verso da capa e p. 169. Figura 5.257. Seara Nova, n.º 7, Lisboa, 1 de Fevereiro de 1922: pp. 188–189. 397 Figura 5.258. Seara Nova, n.º 7, Lisboa, 1 de Fevereiro de 1922: pp. 190–191. Figura 5.259. Seara Nova, n.º 11, Lisboa, 1 de Abril de 1922: p. 279. 398 Figura 5.260. Seara Nova, n.º 23, Lisboa, Maio de 1923: pp. 192–193. Como vimos na análise da capa do número 23, este número constituiu uma excepção com o corpo textual a iniciar na capa, não se encontrando qualquer justificação sobre esta questão nos textos da revista. A introdução de texto na capa significou a eliminação da página preliminar, passando parte da ficha técnica para o verso da contra-capa, enquanto a publicidade foi introduzida nas últimas páginas da revista em maior quantidade. A composição das restantes páginas manteve um esquema gráfico semelhante aos números anteriores, salientando-se o equilíbrio tipográfico no tratamento dos textos. Também a estrutura das páginas manteve o esquema de duas colunas nos textos principais, usando três nas secções mais breves no final da revista. As maiores alterações verificaram-se, assim, na apresentação de alguns títulos e dos subtítulos, passando os primeiros a ser compostos em tipo fantasia de estilo Arte Nova com alinhamento centrado, e os segundos em tipo sem patilha com alinhamento à esquerda (fig. 5.260). A parte iconográfica continuou a não ter destaque, verificando-se apenas a introdução de um cabeçalho que introduzia a secção de temas breves, um cliché ilustrado intitulada de “Livros e Revistas”. Com a reintrodução do sumário na capa no número 24, a organização da revista retomou o esquema normal. Paralelamente, a partir deste número passaram a usar um tipo romano condensado em alguns títulos, sobretudo nos textos poéticos, criando uma degradação da unidade tipográfica que se verificava anteriormente. Uma situação que foi piorando até ao número 27, perdendo-se o equilíbrio gráfico que se observava na composição desta revista deixava de existir, passando a existir uma maior variedade, não significando esta uma mais valia em relação à situação anterior. 399 Figura 5.261. Seara Nova, n.º 40, Lisboa, Janeiro de 1925: verso da capa e p. 63.199 Figura 5.262. Seara Nova, n.º 29, Lisboa, 20 de Janeiro de 1924: pp. 102–103. 199 A data deste número apresenta um erro tipográfico, correspondendo ao ano de 1925 e não o indicado (1924). 400 Figura 5.263. Seara Nova, n.º 29, Lisboa, 20 de Janeiro de 1924: pp. 104–105. Figura 5.264. Seara Nova, n.º 42, Lisboa, 15 de Fevereiro de 1925: pp. 110–111. Com o número 28 há uma nova alteração do grafismo da Seara Nova, coincidindo neste caso com a troca da oficina gráfica responsável pela produção. O sumário e a ficha técnica ocupavam agora o verso da capa formando dois conjuntos em cabeçalho, compostos em tipo romano e ocupando toda a largura da mancha gráfica (fig. 5.261). Os dois conjuntos eram 401 separados por um filete duplo interrompido no meio com a indicação do número e data de publicação, sendo estes compostos num tipo de letra egípcio. O resto da página foi sempre complementado com publicidade. A estrutura passou a ser definida somente em duas colunas, com o texto composto em tipo romano, com alinhamento justificado e um entrelinhamento equilibrado com o corpo usado (fig. 5.262). Nos títulos foi usado o mesmo tipo romano, em caixa alta e com alinhamento ao centro ou à esquerda. Na marcação da secção final de notícias breves foi usado ainda, pontualmente, um tipo fantasia de estilo Arte Nova (fig. 5.263). Estas opções gráficas, que se mantiveram estáveis até ao número 38, foram ainda acompanhadas por uma redução no uso de elementos iconográficos, limitando-se à introdução de um pequeno número de ilustrações ou imagens alusivas a alguns textos. Em termos ornamentais verificou-se apenas o uso de alguns pontos tipográficos (fig. 5.263), alinhados na horizontal (normalmente quatro) a separar textos, ou dois pontos sobrepostos em cada um dos lados dos títulos, remetendo em ambos os casos para o estilo Arte Nova. A partir do número 39 existem apenas duas diferenças relativamente ao grafismo que se vinha mantendo nos números anteriores, e que haveria de perdurar estável até ao número 72 (o último analisado nesta revista). A primeira foi o uso de um tipo de letra egípcio, variante negra, na marcação de destaques no texto. Refira-se que esta opção tipográfica não foi abundante, surgindo somente em alguns textos. A segunda foi uma crescente introdução de imagens que ilustram as páginas, algumas incluindo o título do texto, uma solução usada apenas nos textos poéticos (fig. 5.264). As ilustrações continuavam a apresentar diferentes estilos artísticos, estando sempre com a expressão própria do autor. A colocação das imagens nas páginas foi variando, sem uma direcção unívoca, imperando a limitação imposta pela extensão dos textos. Ou seja, tanto foram introduzidas pequenas ilustrações na largura de uma coluna de texto, ocupando normalmente um espaço vazio no canto inferior direito da página, como foram usadas a toda a largura da mancha gráfica, ou ainda em corandel com o texto. Em conclusão, comparando a variedade de tipologias iconográficas e o cuidadoso trabalho de composição das capas da Seara Nova, as páginas interiores da Seara Nova apresentaram na generalidade uma construção gráfica e tipográfica mais sóbria, equilibrada e constante. Ou seja, não apresentou muita diversidade na sua construção e composição. Ainda assim, notaram-se alguns ajustamentos e variações, podendo-se desde já afirmar que estiveram intimamente ligadas a três questões fundamentais: a) às variações das oficinas tipográficas responsáveis pela sua produção, aportando estas distintas metodologias ou recursos técnicos e materiais. Um facto que está relacionada com questões económicas, dado que as oficinas não tinha capacidade de investir na aquisição de novos tipos de letra cada vez que se anunciava uma mudança de estilo, ou aquando da produção de um novo projecto; b) aos artistas que dirigiram artisticamente a revista, influenciado estes as escolhas e a organização gráfica da revista; c) aos normais ajustes de maturação gráfica que um projecto deste género sofre ao longo do tempo em que é editado, adaptando-se aos constrangimentos que os conteúdos aportam. 402 5.2.28. Alma Nova (1914–1930) Apresentação A revista Alma Nova iniciou a sua publicação em 1914 publicando duas séries até 1918, e que foram analisadas anteriormente [ver capítulo: 5.2.8. Alma Nova (1914–1930)]. Após um intervalo de quatro anos, esta revista voltou em 1922 para uma segunda fase de edição que terminaria definitivamente em 1930, analisando-se aqui apenas as séries 3 e 4 publicadas dentro do período definido no nosso estudo.200 A terceira série da Alma Nova teve o seu primeiro número editado em Abril de 1922, em Lisboa, da qual saíram 36 números até Dezembro de 1925 com o subtítulo Revista de ressurgimento nacional – há vários números múltiplos que serão referidos na análise das capas. Esta nova fase da revista fica marcada pelo ambiente que se fazia viver na Europa pós-guerra, onde se viveu um profundo surto nacionalista. Este ambiente de patriotismo (que se tornou forte em países como Itália, Alemanha, França ou Espanha) gerou teorias e doutrinas nacionalistas, que ganharam destaque em Portugal particularmente no princípio da década de 1920, sendo notadas nesta revista e noutros projectos editoriais analisados no âmbito deste estudo (Pela Grei, Seara Nova ou ainda na Nação Portuguesa, sobretudo a partir da segunda série). A linha editorial, para além desta orientação política patriótica, continua a dar atenção ao regionalismo (evidência para o Algarve), mostra um particular interesse na presença da vida económica e cultural portuguesa no Brasil e no “império colonial”, e procura dar espaço aos “novos” da Arte Moderna nacional. Intenções que se vão reflectindo no “Programa” que a partir do quarto número surge em frontispício, e onde se pode ler: “Contribuir para o ressurgimento nacional, despertando o culto das virtudes pátrias e o amor das coisas portuguesas.” A partir do número 28 acrescentaria a esse programa: “Tornar Portugal e os seus produtos conhecidos no estrangeiro.” A partir do número 31 mudaria o “Programa” para: “Contribuir para o ressurgimento nacional e desenvolvimento do intercâmbio luso-brasileiro”, fixando-se depois do 33 em “Contribuir para o ressurgimento nacional, latinismo e intercâmbio luso-brasileiro.” A edição e direcção desta terceira série continua a cargo de Mateus Moreno, ao qual se juntou Alcântara Carreira a partir do número 31, destacando-se na colaboração literária Afonso Lopes Vieira, Armando Cortês-Rodrigues, Augusto Casimiro, Diogo de Macedo, Fidelino de Figueiredo, Guerreiro Murta, José Dias Sancho e Sebastião da Costa. Com a colaboração artística desta série, que continua a ser dirigida por Saavedra Machado,201 procuraram divulgar a Arte Moderna nacional destacando as actividades a ela ligada. Nesse contexto, nesta revista encontramos colaborações de Saavedra Machado, Columbano Bordalo Pinheiro, Rafael Bordalo Pinheiro, Eduardo Romero, Bernardo Marques, Francisco Valença, António Carneiro, Mily Possoz, Isaura Cavalheiro, Diogo de Macedo, José Planes, Raul Xavier e Francisco Franco, entre outros. A quarta série teve 12 números (o último foi o duplo 11–12) publicados entre Março de 1926 e Setembro-Outubro de 1926, passando a subintitular-se Revista quinzenal de ressurgimento, vida moderna e cultura. Ainda que nos primeiros números tenha mantido os mesmos princípios editoriais, com a revolta de 28 de Maio de 1926 iniciou o período da ditadura do Estado Novo e a revista teve uma inflexão da linha editorial, adaptando-se ao exigido pela Ditadura Militar. Assim, analisaremos mais adiante apenas os cinco primeiros números, os únicos que foram publicados antes daquela data.202 200 Fora da curva temporal definida para o nosso estudo foram ainda publicadas mais duas séries: a quinta série saiu a público entre 1927–1929, e a sexta foi constituída por um número único editado em 1930. 201 Sobre Saavedra Machado ver no capítulo: 5.2.8. Alma Nova (1914–1930), “Projecto gráfico: 2ª série (1916– 1918), 13 números” 202 O quinto número da quarta série da Alma Nova foi publicado a 15 de Maio de 1926. 403 O conteúdo editorial desta nova série mostra uma maior variedade nas temáticas abordadas, verificando-se artigos sobre literatura, arte, moda, desporto (sobretudo futebol) e até uma “página infantil”, sugerindo um teor mais ligeiro e aproximando-se do género “magazine popular” (como vimos em Seara Nova, esta tipologia editorial teve destaque nos anos 1920 em Lisboa). A direcção literária da revista foi então atribuída a Emílio Salgueiro, passando o editor a ser M. B. Carmona – Mateus Moreno passou a ser indicado nos créditos como “director fundador”. A colaboração literária torna-se mais ligeira e podem encontrar-se os nomes de, entre outros, José Rodrigues Miguéis, António Sérgio, Irene Lisboa, Ferreira de Castro, Câmara Reis, José Dias Sancho, José Leite de Vasconcelos e Luís de Oliveira. Na colaboração artística encontramos as participações de Saavedra Machado, Roberto Nobre (capas e vinhetas), Martinho da Fonseca, Carlos Carneiro, Ramalho Louro e Domingos Assunção (vinhetas). A direcção artística deixa de ser exercida por Saavedra Machado “por motivos de saúde e ocupações profissionais”,203 passou a ser desempenhada por Roberto Nobre. Projecto gráfico: 3ª série (1922–1925), 36 números. Esta terceira série apresentou-se com um formato 220x305mm, sendo composta por capa mole e um corpo que variou entre as 16 e 32 páginas, em ambos os casos impressas em diferentes tipos de papel: Corrente calandrado, Jornal, Pardo acetinado e Couché. Nas páginas do miolo algumas imagens impressas em papel Couché colado sobre o suporte base (usaram também algum cartão colorido como suporte). Refira-se ainda que nas capas do número quádruplo 21–24 e do número triplo 28–30 as imagens ali presentes foram impressas em papel Couché fino e coladas sobre o papel base, situação que se repetiu em algumas imagens em hors-texte. Estas variações do tipo de papel serão seguramente um reflexo das alterações do local de impressão da revista. Esta recorreu aos serviços da lisboeta Tipografia América entre o primeiro e o terceiro número, passando entre os números 4 e 30 a ser impressa na Typographia Minerva, em Vila Nova de Famalicão, e voltando nos restantes números a ser impressa em Lisboa na Imprensa Lucas & Cª. Ainda que nos pareça singular a escolha da Typographia Minerva – Vila Nova de Famalicão fica na região norte do país, a mais de 350 km de distância de Lisboa –, acreditamos que a sua escolha se esteja relacionada com factores económicos e de qualidade.204 Esta alteração coincidiu com a mudança de cadência na publicação dos números, tendo iniciado com três números individuais, passando a números triplos editados trimestralmente entre o 4–6 e o 28–30, interrompidos por um número duplo no 19–20 e um quádruplo no 21–24, e voltando a sair em números duplos entre o 31–32 e o 35–36 – nos editoriais das revistas não se encontrou qualquer justificação para esta opção. Coincidindo os números triplos com o período em que a revista foi impressa na Typoraphia Minerva, desvalorizando o problema da distância, reforçamos a nossa suposição de que terão sido, sobretudo, questões económicas que os levaram a escolher aquela oficina nortenha. As páginas interiores foram impressas a uma cor (preto ou outra), podendo variar o tom nos diferentes cadernos dentro de um mesmo número, enquanto a impressão das capas variou entre o uso de uma ou duas cores – registamos ainda uma imagem hors-texte impressa em tricromia. A impressão foi realizada por meio da tradicional tipografia de chumbo e fotogravura (similigravura nos meios tons e zincogravura nas imagens a traço), e a encadernação foi brochada e supomos que grampada (este era o sistema tradicional, mas os exemplares consultados estavam cosidos e encadernados em volume). 203 204 Alma Nova, n. 1, 4ª Série, Lisboa, 15 de Março de 1926: p. 2. Nesta oficina tipográfica foram também impressas as revistas O Ave (1912) e A Galera (1914). 404 Capa As alterações a nível editorial desta série foram secundadas por uma nova aparência gráfica de toda a revista, incluindo as capas, que nesta série foram caracterizadas individualmente. A capa do primeiro número, da autoria de Saavedra Machado, mostra uma composição alegórica marcada pela presença de diversos elementos da imagética tradicional e popular portuguesa (fig. 5.265). Estes rodeiam a imagem de uma mulher vestida com um traje popular, formando um conjunto que reforçasse a ideia que pretendiam passar de “ressurgimento nacional”. O conjunto é encimado por um cabeçalho ornamental que inclui o título e subtítulo da revista, e que viria a constituir – quando usado de forma isolada (ver análise das páginas interiores) – um elemento de identidade da revista. O desenho das letras neste elemento mostra características estilísticas Art Déco – formas geometrizadas e mais racionais do que as de estilo Arte Nova. Esta capa, impressa com uma cor castanha, é rematada em rodapé com a indicação da série, data e preço da revista, composto em tipo sem patilha. O número está inserido na parte inferior da composição alegórica, formando parte do conjunto. Figura 5.265. Capa da Alma Nova, n. 1, 3ª Série, Lisboa, Abril de 1922. Fig. 5.266. Capa da Alma Nova, n. 2, 3ª Série, Lisboa, Maio-Junho de 1922. A capa do segundo número (Maio-Junho de 1922) mostra uma composição bastante distinta da anterior, evocando dois importantes acontecimentos que ligam Portugal ao Brasil: o “Descobrimento do Brasil” em 1500 e a “Primeira travessia aérea do Atlântico Sul”, realizada entre Março e Junho de 1922 por Sacadura Cabral205 e Gago Coutinho, conforme referimos anteriormente na Seara Nova. A “travessia” mereceu grande destaque em Portugal,206 afirmando Mateus Moreno no editorial deste número da Alma Nova que as datas 205 A morte de Sacadura Cabral mereceu destaque no frontispício da edição número 21–24, de Setembro-Dezembro de 1924: p. 93. 206 Foi tema de capa do número 13 da Seara Nova (12 de Maio de 1922), como vimos atrás, e o primeiro número da Contemporânea (Maio de 1922), como veremos adiante, também foi dedicado a essa epopeia. 405 daqueles dois eventos se equivaliam “intimamente”.207 A ilustração impressa em cor azul (fig. 5.266), evocação dos tons do mar e do céu, foi realizada também por Saavedra Machado e apresenta os dois eventos numa composição dividida em duas partes. Na metade superior mostra o feito de Sacadura Cabral e Gago Coutinho, representados simbolicamente por duas águias que voam sob o avião Santa Cruz. A metade inferior é ocupada pela ilustração de uma caravela em alto mar, referente ao Descobrimento do Brasil por Pedro Álvares Cabral em 1500, ladeada por duas colunas com a Esfera Armilar e a Cruz de Cristo, símbolos intrínsecos a Portugal, e uma referência ao Cais das Colunas de Lisboa – histórica “porta da cidade” por via fluvial. O título da revista surge por baixo da ilustração, composto em tipo sem patilha, com as letras muito espaçadas, sendo o único elemento identificador da publicação. O terceiro número apresenta uma capa realizada por Samora Barros (fig. 5.267) – recordemos que este artista algarvio foi director artístico dos últimos 3 números da primeira série desta revista [ver: 5.2.8. Alma Nova (1914–1930)]. Este artista, discípulo de naturalistas, com uma obra que se distingue sobretudo pela figuração típica das pessoas, realizou uma capa descrita sob o título como uma “Homenagem à mulher portuguesa. A mulher de Lisboa e a algarvia”, mostrando uma ilustração com uma figura feminina com o tronco nu em estilo Arte Nova que nos recorda, pelos cabelos esvoaçantes que se fundem com as nuvens em fundo, a obra do checoslovaco Alphonse Mucha (1860–1939). Uma ilustração em bicromia (verde e castanho) que pretende elogiar a mulher portuguesa, caminhando esta em frente a um mar no qual se vê, em linha de horizonte, a referência à questão nacional. Esta é reforçada com a presença de um símbolo repetido em forma de coração, mostrando no centro as “cinco quinas” (pequenos escudos em forma de cruz) do “escudo português”. O título da revista é composto numa letra fantasia de estilo Arte nova, junto ao qual as cinco quinas voltam a ser representadas em cada um dos lados do termo “Alma”. Por baixo do título está indicada a temática, composto na primeira linha em tipo Fantasia Arte Nova e na segunda em tipo sem patilha, complementado pela indicação da numeração e preço avulso também em tipo sem patilha. Entramos agora na fase dos números triplos, iniciando com o que reúne os números entre o 4 e o 6 (fig. 5.268). Este é o primeiro que mostra uma temática referente ao Natal, com uma ilustração de uma “Virgem com o menino” da autoria de Martinho da Fonseca (1890–1972), discípulo de Columbano Bordalo Pinheiro (1857–1929). Inicia também um conjunto de capas que, como veremos, pretendem dar sentido à intenção de promoção da Arte Nacional através da reprodução das obras de alguns artistas – a intenção foi mais perceptível nas páginas interiores. A ilustração foi aqui reproduzida em meios-tons, sobre uma base quadrangular e envolvida por um quadrado em filete simples. Por baixo da ilustração surge o título da revista, composto em tipo litográfico com formas geometrizadas que foi usado nas capas da segunda série da Alma Nova. A numeração da revista foi colocada em rodapé, em tipo sem patilha, num corpo reduzido e formando uma mancha rectangular. Todos os elementos estão centrados no espaço compositivo e foram impressos em cor castanha. O número triplo 7–9 (Setembro de 1923) retoma a composição ilustrativa do primeiro número, substituindo apenas o desenho no centro (fig. 5.269). Este apresenta agora um agricultor com um traje típico da região alentejana e um porco (animal típico da região). Saavedra Machado assina esta capa que foi impressa em cor verde. 207 Mateus Moreno. “Glória a Portugal! (1500–1922)”. Alma Nova, n. 2, 3ª Série, Lisboa, Maio-Junho de 1922: p. 21. 406 Fig. 5.267. Capa da Alma Nova, n. 3, 3ª Série, Lisboa, Novembro de 1922. Fig. 5.268. Capa da Alma Nova, n. 4–6, 3ª Série, Lisboa, Dezembro de 1922 – Março de 1923. Fig. 5.269. Capa da Alma Nova, n. 7–9, 3ª Série, Lisboa, Setembro de 1922. 407 Fig. 5.270. Capa da Alma Nova, n. 10–12, 3ª Série, Lisboa, Dezembro de 1923. Fig. 5.271. Capa da Alma Nova, n. 13–15, 3ª Série, Lisboa, Janeiro-Março de 1924. Fig. 5.272. Capa da Alma Nova, n. 16–18, 3ª Série, Lisboa, Abril-Junho de 1924. Fig. 5.273. Capa da Alma Nova, n. 19–20, 3ª Série, Lisboa, Julho-Agosto de 1924. 408 A capa do número 10–12 de Dezembro de 1923 é dedicada ao Natal (fig. 5.270), mas desta vez mostra uma ilustração redonda com uma paisagem da autoria de Saavedra Machado. O título repete o apresentado no número 4–6, tendo por baixo a referência “número de Natal”, composto em tipo sem patilha, e em rodapé o ano em numeração romana e composto em tipo Romano. Todos os elementos estão centrados na página e foram impressos a verdeescuro. O número 13–15 repete a configuração do 4–6, mostrando desta vez a reprodução de um “Retrato” feminino da autoria Teodósio Ferreira (fig. 5.271). Este artista surgia identificado na ficha técnica como discípulo de Columbano Bordalo Pinheiro e como tendo recebido a “3ª medalha na última exposição da S.N.B.A., realizada em Abril de 1923.”208 Difere ainda da outra capa no tipo usado para compor a indicação da numeração, sendo aqui em tipo romano e na cor vermelha usada para impressão. O número 16–18 (fig. 5.272) rompe com todas as anteriores indo buscar uma imagem usada na segunda série da Alma Nova, mas prescindindo da letra usada no título que também tinha sido recuperado naquela série. A ilustração é a cabeça feminina inserido numa circunferência que, conforme referimos anteriormente [ver: 5.2.8. Alma Nova (1914–1930)], foi executado num traço característico de Saavedra Machado. Sobre a imagem está o título e subtítulo da revista compostos em tipo romano, com a hierarquia bem diferenciada e com alinhamento centrado. Na parte inferior da imagem está a indicação da numeração composta no mesmo tipo romano usado no título. Todo este conjunto de elementos está inserido no interior de um rectângulo em filete simples, proporcional ao formato da revista. Em rodapé, sob o referido rectângulo, foi apresentada a data, local e volume da edição, compostas ainda no mesmo tipo dos demais elementos textuais da capa. Esta composição, toda impressa a azul, forma um conjunto de configuração clássica que quebra a modernidade apresentada nas anteriores. Na capa do número duplo 19–20 volta a ser usada a composição ilustrativa do número 1 e do triplo 7–9, substituindo apenas o número e o desenho no centro. Na capa desta edição (Julho-Agosto de 1924) Saavedra Machado representa no centro da composição uma figura feminina com um traje típico do Norte de Portugal (fig. 5.273). Esta capa é toda impressa a azul, e mostra uma pequena diferença relativamente às demais, apresentando em rodapé a direcção da redacção e os nomes dos directores artístico e literário, composto em tipo romano e usando corpo e variantes da letra para evidenciar as hierarquias. O número seguinte foi uma edição quádrupla que englobou os números entre o 21–24, correspondendo à edição de “Natal de 1924” (fig. 5.274). A composição desta capa toma o cabeçalho com o título da revista que foi usado no primeiro número (e nos demais que o repetem), prescindindo do resto daquela composição ilustrativa. No centro, enquadrado por um rectângulo executado em filete raso, está uma imagem impressa em papel Couché e colado sobre a capa. A imagem, uma “Virgem com o menino”, é uma gravura que reproduz parte do quadro “Madonna del Alberetti” do pintor veneziano renascentista Giovanni Bellini (c. 1430–1516). 208 Alma Nova, n. 13–15, 3ª Série, Lisboa, Janeiro-Março de 1924. 409 Fig. 5.274. Capa da Alma Nova, n. 21–24, 3ª Série, Lisboa, Setembro-Dezembro de 1924. Fig. 5.275. Capa da Alma Nova, n. 25–27, 3ª Série, Lisboa, Janeiro-Março de 1925. Fig. 5.276. Capa da Alma Nova, n. 28–30, 3ª Série, Lisboa, Abril-Junho de 1925. 410 A capa do número triplo 25–27 (fig. 5.275) teve uma composição que a aproxima do visto na do número 10–12. A capa apresenta uma ilustração de Saavedra Machado inserida num círculo de filete raso, ocupando a metade superior da área de composição. Esta foi complementada na metade inferior com o título da revista e rematada em rodapé com a indicação do número da revista. O título foi composto com a mesma letra geometrizada que observámos no outro número, enquanto o número usou um tipo sem patilha e num corpo reduzido que apenas complementa a composição global da capa. Porém, nesta capa o título foi quebrado em duas linhas sobrepostas, formando um bloco compacto e criando um efeito gráfico que acentua o eixo visual vertical de todo o conjunto (imagem-texto). Por seu lado, a imagem mostra duas árvores num campo, ocupando a zona direita da circunferência e evidenciando alguns dos seus troncos.209 Todos os elementos desta capa foram impressos a azul-escuro. Com o número triplo 28–30 há uma nova reconfiguração da capa (fig. 5.276). A imagem, de formato rectangular, foi impressa a castanho (meios tons) em papel Couché colado sobre o papel da capa na parte superior. A imagem é uma reprodução da pintura “Arco do Carrasco”210 da autoria de Martinho da Fonseca, e mostra um conhecido local da vila fortificada de Óbidos, situada na região Centro/Oeste de Portugal. Refira-se que esta imagem tinha já sido reproduzida no frontispício do primeiro número desta série. Supomos que esta repetição de uso da imagem indica apenas uma intenção de promoção da obra daquele artista, não se encontrando na revista outra razão – ainda que haja um artigo de arquitectura sobre o “Romano-Gótico em Portugal”, aquele refere-se exclusivamente a uma capela na vila de Avô, no concelho de Oliveira do Hospital (região Centro), sem qualquer relação com a outra localidade ou edifício. A imagem na capa é rodeada por um quadro executado com linha interrompida que, como veremos, foi um recurso que marcou o grafismo das páginas interiores desta série, mas que deixou de ser usado deste número em diante. Supomos que esta opção estará não só ligada com a alteração do local de impressão – passava a partir deste número a ser impressa na Imprensa Lucas & Cª, em Lisboa –, mas também à ausência da direcção artística por parte de Saavedra Machado. Segundo nota no final do seguinte número 31–32,211 aquele artista encontrava-se “há meses doente e proibido de sair de casa”, não sendo por esse motivo “da sua responsabilidade artística, tanto o presente número como os dois últimos fascículos da Alma Nova”.212 Por baixo repete a forma do título apresentada no número anterior, contudo, como a dimensão da imagem “empurrou” o título contra a margem inferior, implicou uma necessidade de reorganizar a colocação da numeração. Assim, aquele foi colocado no lado esquerdo do título, composto em tipo sem patilha num corpo ligeiramente maior que no número anterior, tendo sido acrescentado o preço de capa à direita do título para manter o equilíbrio criado pelo alinhamento central dos demais elementos. Estes elementos textuais foram impressos a verde que, junto ao castanho da imagem e o branco do bordo do papel Couché, cria um efeito policromático rico com poucos recursos. 209 Esta imagem voltaria a surgir no número seguinte em: Alma Nova, n. 28–30, 3ª Série, Lisboa, Abril-Junho de 1925: p. 65. O arco na imagem pertence à Casa do Arco, um edifício de arquitectura gótica que actualmente se denomina “Casa Museu Abílio de Mattos e Silva”. A casa terá servido como cadeia daquela vila (posteriormente foi ainda sede da Câmara Municipal), supondo-se que desse facto venha o epíteto “carrasco”. Alma Nova, n. 31–32, 3ª Série, Lisboa, Setembro de 1925: p. 89 210 211 212 Ainda que na ficha técnica o cargo de director artístico não esteja identificado, Helena Costa indica que Saavedra Machado terá mantido esta função até final da revista. Consultar: Costa, Helena. Alma Nova. Ficha Histórica (III e V séries). [Em linha]. Lisboa: Hemeroteca Digital – Câmara Municipal de Lisboa. [consulta: 27 de Dezembro de 2011]. Disponível em: 411 Fig. 5.277. Capa da Alma Nova, n. 31–32, 3ª Série, Lisboa, Setembro de 1925. Fig. 5.278. Capa da Alma Nova, n. 33–34, 3ª Série, Lisboa, Novembro de 1925. Fig. 5.279. Capa da Alma Nova, n. 35–36, 3ª Série, Lisboa, Dezembro de 1925. 412 No número 31–32 a capa da Alma Nova (fig. 5.277) toma uma configuração gráfica diferente, deixando de dar destaque a um artista e da reprodução de uma obra de arte. Esta alteração esteve seguramente relacionada com dois factores. O primeiro relaciona-se com o crescimento do público feminino, conforme observaremos adiante. O segundo está ligado à alteração do programa da revista. Conforme referimos na apresentação desta série, a partir este número indicavam no programa pretender “Contribuir para o ressurgimento nacional e desenvolvimento do intercâmbio luso-brasileiro”. Nesse contexto registou-se a entrada de um novo director literário, Alcântara Carreira, que veio reforçar a ligação com o Brasil – era ali já correspondente em vários jornais do Rio de Janeiro e São Paulo, bem como do magazine lisboeta ABC. A entrada daquele novo director e a intenção de reforçar a sua presença no meio literário, cultural e social brasileiro, terão assim estado na base do desvio projectual das capas da Alma Nova. Justifica-se assim que a imagem da capa mostre a fotografia de uma personalidade da sociedade brasileira, sendo apresentada neste número a “D. Heloisa Teixeira, jovem e distinta senhora da primeira sociedade da Bahia (Brasil).”213 Recorde-se ainda que Saavedra Machado se encontrava doente, tendo por isso deixado de dirigir artisticamente a publicação. A composição da nova capa, impressa a duas cores, mantém um alinhamento e equilíbrio clássico, destacando-se a imagem e o título. A primeira, impressa a azul em meios-tons, está enquadrada por um caixilho oval e é rematada pela supra-referida legenda de identificação, composta em tipo romano. O título continua a ser composto em duas linhas com o tradicional tipo litográfico geometrizado, impresso a vermelho, mas é agora secundado na parte inferior pela referência “revista portuguesa”, impressa a azul, composto em caixa alta num tipo romano que lhe dá um destaque certamente a pensar nas vendas no Brasil. Na parte superior é indicada a numeração, série e data da revista, uma informação distribuída de forma equilibrada, composta em tipo Romano e impressa a azul. A capa é contornada por uma linha forte de cor vermelha, criando um peso visual que contrapõe à fragilidade e leveza da imagem, criando ainda um efeito apelativo e persuasivo. No número 33–34214 segue o mesmo princípio do número anterior, recorrendo de novo a uma imagem de uma personalidade feminina da sociedade (fig. 5.278). Neste número, segundo a legenda, a fotografia é da portuguesa “M.elle Maria Leonor d’Aguiar d’Andrade dos Santos e Silva, gentilíssimo ornamento da nossa sociedade”. A verdadeira intenção desta apresentação de mulheres da sociedade nacional e brasileira seria apresentada no número seguinte. Segundo o texto publicado pela Redacção, em “Notas do Mês”, o crescente número de leitoras mereceu uma atenção na linha editorial da revista, tendo por isso sido criada a ideia desta publicação ter “Madrinhas e Afilhadas”, segundo fossem mulheres casadas ou solteiras, eleitas segundo o seguinte princípio: “em todas as cidades, vilas ou localidades importantes de Portugal, em todas as capitais de estado do Brasil e capitais doutros países, de que especialmente nos vamos ocupar, (...) escolhida [a Madrinha] entre as senhoras de maior distinção local e maior dedicação à nossa revista, e tantas «Afilhadas» quantas distintas jovens colaborassem connôsco quer na parte literária ou artística, quer na parte social e de propaganda.”215 Na mesma página há também um texto que anuncia um almoço de homenagem a Saavedra Machado, que estaria em fase final de recuperação da sua doença. 213 Refira-se que no interior deste número é dado destaque à fotografia de outra mulher da sociedade brasileira (élhe dedicada uma página inteira), neste caso da cidade de São Paulo. 214 Na ficha técnica, no verso da capa, a numeração deste número aparece indicada “Num. 32 (33–34)”, mas decidimos adoptar a continuidade dos números para não confundir as numerações. 215 Alma Nova, n. 35–36, 3ª Série, Lisboa, Dezembro de 1925: s.p. Esta ideia estava já apontada para um novo projecto editorial apresentado nas páginas desta revista. Um projecto editorial que alterava inclusivamente o título desta revista para Ilustração Latina, tendo como base “intuitos ainda mais amplos”. Contudo, apesar de anunciarem o primeiro número para Março de 1926, aquele projecto acabaria por não sair da intenção, continuando a Alma Nova o seu percurso com uma quarta série. 413 Esta capa voltou a apresentar alterações gráficas relativamente às anteriores. Mantém a presença de um bordo, agora verde, ao redor de toda a capa, o alinhamento sujeito a um eixo central, mas a imagem é agora apresentada num tradicional formato rectangular e o título, igual ao que fora usado no número 16–17–18, cria uma mancha visual mais carregada. A composição apresenta ainda a data da revista em cabeçalho, composto em tipo sem patilha, a legenda da imagem (por baixo desta) em tipo romano, tal como a indicação da editora em rodapé, e à qual se junta ainda a referência “revista portuguesa” e o local de edição em tipo egípcio. Esta variedade de tipos de letra, a forma da imagem, o peso do título e uma ocupação excessiva do espaço, configuram uma soma de elementos que retira a elegância da composição que podemos observar na composição da capa anterior. A última capa desta série (número 35–36) volta a ser dedicada ao Natal e uma vez mais a capa volta a ser reconfigurada graficamente (fig. 5.279). A composição é dominada por uma “alegoria do Natal”, um desenho linear da autoria do algarvio Roberto Nobre (1903–1969) caracterizado por um expressionismo de formas estilizadas e alongadas. O título volta a ser composto com o tipo litográfico geometrizado numa só linha, possivelmente por necessidade espacial causada pela verticalidade da imagem, e com uma expressão equilibrada com a da imagem. A capa é ainda complementada por um conjunto de informações técnicas, todas compostas em caixa alta: por cima da imagem está a referência “Natal de 1925”, composto num tipo de letra egípcio, tal como a referência “revista portuguesa”. Essas informações são secundadas pela indicação da editora e o anúncio “em Março «Ilustração Latina»”, referindose ao projecto nunca concretizado de alteração de título, ambas compostas em tipo romano da mesma família. De referir ainda que a capa usa duas cores, o preto e laranja, sendo esta segunda cor usada numa interessante maneira, criando uma base no desenho de Roberto Nobre que o eleva no plano. Em resumo, as capas da Alma Nova mostraram um interessante dinamismo gráfico, assente numa vontade da divulgação artística e de valores da cultura nacional, mas nem sempre consciente de um conceito de identidade base, pois a variação inconstante e desconexa na composição do título desconjunta essa possibilidade. Importa ainda referir o crescente uso da imagem feminina nestas capas, não mais usada como um simbolismo literário de uma linha estética, mas sim como uma tentativa de trazer para o “palco” um estereótipo de urbanidade, ou “euforia urbana”, que marcou a década de 1920 lisboeta. A imagem da mulher substituía na linguagem da ilustração dos “novos” artistas o humor político que se havia esgotado na década anterior. Páginas interiores A revista Alma Nova abriu sempre com o que designamos por “página preliminar” no verso da capa (fig. 5.280), apresentando o sumário e a ficha técnica da edição. Esta variou a sua configuração gráfica ao longo dos números, mas nem sempre se relacionando com a alteração da oficina gráfica onde foi produzida. Assim, nos primeiros três números essa “página” teve a composição ajustada sobre um eixo central, sendo delimitada por um rectângulo de filete fino. Abria em cabeçalho com o título da revista, composto pela parte tipográfica do cabeçalho da primeira capa, ladeado pela identificação dos directores artístico e literário compostos em tipo fantasia e sem patilha, cada um dos blocos alinhado ao centro e bem hierarquizados. Depois destes primeiros elementos era apresentado um conjunto de informações (condições de assinatura, avisos e vários créditos técnicos), o sumário, identificação dos autores da capa e das imagens em hors-texte, alguns pequenos anúncios a livros e o termo de impressão. Todas estas informações eram compostas em tipo romano, exceptuando a data em tipo sem patilha, formando no geral um conjunto clássico e objectivo, com as hierarquias bem conseguidas. 414 Fig. 5.280. Alma Nova, n. 3, 3ª Série, Lisboa, Novembro de 1922: verso da capa, p. 41. Fig. 5.281. Alma Nova, n. 19–20, 3ª Série, Lisboa, Julho-Agosto de 1924: verso da capa, p. 74. Não sendo uma parte fundamental do grafismo da revista registamos brevemente de seguida algumas das principais modificações dessa página – todas verificadas enquanto a revista foi impressa na Typographia Minerva (Vila Nova de Famalicão). Entre o número 4–6 e o 28–30, as alterações não foram substanciais, verificando-se sobretudo na organização dos 415 elementos, na composição e na configuração do título. No primeiro caso apenas se nota na apresentação do “Programa” sob o título e na composição dos nomes dos directores, que tomaram uma configuração gráfica Arte Nova com tipos fantasia desse estilo, sublinhados nas linhas de texto e alinhamentos em bloco conseguidos através do recurso a diversos pontos sobrepostos, e o sumário foi enquadrado num rectângulo de filete em traço interrompido. Nos títulos houve várias alterações da sua configuração: no número 13–15 passa a ser composto em tipo fantasia; no número 19–20 acrescenta à alteração anterior a imagem da capa 16–18 em ponto pequeno (fig. 5.281); no número 28–30 passa a ser composto simplesmente em caixa alta num tipo sem patilha. Os últimos três números produzidos na Imprensa Lucas & Cª (Lisboa) apresentariam uma nova reconfiguração desta página: mantendo a mesma organização da informação, o título passou a ser composto em tipo romano e acrescentou novamente pequenos anúncios na parte inferior da página. Uma das páginas graficamente mais marcantes desta série da revista é o frontispício (fig. 5.280), mantendo a sua composição com poucas alterações em todos os números. O frontispício aparece em quase todas as edições logo após o verso da capa, exceptuando alguns casos (números 1, 28–30, 33–34 e 35–36) onde foi intermediada por algumas páginas de anúncios publicitários ou com notícias e/ou textos breves. A composição básica do frontispício no cabeçalho era constituído com o título da publicação, tendo por cima a data de fundação da revista (1914) e por baixo o local, a data e numeração (número e série). O resto do frontispício foi ocupado na maioria das vezes por uma imagem e a indicação do respectivo título e autor, sendo nalguns casos ocupado por uma fotografia ou ilustração de personalidades (no número 28–30 é dedicado ao lugar de Sintra) e acompanhada por um texto que destaca a homenagem – nalguns casos somou-se ainda alguma ornamentação ao redor da imagem. O frontispício era numerado como uma normal página da revista, e a numeração contínua da revista mostra que estava pensada para ser encadernada em volumes com a sua inclusão. Note-se que o título no cabeçalho é uma versão de menor tamanho e simplificada do que foi aplicado na capa dos números 1, 7–9, 19–20 e 21–24 (ver: fig. 5.274). As alterações verificadas relacionam-se com o rectângulo de traço interrompido que enquadrou o frontispício, deixando de existir a partir do número 28–30, e com a introdução de outros pequenos elementos de informação: a partir do número 4–6 surge no canto inferior esquerdo em tamanho reduzido o “termo de impressão”, e a partir do número 31–32, nas laterais do cabeçalho, a identificação dos directores e secretário da publicação (fig. 5.282). Contudo, estas são alterações que não alteram a função da página, que acreditamos estar sobretudo pensada para a encadernação em volumes. As restantes páginas do miolo da revista vão apresentar uma estrutura com alguma liberdade compositiva, mas com uma forte identidade que se divide graficamente em duas fases: a primeira entre o número 1 e o 21–24, e a segunda nos restantes números. Na primeira fase a base da composição das páginas assentava numa estrutura de duas colunas, estando o espaço da mancha gráfica delimitado por um rectângulo de linha interrompida (fig 5.283). Este traço interrompido marca uma forte presença visual dando liberdade de mutação do que está no seu interior, como a variação entre o uso de uma (fig. 5.284) ou duas colunas de texto de diferentes proporções, sem que as páginas percam identidade entre elas. Em projectos editoriais esta função é desempenhada muitas vezes pelo título corrente, que embora existindo aqui acaba sendo visualmente anulado pela forte expressão daquele grafismo. O título corrente era constituído pelo nome da revista, composto em tipo sem patilha, em caixa alta, colocado em cabeçalho e centrado com a mancha. No rodapé da página era indicado o fólio, também centrado com a mancha, composto em tipo romano e também centrado com a mancha de composição. 416 Fig. 5.282. Alma Nova, n. 31–32, 3ª Série, Lisboa, Setembro de 1925: p. 73. Fig. 5.283. Alma Nova, n. 1, 3ª Série, Lisboa, Abril de 1922: pp. 10–11. 417 Fig. 5.284. Alma Nova, n. 1, 3ª Série, Lisboa, Abril de 1922: p. 16. Fig. 5.285. Alma Nova, n. 2, 3ª Série, Lisboa, Maio-Junho de 1922: pp. 24–25. 418 Fig. 5.286. Alma Nova, n. 2, 3ª Série, Lisboa, Maio-Junho de 1922: pp. 30–31. Outros elementos inalterados na paginação são as vinhetas usadas em cabeçalho para marcar secções temáticas (Colónias, Arte, Letras, Carta de Paris, Caricatura, Sport, entre outras), da autoria dos colaboradores artísticos da revista, apresentando por isso estilos diferenciados conforme o traço de cada autor (fig. 5.283 e fig. 5.284). O corpo de texto foi maioritariamente composto em tipo romano, aparecendo em menor quantidade em tipo sem patilha, com os parágrafos marcados com recuo da primeira linha e uma entrelinha maioritariamente equilibrada. Porém, nem sempre as alterações do corpo da letra foram acompanhadas por uma proporcional compensação da entrelinha criando manchas com diferentes tons de cinzento. Vários textos iniciavam com o recurso a uma letra capitular simples em tipo sem patilha, mas esta opção não constituiu uma norma. Os títulos dos textos (exceptuando as vinhetas das secções temáticas), recorreram a uma grande variedade de tipos de letra caligráfica ou litográfica, fantasia de vários estilos, sem patilha e romano. Apesar de podermos considerar esta variedade tipográfica nos títulos uma falta de uniformidade, nesta revista funcionou como um elemento diversificante e rítmico da composição graças à compensação dada pelo referido traço interrompido. Ou seja, aquele elemento visual-gráfico exerce um domínio tão forte na composição que facilita a liberdade no uso dos demais. A referida liberdade compositiva foi também aproveitada na criação de relacionamentos entre imagem e texto (fig. 5.283; 5.285; 5.286), sendo as imagens colocadas de diversas formas: na sequência natural das colunas e em corandel ao centro ou nas laterais. As únicas restrições seriam as causadas por questões técnicas, mas no que refere à qualidade da reprodução pode-se afirmar que esta foi geralmente boa, sobretudo nas imagens fotográficas e similigravuras em meios-tons. Tal como referimos, nas vinhetas identificadoras das secções temáticas, as imagens de origem ilustrativa ou plástica variaram na expressão consoante as características dos autores. Cremos importante assinalar aqui a inusual (na época) participação de duas 419 mulheres ilustradoras, Isaura Cavalheiro216 e Mily Possoz (1888–1967), destacando-se sobretudo a segunda, não só pela qualidade do seu trabalho, mas também porque fez parte do grupo de artistas que iniciou o seu marcante percurso na Primeiro Modernismo nacional na II Exposição dos Humoristas Portugueses (1913).217 Finalmente, ainda que não tenha sido uma opção generalizada a todos os números, deve-se destacar o incomum tratamento de páginas pensadas de raiz no plano aberto (fig. 5.286). Esta é uma opção que, no conjunto de revistas aqui analisadas, apenas tínhamos observado no “número spécimen” da Contemporânea de 1915. No caso desta série da Alma Nova repete-se algumas vezes, objectivando-se a sua intencionalidade na forma como o contorno em linha interrompida foi aberto e abraça as duas páginas. Curiosamente, nestes casos o título corrente e a indicação do fólio foram movidos para o centro da mancha, acabando por cair numa incómoda posição coincidente com a medianiz da dupla página. Uma opção gráfica que colocou um problema tecnicamente difícil de resolver. A partir do número 28–30 (1925) o tratamento gráfico desta série entra numa segunda fase, destacando-se a ausência do uso da cercadura em linha interrompida. Uma alteração que coincide com o primeiro número do terceiro volume desta série. Aparentemente, a primeira consequência foi o alargamento da mancha de texto até ao espaço/margem definido por aquela cercadura, passando as páginas a usarem maioritariamente uma estrutura de duas colunas, perdendo, nesse caso, alguma elegância visual e tornando-se mais estáticas. Contudo, em oposição verifica-se que noutros casos há uma adaptação do espaço compositivo mais livre, mostrando dessa forma não só uma ruptura com estrutura rígida, mas criando, sobretudo, outro tipo de abordagem na composição tipográfica das páginas. Situações essas que criam relações entre texto e imagem (fig. 5.287), ou arquitectam figurações que em alguns casos somam valor semântico dos textos (fig. 5.288). Esta nova abordagem denota sobretudo uma diferente consciência das potencialidades do trabalho de composição tipográfica. Ou seja, denuncia não só uma evolução no seu tratamento, mas pressagia uma nova linha estilística que parecia estar a marcar algumas revistas publicadas nesta segunda metade da década de 1920, e que caminhava para um revivalismo clássico. Este processo acompanhava, assim, aquele que no início dos anos vinte do século ficou conhecido como o “British reforming movement”,218 conduzido fundamentalmente por Stanley Morison na Monotype Corporation, e que procedeu à recuperação de tipos de letra históricos, os quais se destinavam à composição mecânica e que deveriam ser usados de uma maneira, ou consciência, historicista. Por último, referimos a qualidade do papel usado na impressão da revista que, juntamente com o acabamento da produção, viram a sua qualidade aumentar ao longo desta série, mostrando uma preocupação holística na execução da revista. 216 Não encontrámos referências sobre esta artista, sabendo-se apenas que faleceu jovem, em 1925, e que a sua obra ficou marcada pelo estilo Arte Nova, já a caminho da Art Déco. Sabe-se ainda que partilhou com Roberto Nobre uma exposição (a primeira deste artista), em 1923 em Lisboa, o qual veremos como um dos principais colaboradores da 4ª série da Alma Nova. 217 Ver capítulo: 1.3.2. O período pré-Orpheu (1910–1914). Kinross, Op. Cit., 2004: p. 70. 218 420 Fig. 5.287. Alma Nova, n. 31–32, 3ª Série, Lisboa, Setembro de 1925: p. 80. Fig. 5.288. Alma Nova, n. 2, 3ª Série, Lisboa, Novembro de 1925: s.p. 421 Projecto gráfico: 4ª série (1925–1927), 18 números. Depois de verificarmos uma crescente qualidade material e gráfica na execução da Alma Nova, a nova série não deu continuidade a essa preocupação material. A quarta série apresentou-se com um formato 220x300mm, sendo composta por capa mole e um corpo de 20 páginas. A capa foi impressa a duas cores (variáveis) em papel Couché fino ou em papel Vergé, e as páginas interiores usaram papel Jornal calandrado ou papel Couché fino, e continuaram a ser impressas a uma cor (preto ou outra), podendo variar o tom nos diferentes cadernos dentro de um mesmo número. Esta série foi toda impressa nas Oficinas da Escola Politécnica, em Lisboa, recorrendo à tradicional tipografia de chumbo e fotogravura (similigravura nos meios tons e zincogravura nas imagens a traço). A encadernação foi brochada e grampada. Capa As capas da quarta série da Alma Nova dão continuidade à temática apresentada na série anterior, destacando-se a continuação do uso da figura feminina. Assim, dos cinco números aqui analisados, os primeiros quatro têm uma figura feminina na capa: a primeira tem uma ilustração de Roberto Nobre, a segunda uma fotografia de um busto feminino do escultor Diogo de Macedo, enquanto a terceira e quarta apresentam fotografias de actrizes portuguesas. A capa do quinto número tem uma ilustração de um vaso com flores novamente de Roberto Nobre. Esta importância dada à mulher fica claro num texto intitulado “As nossas «Madrinhas» uma linda e patriótica iniciativa”, publicado como editorial do primeiro número desta série: “Na grande e patriótica cruzada de Modernismo e Beleza que a «Alma Nova» hoje recomeça (...) não poderá dispensar o valiosíssimo concurso, sempre tão generoso, da mulher portuguesa.”219 Falhado o projecto de alteração do título Ilustração Latina, mantinham o intuito de homenagear as mulheres nas capas da revista. Como referimos na apresentação, Saaverdra Machado tinha deixado o cargo de director artístico da Alma Nova por motivos de saúde, cargo que seria assumido por Roberto Nobre nesta série. Este artista assinaria ainda não só a maioria das capas ilustradas, mas também teve destaque nas páginas interiores (conforme veremos adiante), julgando-se ainda que sejam da sua autoria, pela expressão do traço, o renovado desenho da identidade visual da revista. Um título desenhado em letra caligráfica que caracterizou todas as capas aqui analisadas. Roberto Nobre (1903–1969) produziu ao longo da sua vida uma extensa e multifacetada obra artística e cultural. Ficou fundamentalmente conhecido como crítico de cinema, sendo intitulado por José-Augusto França como o maior crítico da sua geração, em Portugal,220 mas a sua produção estende-se à escrita, realização de cinema, fotografia, pintura e ilustração. A sua obra pictórica evidenciou-se sobretudo através da ilustração, tendo colaborado em diversos jornais e revista, evoluindo estilisticamente desde a pintura futuro-expressionista, de influência alemã, passando pela gramática do Art Déco nas ilustrações para revistas, e atingindo o seu culminar no neo-realismo. 219 Alma Nova, n. 1, 4ª Série, Lisboa, 15 de Março de 1926: p. 1. França, José-Augusto. A Arte em Portugal no Século XX: 1911–1961. (3ª ed.). Venda Nova: Bertrand, 1991: p. 317. 220 422 Fig. 5.289. Capa da Alma Nova, n. 1, 4ª Série, Lisboa, 15 de Março de 1926. Fig. 5.290. Capa da Alma Nova, n. 2, 4ª Série, Lisboa, 1 de Abril de 1926. Fig. 5.291. Capa da Alma Nova, n. 3, 4ª Série, Lisboa, 15 de Abril de 1926. Fig. 5.292. Capa da Alma Nova, n. 4, 4ª Série, Lisboa, 15 de Maio de 1926. 423 Fig. 5.293. Capa da Alma Nova, n. 5, 4ª Série, Lisboa, 15 de Maio de 1926. Se as capas dos números 2 (fig. 5.290), 3 (fig. 5.291) e 4 (fig. 5.292) mostram imagens fotográficas, as dos números 1 (fig. 5.289) e 5 (fig. 5.293) apresentam ilustrações executadas por Roberto Nobre, ficando marcadas por um traço estilizado que criavam delicadas e alongadas figuras típicas da gramática Art Déco, um estilo que marcou também grande parte das ilustrações ou vinhetas no interior desta série da revista. Como referimos anteriormente, a temática destas capas simplesmente pretendia homenagear a mulher, incluindo a capa do quinto número onde a imagem feminina foi buscada através da representação de um vaso com flores. Refira-se ainda a importância na utilização de cor na construção pictórica deste conjunto de capas, formando expressivas composições bicromáticas. As capas, conjuntamente com a imagem, apresentavam ainda o referido elemento de identidade e o número da revista. O título foi sublinhado com duas barras de cor nas capas dos números 1, 2 e 5, enquanto nas dos 3 e 4 foram libertas desse elemento gráfico aliviando o peso da identidade na capa. Sob o título era apresentado o número composto em tipo sem patilha, tendo nos números 2, 3 e 5 em rodapé a indicação do preço, o primeiro em tipo sem patilha e os outros em tipo fantasia de estilo Arte Nova. Os números 2, 3 e 4 foram ainda complementadas com legendas das imagens, sendo estas colocadas sob a imagem nos dois primeiros números, enquanto no último foi colocado em rodapé. As legendas foram nos três casos compostas em tipo sem patilha, mas de famílias tipográficas distintas e em corpos distintos. A cor usada nas capas criou uma variação complementar à parte icónica das imagens. Assim, o primeiro número usou preto e vermelho, funcionando a primeira como cor plana e a segunda a meio-tom criando um jogo de forma, luz e sombra plasticamente bem conseguido. O número 2 usou verde nas barras do logótipo e no preço, sendo os restantes elementos impressos a violeta. O terceiro número surgiu com a imagem, legenda e número a preto, sendo os demais elementos a vermelho, criando no enquadramento da imagem um efeito de volumetria através do meio-tom. O número quatro foi a que teve um uso menos criativo, talvez condicionado pela sobredimensão da imagem, usando azul claro apenas no logótipo, 424 enquanto os demais elementos foram impressos a preto. A quinta capa usou verde na ilustração, logótipo e número, sendo amarelo no enquadramento da ilustração, as barras e o preço e formando um conjunto alegre e primaveril. Todas estas variações na composição das capas parecem denunciar uma procura de equilíbrio na composição, uma proporção na relação entre a parte icónica, verbal e o espaço branco. Note-se como Roberto Nobre opta nas capas ilustradas por ele, por libertar ao máximo o espaço para que a imagem sobressaísse, complementando-a apenas com o título e número. Por outro lado, as capas com imagem fotográfica foram complementadas por uma necessária legenda, pois a apresentação das actrizes (Maria Alves no n.º 3 e Amélia Rey Colaço no n.º 4) ou do busto do escultor Diogo de Macedo assim o exigia. Ou seja, as imagens fotográficas mostravam uma reprodução da fotografia de uma figura ou obra em concreto, necessitando de uma legenda para a imagem, enquanto a expressão ilustrativa funcionou nestas capas como um elemento simbólico aberto a interpretações. Páginas interiores O interior desta série da Alma Nova abriu de formas distintas. No primeiro número iniciava directamente na primeira página, enquanto nos demais números houve uma página preliminar com o Sumário, no verso da capa. Esta página apresentou somente o Sumário no segundo número (fig. 5.294), todo composto em tipo romano, bem hierarquizado e com uma organização típica de um livro de literatura. Contudo, a partir do terceiro número em diante, o Sumário foi ligeiramente compactado e encostado ao cabeçalho, sendo o resto da página totalmente ocupada por publicidade. A primeira página do interior foi caracterizada com um cabeçalho decorado com uma vinheta da autoria de Roberto Nobre (fig. 5.294). Na vinheta destacam-se dois elementos, o título em tipo de fantasia e uma pequena ilustração, apresentando em ambos casos um estilo Art Déco. A ilustração foi colocada ao centro, entre os dois termos do título da revista, e era uma versão reduzida e simplificada da ilustração usada na capa do primeiro número (fig. 5.289), da qual apenas foi retirada a mancha aureolar que rodeava a figura. Em cada um dos lados da figura havia informação técnica (directores, contactos, editor e proprietário), formando conjuntos geometrizados em rectângulos com a ajuda de filetes simples. Tanto esses elementos como o novo subtítulo “revista quinzenal de ressurgimento, vida moderna e cultura”, colocado sob o título com alinhamento central, e ainda a o número, data e série, foram compostos em tipo sem patilha, em caixa alta e bem hierarquizados. Estes últimos começaram por ser enquadrados, no primeiro número, entre duas linhas de filetes duplos, que deixaram de ser usados a partir do terceiro número. O primeiro número desta série constituiu uma excepção no uso da cor nas páginas interiores, pois os cadernos de 4 páginas foram impressos a azul-escuro ou castanho, alternando a sua sequência e criando, assim, uma ilusão de policromia. Este foi um artifício que não voltaria ser usado, sendo o interior dos restantes números impressos somente a preto. As páginas funcionaram sobre uma base estrutural de duas colunas usadas com algum dinamismo, mas nunca atingindo a riqueza compositiva verificada na série anterior. O texto foi composto maioritariamente em tipo romano, alternando algumas vezes em menor quantidade com tipo sem patilha, com entrelinha e largura de colunas equilibrada na relação com o corpo do texto e os parágrafos bem definidos com recurso a recuo. O início dos textos fica ainda assinalado com o uso de capitulares em tipo de estilo egípcio condensado. No que respeita aos títulos variaram entre tipos de diferentes famílias de sem patilha, romano, fantasia e caligráfica ou litográfica de diversos estilos. 425 Fig. 5.294. Alma Nova, n. 2, 4ª Série, Lisboa, 1 de Abril de 1926: verso da capa, p. 1. Fig. 5.295. Alma Nova, n. 1, 4ª Série, Lisboa, 15 de Março de 1926: pp. 18–19. 426 Fig. 5.296. Alma Nova, n. 1, 4ª Série, Lisboa, 15 de Março de 1926: pp. 18–19. Fig. 5.297. Alma Nova, n. 2, 4ª Série, Lisboa, 1 de Abril de 1926: pp. 10–11. 427 Os elementos mais marcantes desta série são as vinhetas identificadoras das secções temáticas (fig. 5.295 e fig. 5.296), todas da autoria de Roberto Nobre, que imprimem uma feição de influência Art Déco à revista. Esta influência fica ainda patente em diversas pequenas ilustrações (fig. 5.295), também de outros autores, que vão enriquecendo as páginas da Alma Nova, e que juntamente com outros desenhos ou imagens fotográficas são usadas em corandel para quebrar a “monotonia” da paginação (fig. 5.296). Um estilo no qual as linhas do Art Noveau foram quebradas e geometrizadas, apresentando as novas modas citadinas que chegavam a Portugal, ainda via Paris, e introduziam um novo vocabulário onde um dos temas mais tratados foi a imagem da mulher.221 Em conclusão, esta nova série da Alma Nova destaca-se no conjunto por apresentar uma assumida expressão gráfica de estilo Art Déco, notando-se um total abandono do recurso ao estilo Arte Nova, que ainda se verificou na série anterior em alguns pormenores. Uma situação que observámos também no capítulo anterior na análise das capas da Seara Nova. Como referimos ali, o Art Déco era um estilo que se adaptava a uma ilusão cosmopolita de modernidade, assinalando também uma transição de uma cultura popular a uma cultura de massas. Nesse sentido, parece-nos interessante a sua presença numa revista literária, justificando a abertura a temáticas femininas e à moda que marcavam normalmente presença nos magazines populares publicados em Lisboa naquela década de 1920. Entre esses magazines destacamos o Ilustração Portuguesa, onde Roberto Nobre foi um nome sempre presente nas colaborações artísticas de melhor qualidade.222 A temática feminina, como vimos, teve também destaque desde os últimos números da terceira série da Alma Nova, reflectindo o gosto mundano que exigia os cafés e os clubes que se propagavam naqueles anos em Lisboa e no Porto.223 Saliente-se porém que o estilo Arte Nova ainda era tido, nesta época, como uma referência ao bom gosto e modernidade pela burguesia endinheirada, mas tradicionalista. 221 Na citada revista Ilustração Portuguesa, a partir de meados do ano 1920 e sobretudo nos anos 1921–1923, as capas apresentam quase todas a imagem feminina como tema de capa. Esta revista pode ser consultada em linha na Hemeroteca Digital, da Hemeroteca Municipal de Lisboa, em: 222 França, Op. Cit., 1991, p. 106. Sobre esta questão consultar: Gonçalves, Op. Cit., 1993: pp. 100–106. 223 428 5.2.29. Contemporânea, grande revista mensal (1922–1926) Apresentação Após a publicação do número specimen (espécime) em 1915, o projecto da Contemporânea foi retomado por José Pacheko em 1922, publicando-se então mais 13 números entre Maio de 1922 e Outubro de 1926.224 Esta revista foi dirigida por José Pacheko e o editor foi variando ao longo dos números: nos seis primeiros números foi assumida por Agostinho Fernandes, os três seguintes foram da responsabilidade da “Sociedade Edições Contemporânea”, o décimo número ficou a cargo de José Pacheko e os três últimos números foram da responsabilidade editorial do poeta Gil Vaz. A direcção literária e artística da Contemporânea foi arcada por José Pacheko, excepto no décimo número (publicado em 1924) onde a literária ficou a cargo de António Ferro, sendo a artística responsabilidade de Ruy Vaz – esta excepção ter-se-á devido ao estado de enfermidade de José Pacheko,225 levando inclusivamente a que o décimo primeiro número saísse apenas em Maio de 1926. Ruy Vaz viria posteriormente a ser o director artístico da revista Athena (1924). Esta grande revista mensal apresentou-se com uma eclética variedade temática (arte, literatura, desporto, crítica de arte, política e ideologia, música, entre outras), sempre com o intuito de ser uma “revista feita expressamente para gente civilizada – revista feita expressamente para civilizar gente”. Em termos estéticos a revista apresentou-se como uma espécie de catálogo dos diversos “ismos” do modernismo nacional, distinguindo-se José Pacheko pela sua vontade de promover a modernidade. Assim, abriu espaço a uma abrangente lista de colaboradores literários, entre os quais destacamos Almada-Negreiros, António Botto, António Ferro, Aquilino Ribeiro, Camilo Pessanha, Eugénio de Castro, Fernando Pessoa, José Régio, Leonardo Coimbra, Mário Sá-Carneiro (póstumo) e Teixeira de Pascoaes. Na colaboração artística destacam-se os nomes de, entre outros, Almada Negreiros, José Pacheko, Amadeo Souza-Cardoso (póstumo), António Carneiro, Bernardo Marques, Columbano Bordalo Pinheiro, Jorge Barradas, Stuart de Carvalhais, Francisco Franco, Ernesto do Canto, Eduardo Viana, António Soares e Stuart de Carvalhais. Projecto gráfico A Contemporânea foi impressa na Imprensa Libânio da Silva (Lisboa), apresentando um formato que distinguia a capa com 214x296 mm, das páginas interiores com 204x292. Esta revista teve a particularidade de ter sido publicada em cadernos soltos, normalmente 6 cadernos de 8 páginas (alguns ainda por guilhotinar), envoltos na capa supostamente provisória, pois estavam pensados para uma futura encadernação – os cadernos autónomos, a numeração contínua e a presença de índices de folhas de rosto de volumes assim o comprovam. Em termos materiais a Contemporânea foi impressa em diferentes tipos de papel, sendo até comum o uso diversificado num só número. Assim, nas capas encontramos papel Vérgé, Couché, Craft e Cartolina, todos com uma gramagem forte, enquanto as páginas interiores usaram papel Vergé, Couché, Corrente forte ou Gofrado. Nos hors-texte foi usado papel Couché forte (brilhante ou mate) para a impressão de imagens, sendo estas coladas sobre Cartolina. Os cadernos foram impressos a duas cores e nas capas usaram duas ou mais cores. Para a impressão desta revista recorreram à tradicional tipografia de chumbo, à fotogravura (similigravura nos meios tons, zincogravura nos desenhos a traço), gravura calcográfica e xilogravura. Como referimos, a revista apresentou em média um total de 48 a 64 páginas, e a encadernação dos cinco volumes foi brochada e cosida. 224 São conhecidas provas de prelo e folhas impressas destinadas a um décimo quarto número, com data de 1929, mas que devido ao degradado estado de saúde e económico de José Pacheko nunca seria editado. Uma versão facsimilada dessas páginas podem ser vistas em: Pacheco, José (Dir.). Contemporânea: Grande Revista Mensal. (Ed. fac-similada – Volume IV). Lisboa: Contexto, 1992. Nesta análise serão apenas considerados os 11 primeiros números publicados dentro do arco temporal definido para o nosso estudo, ficando assim de fora os dois últimos números. 225 Correia, Rita. Contemporânea. [Em linha]. Lisboa: Hemeroteca Digital, 2007. [consulta: 03 de Fevereiro de 2012]. Disponível em: . 429 Refira-se ainda que logo no primeiro número, na contracapa, José Pacheko escreve um agradecimento público ao trabalho da Imprensa Libânio da Silva, destacando não só o pessoal mas também o nome do director técnico: A CONTEMPORANEA agradece ao pessoal gráfico da Imprensa Libanio da Silva, que sob a competência do seu director técnico o Sr. José Paulo do Sarmento, trabalhou com inexcedivel interesse neste primeiro numero, contribuindo para que a CONTEMPORANEA se coloque a par das melhores revistas mundiais no genero. Capa Como referimos, os 13 números da Contemporânea foram distribuídos envoltos em capas provisórias, constituindo algumas delas elementos de interesse artístico, nomeadamente, as realizadas por José Pacheko, José da Almada-Negreiros e Tarsilia do Amaral. Essas capas foram normalmente mantidas nas encadernações dos volumes. O primeiro número apresentou uma capa realizada por Almada-Negreiros, uma naturezamorta policromática, de tons vivos, que serve de suporte ao título e data da publicação (fig. 5.298). Os elementos textuais presentes nesta ilustração original são caligrafados, sendo o desenho das letras idêntico ao da assinatura do autor na base do cálice que suporta a flor. O uso do vermelho e verde no título e data, respectivamente, reforçado pela flor e folhas nos mesmos tons, parecem ser uma referência às cores da bandeira, surgindo num momento de orgulho nacional figurado na dedicatória deste número a Sacadura Cabral e Gago Coutinho que estavam a caminho de completar a “Primeira travessia aérea do Atlântico Sul”, que se concluiria em Junho de 1922.226 A capa do segundo número volta a contar com uma ilustração do mesmo autor (fig. 5.299). Esta é encabeçada pelo título da revista com o mesmo desenho caligrafado que constitui a identidade do projecto Contemporânea, e que já fora criado em 1915 aquando da edição do número specimen.227 A ilustração mostra uma cabeça feminina de cabelo curto estilo garçonne executada num desenho delicado e estilizado, que observa uma folha com o número 2 recordando-nos a capa do segundo número da Orpheu (com as cores invertidas). A mulher de estilo garçonne,228 típico dos anos 1920, simboliza a mulher libertada, moderna e activa, indo de encontro à “gente civilizada” que José Pacheko pretendia como público da Contemporânea. A ilustração foi reproduzida usando 3 cores planas, opção que permitia assegurar uma reprodução mais fiel das cores escolhidas pelo autor, recordando-nos a simplicidade pictórica desta ilustração, a redução dos elementos gráficos de comunicação, o estilo de cartaz de Lucian Bernhard da década de 1910. O primeiro volume fechava com o terceiro número, contando neste caso na capa com um desenho da autoria de José Pacheko (fig. 5.300), complementada com o título da revista no mesmo desenho caligráfico de identidade, mas agora na parte inferior direita. A ilustração em forma redonda mostra um elemento floral policromático, de cor densa e uma vez mais reproduzida em cores planas. Esta composição parece apenas mostrar a eclosão de um fruto e a sua flor, supondo-se que seja a ameixa, fruto típico dos meses de Verão – este terceiro número foi publicado em Julho de 1922. 226 Sobre esta questão ver a análise da capa do segundo número da terceira série da Alma Nova (Maio-Junho de 1922) em: 5.2.28. Alma Nova (1914–1930) 227 Consultar: Contemporânea – número specimen (1915) O termo deriva do título da obra do francês Victor Margueritte (1866–1942), La Garçonne (1922), usado desde então para caracterizar um estilo feminino de vestir e pentear, sempre conotado com a ideia de liberalização e modernidade da mulher. 228 430 Fig. 5.298. Capa da Contemporânea, n. 1, Lisboa, Maio de 1922. Fig. 5.299. Capa da Contemporânea, n. 2, Lisboa, Junho de 1922. Fig. 5.300. Capa da Contemporânea, n. 3, Lisboa, Julho de 1922. 431 Fig. 5.301. Capa da Contemporânea, n. 4, Lisboa, Outubro de 1922. Fig. 5.302. Capa da Contemporânea, n. 6, Lisboa, Dezembro de 1922. Fig. 5.303. Capa da Contemporânea, n. 7, Lisboa, Janeiro de 1923. Fig. 5.304. Capa da Contemporânea, n. 8, Lisboa, Fevereiro de 1923. 432 Fig. 5.305. Capa da Contemporânea, n. 9, Lisboa, Março de 1923. Fig. 5.306. Capa da Contemporânea, n. 10, Lisboa, 1924. Fig. 5.307. Capa da Contemporânea, n. 11, Lisboa, Maio de 1926. 433 O segundo volume da Contemporânea apresentou mais três números. As capas dos números 4 e 5 são idênticas, unicamente tipográficas e alterando somente os respectivos números e as duas cores usadas. No número 4 recorreram ao vermelho e verde (fig. 5.301), enquanto no número 5 usaram o verde e azul, intercalando essas cores em cada um dos elementos (título, número e subtítulo). Em cabeçalho apresentam o título composto em duas linhas, resultando num conjunto com espaços entre letras desequilibrados por um forçado ajustamento horizontal. No centro da capa foi colocado o número da edição e sob este o subtítulo grande revista mensal composto em três linhas. Todos os elementos da capa estão compostos em tipo sem patilha, variante negra, que atribui firmeza comunicativa a esta capa sem complexidade gráfica, acomodando apenas a apresentação e comunicação dos elementos fundamentais de identificação da Contemporânea. O sexto número saiu em Dezembro de 1922 apresentando como tema de capa o Natal (fig. 5.302). A composição gráfica apresenta uma ligação com os dois números anteriores, nomeadamente no título que se mantêm tipograficamente idêntico, reflectindo os restantes elementos a temática natalícia. Comparando com os dois números anteriores, ao centro a numeração foi substituída por uma ilustração de Almada-Negreiros apresentado uma “Madona e Menino”, uma temática tradicional da arte sacra cristã na época de Natal. Rematando a capa surge em rodapé a indicação “Natal 1922”, sendo o tema “Natal” reforçado de forma expressiva por um uso de tipo romano didodiano extra-negro, enquanto no ano usa o mesmo tipo sem patilha do título. Nesta capa foram usadas quatro cores (vermelho, amarelo e dois tons de azul), havendo um interessante aproveitamento de sobreposições cromáticas para a criação de tons extra (verdes, laranjas ou castanhos), pois demonstra domínio e conhecimento das técnicas de impressão por parte de Almada Negreiros, conseguindo criar riqueza com uma combinação de poucas cores. O terceiro volume reúne os seguintes quatro números, relacionando-se os primeiros três com os primeiros meses de 1923. O sétimo número mostra o título da revista e uma ilustração com um cesto com flores reproduzida a partir de uma xilogravura antiga (fig. 5.303), impressas apenas a preto. José Pacheko explorou em várias ocasiões este retorno ao classicismo decorativo recorrendo a gravuras antigas, sobretudo na composição das páginas interiores (ver adiante), e com os quais obteve resultados gráficos e compositivos muito interessantes, não sendo esta capa o seu melhor exemplo. O título foi composto em caixa baixa, em tipo romano neoclássico, numa linha côncava sob a ilustração, notando-se problemas de uniformidade nos espaços entre letras, consequência da composição curva que obrigaria a alguns artifícios no atar da forma para colocação no galeão de impressão. A capa era ainda rematada pelo número da edição no canto inferior direito, composto também em tipo romano. O oitavo número centra a sua capa numa “Portaria de Louvor” (fig. 5.304), reprodução da publicada no “número 83 – II Série do Diário do Governo de quarta-feira, 11 de Abril de 1923”,229 assinada pelo então Ministro da Instrução Pública, João Camoezas,230 “considerando que a revista literária CONTEMPORANEA tem prestado relevantes serviços à propaganda e difusão da literatura portuguesa.” A composição gráfica desta capa mostra uma intenção de tornar mais solene a presença da “Portaria de Louvor”. Assim, o título foi composto em cabeçalho em duas linhas, tal como nos números anteriores, mas agora em tipo romano didodiano extra-negro, sob o qual surge a referida Portaria impressa a preto sobre uma mancha laranja. Na parte inferior da capa a apresentação do número foi composta em duas linhas, sendo o termo “número” em tipo egípcio a preto, enquanto o número por extenso usa um tipo sem patilha em cor vermelha e com o espaço entre letras aberto, dando-lhe presença na composição. Por baixo do número surge ainda a indicação do 229 O número oito da Contemporânea apresenta como data de publicação Fevereiro de 1923. Contudo as revistas estariam a sair a público com um atraso significativo em relação à data indicada, sendo notório sobretudo no número seguinte com data de Março de 1923. Este é dedicado a Guerra Junqueiro, referindo-se ali à sua morte no passado, tendo esta acontecido posteriormente à data de publicação, a 7 de Julho de 1923. João Camoezas foi editor e director da revista Eh Real (1915), colaborando ainda na revista Seara Nova (1921). 230 434 ano em tipo romano impresso a preto. Todos os elementos referidos estão encaixados entre dois filetes de intestação bastante encorpados, tendo a Portaria ao centro sido inserida entre dois frisos ornamentais de linhas ondulantes. Comparativamente com as demais, esta capa diferencia-se pela aplicação de uma variedade de tipos de letra inusual e, como veremos adiante, pelo recurso gráfico a filetes e frisos. Entre estes, os filetes de intestação tornar-se-iam quase uma identidade do grafismo da Contemporânea, influenciando o grafismo de diversas revistas da época. A composição da capa do número nove (fig. 5.305) assemelha-se à do terceiro número, apresentando uma imagem como motivo principal, rematada pelo título sob o qual se somou, neste caso, o número da edição. A imagem mostra um busto feminino de traços cubistas da autoria de Almada-Negreiros, reproduzida em escala de cinzentos, impressa em papel Couché que foi colado sobre a cartolina da capa. O título volta a usar o desenho caligráfico de identidade sob o qual surge o número, composto em tipo romano, colocado na parte inferior direita com alinhamento em espinha. O décimo número, último do terceiro volume, foi editado no ano seguinte (1924) sem referência a mês (fig. 5.306). Como referimos na apresentação, este número aparece como sendo dirigido artisticamente por Ruy Vaz, seguramente uma consequência da doença que afectava a saúde de José Pacheko impedindo-o de assumir de forma regular as suas funções. A capa deste número não tem a autoria identificada, mas apesar da doença de José Pacheko supomos que seja de sua autoria – não encontramos relação com o estilo de trabalhos desenvolvidos por qualquer outro artista colaborador da Contemporânea, e todas as demais capas não assinadas são de José Pacheko. O título desta capa usa o mesmo tipo de letra do número oito, mas agora com as duas linhas de texto que o compõem surgem separadas, uma em cabeçalho e outra em rodapé, estando entre elas uma ilustração em que o número 10 representa o ponto de mira de um alvo, rodeado por um intenso círculo vermelho. Uma ilustração que pode simbolizar a dificuldade em atingir o alvo/objectivo da publicação deste número, ou seja, o mérito e êxito de chegar ao número 10. Os últimos 3 números, identificados como a 3ª Série e com numeração de 1 a 3, apresentam um decréscimo geral na qualidade gráfica, mas com alguns pontos de interesse que convém analisar. O primeiro número da 3ª Série (décimo primeiro na sequência dos anteriores) surgiu quase dois anos após a edição do décimo número, em 1926. Nesta capa (fig. 5.307) a atenção centra-se na reprodução de um fragmento de uma gravura antiga, uma ilustração que mostra uma criança brincando com um papagaio de papel no qual está representado um Sol, ao lado do qual voam quatro aves e, criando um efeito de profundidade, é complementada com uma pequena montanha em fundo. Dentro de um pequeno rectângulo no centro dessa ilustração foi impressa a inscrição “Portugal · IberoAmericanismo · Arte”, criando uma ligação temática com o Brasil conjuntamente com o simbolismo da ilustração através do Sol e a valorização da Natureza. Ou seja, parece existir aqui uma tentativa de passar uma mensagem simbólica da temática abordada no interior da revista, a relação entre Portugal e o Brasil. O título foi colocado na parte superior da capa, sobre a ilustração, enquanto o número e série surgem na parte inferior, ambos compostos num elegante tipo romano. Todo o conjunto que compõe a capa (texto e ilustração) está inserido num rectângulo de filete de intestação que enquadra e reforça a expressão clássica do conjunto. Por último refira-se que a capa foi impressa a duas cores, um castanho avermelhado nos elementos textuais e um tom de ouro na ilustração e filete. Os dois últimos números foram já publicados após a revolução de 28 de Maio de 1926 que ditou o início da ditadura militar e define o final do período em que se insere a nossa 435 análise.231 Podemos, ainda assim, afirmar que este conjunto de capas de temáticas e expressões diversificadas, mostrando um eclético universo imagético e simbólico, são um prenúncio do que vamos encontrar no interior da revista. Páginas interiores Como referimos, esta revista foi publicada em cadernos soltos, cerca de 6 com 8 páginas cada envoltos na capa (provisória), pois estavam pensados para uma futura encadernação. Contudo, esta questão não se relacionou apenas com uma logística de encadernação, mas permitiu também um aproveitamento desse constrangimento, conseguindo José Pacheko criar dessa forma uma publicação que apresentou opções próprias de um projecto de design pensado e estruturado. Ou seja, os seis cadernos (em média) que constituíam cada número da revista podiam ser trabalhados de forma independente, dando uma ideia de variedade cromática que advém dessa sua independência. Assim, como veremos de seguida, os números da Contemporânea tiveram o seu interior impresso a duas cores (preto e outra), mas cuja segunda cor variava em cada um dos cadernos dando uma sensação de um interior policromático. Ainda assim, cada número não usa mais de quatro cores em total. Esta sensação de variedade é ampliada pelo uso de diferentes tipos de papel nos cadernos de um mesmo número com diferentes texturas e tonalidades (papel Vergé, Couché, Corrente forte ou Gofrado), criando ainda mais variedade e riqueza material às edições. Fig. 5.308. Contemporânea, n. 1, Lisboa, Maio de 1922: anterrosto. Fig. 5.309. Contemporânea, n. 8, Lisboa, Fevereiro de 1923: frontispício. Os primeiros nove números aqui analisados abriram com uma página de anterrosto e um frontispício – o número 10 inicia com publicidade e o 11 inicia com página de texto, não 231 As imagens que ilustram as capas merecem aqui uma pequena referência: no décimo segundo número foi usada a reprodução de uma obra da artista modernista brasileira Tarsilia do Amaral (1886–1973), e no décimo terceiro foi reproduzida uma ilustração de um livro de caligrafia barroca de Manoel de Andrade Figueiredo, Nova Escola para aprender a ler, escrever, e contar (1722). Este livro é de vital importância para um estudo da revista Contemporânea, pois dele foram retirados diversos ornamentos e letras que viriam a ser usados como elementos gráficos na paginação da revista. 436 apresentando nenhuma das referidas páginas eventuais. A folha de anterrosto (fig. 5.308) mostrava apenas o título da revista, composto com o tradicional desenho de identidade caligráfico e impresso a uma cor – vermelho nos três primeiros números, preto nos seguintes três e azul entre os números 7 e 9. As mesmas cores e sequência foram também usadas nos frontispícios, caracterizando-se esta página eventual pela apresentação de um conjunto de informação sempre idêntico: título, subtítulo, editor, director, indicação do volume e números e datas respectivos, uma ilustração de uma flor e, finalmente, o termo de impressão. O frontispício apresenta uma composição organizada segundo um eixo central sobre a mancha de texto, definida para as páginas de texto, usando um tipo romano didodiano que acentua a característica neoclássica desta página. Deve-se ainda referir que a flor que ilustra esta página introdutória apresenta no primeiro volume um desenho diferente, mais linear e frágil, do que o usado no segundo e terceiro volumes (fig. 5.309) que é uma mais encorpada, enchendo mais a página. Estas flores reproduzidas em meios-tons são típicas da azulejaria barroca nacional, século XVIII, onde proliferava este tipo de padrão vegetalista em azulejos de figura avulsa, conforme se pode ver numa imagem em hors-texte reproduzida no sexto número (fig. 5.310). Fig. 5.310. Contemporânea, n. 6, Lisboa, Dezembro de 1922: hors-texte (s.p.). Fig. 5.311. Contemporânea, n. 4, Lisboa, Outubro de 1922: s.p. Após aquelas duas páginas eventuais, a organização dos conteúdos seguintes foi variando ao longo dos números, salientando-se nos primeiro sete números uma valorização das páginas de publicidade, consideradas por José Pacheko como parte constituinte e imprescindível da revista, referindo-se assim aos anúncios num aviso no final do terceiro número:232 A proposito da PUBLICIDADE da Contemporanea. Constituindo o anuncio um motivo de arte, que neste volume apenas se esboça pela composição e distribuição de côres, e que no proximo volume se firmará, não só por esse 232 Contemporânea, n. 3, Lisboa, Julho de 1922: s.p. 437 aspecto, como ainda pelo da ilustração apropriada, recomendaremos ao público para «conservar na encadernação as paginas de publicidade», afim do volume se não considerar truncado. No primeiro volume a publicidade formava com o anterrosto e o frontispício o primeiro caderno (8 páginas) da revista, não sendo numerado e considerando apenas para numeração as páginas de conteúdo literário. Contudo, a partir do segundo volume esse caderno de publicidade passaria para o fim da revista, não existindo nos números 8, 9 e 11. Por outro lado, ainda que José Pacheko tenha referido na nota supracitada o interesse da ilustração e aspecto da publicidade, apenas destacamos no quarto número uma reprodução policromática de um cartaz que publicita os “Chocolates da Fábrica Suissa”, da autoria de Almada-Negreiros (fig. 5.311). Entre os números 3 e 5 substituíram esse espaço um anexo denominado Jornal, que incluía um conjunto de notícias breves e que apresentava o aspecto de um tradicional periódico. Ao longo desses três números variou a quantidade de páginas (1 no terceiro número, 4 no quarto e 8 no quinto), ainda que este anexo não seja importante para a nossa análise, deixamos aqui apontado que é composto por com um cabeçalho independente, estruturado com três colunas com sistema de paginação vertical. Fig. 5.312. Contemporânea, n. 1, Lisboa, Maio de 1922: pp. 20–21 Em termos estruturais as páginas de texto da Contemporânea apresentam uma configuração bastante homogénea, usando uma coluna de texto que se manteve uniforme ao longo de toda a publicação. As únicas variações registaram-se nas páginas com poesia, estando estas naturalmente sujeitas à dimensão das linhas dos versos. A mancha de texto ficou definida por margens assimétricas (fig. 5.312), sendo as interiores e superiores menores que as suas opostas. O corpo do texto foi composto em diferentes tipos romanos, diversos corpos de letra, normalmente maiores na poesia (fig. 5.315: p. 73), mas ainda assim mostrando geralmente uma mancha equilibrada na página conseguida através de diferentes compensações entre corpo e entrelinha. A marcação dos parágrafos nos textos em prosa foi assinalada com um recuo bem espaçado e o fólio, em tipo romano, foi colocado em rodapé centrado com a mancha de texto. Assim, podemos dizer que a composição dos textos da 438 revista é globalmente bem realizada, facto ao qual não será estranho a boa qualidade do trabalho da Imprensa Libânio da Silva, que se pode observar noutras revistas deste estudo ali impressas – Atlântida (1915) e Athena (1924). Fig. 5.313. Contemporânea, n. 2, Lisboa, Junho de 1922: p. 49. Fig. 5.314. Contemporânea, n. 3, Lisboa, Julho de 1922: p. 133 Fig. 5.315. Contemporânea, n. 2, Lisboa, Junho de 1922: hors-texte e p. 73. 439 Contudo, o grafismo da Contemporânea destacou-se pelos elementos que caracterizam a sua paginação, sendo este da responsabilidade e critério de José Pacheko, e onde podemos ver pormenores de uma atenção que ficariam revelados nas provas de prelo do número 14,233 que nunca chegou a ser publicado. Nessas provas, José Pacheko aponta diversas questões aos tipógrafos, destacando-se aqui alguns casos entre as diversas notas de correcção: numa página apontava “o que mais me interessa é o título. Onde está?!... Não meter à máquina sem eu ver”; noutra pedia “um A muito grande” para uma capitular, ou a aplicação de cor e ajuste de kerning e entrelinha nas letras iniciais dos versos de um poema; noutros casos pedia a correcção de alinhamentos das manchas dos textos ou, ainda, a composição dos “os últimos 4 versos com maiúsculas”. São apontamentos que nos permitem ver o cuidado e rigor com que verificava todas as provas, não deixando que a revista fosse impressa sem que tudo estivesse de acordo com as suas intenções. O primeiro componente que se destaca no projecto gráfico das páginas interiores, elaborado por José Pacheko para a Contemporânea, é protagonismo apresentado nos títulos dos textos. Este elemento sobre o qual o director artístico revelou uma grande atenção e um prolífico trabalho gráfico, são construídos usando uma grande diversidade de tipos de letra, indo dos romanos aos sem patilha, passando pelos fantasia e caligráficos, todos nos mais diversos estilos e variantes das famílias tipográficas. A organização e variedade dos títulos varia dos exemplos mais simples, organizados segundo uma perspectiva comunicacional simples mas expressiva (fig. 5.313), aos exemplos onde existe uma intenção de jogar com a manipulação dos valores semânticos através da junção/oposição das características gráficas dos distintos tipos de letra (fig. 5.314), cores (fig. 5.316), orientação (fig. 5.318) ou tamanho (fig. 5.317). José Pacheko também demonstrou uma preocupação com o ritmo da paginação, evitando que esta se tornasse repetitiva/monótona. A composição dos textos em prosa foi sendo animada graficamente com a inclusão de imagens (fig. 5.320 e 5.321), ornamentos e capitulares de maior ou menor dimensão (fig. 5.313, 5.314 e 5.315), sendo estas muitas vezes coloridas. Na poesia recorria a uma composição ritmada conseguida através de um ziguezaguear dos versos (fig. 5.315), intercalação de ilustrações na organização vertical do poema (fig. 5.321), ou usando cor e um corpo maior nas letras iniciais de cada verso (fig. 5.319). Essa preocupação estendeu-se também à forma como a dupla página foi sendo tratada, questão pouco normal na época, sobretudo em revistas literárias onde o hábito do texto corrido dos livros tradicionais influía a composição de diversas publicações. Nesta questão usaram os ornamentos, as imagens e ilustrações ou ainda a alternância de cores dos diferentes cadernos, criando uma interessante riqueza rítmica e cromática da composição das páginas (fig. 5.321). Um outro elemento tipográfico muito usado é um filete de intestação de corpo elevado, apresentando um protagonismo gráfico notório em muitas páginas de abertura e encerramento de textos, que servia normalmente para separar o título e autor do corpo de texto correspondente, marcando ainda o final do texto e separando-o de outros elementos (anúncios ou pequenas notas) que pudessem coexistir na mesma página. O filete era composto ocupando a largura total da mancha de texto (fig. 5.322), ou então com metade dessa dimensão e alinhado ao centro (fig. 5.325). Junto a este filete encontramos, algumas vezes, dois quadrados negros associados (fig. 5.312), enquadrando títulos ou os anúncios e notas no final, que nos recorda a obra de Peter Behrens na recuperação da linguagem formal de harmonia e proporção do neoclassicismo. Este recurso a elementos gráficos funcionava como meio pelo qual pretendia alcançar o equilíbrio das partes, associado aos princípios do Deutsche Werkbund dos quais José Pacheko recuperava a associação da arte com a tecnologia, funcionando como forma de valorizar os artefactos produzidos industrialmente. 233 As provas fac-similadas podem ser vistas no quarto volume de: Pacheco, Op. Cit., 1992. 440 Fig. 5.316. Contemporânea, n. 7, Lisboa, Janeiro de 1923: p. 14. Fig. 5.317. Contemporânea, n. 4, Lisboa, Outubro de 1922: p. 25. Fig. 5.318. Contemporânea, n. 6, Lisboa, Dezembro de 1922: p. 128. 441 Fig. 5.319. Contemporânea, n. 1, Lisboa, Maio de 1922: pp. 24–25 Fig. 5.320. Contemporânea, n. 2, Lisboa, Junho de 1922: pp. 58–59. 442 Fig. 5.321. Contemporânea, n. 6, Lisboa, Dezembro de 1922: pp. 134–135. Fig. 5.322. Contemporânea, n. 3, Lisboa, Julho de 1922: hors-texte e p. 113. 443 Assim, o uso daquele filete neoclássico insere-se num conjunto de recuperações historicista de elementos tipográficos e gráfico-visuais efectuado por José Pacheko na construção do projecto da Contemporânea, dos quais destacamos ainda o uso das supra-referidas ilustrações vegetalistas e de fauna, reproduzidas a partir da azulejaria barroca nacional (azulejos de figura avulsa do século XVIII), de gravuras antigas onde imperam as reproduções de vasos ou cestas com flores (fig. 5.320), retiradas principalmente de pormenores de vinhetas e das páginas de rosto dos livros dos séculos XVII e XVIII, ou ainda ilustrações e letras caligrafadas barrocas, destacando-se nesta questão o livro de Manoel de Andrade Figueiredo (1670–1735), Nova Escola para aprender a ler, escrever, e contar (1722). Estes elementos tomam uma nova dimensão expressiva através da construção de uma nova semântica gráfica, conseguida através de uma reformulada relação com a mancha de texto e os títulos. Ou seja, as opções gráficas e compositivas que juntam um princípio clássico aportam a esses elementos um papel distante do contexto original, mas que é aqui fundamental para a construção de novos significados, tendo inclusivamente sido aproveitadas para criar letras capitulares (fig. 5.324), anúncios (fig. 5.326) ou a capa do número 11 (fig. 5.307). Almada-Negreiros teve um desempenho de destaque na colaboração artística da Contemporânea, e além da elaboração das capas que vimos anteriormente, seria o responsável por um grande número de imagens e vinhetas que iam ilustrando e marcando pausas e/ou coadjuvando a construção do ritmo da paginação desta revista (fig. 5.323). Com um traço de memória cubista, as vinhetas de Almada-Negreiros são o toque de modernidade entre todos os elementos gráfico-visuais que referimos anteriormente. A este artista devemos juntar ainda os nomes de António Soares e Bernardo Marques que, apesar de em menor número, aportam um outro toque de modernidade através dos seus desenhos e vinhetas, respectivamente, de traço humorista ou expressionista (fig. 5.325). Na sequência destas colaborações devemos ainda fazer uma referência às imagens que enriqueceram esta revista, fruto de uma eclética colaboração artística mostrada quase sempre (exceptuando os artistas atrás referidos) através de reproduções de obras em páginas hors-texte. Um ecletismo a que José Pacheko se viu forçado, pois esta revista que ele queria contemporânea tinha que satisfazer também os compradores burgueses, abrindo por isso espaço a alguns naturalistas que assim cumpriam esse propósito. As páginas hors-texte apresentavam normalmente apenas a obra juntamente com a identificação do autor, registando-se alguns casos foi anexado um pequeno texto (fig. 5.315). Mas também aqui se nota uma nova e diferenciada abordagem na composição da revista, pois as páginas hors-texte que normalmente mostravam as imagens no seu lado anterior, formando uma página ímpar, surgem aqui também com a imagem colocada no seu lado posterior, ou página par, justificando-se esta opção apenas pela intenção de construir um mais equilibrado plano na associação com a página seguinte. Apesar de constituir uma opção menos frequente, mostra contudo uma clara consciência e intenção de relação das imagens em páginas hors-texte com o início de um texto. Deve-se ainda destacar os anúncios das Bolachas Nacional que, exceptuando o primeiro número, mereceram destaque em todas as contracapas da Contemporânea – na terceira série seria inclusivamente o único anunciante da revista. Neste caso particular não é estranho o facto de o editor da Contemporânea ser o industrial e coleccionador de arte Agostinho Fernandes (1886–1972), proprietário da empresa que fabricava aquela marca de bolachas, e que se sabe234 ter sido o principal financiador deste projecto de José Pacheko. Os anúncios deverão ter sido também da responsabilidade do director artístico, pois a expressão gráfica dos mesmos utilizam vários recursos tipográficos e de ornamentação que se observam nas páginas, incluindo o recurso a pormenores de livros antigos aplicados de forma mais contemporânea (fig. 5.326). 234 França, Op. Cit., 1991, p. 107; p. 113. 444 Fig. 5.323. Contemporânea, n. 1, Lisboa, Maio de 1922: p. 28 e p. 30 Fig. 5.324. Contemporânea, n. 11, Lisboa, Maio de 1926: p. 31. 445 Fig. 5.325. Contemporânea, n. 7, Lisboa, Janeiro de 1923: p. 7. Fig. 5.326. Contemporânea, n. 11, Lisboa, Maio de 1926: contra-capa. Em conclusão, esta revista insere-se conceptualmente numa linha de continuidade das revistas de vanguarda, Orpheu e Portugal Futurista, apresentando ainda alguns ecos do Futurismo que em 1918 praticamente deixara de se manifestar.235 Ou seja, a Contemporânea apresenta-se com uma perspectiva eclética e modernizante que vai de encontro à ideia definida por José Pacheko, uma “revista feita expressamente para gente civilizada – revista feita expressamente para civilizar gente”, fazendo parte de uma estratégia mais alargada de divulgação da Arte Moderna em Portugal. No que respeita às questões gráficas, enquanto na Orpheu e Portugal Futurista se notavam algumas influências gráficas dos futuristas italianos, pode-se observar um caso distinto na inovação da linguagem gráfica despontada na Contemporânea. Este projecto pessoal de José Pacheko, surgido quando a revolução proposta pela “geração de Orpheu” apresentava já um claro declínio, apresenta-se graficamente como o reflexo das concepções propostas pela vanguarda nacional à realidade nacional. Assim, não ignorando as tendências cosmopolitas que continuavam a chegar de Paris, que tanto influenciaram o número specimen de 1915, nem as propostas de rivoluzione tipográfica dos futuristas italianos, manifestou-se com uma vocação nacionalista, que passava pelo neo-academismo e valorização do tradicional: o “muito apreciado” classicismo oitocentista. Ou seja, testemunha o nascimento de uma nova expressão gráfica reveladora de um retorno historicista que haveria de conduzir o Design Gráfico nacional no caminho do internacional Modernism. 235 Ver capítulo: 1.3.3. A ruptura da tradição (1915–1919). 446 5.2.30. Nação Portuguesa, revista de cultura nacionalista (1914–1938) Apresentação Tendo terminado a edição da primeira série em Abril de 1916,236 a revista Nação Portuguesa voltou a sair a público em Julho de 1922 pelas mãos de António Sardinha, com aquele que seria o seu definitivo subtítulo, revista de cultura nacionalista, durando até 1938.237 A segunda série mudaria o lugar de edição para Lisboa, local onde continuaria a ser editada até 1938. Em termos editoriais manteve-se como um órgão do Integralismo Lusitano, com os mesmos ideais e conceitos. Após a morte de António Sardinha, em 1924, seria dirigida por Manuel Múrias até 1938. Como editores surgem agora Fernandes Júnior e o movimento Integralista Lusitano. Na colaboração literária, para além dos nomes já referidos na primeira série, destacam-se ainda os nomes de Afonso Lopes Vieira, Manuel Múrias, Vieira de Almeida, Castelo Branco Chaves e Avelino Soares. Também nestas séries, apesar de existirem imagens na revista (em pouca quantidade), não se identificou qualquer director artístico ou autor das respectivas imagens. Projecto Gráfico: 2ª série (1922–1924), 12 números, e 3ª série (1924–1926), 12 números. Por apresentarem características gráficas semelhantes, havendo apenas diferenças na apresentação da capa, optámos por juntar aqui a análise das duas séries. Estas duas séries da Nação Portuguesa mantiveram o formato 180x237mm e as características que a constituíam: capa mole em papel Vergé forte e um corpo que variava entre 100 a 120 páginas em papel Corrente. Algumas imagens eram impressas em papel Couché e coladas posteriormente em páginas regulares. A capa continua a ser impressa a duas cores (vermelho e preto) e o miolo a uma cor (preto). Com a alteração do local de edição para Lisboa, também a impressão passou para aquela cidade na Tipografia Beleza, mas mantendo os mesmos processos de impressão: a tradicional tipografia de chumbo e fotogravura (similigravura nas imagens meios tons e zincogravura nas executadas a traço). A encadernação dos exemplares consultados, todos volumes encadernados, foi brochada e cosida. Capa A capa da Nação Portuguesa (fig. 5.327) manteve o seu carácter, sofrendo apenas alguns ajustes na sua configuração. As capas das duas primeiras séries foram semelhantes, existindo variações que seguramente se prendem somente com a alteração do local de impressão da revista. O cliché que forma o cabeçalho e a identidade da revista manteve-se igual – estes elementos tipográficos eram normalmente propriedade dos editores, podendo por isso acompanhar a publicação independentemente do local de produção –, verificando-se assim apenas uma alteração do tipo de letra gótico usado na informação abaixo do cabeçalho, e uma reorganização do espaço compositivo.238 Nesta versão da capa devemos apenas acrescentar que no número 11 (Outubro de 1923) o Sumário saiu excepcionalmente da capa para a primeira página do miolo. 236 Ver: 5.2.12. Nação Portuguesa, revista de cultura nacionalista (1914–1938). Segundo Paulo de Carvalho, a interrupção 1916 ter-se-á devido ao comprometimento do movimento integralista com acções tácticas mais imediatistas, ou com a pretensão do alargamento do público leitor, tendo lançado então um jornal diário, A Monarquia. Ver: Carvalho, Paulo de. “Da Nação Portuguesa (1914–1938) ao Integralismo Lusitano (1932–1934): a insurreição dos intelectuais”. Em: Revistas, Ideias e Doutrinas. Leituras do Pensamento Contemporâneo. Lisboa: Livros Horizonte, 2003: pp. 135–152. 237 A publicação da revista apresentou interrupções variáveis no tempo: 1ª série foi publicada entre 1914–1916 e teve 11 números, a 2ª série de 1922 a 1924 com 12 números, e a 3ª entre 1924–1926 com outros 12 números. Por questões metodológicas, estas são as únicas séries aqui observadas, excluindo-se a quarta, quinta e sexta série por terem sido publicadas fora da curva temporal definida para o nosso estudo (a quarta série foi publicada entre 1926–1928, a quinta entre 1928–1929 e a sexta entre 1929–1938). 238 No primeiro número da segunda série usou-se também tipo sem patilha no termo de impressão, mas por ter sido um caso pontual considerou-se de pouca relevância para a análise geral. Recordemos ainda que o uso do tipo de letra gótico foi usado como uma alusão à letra característica dos incunábulos da época de governação do rei D. João II. Ver: 5.2.12. Nação Portuguesa, revista de cultura nacionalista (1914–1938). 447 Figura 5.327. Capa da Nação Portuguesa, n. 5, 2ª Série, Lisboa, Novembro de 1922. Figura 5.328. Capa da Nação Portuguesa, n. 1, 3ª Série, Lisboa, Julho de 1924. Na terceira série da revista a alteração à configuração da capa (fig. 5.328) foi a retirada do Sumário, passando a ser impresso definitivamente no interior da revista (observado adiante). Com esta redução de conteúdo houve uma redistribuição espacial vertical dos restantes elementos ganhando então destaque o número da revista. Este não só passou para o eixo central que determina o alinhamento da composição, mas o número passou a ser impresso a vermelho e num corpo maior. Os restantes elementos mantêm características semelhantes. Páginas interiores O tratamento gráfico do miolo destas duas séries da Nação Portuguesa continua a assemelhar-se a um livro de literatura tradicional, mas variando a composição relativamente à primeira série. Os textos continuam a ser compostos maioritariamente em tipo romano, verificando-se excepcionalmente alguns compostos em tipo sem patilha (fig. 5.331). As margens mantêm-se semelhantes, sendo a inferior e exterior maiores que as suas opostas, mas a estrutura das páginas passou a variar entre a organização em uma ou duas colunas (fig. 5.329), sem um critério específico notório, desaparecendo no segundo caso do uso do filete em corondel. A marcação de parágrafos continua a ser feita com recurso ao recuo, mas agora a relação entre e o entrelinhamento e o corpo de letra é mais equilibrado. O alinhamento dos textos é justificado e no caso dos poemas segue a métrica dos versos, sendo a mancha de texto centrada com as margens (fig. 5.331). Os títulos passaram a ser compostos em diferentes estilos de tipo de letra, podendo ser em tipo fantasia, sem patilha ou romano, continuando a surgir centrados com a mancha de texto. Contudo, a separação é agora efectuada um pequeno filete simples ou de intestação também centrado, ou intercalado com o nome do autor sublinhado com um filete e alinhado à direita. As demais páginas (sem títulos) continuam a ser caracterizadas pelo uso de um título corrente, mas este agora é constituído apenas com a numeração de página na margem exterior, surgindo centrado com a mancha de texto o nome da revista e o título do texto, nas páginas par e ímpar respectivamente, ambos compostos em tipo sem patilha (fig. 5.330). 448 Figura 5.329. Nação Portuguesa, n. 1, 3ª Série, Lisboa, Julho de 1924: pp. 70–71. Figura 5.330. Nação Portuguesa, n. 1, 3ª Série, Lisboa, Julho de 1924: pp. 74–75. 449 Figura 5.331. Nação Portuguesa, n. 1, 3ª Série, Lisboa, Julho de 1924: pp. 84–85. Figura 5.332. Nação Portuguesa, n. 2, 3ª Série, Lisboa, 1924: sp. 450 Os textos passaram a ser encerrados com o recurso a vinhetas tipográficas, algumas de estilo Arte Nova, e quase sempre com motivos florais (fig. 5.329 e fig. 5.331). Este conjunto de características é semelhante ao de outras revistas da mesma época aqui observadas (Conímbriga, Homens Livres ou Revista Portuguesa – todas de 1923), parecendo existir um modelo estilístico que as une, ao qual não será certamente estranho o projecto gráfico da Contemporânea: uso das vinhetas no final dos textos, títulos centrados com a mancha de texto com um corpo generoso, ou ainda o uso de filetes de intestação. Deve-se ainda referir que o sumário passou definitivamente para as páginas interiores a partir da terceira série (fig. 5.332). Esta opção passava por uma decisão editorial que foi explicada no primeiro número desta série, e com a qual visavam um melhoramento da publicação.239 O Sumário surgia assim numa página da primeira de duas partes, nas quais se dividia agora a revista, sem posição fixa e variando bastante a sua configuração (organização e composição com grande diversidade de tipos de letra). As duas partes tinham funções distintas, sendo a primeira para conteúdos ou “estudos de momentânea curiosidade”, enquanto a segunda parte surgiam as contribuições originais mais importantes. Estas duas partes tinham inclusivamente numerações de página independentes para que os leitores pudessem, se o assim pretendessem, encadernar separadamente. Em conclusão, apesar da evolução e do passar dos anos a capa manteve o seu carácter, o que acreditamos ter servido sobretudo para marcar a posição ideológica nacionalista da Nação Portuguesa. Contudo, as páginas interiores foram modernizadas e simplificadas, apresentando uma mudança no grafismo que não teve paralelo na capa. Aliás, a decisão editorial de melhoramento supra-referida parece ser uma preocupação por apresentar algum progresso, o qual acreditamos estar ligado o padrão de qualidade entretanto levantado pela Contemporânea. 239 Nação Portuguesa, n. 1, 3ª Série, Lisboa, Julho de 1924: sp. 451 5.2.31. Bysancio, revista coimbrã, artes e letras (1923–1924) Apresentação A revista Bysancio240 foi publicada em Coimbra tendo saído a público seis números entre Março de 1923 e Janeiro de 1924. A revista teve como editor José Veiga, sendo o seu “Grupo Directivo” constituído por Alberto Martins de Carvalho, Alberto Simões Pereira, Alexandre de Aragão, Fausto dos Santos, João de Almeida, João Lumbrades e Luís Veiga. Na colaboração literária surgem os nomes de, entre outros, Alexandre de Aragão, João de Almeida, Fausto dos Santos, José Tavares, Fernão da Beira, José Régio e Vitorino Nemésio. Nesta publicação, subintitulada Revista coimbrã, artes e letras, fica patente no texto introdutório do primeiro número (pp. 1–2) o fascínio pelo Oriente e pela arte bizantina, o exotismo e mistério, revelando não só o lado fantasista dos autores,241 mas justificando também o título Bysancio – referência ao antigo nome da capital do Império Romano do Oriente, Constantinopla, actual Istambul. Esta referência remete para a transição de um mundo para outro mundo, no lugar e no tempo, agregando as estruturas volúveis da própria evolução. Ou seja, em termos estético-literários, os seus textos situam-se numa linha entre o Simbolismo e o Decadentismo, pautados ainda pelo nacionalismo literário e pelo Saudosismo. Estas características marcariam a futura revista Presença (1927),242 da qual José Régio foi o director e onde se encontram novamente alguns dos colaboradores literários aqui presentes. Na colaboração artística figuram os nomes de Tavares Morato (capa), Fausto Gonçalves, José de Seabra e João Carlos, não se identificando na revista o cargo de director artístico. Projecto gráfico A Bysancio apresentou-se com um formato 170x220mm e foi produzida na Imprensa Académica de Coimbra (Coimbra). A revista era constituída por capa e um corpo de vinte e quatro páginas em papel Corrente, às quais se juntavam algumas imagens impressas em papel Couché e coladas sobre uma página do miolo. A Bysancio teve a capa e as imagens impressas a uma cor, e o miolo a duas cores, recorrendo à tipografia tradicional em chumbo, fotogravura, xilogravura e zincogravura. A encadernação foi brochada e cosida. Capa A capa da Bysancio (fig. 5.333), segundo Tomaz de Figueiredo,243 é da autoria de Tavares Morato e mostra um conjunto de características arquitectónicas, um cenário de zimbórios formado por duas colunas sustentando uma arquitrave ornamentada, onde se observa um friso ornamentada com motivos florais envolvendo o título da revista. As colunas enquadram ainda uma representação em alto contraste da Hagia Sophia244 na qual assenta o subtítulo da revista. A ilustração, o desenho das letras caligráficas do título e subtítulo apresentam particularidades de uma execução com pouco domínio, distante das características que 240 Ainda que esta revista apresente o título na capa grafado como Byzancio, optou-se pela forma Bysancio tal como surge no seu interior e nos índices da BNP e na bibliografia consultada. 241 Rocha, Op. Cit., 1985, pp. 369–370. 242 Guimarães, Fernando. Simbolismo Modernismo e Vanguardas. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1982: p. 242. 243 Apud. Neves, Márcia Seabra. Da francofilia no imaginário presencista: da NRF à presença. Aveiro: Universidade de Aveiro – Departamento de Línguas e Cultura, 2010 [Dissertação de Doutoramento]: p. 194. O nome de Tavares Morato apenas surge na assinatura da capa, não se tendo encontrado mais informação sobre este autor. 244 A Basílica de Santa Sofia cujo nome em grego significa “sagrada sabedoria” foi construída entre 532 e 537 pelo Império Bizantino como a Catedral de Constantinopla. 452 marcaram as qualidades artísticas do estilo bizantino, patenteando uma menor capacidade artística e técnica de Tavares Morato. A capa manteve semelhante em quase todos os números, registando-se apenas duas variações ao longo dos seis números. A primeira registou-se somente no segundo número e resultou da troca da cor usada na impressão da capa, tendo sido naquele caso a vermelho. A segunda alteração relacionou-se com a indicação do número da revista, colocado sob a ilustração nos números 3 e 4 foi composto em tipo romano, e nos dois últimos foi inserido dentro de um círculo e composto em tipo sem patilha – os dois primeiros números não apresentaram este elemento. Figura 5.333. Capa da Bysancio, n. 3, Coimbra, Maio de 1923. Páginas interiores O interior da Bysancio apresenta uma composição que a aproximam de um estilo de influência Arte Nova recordando outra revista coimbrã, A Rajada (1912)245. Essa proximidade deve-se sobretudo a três factores: os tipos de letra usados, o uso de duas cores (vermelho e preto) na impressão, e o esquema de composição tipográfica que variou entre o uso de uma ou duas colunas de texto (fig. 5.337), formando uma mancha gráfica delimitada por um conjunto de filetes ortogonais impressos a vermelho. No entanto, a lógica deste esquema também observado na revista A Rajada, sobretudo a relação dos textos em prosa e poesia com o respectivo uso de duas e uma coluna, não foi adaptado na Bysancio com o mesmo rigor e coerência. Esta questão estará seguramente relacionada com uma menor capacidade técnica dos impressores da oficina tipográfica responsável pela sua produção e, sobretudo, com a actuação de Correia Dias como director artístico d’A Rajada. 245 Ver: 5.2.6. A Rajada, revista de crítica, arte e letras (1912) 453 Figura 5.334. Bysancio, n.º 3, Coimbra, Maio de 1923: verso da capa e p. 1. Figura 5.335. Bysancio, n.º 6, Coimbra, Janeiro de 1924: pp. 12–13. 454 Figura 5.336. Bysancio, n.º 6, Coimbra, Janeiro de 1924: pp. 8–9. Figura 5.337. Bysancio, n.º 1, Coimbra, Março de 1923: pp. 16-17. 455 A Bysancio abria com uma “página preliminar” no verso da capa (fig. 5.334), constituindo uma excepção relativamente às demais páginas. Assim, aquela página foi impressa com a mesma cor preta da capa (exceptuando o segundo número que foi impressa a vermelho), estando o conteúdo dividido em quatro áreas separadas por filetes finos, e delimitadas por molduras ornamentadas de distintas tipologias. Nas duas áreas superiores, com molduras iguais, ficava a ficha técnica e o sumário, enquanto nas duas áreas inferiores os espaços foram reservados à apresentação de publicidade (surgia novamente em quatro áreas, seguindo o mesmo esquema, no verso da contracapa). A soma do grafismo das molduras e a diversidade de tipos de letra usados (romanos, sem patilha e fantasia) provoca uma polifonia discursiva que dificulta a percepção de hierarquias, destacando-se perante essa prolixidade gráfica apenas o Sumário graças à sua neutralidade tipográfica e clareza comunicacional. O miolo da revista apresentou uma lógica cromática que se manteve constante em todos os números, sendo os textos, títulos, imagens e fólio impressos a preto, enquanto as cercaduras, a capitular inicial ornamentada (com algumas excepções) e algumas chamadas dos textos foram impressas a vermelho. A cercadura rectangular exterior funcionava como elemento organizacional, definindo o espaço da mancha de texto. No centro desse espaço, quando o texto era composto em duas colunas, usaram um filete vertical em corondel para a divisão estrutural. Em cabeçalho havia uma área definida por um filete horizontal reservada à apresentação de um “título corrente”, sendo este composto pelo título do texto (fig. 5.335), ou o título e autor da imagem apresentada (fig. 5.336). Na primeira página do miolo (fig. 5.334) esse espaço continha um cabeçalho de identificação com o título, número e data da publicação. Relativamente aos de tipos de letra usados na composição da revista, parece ter existido uma tentativa de estabilização na sua escolha/recurso conforme foram saindo os números. Observando a primeira página de texto notamos que o cabeçalho de apresentação se manteve quase sempre idêntico, alterando apenas o tipo usado no nome da revista que no primeiro número foi composto num tipo sem patilha, fixando-se posteriormente num tipo romano egípcio. Ainda no cabeçalho, o número e data foram sempre compostos em tipo fantasia de estilo Arte Nova. Os textos foram todos compostos em tipo romano, e iniciavam sempre com uma capitular ornamentada complementada com a composição da primeira palavra em versaletes. Os textos eram rematados com a apresentação do nome do autor, também em versaletes, alinhado com a margem direita do texto. Os títulos correntes dessas páginas começaram por ser compostos recorrendo a variados tipos romano, sem patilha e fantasia (fig. 5.337), estabilizando a partir do terceiro número em tipo fantasia de estilo Arte Nova (fig. 5.335). Deve-se ainda referir que o corpo dos títulos correntes variava, sendo menor nas páginas de sequência do que na de início de texto, uma opção semelhante à observada n’A Rajada. Em alguns casos isolados os títulos foram complementados com ornamentos ou pontos tipográficos. Observa-se ainda o uso de outros elementos gráficos na composição da Bysancio, nomeadamente o recurso a vinhetas tipográficas como remate no final de textos (fig. 5.337), compensando o espaço vazio, ou a utilização de pequenos ornamentos tipográficos na marcação das pausas nos textos. Uma referência final para as imagens que, como referimos, eram impressas separadamente das páginas e coladas posteriormente (fig. 5.336). Uma opção que permitia que a sua reprodução não fosse limitada pelos constrangimentos técnicos e compositivos da construção das páginas. Em conclusão, esta revista fica marcada por um tardio uso do estilo Arte Nova. Este terá sido certamente adoptado mais por uma questão de influência de outras revistas, sobretudo d’A Rajada, do que uma adaptação aos princípios estético-literários explanados de forma 456 mais coerente na capa. Nesse sentido, e dada a ausência de um responsável pela direcção artística, acreditamos que a falta de rigor estilístico notada se relacionará sobretudo com as deficiências técnicas e de mão-de-obra da oficina tipográfica. 457 5.2.32. Conímbriga, revista mensal de arte, letras, sciência e crítica (1923) Apresentação A revista Conímbriga foi publicada em Coimbra tendo saído apenas um número com data de 17 de Março de 1923. Apresentou António Gomes de Oliveira como editor, sendo identificados como directores Valdemar Lopes (“gerente”) e Campos de Figueiredo (literário). Na colaboração literária surgem os nomes de, entre outros, Augusto Gonçalves, Teixeira de Pascoaes, Augusto Casimiro, Afonso Lopes Vieira, Vitorino Nemésio e Meneses Cardoso. Na colaboração artística encontram-se os nomes de Germano Vieira (capa), Vázquez Díaz e José de Seabra. Esta Revista mensal de artes, letras, sciência e crítica identifica-se com uma linha estéticaliterária de tradição, patenteando “Saudade do passado e do espaço nacional”, mas que devido à sua curta duração não se afirmou no contexto literário nacional como a Ícaro (1919), a Nova Phenix Renascida (1921) ou a Bysancio (1923). A Conímbriga apresentou-se com uma abordagem crítica à acção da vanguarda nacional, afirmando em oposição que não pretendiam “reformar a literatura nacional”, pois “ela se reformará por si, como historicamente tem sucedido, dentro das leis da evolução natural, sem a intervenção de mentores e orientadores improvisados.”246 Manifestou-se ainda com um pendor regionalista, defendendo a competência dos autores de Coimbra. O título da revista, Conímbriga, refere-se ao maior sítio arqueológico romano de Portugal.247 Contudo, esta toponímia foi usada de forma metafórica como referência à cidade Coimbra e às suas obras do passado. Esta questão é apresentada por Augusto Gonçalves248 como mote do programa literário e artístico, onde este traça um paralelo entre a destruição daquela bela povoação romana portuguesa, Conímbriga, e a tentativa de destruição da literatura nacional tentada pela vanguarda portuguesa, a “geração de Orpheu”. Ou seja, o título Conímbriga foi usado como referência à beleza do antigo, o próprio do lugar, que é necessário salvaguardar e preservar. Esta revista teve como director artístico Germano Vieira (1896–1970), médico de formação e artista auto-didacta. Segundo Manuel Leite,249 Germano Vieira licenciou-se em Medicina em Coimbra no ano de publicação desta revista, tendo usado os seus dotes artísticos na decoração de cerâmica como forma de financiar os estudos naquela cidade. Após o período da sua formação supõe-se que terá dedicado a sua vida exclusivamente à medicina, não lhe sendo conhecido qualquer outro facto relevante na área artística. Projecto gráfico A Conímbriga foi impressa na oficina tipográfica Lumen (Coimbra) com um formato 200x260mm. Esta publicação foi constituída por capa e um corpo de vinte e quatro páginas em papel Kraft forte e papel Vergé, respectivamente, interpostas por duas páginas hors-texte com imagens em papel Couché. Foi impressa a uma cor (preto), exceptuando uma das imagens, impressa em tom sépia, recorrendo à tipografia tradicional em chumbo, xilogravura e fotogravura (similigravura de meios tons e zincogravura nos desenhos a traço). A encadernação foi brochada e cosida. 246 Conímbriga, n. 1, Coimbra, 17 de Março de 1923: p. 3. As ruínas da Cidade romana de Conímbriga foram consagradas como monumento nacional em 1910. Conímbriga, n. 1, Coimbra, 17 de Março de 1923: p. 5. 247 248 Leite, Manuel. Da vida do médico e do artista. Maia: Câmara Municipal – Pelouro da Cultura, 1998. Curiosamente, a direcção artística revista Conímbriga não é mencionada nesta obra. 249 458 Capa A capa da Conímbriga (fig. 5.338) foi realizada por Germano Vieira, apresentando uma composição realizada em xilografia. Esta é uma técnica que, possivelmente, o autor não dominaria, mostrando por isso deficiências no desenho de letras, notório na falta de uniformidade expressiva entre as letras do título e subtítulo da capa. Ou seja, se por um lado o título apresenta letras com um desenho geometrizado, notando-se imperfeições na uniformidade do traço ou nas formas incomuns nas letras “C” e “G”; por outro lado, o subtítulo apresenta letras mais expressionistas, com algumas letras sobredimensionadas (todos os “T” são maiores), uma união de traços nas duas primeiras letras de Arte não justificáveis, ou ainda as forçadas ligaturas das pintas dos “I” com o “T” em Crítica, configurando, assim, uma falta de unidade no desenho de conjunto. Figura 5.338. Capa da Conímbriga, n. 1, Coimbra, 17 de Março de 1923. A ilustração da capa mostra uma figura feminina vestida de negro envolvendo um vaso com o seu manto. Esta figura representa uma Tricana, a mulher do povo da região de Coimbra que se tornou emblemática em finais do século XIX, início do XX, que alimentou não só o imaginário de escritores e poetas nas suas obras literárias e fados de Coimbra, mas também as fantasias e impulsos amorosos dos estudantes daquela cidade. A Tricana, tradicionalmente representada com um cântaro de barro com o qual carregava água do rio Mondego, surgia na capa como representação das temáticas da Saudade, do “amor estudantil” e do “amor pela cidade”, e que estão patentes num texto de Valdemar Lopes (p. 17) intitulado “Saudade”. A decoração do cântaro, uma flor que perde pétalas, também parece ser uma alusão à melancolia da Saudade. Por outro lado, Germano Vieira dedicou-se enquanto estudante em Coimbra à decoração da cerâmica de Coimbra, sendo o cântaro da Tricana um dos expoentes máximos da olaria tradicional daquela cidade.250 Uma actividade reflectida na decoração do cântaro representado na capa, mas que neste caso não aporta nenhum outro significado além do ornamental. 250 A olaria de barro vermelho – produção de cântaros, púcaros, moringues, bilhas, talhas e cabaças – era originária de algumas povoações ao redor de Coimbra. O seu cunho artístico, o facto do seu comércio se proceder fundamentalmente naquela cidade, e o uso do cântaro como um atributo indispensável na imagem da Tricana, levaria a que ficasse conhecida como sendo “de Coimbra”. 459 Páginas interiores O corpo da revista Conímbriga abre com um frontispício tradicional na primeira página (fig. 5.339). Este apresentava em cabeçalho o título e subtítulo da publicação, tendo no centro o corpo fundador (directores e editor), data, numeração e local de edição. Em rodapé surge ainda o termo de impressão e o contacto da redacção e administração, sendo separado da parte superior por um ornamento floral. A página foi organizada segundo um alinhamento central que respeita a mancha de texto e margens definidas para toda a revista. A informação usou diversos tipos romanos na sua composição, sendo as hierarquias definidas pelos corpos e posição no espaço. A diversidade de tipos de letra nestas páginas era um recurso recorrente, sobretudo nas oficinas tipográficas de menor capacidade técnica. O ornamento aqui usado foi, como veremos, um recurso constante na marcação de pausas ou no remate dos textos desta revista. Na segunda página é apresentado o sumário (fig. 5.340: p. 2), somando-se a apresentação de um conjunto de autores que figurariam no segundo número que nunca foi publicado. A informação desta página foi enquadrada num rectângulo de filete simples e foi composto em tipo romano, diferenciando-se o escolhido para compor de forma destacada o termo Sumário. O corpo de texto da revista inicia na página seguinte (fig. 5.340: p.3), mostrando uma organização que se manteve coerente ao longo de toda revista. Destacamos nessa organização o posicionamento assimétrico da mancha de texto na página (fig. 5.341), com margens inferiores e interiores menores que as suas opostas, e a sua delimitação vertical através do uso de filetes de intestação à largura da mancha. Estes filetes foram omitidos na apresentação de alguns poemas (fig. 5.344), ou em casos excepcionais substituídos por filetes de fantasia. A caracterização gráfica das páginas fica ainda marcada pela numeração das páginas em rodapé, composta com algarismos elzevirianos de tipo romano, com corpo e espaço entre caracteres generosos. O texto quase todo composto num único tipo romano, apresentando parágrafos bem marcados com recuo, um entrelinhamento equilibrado e formando, no geral, uma mancha de texto uniforme. As únicas excepções registaram-se na página 7 e entre as páginas 13 e 16, onde o texto apresenta outros tipos de letra romano e com o corpo maior, ou bastante maior como no caso da página 13 (fig. 5.342). Os títulos dos textos foram compostos em diferentes tipos de letra, sem um critério perceptível, e em diferentes tipos de letra romano, sem patilha ou fantasia, estando separados do corpo de texto pelo filete de intestação, por filete duplo (fig. 5.343) ou um ornamento (fig. 5.342). Nalguns casos excepcionais, o nome do autor surgia antes do título intercalados pelo filete de intestação (fig. 5.342), enquanto na maioria dos casos o nome do autor encerrava os textos (fig. 5.343). Em todo o caso, importa salientar que é notória a intenção de destaque dos títulos, evidenciados pelo uso de um corpo grande em proporção com o do texto. As páginas da Conímbriga ficaram ainda marcadas pelo uso de capitulares e ornamentos. As capitulares foram usadas em diversos textos, mas não se vislumbrou um critério específico para o seu uso ou composição, aplicado numa ou mais letras (fig. 5.342) e surgindo em tipo romano ou sem patilha de diversas famílias tipográficas. Os ornamentos foram usados para marcar o final dos textos (fig. 5.343: p. 19) ou criar separações, caracterizando-se quase todos por uma temática floral de estilo Arte Nova, sendo usados num tamanho acima da média verificado nas demais revistas analisadas. Cremos que este uso de ornamentos de estilo Arte Nova tardio se justificará fundamentalmente por uma questão de disponibilidade limitada de material na oficina tipográfica, e não por uma opção estilística deliberada. 460 Figura 5.339. Conímbriga, n. 1, Coimbra, 17 de Março de 1923: frontispício. Figura 5.340. Conímbriga, n. 1, Coimbra, 17 de Março de 1923: pp. 2–3. 461 Figura 5.341. Conímbriga, n. 1, Coimbra, 17 de Março de 1923: pp. 10–11. Figura 5.342. Conímbriga, n. 1, Coimbra, 17 de Março de 1923: p. 13. 462 Figura 5.343. Conímbriga, n. 1, Coimbra, 17 de Março de 1923: pp. 18–19. Figura 5.344. Conímbriga, n. 1, Coimbra, 17 de Março de 1923: s.p. Figura 5.345. Conímbriga, n. 1, Coimbra, 17 de Março de 1923: p. 17. As quatro imagens existentes entraram na composição gráfica da revista de duas formas. Duas surgem em páginas hors-texte, complementadas pela apresentação do título, autor e identificação da publicação (fig. 5.344). As outras duas tomaram o carácter de ilustração do conteúdo literário dos textos aos quais se juntam, sendo uma colocada no final em substituição da normal vinheta (p.12), e a outra ladeando um poema (fig. 5.345). 463 Em conclusão, esta revista apresenta um grafismo expressivo, sobretudo através do uso de títulos e ornamentos em tamanhos pouco usuais. Estes são ainda coadjuvados pelo uso dos filetes de intestação, conferindo um carácter visual vincado à revista Conímbriga, ainda que tipograficamente haja alguma falta de uniformidade estilística. Opções que poderão ter absorvido influências do grafismo da revista Contemporânea, que nesta época se afirmava como um dos mais importantes projectos literários e gráficos a nível nacional. Por último, mantemos o carácter metafórico do título da publicação, pois não se observa qualquer referência, icónica ou de conteúdo literário, ao sítio arqueológico de Conímbriga. 464 5.2.33. Homens Livres, livres da finança e dos partidos (1923) Apresentação A revista Homens Livres teve dois números publicados em Lisboa com data de 1 e de 12 de Dezembro de 1923. Apresentou António Sérgio como director e Reynaldo dos Santos como editor, não existindo indicação de direcção artística. Programada com periodicidade semanal, esta revista juntou nas suas páginas intelectuais com princípios ideológicos muito diferentes. Apresentando-se em subtítulo como Livres da finança e dos partidos, reúne nas suas páginas intelectualidades nacionais de diversos espectros ideológicos, destacando-se, entre outros, António Sérgio, Jaime Cortesão e Raul Proença ligados à Seara Nova, os Integralistas251 António Sardinha e Pequito Rebelo, o anarquista Aurélio Quintanilha e autores de muitas outras sensibilidades, opções políticas ou religiosas. Clara Rocha252 refere que esta se trata de uma revista de “feição política”, onde houve uma “tentativa de diálogo entre Seareiros e Integralistas, dois grupos ideológicos antagonistas que aqui conjugam os seus ataques ao regime.” Segundo o escritor António Sérgio,253 no editorial do primeiro número, os “Homens Livres”, na sua diversidade, apresentam-se como os homens novos do novo século, rejeitando o caminho da tradição política do século XIX que a República parecia estar a querer tomar naquele ano de 1923. Este discurso unívoco entre facções opostas funciona porque deslocam a tradicional querela política entre direita e esquerda pela de novo e velho, ou vivo e morto, mais próprias da arte e da cultura. Na colaboração artística registamos apenas a reprodução de um desenho caricaturista de Lluis Bagaria i Bou (1882–1940), artista nascido em Barcelona e um dos mais importantes caricaturistas espanhóis da primeira metade do século XX. Os seus desenhos caracterizamse por um estilo humorista de traço sintético, tendo sido publicados na imprensa catalã e madrilena entre 1906 e 1940. Projecto gráfico Esta revista foi impressa em Lisboa na Tipografia do Comércio, recorrendo ao tradicional sistema de tipografia de chumbo e fotogravura, em papel Jornal e usando apenas a cor preta. Apresentou-se com um formato 230x320 mm com encadernação brochada. Páginas A Homens Livres apresentou-se em cada um dos seus exemplares com dezasseis páginas, sem capa e com uma estrutura gráfica semelhante à de um jornal com paginação vertical. Uma opção que pode, neste caso, estar relacionada com o carácter político desta publicação. A composição gráfica da revista apresenta-se tipograficamente bem realizada, usando equilibradamente diferentes tipos romanos – o texto usa sempre o mesmo tipo, variando apenas nos títulos dos textos ou secções temáticas, e em notas pontuais foi usado um tipo sem patilha. A composição é bem realizada e hierarquizada, criando uma fluente leitura do seu conteúdo. A mancha gráfica é assimétrica com as margens interior e inferior menores que as exterior e superior, respectivamente. 251 O Integralismo Lusitano foi um movimento monarquista nacionalista, tradicionalista por opção estético-filosófica, afirmando-se mais pela recusa de modelos, ideações políticas ou credos do que por autêntica criação projectiva. Ver: 5.2.12. Nação Portuguesa, revista de cultura nacionalista (1914–1938). 252 Rocha, Op. Cit., 1985, pp. 372 e 378. Homens Livres, n. 1, Lisboa, 1 de Dezembro de 1923: p. 1. 253 465 Figura 5.346. Homens Livres, n. 2, Lisboa, 12 de Dezembro de 1923: p. 1. Figura 5.347. Homens Livres, n. 2, Lisboa, 12 de Dezembro de 1923: p. 3. Figura 5.348. Homens Livres, n. 2, Lisboa, 12 de Dezembro de 1923: p. 9. Figura 5.349. Homens Livres, n. 2, Lisboa, 12 de Dezembro de 1923: p. 11. 466 A primeira página (fig. 5.346) apresenta-se verticalmente dividida em três partes de dimensão idêntica. Na parte superior surge o título da revista distribuído em duas linhas, composto em tipo romano didodiano, caixa alta e alinhado ao centro. Um título que domina hierarquicamente a composição da capa, assegurando assim não só a identidade da publicação de uma forma quase panfletária, mas também o carácter clássico que caracterizou o seu grafismo. A dividir esse espaço de identificação foi aplicado um filete de intestação a toda a largura da mancha gráfica. A parte central da primeira página foi reservada à informação técnica, sendo ali apresentado o subtítulo, composto no mesmo tipo didodiano do título e também em caixa alta, sucedido pela citação em epígrafe “«Livres e seguros» – Camões”, pela apresentação de uma extensa lista de colaboradores e, por fim, uma linha com o número, data e local de edição. Este segundo bloco de informação é rematado por um curto filete de intestação que o separa do início do texto. À excepção da epígrafe, todos os elementos neste bloco central estão alinhados ao centro, estando a epígrafe alinhada à direita na mancha gráfica. O corpo de texto foi composto em duas colunas seguindo um sistema vertical de composição, tradicional nos jornais da época. Os diferentes textos estão assim editados de forma sequencial, separados por um pequeno filete raso (fig. 5.348), encabeçados pelo título do artigo e finalizados com a identificação do autor alinhado, ambos composto em caixa-alta e com os respectivos alinhamentos ao centro e à direita da coluna de texto. Quando um texto ocupa uma página inteira o título deste é centrado com as duas colunas (fig. 5.347). Os textos são compostos com uma confortável entrelinha, alinhamento justificado e uma boa marcação (recuada) dos parágrafos. Contudo, o grafismo clássico foi pontualmente interrompido pela introdução de títulos em tipo fantasia de estilo Arte Nova (tardio), mas que podem neste caso representar somente um recurso por falta de material disponível na oficina tipográfica que produziu a Homens Livres (fig. 5.347). Por último, refira-se que na normal organização gráfica das páginas a imagem (apenas uma por número) está encadeada e condicionada à dimensão das colunas de texto (fig. 5.349). De uma forma geral, esta revista fica marcada pelo grafismo de carácter Neoclássico, um retorno historicista onde o equilibrado grafismo parece adaptar-se à abertura de diálogo pretendida entre os referidos antagonistas grupos ideológicos que aqui se conjugam. Ou seja, apresenta uma atitude gráfica de idoneidade neutra relativamente ao discurso do seu conteúdo literário. Por outro lado, o estilo clássico apresentado nesta revista pode estar relacionado com o do Noucentisme catalão, denunciado aqui não só pela participação de Lluis Bagaria i Bou, mas também pela oposição política dos novos esquerdistas e direitistas ao rumo de tradição oitocentista que, como referimos, a República parecia querer tomar naquela época. 467 5.2.34. Revista Portuguesa, literatura, crítica d’arte, sport, teatro, música, vida estrangeira (1923) Apresentação A Revista Portuguesa foi publicada em Lisboa ao longo de 24 números, tendo o primeiro número saído a 10 de Março e finalizando com o número duplo 23–24 a 13 de Outubro do mesmo ano de 1923. Teve como editor e director Victor Falcão, não sendo referenciada qualquer direcção artística. Na colaboração literária destacam-se, entre outros, Américo Durão, Mário de Saa, Ivo Cruz, José Bragança, Óscar da Silva e Rebelo de Bettencourt. Na colaboração artística encontram-se alguns dos mais destacados artistas modernos da época, entre outros, António Soares, Bernardo Marques, Mário de Saa, Christiano Cruz, Diogo de Macedo e Jorge Barradas. Segundo Cecília Barreira,254 este semanário de literatura, crítica d’arte, sport, teatro, música, vida estrangeira é um exemplo da “aliança entre um tradicionalismo político e um modernismo de cariz estético”, uma revista que “pretendia-se exigente e crítica”. Ainda que a Revista Portuguesa tenha exposto uma “rivalidade editorial” com a Contemporânea (1922), acabou por perseguir públicos diferentes, aproximando-se de uma abordagem mais popular – o preço mais acessível, o formato menor e as temáticas mais populares como o futebol, favoreceram essa distinção. Uma ideia que ficou claramente exposta no texto de apresentação do primeiro número, no qual o director Victor Falcão afirma que “a Revista Portuguesa completará, pela crítica e pela divulgação de ideias, a obra de documentação intelectual e artística que está realizando a Contemporânea.”255 Por outro lado, enquanto a Contemporânea, como vimos, reflectia as preferências do seu criador, José Pacheko, a Revista Portuguesa tentava apresentar uma visão mais abrangente da Modernidade nacional: “como ser vanguarda (intelectual e artística) em Portugal nos anos que então decorriam?”. As duas revistas apresentam uma interessante correlação que, como veremos adiante, se nota também ao nível gráfico. A revista acabaria quando ainda “procurava um rumo próprio na postura crítica.”256 A falta de apoios financeiros, a falta de pagamento das assinaturas por mais de 600 indivíduos,257 e a colaboração de escritores e jornalistas de outras publicações não permitiu a continuidade semanal da Revista Portuguesa – a revista manteve uma cadência semanal até ao penúltimo número (nº 22 de 25 de Agosto de 1923), saindo último (número duplo) quase dois meses depois. Curiosamente a revista teve suporte financeiro da Contemporânea através de publicidade publicada nas suas páginas. Refira-se ainda que nas páginas da Revista Portuguesa foram publicados artigos sobre outras revistas, entre as quais encontramos notas sobre a Contemporânea, Alma Nova, Conímbriga e uma acesa troca de críticas pejorativas com a Bysâncio. Projecto gráfico A revista apresentou um tamanho pequeno, 128x185 mm, variando entre as 32 e 48 páginas por número. Impressa em Lisboa por Victor Falcão – Oficinas Tipográficas (propriedade do director e editor da revista), usou apenas uma cor (preto) nas páginas interiores, impressas em papel Jornal, sendo a capa impressa em papel Jornal calandrado também a uma cor, mas variando de tonalidade (verde, laranja ou vermelho) ao longo dos números. Esta revista foi impressa recorrendo à tipografia tradicional de chumbo e 254 Barreira, Cecília. “A «Revista Portuguesa»: Tradição e Modernidade”. (Estudo prévio). Em: Revista Portuguesa. (Ed. fac-similada, Volume I). Lisboa: Contexto, 1983: pp. IX–XII. Revista Portuguesa, n. 1, Lisboa, 10 de Março de 1923: p. 4 Barreira, Op. Cit., 1983, p. XVI. Victor Falcão em: Revista Portuguesa, n. 23–24, Lisboa, 13 de Outubro de 1923: p. 3. 255 256 257 468 fotogravura (similigravura nos meios tons e zincogravura nos desenhos a traço), sendo a sua encadernação brochada e grampada. Capa A capa da Revista Portuguesa é uma boa sinopse do estilo gráfico que será aplicado ao longo de toda a revista (fig. 5.350). Apresenta uma configuração gráfica neoclássica, seguindo uma linha próxima ao que já observámos na Contemporânea e na Homens Livres, onde se nota uma valorização do neo-academismo e do tradicional, mas com uma abordagem clássica oitocentista menos depurada na sua expressão do que nos outros dois casos citados. No entanto, este “escaparate” da revista apresenta-se bem organizado, respeitando a mancha gráfica e margens definidas para a paginação de toda a revista. Os elementos da capa mostram um alinhamento ao centro e com uma hierarquia da informação bem trabalhada, sendo esta conseguida através da variação do corpo do tipo romano usado em todos os elementos. Figura 5.350. Capa da Revista Portuguesa, n. 4, Lisboa, 7 de Abril de 1923. Em cabeçalho e com destaque surge o título da revista, logo seguido da identificação do director. Após essa informação e separado por um filete de intestação, com metade da largura da mancha gráfica, temos o subtítulo da revista composto em três linhas de texto. Finalmente, na parte inferior e novamente separado por outro filete de intestação, atravessando agora a largura total da mancha gráfica, é apresentado o número da edição e um cliché com um cesto com flores. Este último elemento apresenta uma característica interessante, pois trata-se da mesma imagem (aqui em menor dimensão) que ilustrou a capa do sétimo número (fig. 5.303) da Contemporânea (Janeiro de 1923),258 dois meses antes da saída da primeira Revista Portuguesa. Este elemento repetido nas capas das duas revistas não tem, em ambos os casos, um autor identificado. Trata-se de uma ilustração reproduzida a partir de uma xilogravura antiga, 258 Ver: 5.2.29. Contemporânea, grande revista mensal (1922–1926). 469 configurando um caso de influência directa daquela outra revista. Refira-se que existiu uma relação próxima entre as duas publicações, pois não só o texto de apresentação do primeiro número da Revista Portuguesa refere a coexistência das duas revistas como complementares,259 como o mentor da Contemporânea, José Pacheko, é entrevistado nesse mesmo número (pp. 5–7). Soma-se ainda o facto da Contemporânea ter feito publicidade na Revista Portuguesa ao longo de toda a sua publicação (fig. 5.354). Páginas interiores De uma forma geral, a composição gráfica da Revista Portuguesa manteve-se uniforme ao longo de todos os números. A mancha gráfica foi composta assimetricamente, com as margens superiores e interiores menores do que as suas opostas, apresentando uma composição bastante equilibrada e homogénea, com bom entrelinhamento e marcação (recuada) de parágrafos. Esta revista abre com um frontispício na primeira página (fig. 5.351) que expõe uma configuração muito próxima à da capa (a publicidade no verso da capa, que referimos adiante, segue princípios gráficos semelhantes). Com uma hierarquia vertical bem definida, apresenta o título e identificação do director em cabeçalho, seguido do subtítulo. Na metade inferior, correspondendo na capa ao ornamento, apresenta dois blocos de informação: o primeiro com o Sumário, e o segundo com as condições de assinatura, preço avulso, contactos da propriedade e edição, termo de impressão e, finalmente, a data de edição. Tal como na capa, também aqui as diferentes partes são separadas por filetes de intestação, e o alinhamento dos elementos apoia-se num eixo visual vertical centrado com a mancha gráfica. No que respeita aos tipos de letra usados nesta página, nos dois elementos superiores (título e director) foram usados diferentes famílias de tipos romanos, sendo os restantes compostos em tipos romano e sem patilha, cuja ordem de uso foi variando ao longo dos números. No subtítulo foi também usado em alguns números um tipo fantasia. Em todo o caso, essas variações não alteraram a hierarquia do frontispício, mantendo-se sempre bem definida. A segunda página, no verso do frontispício, foi sempre preenchida por uma imagem (ilustração ou desenho) do artista em destaque em cada um dos números, cujos nomes referimos na apresentação desta revista (fig. 5.352). Mais uma vez encontramos uma relação com a Contemporânea, pois alguns daqueles artistas colaboraram nas duas revistas em paralelo. Uma referência para a inclusão de algumas pequenas ilustrações, em casos excepcionais, em páginas de texto e alinhando a este em corandel. As páginas de texto da Revista Portuguesa são caracterizadas pela uniformidade visual, notando-se ao longo dos números pouca variação nas opções gráficas e tipográficas. O elemento visual mais marcante, o corpo de texto, foi sempre composto com mesmo tipo romano (fig. 5.353). Nos títulos e subtítulos dos textos não houve a mesma coerência, ainda que a organização formal se manteve sempre com o alinhamento ao centro. Assim, enquanto os subtítulos foram sendo compostos em tipo romano, os títulos foram variando da seguinte forma: nos primeiros oito números foram compostos em tipo romano, entre o nono e o décimo nono número (inclusivamente) passaram a tipo sem patilha, voltando a tipo romano nos últimos quatro números. Estes dois elementos, título e subtítulo, foram sempre separados por um filete de intestação ajustado à largura da linha de texto do título (fig. 5.354), e no caso deste quebrar em mais de uma linha alinhavam com a última (fig. 5.352). 259 Victor Falcão em: Revista Portuguesa, n. 1, Lisboa, 10 de Março de 1923: p. 4. 470 Figura 5.351. Revista Portuguesa, n. 4, Lisboa, 7 de Abril de 1923: verso da capa e frontispício (p. 1). Figura 5.352. Revista Portuguesa, n. 4, Lisboa, 7 de Abril de 1923: pp. 2–3. 471 Figura 5.353. Revista Portuguesa, n. 4, Lisboa, 7 de Abril de 1923: pp. 4–5. Figura 5.354. Revista Portuguesa, n. 4, Lisboa, 7 de Abril de 1923: pp. 16–17. 472 O final dos textos era rematado com o nome do autor deste, composto em tipo sem patilha e com alinhamento à direita na mancha de texto (fig. 5.354). Quando o final do texto não coincidia com o fim de uma página era acrescentado um filete duplo, separando a inclusão de anúncios (publicitários ou de edições literárias), ou avisos, que complementavam o espaço livre (fig. 5.354). Os períodos dos textos eram também marcados com um pequeno filete de intestação. Refira-se ainda que a contra-capa, o verso desta e da capa (fig. 5.351) eram ocupados por publicidade impressa na cor da capa, e a sua composição seguia os mesmos padrões gráficos de toda a revista. Como referimos na análise da capa, esta revista mostra globalmente um estilo gráfico de influência Neoclássica oitocentista, estabelecendo paralelismos gráficos com a revista Contemporânea. Contudo, relativamente àquela outra publicação, a Revista Portuguesa apresenta um grafismo mais contido, neutro e menos renovador ou modernizante do que a Contemporânea. Conforme referimos na apresentação desta publicação, aquela abordagem mais popular estava de acordo com a intenção de atrair um público de estratos sociais distintos dos da Contemporânea, procurando assim um rumo próprio. Nesse sentido, parece ter existido uma vontade de ir de encontro com a cultura de massas que naquele início da década de 1920 começava a povoar Lisboa. Essa vontade deliberada pode-se observar em diferentes aspectos, indo desde questões de conteúdo mais populares como o desporto (futebol, boxe, hóquei, entre outros), ou o cinema que satisfazia o “gosto de multidões”.260 Uma vontade que julgamos ter passado ainda pelo preço, a escolha do papel, o menor tamanho e aspectos gráficos conforme referimos anteriormente. Uma situação que, em todo o caso, não reduz o valor gráfico da Revista Portuguesa. 260 Henrique Roldão. “O cinema”. Revista Portuguesa, n. 3, Lisboa, 24 de Março de 1923: p. 12. 473 5.2.35. Athena, revista de arte (1924–1925) Apresentação A revista Athena foi publicada em Lisboa entre Outubro de 1924 e Fevereiro de 1925, saindo em total 5 números. Teve dois editores, Paulo Vaz e Gil Vaz, e foi dirigida por Fernando Pessoa. Na colaboração literária destacam-se, entre outros, Almada Negreiros, Luís de Montalvor, Raul Leal, Mário Saa, Augusto Ferreira Gomes, António Botto e, sobretudo, Fernando Pessoa e os seus heterónimos Alberto Caeiro e Ricardo Reis, que foram revelados nesta revista. Contudo Teresa de Almeida diz-nos que esta revista terá sido criada por Fernando Pessoa, sobretudo, para que os seus heterónimos “pudessem aparecer integrados num qualquer movimento, numa qualquer estética.”261 Neste contexto, a escolha do título da revista fica explícito também no texto de apresentação, escrito por Fernando Pessoa, ao expor o espírito da publicação: “[Os Gregos] Figuraram em o deus Apolo a liga instintiva da sensibilidade com o entendimento, em cuja acção a arte tem origem como beleza. Figuraram em a deusa Atena a união da arte e da ciência, em cujo o efeito a arte (como também a ciência) tem origem como perfeição.”262 Este apelo ao classicismo, figurado no título Athena, parece querer reforçar a ideia de que a única forma de modernidade passava pelo retorno ao passado, abrindo assim espaço ao lançamento de Ricardo Reis, heterónimo de Fernando Pessoa, o poeta de formação clássica, “latinista por educação alheia e semi-helenista por educação própria.”263 Ainda segundo aquela autora, esta publicação subintitulada como “revista de arte” apareceu como uma alternativa ao período de desistências e impasse do período pós-Orpheu por parte de algumas figuras da vanguarda nacional. Nesse sentido Fernando Pessoa pretendia que a Athena se afirmasse como um espaço de “reflexão teórica, praticamente inexistente em Portugal”, seguindo uma linha editorial que pode ser subentendida na resposta dada por Fernando Pessoa a uma entrevista: “A que veio a Athena? Dar ao público português, tanto quanto possível, uma revista puramente de arte, isto é, nem de ocasião e início como o Orpheu, nem quase de pura decoração como a admirável Contemporânea.”264 Ou seja, Fernando Pessoa apresenta a Athena como uma alternativa à Contemporânea em termos de conteúdo teórico, considerando aquela outra como uma revista mundana. Nesse sentido, a Athena era uma tentativa de colmatar a inexistência de reflexão teórica sobre a Arte em Portugal, configurando esta revista um “local de reflexão” ou um lugar onde se procedia à reunião da arte e da ciência. Assim escreveu Fernando Pessoa no texto de apresentação da sua primeira edição: “pela arte nos aperfeiçoamos a nós; pela ciência aperfeiçoamos em nós o nosso conceito, ou ilusão, do mundo.”265 A arte surge aqui como produto de um indivíduo, colocando em discussão a problemática do sujeito: a afirmação da modernidade. Na opinião de Teresa Sousa de Almeida, “era o momento para o modernismo 261 Almeida, Teresa. “Athena ou a encenação necessária”. Em: Athena. (Ed. Fac-similada). Lisboa: Contexto, 1994: s.p. O contexto em que se insere esta revista foi observado anteriormente no capítulo: 1.3.4. Anos 20: A “euforia urbana” Athena, n. 1, Lisboa, Outubro de 1924: p. 5. 262 Carta de Fernando Pessoa a Adolfo Casais Monteiro onde escreve sobre a génese dos heterónimos, entre outros temas, datada de 13 de Janeiro de 1935. Publicada pela primeira vez no Diário Popular, Lisboa, de 9 de Setembro de 1943. 264 263 Diário de Lisboa, Lisboa, 3 de Novembro de 1924: p. 5. Athena, n. 1, Lisboa, Outubro de 1924: p. 5. 265 474 se poder pensar enquanto proposta teórica, fazendo o balanço do passado ou propondo novas vias para o futuro.”266 A revista foi dirigida artisticamente por Ruy Vaz e nela colaboraram, entre outros, os modernos Almada Negreiros e Mily Possoz, ao lado de reproduções de obras de Bordalo Pinheiro e Soares do Reis, entre outras. Ruy Vaz (1891–1955), filho do famoso pintor naturalista do Grupo Leão, João Vaz (1859–1931), participou no 3º Salão dos Humoristas (1919–1920) mas, segundo José-Augusto França,267 abandonaria cedo o seu destino artístico. Contudo, Ruy Vaz continuou activo e após aquela exposição juntou-se a José Pacheko e Leitão de Barros na promoção de um importante movimento de reforma nos estatutos da Sociedade Nacional de Belas Artes, sendo ainda, posteriormente, chamado por Fernando Pessoa para dirigir artisticamente a revista Athena, demonstrando a sua contínua intervenção nos meios artísticos, ainda que não através da pintura. Além desses factos, continuou envolvido com actividades em prol do modernismo português, nomeadamente na decoração do Bristol-Club e ainda numa exposição realizada neste mesmo espaço em 1926, o “II Salão” organizado por José Pacheko. Recordemos ainda que Ruy Vaz aparece identificado como o director artístico do décimo número da Contemporânea.268 Nesse mesmo ano partiria para Vila do Conde trabalhar como professor e director da Escola de Artes e Ofícios Baltasar do Couto, dando um grande impulso na divulgação e ensino das Rendas de Bilros,269 recuperando pontos antigos e desenhando novos. Projecto gráfico Apresentando um formato 200x265 mm, a Athena foi constituída por capa mole em papel Gofrado colorido (cores variadas), podendo ser vergê nalguns casos, impressa a duas cores (preto e vermelho ou verde). O corpo interior oscilou entre as 32 e as 40 páginas por número, às quais se somavam um conjunto de páginas hors-texte em quantidade variada. Este corpo interior foi todo impresso a preto, excepto uma imagem a duas cores no segundo número e outra em quadricromia no quinto, usando para esse fim diferentes tipos de papel: as páginas de texto e algumas gravuras/ilustrações em papel Vergé forte, as imagens em hors-texte em papel Couché forte e as imagens xilográficas (apenas no número 3) em papel Corrente liso. De referir ainda que a imagem colorida do quinto número, impressa em papel Couché, estava protegida com uma folha de papel velino simples. Esta revista foi impressa em Lisboa na conceituada Imprensa Libânio da Silva, recorrendo à tradicional tipografia de chumbo, fotogravura (similigravura nos meios tons e zincogravura nos desenhos a traço) e xilogravura. A encadernação foi brochada e cosida. Capa A capa da Athena (fig. 5.355) apresentou uma configuração clássica que foi imutável, variando apenas nas cores usadas e no tom do papel. Contudo, pelos exemplares observados concluímos que a cor e a textura do papel usado variavam no próprio número – algo que vimos suceder noutros títulos analisados. Devemos referir que a morada da “Direcção e Administração” da Athena coincide com a da Imprensa Libânio da Silva (Travessa do Falla-Só 24, Lisboa), levando-nos a pensar que o papel desempenhado por aquela oficina tipográfica nesta revista fosse mais do que apenas o “lugar” onde foi impressa. Partindo dessa suposição e na ausência da indicação da autoria da capa, admitimos que esta tenha sido criada internamente na Imprensa Libânio da Silva, pois é reconhecido que estava servida de impressores bem formados e qualificados. O título 266 Almeida, Op. Cit., 1994, s.p. França, Op. Cit., 1991, p. 46. Consultar: 5.2.29. Contemporânea, grande revista mensal (1922–1926). Técnica de encaixe têxtil semelhante ao espanhol “encaje de bolillos”. 267 268 269 475 e subtítulo foram executados com um tipo litográfico inédito, apresentando um interessante desenho das letras baseado num tipo romano. Os dois elementos identificadores foram hierarquizados com diferença de corpo e alternância da cor, sendo que ao longo dos cinco números o título foi sempre impresso a preto, e o subtítulo a vermelho ou verde – a cor usada em cada número era sempre a mesma, independentemente da cor do papel de base. Figura 5.355. Capa da Athena, n. 1, Lisboa, Outubro de 1924. No centro da capa está um ornamento de estilo helénico, tanto no típico florão (anthemion) com folhas de palma em leque no centro, como no bordo formado por mosaicos e espirais geometrizados, que nos recorda as tradicionais ornamentações presentes na arte e arquitectura da Grécia antiga. Este ornamento simétrico harmoniza-se perfeitamente com o título da revista, marcando também a organização da composição ajustado a um harmónico eixo central. Por fim, a informação mais técnica (numeração, data e direcção da administração) remata a capa em rodapé. Esta informação foi composta em dois tipos de letra, um romano na numeração e ano de publicação, e um sem patilha na morada e no mês da publicação. Este último foi sempre composto na segunda cor usada na capa (verde ou vermelho), enquanto os demais elementos do rodapé foram compostos a preto. A capa resume e constitui a “cara” do que vamos encontrar no interior desta revista: uma imparcialidade clássica, suportada por elementos tipográficos e ornamentais criteriosamente escolhidos, que abrem um espaço neutro para a reflexão teórica sobre a Arte em Portugal – o confronto entre o passado e a proposta de novas vias para o futuro. Páginas interiores Tal como a capa, também o interior segue uma linha clássica rigorosa e tipograficamente bem executada. Abria com uma “página preliminar”270 impressa no verso da capa (fig. 270 Os exemplares consultados estavam encadernados e no primeiro número apresentavam um anterrosto (com o título) e um frontispício (com título, subtítulo, indicação das datas do volume, um ornamento e “termo de impressão”). Contudo, a indicação das datas do volume (Outubro 1924 a Fevereiro 1925) e a ausência destas páginas nos demais números indiciam que estas páginas foram exclusivamente criadas para a encadernação. Pela sua exclusividade não serão considerados nesta análise. 476 5.356), constando nesta os créditos, sumário da edição, avisos e “termo de impressão”. A composição segue um eixo central de simetria, usa apenas um tipo de letra romano e recorre às caixas, corpos e variantes da família tipográfica para criar hierarquias. Os blocos de informação eram ainda separados por pequenos filetes de fantasia, e dentro de cada bloco por filetes rasos. Figura 5.356. Athena, n. 2, Lisboa, Novembro de 1924: verso da capa; p. 41. Figura 5.357. Athena, n. 3, Lisboa, Dezembro de 1924: pp. 102–103 477 As páginas de texto eram compostas num sistema de paginação que seguia o seguinte princípio: textos literários (prosa e poesia) foram organizados numa coluna de texto (fig. 5.357); enquanto a “secção de arte” adoptou uma estrutura de duas colunas (fig. 5.358). A organização do espaço é assimétrica, tendo a mancha de texto a margem exterior e superior maior do que as suas opostas. Os textos em prosa são compostos em tipo romano de estilo antigo, apresentando uma entrelinha equilibrada e uma marcação de parágrafos com um generoso recuo da primeira linha. Na poesia, o texto é composto em tipo romano didodiano e o corpo é apresenta variações relativamente ao usado na prosa, procurando criar sempre uma mancha equilibrada na página – a organização da coluna de texto segue neste caso o ritmo imposto pela dimensão dos versos. Os títulos dos textos em prosa e poesia são compostos em tipo romano didodiano (fig. 5.356 e fig. 5.357), em caixa alta e centrado com o texto. Nalguns casos foi separado do texto com auxílio de um filete de fantasia, estabelecendo uma hierárquica separação das partes. Figura 5.358. Athena, n. 1, Lisboa, Outubro de 1924: pp. 30–31. No caso da secção de arte (fig. 5.358) a composição foi ajustada à estruturação do texto em duas colunas – o tipo de letra usado é o mesmo dos textos em prosa. Assim, a entrelinha foi ligeiramente fechada e a marcação de parágrafos viu o recuo da primeira linha reduzida, resultando numa mancha de texto uniforme e equilibrada. Os títulos abrem com uma capitular simples seguida do uso de caixa alta com um alinhamento justificado à coluna de texto. A secção iniciou, em todos os números, com o mesmo ornamento clássico, composto por um conjunto simétrico com 3 anjos. Nesta secção foram usadas algumas imagens ilustrativas dos temas dos textos que se adaptavam à sequência e largura das colunas, ou ocupavam a largura total da mancha de texto. As páginas desta revista ficaram ainda caracterizadas com um título corrente em cabeçalho (fig. 5.357), exceptuando as de início de textos em prosa e poesia. Aquele elemento identificador da revista foi composto por um filete duplo na parte superior e um simples na inferior, entre os quais foi colocado em posição central o título da revista, composto em tipo romano com o kerning bem espaçado, ladeado por dois elementos tipográficos florais de ornamentação. 478 As páginas hors-texte com imagens eram distribuídas entre os cadernos da revista, existindo sempre um ou mais cadernos de hors-texte no final da mesma. Na parte artística verifica-se, à imagem da literária, um confronto entre as imagens dos “modernos” Almada Negreiros, Mily Possoz e Lino António (1898–1974), às reproduções de obras dos naturalistas e simbolistas Bordalo Pinheiro e Soares dos Reis, ou às gravuras clássicas de Francesco Bartolozzi271 (1725–1815), Giambattista Tiepolo (1696–1770) ou ao pintor romântico português (de origem italiana) Miguel Lupi (1826–1883). Tal como a proposta literária apresentada na Athena – ser um espaço de reflexão para que o modernismo pudesse fazer um balanço do passado e propor novas vias para o futuro –, o grafismo desta revista parece desempenhar um ponto de charneira, em meados da década de 1920, entre o abandono das influências Arte Nova e a recuperação historicista dos valores gráficos do passado. Assim, esta revista mostra um grafismo equilibrado, composta com rigor e material tipográfico de qualidade. Questão para a qual terá contribuído um desempenho de qualidade da Imprensa Libânio da Silva – recordem-se outros casos ali produzidos e aqui analisados com desenlaces graficamente ricos e bem executados (Atlântida e Contemporânea). Devemos ainda salientar a qualidade do material iconográfico utilizado na composição da revista, questão da responsabilidade de Ruy Vaz que terá aqui actuado não só como director de arte, mas também como um designer gráfico, conforme o designamos actualmente. 271 Este artista florentino foi a partir de 1802 director da Academia Nacional, em Lisboa, cidade onde viria a falecer. 479 5.2.36. Folhas de Arte (1924) Apresentação A revista Folhas de Arte foi publicada em Lisboa, tendo saído a público dois números em 1924, sendo o primeiro dedicado à Poesia portuguesa e o segundo à Canção nacional.272 Augusto de Santa-Rita (1888–1956) foi o editor e director da publicação, contando com a colaboração literária de, entre outros, Gomes Leal, António Nobre, Affonso Lopes Vieira, Augusto Gil, Manuel da Silva Gaio, Américo Durão e Fernando Pessoa. O segundo número foi dedicado ao “«lied» nacional”273, apresentando versos de alguns daqueles escritores musicados por compositores nacionais, destacando-se entre outros Luiz de Freitas Branco, Ruy Coelho, Cláudio Carneiro e Ivo Cruz. Esta revista insere-se na linha de outras revistas políticas nacionalistas aqui analisadas – Eh Real! (1915), Pela Grei (1918), Seara Nova (1921), Homens Livres (1923) e Portugália (1924). O seu programa anuncia o “Renascimento português”, evocando os valores nacionais e relembrando algumas conquistas marítimas (Índia e Brasil) e a viagem de Gago Coutinho e Sacadura Cabral.274 O texto de apresentação275 centra-se no momento de crise política e social vivida naquela época, afirmando num tom nacionalista que o povo português sempre aproveitou os momentos de crise para renascer. Nesse mesmo texto Augusto SantaRita introduz a revista Folhas de Arte com uma função de divulgação do conhecimento e dos valores culturais nacionais, observando-se ainda algum interesse no arquivamento, afirmando que a publicação pretendia ser o “inventário do Património moral e material do povo portuguez”, “o índice de todos os valores nacionais”. Não há indicação de um director artístico, mas acreditamos que tenha sido um papel desempenhado em parceria entre Augusto Santa-Rita – são conhecidos vários trabalhos gráficos deste autor no meio editorial –, e o arquitecto Raul Lino, autor identificado da capa e das cercaduras nas páginas interiores. Projecto gráfico A revista Folhas de Arte apresentou um formato grande, 315x390 mm, comparando com o tamanho médio das revistas analisadas, mantendo nos dois números características materiais semelhantes, mas com variações de projecto gráfico adaptadas aos diferentes conteúdos. O primeiro número é formado por um caderno de 8 páginas (2 folhas dobradas) em papel vergé forte branco, somando-se a este 10 páginas soltas. Cada folha solta era constituída por uma cartolina colorida de tons diversos, sobre o qual foi colado uma folha de papel vergé e, sobre esta, uma outra folha de papel couché com imagem. Este conjunto formado pelo caderno e páginas soltas foi envolto por uma folha dobrada, também em papel vergé, agregando todas as partes. As páginas não apresentam numeração e a sequência original está determinada no sumário do número. A capa dura do primeiro número, que encadernou 272 O verso da contra-capa de ambos os números apresentaram as temáticas dos “próximos números” – “Desenho e Pintura, Poesia Contemporânea, a Casa Portuguesa, Mobiliário, etc, etc” – mas estes nunca chegariam a ser editados. 273 Lied é um termo alemão que equivale em português a “canção”, sendo frequentemente usado para designar uma qualquer melodia vocal, baseada num dado poema e acompanhada por um ou mais instrumentos. Em alguns países este termo foi adoptado para designar um género musical específico, nomeadamente o da canção a uma voz (ou mais) acompanhada por piano, tal como acontece na tradição germânica oitocentista de Franz Schubert (1797– 1828), Robert Schumann (1810–1856) ou Johannes Brahms (1833–1897). A designação acabaria por se estender a obras análogas de outros compositores fora daquele século, entrando mesmo no século xx como no caso nacional aqui observado – em novecentos pode ser encontrado na Alemanha nas obras de Gustav Mahler (1860–1911) ou Arnold Schönberg (1874–1951). Em Portugal, segundo o texto introdutório do segundo número da Folhas de Arte, este estilo terá sido introduzido por Affonso Lopes Vieira e Ruy Coelho. 274 Sobre a viagem de Gago Coutinho e Sacadura Cabral ver 5.2.28. Alma Nova (1914–1930). Folhas de Arte, n. 1, Lisboa, 1924: s.p. 275 480 simultaneamente todo o volume, é forrada em linho e decorada com uma gravura estampada a preto e amarelo. O segundo número apresenta um corpo constituído por 5 folhas dobradas, formando um total de 20 páginas, que se vão misturando e intercalando com 6 folhas soltas, materialmente idênticas às do primeiro número. Este segundo número apresenta uma capa mole em papel vergé forte de cor bege, impressa a preto e verde, envolvendo e compilando o seu corpo também totalmente solto. A revista foi impressa em Lisboa nas Oficinas da Imprensa Lucas & Cª, recorrendo à tradicional tipografia de chumbo, fotogravura (similigravura nos meios tons e zincogravura nos desenhos a traço) e gravura sobre tecido (linho). Como referimos, as folhas foram apenas reunidas sob as respectivas capa, sendo todos os exemplares numerados e assinados por Augusto Santa-Rita – o exemplar com número mais elevado que encontrámos foi o 823, desconhecendo-se o número total de exemplares impressos. Os dois números foram impressos a duas cores (preto e vermelho, verde ou castanho). Capa A capa da Folhas de Arte apresenta um grafismo da autoria de Raul Lino276 (1879–1974). Este reconhecido arquitecto teve uma obra que ficou marcada por um lirismo romântico de raiz popular, promovendo um estilo fundamentado na articulação entre a natureza e cultura, renunciando os modismos, inserido num contexto formal intrínseco aos valores nacionais, e enquadrando-se perfeitamente nas intenções definidas no programa da revista.277 Inseria-se, ainda, num movimento mais abrangente no qual a retoma de valores do passado, do tradicional e do neo-academismo, voltavam a valorizar o classicismo oitocentista. Como referimos, as capas dos dois números apresentam características materiais e cores distintas, mas o grafismo é igual em ambos casos (fig. 5.359 e fig. 5.360). A capa é formada por uma composição constituída por um conjunto central e um bordo ornamental. O desenho destes elementos reflecte a concepção orgânica que Raul Lino tinha da arte, mostrando uma valorização das formas da cultura nacional, no qual o conjunto central se assemelha a um painel de azulejos, e o bordo a um padrão de tapeçaria. Uma composição onde se insere o título da revista, desenhado numa letra de estilo romana harmónica com todo o conjunto central. Este apresenta, na parte superior, um painel em X formado por duas Cruz de Cristo, símbolo da nacionalidade portuguesa, e dois motivos florais. Este elemento é a base da identidade da revista, que surgirá numa versão sintetizada nas páginas interiores. Este painel, colocado em posição verticalmente descentrada, é delimitado por um rectângulo de traço fino e rodeado por um conjunto de pequenos traços formando uma franja, recordando um tapete. Sob este conjunto é apresentado o número da revista em numeração romana, centrado no espaço vazio, também numa letra de desenho caligráfico. 276 Raul Lino nasceu em Lisboa tendo partido aos 10 anos de idade para Windsor, Inglaterra, para estudar. Em 1893 inscreveu-se na Escola de Artes Decorativas de Hannover, Alemanha, tendo trabalhado posteriormente no atelier de Albrecht Haupt (1852–1932), um admirador da arquitectura renascentista realizada, sobretudo, em Portugal, Espanha e Itália. Esta formação e convívio marcariam o percurso e obra de Raul Lino, juntamente com as influências do movimento Arts and Crafts, de John Ruskin e William Morris. O arquitecto português regressaria a Portugal em 1897, desenvolvendo então um trabalho sempre na procura de uma arquitectura que expressasse a essência nacional ancorada na tradição. Foi um autor prolífico, contabilizando mais de 700 projectos arquitectónicos construídos, ficando ainda conhecido pela sua obra teórica. Entre essas destaca-se o livro A casa portuguesa (1929) onde procurou sistematizar as características específicas da arquitectura portuguesa, propondo diversos modelos para serem adoptados pelos projectistas nacionais. Este estilo arquitectónico nacionalista seria posteriormente aproveitado pelo Estado Novo numa tentativa de criação de um estilo oficial próprio. Ao longo da sua vida desempenhou ainda diversos cargos oficiais, destacando-se entre outros o de Director-Geral dos Monumentos Nacionais e o de Director da Academia Nacional de Belas Artes. Ver: França, Op. Cit., 1991. 277 França, Op. Cit., 1991, p. 226. 481 Figura 5.359. Capa da Folhas de Arte, n. 1, Lisboa, 1924. Figura 5.360. Capa da Folhas de Arte, n. 2, Lisboa, 1924. 482 Os limites da capa são bordeados com um ornamento vegetalista em jeito de azulejo, com folhas semelhantes às do elemento vegetal central, de acordo com o lirismo romântico que caracteriza a obra de Raul Lino. As capas foram impressas a duas cores, aplicando preto no número e título da revista, enquanto todos os elementos decorativos foram impressos/gravados a amarelo no primeiro número e verde no segundo. Refira-se ainda que a capa dura que envolve os dois números apresenta um atilho em tecido azul, elemento fundamental para o perfeito acondicionamento das páginas soltas. No caso da capa do segundo número, esta formava um invólucro que envolvia todo o conjunto de folhas soltas através de badanas (inferior, superior e lateral). Páginas interiores Ainda que o projecto gráfico dos dois números da Folhas de Arte tenha apresentado características semelhantes, a organização das suas páginas variou devido às diferenças do conteúdo dos dois números: o primeiro dedicado à poesia e o segundo à música e canção nacionais. Ou seja, a própria natureza dos conteúdos conduziu a necessidades gráficas e organizativas distintas, ainda que o princípio se mantivesse idêntico: destacar e individualizar a apresentação de um grupo de autores representativos de cada tema. Contudo, os dois números apresentaram-se com diferenças no seu tratamento gráfico que nos conduzem a uma observação diferenciada. Figura 5.361. Folhas de Arte, n. 1, Lisboa, 1924: anterrosto (s.p.) O primeiro número apresentava uma primeira folha que envolvia toda a publicação, tendo apenas conteúdo na primeira e última páginas. A primeira funcionava como o anterrosto da publicação, contendo apenas o seu título (fig. 5.361), composto em caixa alta de tipo romano, centrado no eixo do campo visual. A última mostrava o termo de impressão, um elemento que apresenta uma composição gráfica em forma de rectângulo, alcançada na relação entre texto e filetes de diferentes espessuras e tamanhos, constituindo um exercício tipográfico de características ornamentais. 483 Figura 5.362. Folhas de Arte, n. 1, Lisboa, 1924: sumário (s.p.) Após essa primeira folha, surgiam mais duas folhas dobradas formando um caderno de oito páginas. Este abria com o sumário em jeito de frontispício (fig. 5.362), uma página dominada visualmente por um ornamento criado por Raul Lino, semelhante a um frontão arquitectónico de estilo barroco. Dentro desse ornamento, na parte superior e envolto numa folhagem, apresentavam o título da publicação com uma letra idêntica à da capa. Num segundo nível hierárquico, entre as colunas laterais, surgia a indicação da periodicidade da revista, o nome do director e a indicação do sumário, designado por “Dístico” neste primeiro número. Uma designação que, pelo seu significado, enuncia não só a composição gráfica do sumário ao longo de um eixo comum, em duas séries opostas, mas alude também ao seu conteúdo verbal, uma estrofe mínima composta de dois versos (nome dos autores e título dos textos). O tratamento tipográfico do frontispício foi feito com base no mesmo tipo romano e com alinhamento sobre um eixo central, que regia a simetria de toda a composição. O conteúdo verbal foi todo composto em caixa alta excepto no Dístico, onde os títulos dos textos usaram caixa baixa na variante cursiva. Esta página era rematada, no rodapé exterior do ornamento, com a indicação do ano de edição em letra caligráfica, enquanto a identificação do editor e lugar de publicação foram também compostos em caixa alta, mas usando dois tipos romanos de diferentes estilos. Na seguinte página ímpar surgia o texto de apresentação da revista, caracterizando-se graficamente por uma acentuada composição assimétrica, sobressaindo o forte jogo compositivo entre as grandes margens superior e exterior e as menores margens inferiores e interiores (fig. 5.364). Esta assimetria justifica-se como forma de compensar a composição na grande dimensão das páginas, aproximando dessa forma a mancha de texto ao leitor. O texto, em tipo romano, era equilibrado na sua composição, com uma boa relação entre corpo e entrelinha, com alinhamento justificado e proporcionando uma leitura confortável. A letra apresenta um corpo relativamente alto, acompanhando assim a compensação que referimos relativamente à assimetria da composição. Ou seja, mostra da parte do responsável pela 484 organização gráfica da publicação, uma consciência não só de questões de composição, mas também da relação física entre o leitor e o artefacto gráfico. Figura 5.363. Folhas de Arte, n. 1, Lisboa, 1924: s.p. Figura 5.364. Folhas de Arte, n. 1, Lisboa, 1924: s.p. A primeira página (fig. 5.363) ficou ainda marcada visualmente na forma como o texto iniciava, a meio da área de composição, com uma grande letra capitular. Esta era formada por um P envolto por motivos vegetalistas semelhantes aos do frontispício, tendo ainda na sua base uma Cruz de Cristo e, no interior do olho da letra, o avião de Sacadura Cabral 485 (referido no texto). Um elemento que não só evocava valores nacionais, estando em sintonia com o texto onde se indiciava a vontade desta revista ser “o índice de todos os valores nacionais”, mas que pode ser também um símbolo do progresso tecnológico – recorde-se que os primeiros voos da história tinham cerca de 20 anos. Refira-se ainda que a letra P capitular e a palavra Portugal por ela iniciada, foram impressas a verde e compostas em caixa alta. O conjunto de dez folhas que se seguiam apresentava um autor distinto em cada uma delas, mostrando o conteúdo apenas num dos seus lados (fig. 5.365, 5.366 e 5.363). Estas páginas soltas eram formadas por uma cartolina forte colorida, tendo nelas impresso somente dois elementos situados em rodapé: à esquerda, a identificação da revista constituída pelo título e por um elemento gráfico, sendo ambos idênticos aos usados na parte central da capa, mas aqui reduzido a apenas uma Cruz de Cristo e um elemento vegetalista (equivalente a metade do da capa); à direita, o nome do autor e a indicação “autographo e retrato inédito”, que identificava e valorizava o conteúdo apresentado na página. Colado sobre essa cartolina estava um fac-símile com o texto caligrafado e assinado pelo autor, bordeado por um rectângulo num tom mais escuro que o da cartolina, sobre o qual era ainda colocado o retrato inédito desse autor, impresso em papel couché. Estes eram elementos originais que atribuíam uma mais valia considerável a esta publicação, tornando-a de grande interesse cultural e uma importante memória gráfico-visual. Refira-se ainda que a sua organização variou, encontrando-se algumas folhas compostas na vertical (fig. 5.365 e 5.366) e outras na horizontal (fig. 5.367), mas mantendo sempre o mesmo esquema organizacional. As fotografias dos autores também variaram em forma – podiam ser rectangulares, quadradas, ovais ou redondas – e na sua colocação na composição – posição superior, lateral ou sobressaindo a folha fac-símile. Figura 5.365. Folhas de Arte, n. 1, Lisboa, 1924: s.p. 486 Figura 5.366. Folhas de Arte, n. 1, Lisboa, 1924: s.p. Figura 5.367. Folhas de Arte, n. 1, Lisboa, 1924: s.p. 487 Figura 5.368. Folhas de Arte, n. 2, Lisboa, 1924: anterrosto (s.p.) O segundo número apresentou semelhanças gráficas com o primeiro, conferindo unidade a este projecto, porém as diferenças temáticas conduziram a alterações na organização da publicação que observaremos de seguida. O início da revista voltava a ser protagonizado por um anterrosto igual ao do primeiro número (fig. 5.361), após o qual surgia então uma segunda página ímpar com a apresentação do seu tema, “o «lied» nacional” (fig. 5.368), seguindo a mesma organização e características gráficas do anterrosto. De seguida havia uma folha dobrada tendo o sumário na primeira de quatro páginas. As características gráficas desta eram, em termos gerais, idênticas às do sumário do primeiro número (fig. 5.362), predominando visualmente o mesmo elemento ornamental. A seguinte página ímpar apresentava a introdução do segundo número (fig. 5.369) com um título em caixa alta de tipo romano, destacando-se pelo corpo e alinhamento francês. O texto, composto no mesmo tipo romano, iniciava com uma capitular ornamentada, uma letra de estilo romano desenhada em conjunto com uma figura masculina nua tocando uma flauta. Esta capitular e o título do texto foram impressos a vermelho, criando um interessante ritmo na composição gráfica através dos valores cromáticos e diferentes alinhamentos, quebrando assim um estaticismo induzido pelo texto com alinhamento justificado em bloco. Na segunda página dessa introdução, o mesmo efeito foi conseguido com reprodução da assinatura do director da revista, desalinhada com a mancha do texto, tal como fora usado no primeiro número (fig. 5.364). 488 Figura 5.369. Folhas de Arte, n. 2, Lisboa, 1924: s.p. Figura 5.370. Folhas de Arte, n. 2, Lisboa, 1924: s.p. Seguidamente surge um complexo, mas interessante e engenhoso jogo entre apresentações de autores (folhas soltas) e correspondentes obras musicais (cadernos). Neste, as 6 folhas soltas foram introduzidas juntamente com os cadernos de 4 folhas dobradas (16 páginas), abrindo o caderno ou intercalando conjuntos de páginas. O ritmo deste entrelaçado foi ditado 489 pelas diferentes extensões das obras musicais, antecedendo as páginas soltas, de apresentação dos autores, as páginas dos cadernos com as respectivas obras musicais. As páginas soltas mostram o mesmo esquema gráfico e soma de diferentes partes do primeiro número, notando-se apenas uma diferença no conteúdo junto à imagem dos autores, sendo agora um original de uma pauta musical autografada (fig. 5.370). Também as folhas dos cadernos são graficamente distintas das do primeiro número, pois os textos deram aqui lugar à apresentação de pautas de obras musicais com as suas características próprias (fig. 5.371). Saliente-se que, neste segundo número da Folhas de Arte, as potencialidades de um projecto editorial e gráfico foram devidamente exploradas e bem executadas, dando lugar a um bom e coerente uso das páginas. Figura 5.371. Folhas de Arte, n. 2, Lisboa, 1924: s.p. Em conclusão, a Folhas de Arte apresentou um projecto gráfico bem elaborado, interessante na forma como explorou as potencialidades da organização das partes (folhas soltas e folhas dobradas), as texturas e diferenças materiais e cromáticas dos papéis usados, obtendo assim um conjunto de grande valor projectual. Foi ainda superiormente impresso, mostrando uma óptima reprodução de imagens e originais (textos manuscritos e pautas musicais), verificando-se também uma composição tipográfica bem executada, construída e reproduzida. É, assim, uma revista na qual todos os materiais e métodos de reprodução usados são de grande qualidade, supondo custos elevados que, somados à ausência de publicidade, podem estar na base da interrupção da continuidade anunciada e pretendida. Ainda que não seja identificado, acreditamos que Raul Lino terá tido responsabilidade na direcção gráfica desta revista em complemento com as suas intervenções gráficas ornamentais. Este arquitecto de reconhecido valor terá sido escolhido por Augusto de SantaRita pelo seu conhecimento e capacidades plásticas, criando ambos, neste caso, um raro exemplo (dentro dos casos analisados neste estudo) onde as suas determinações conceberam uma revista de grande valor projectual. 490 5.2.37. Labareda (1924–1926) Apresentação A revista Labareda foi publicada no Porto em duas séries, com 12 números na primeira e 10 na segunda,278 saídas respectivamente a público entre Janeiro e Dezembro de 1924, e Janeiro-Fevereiro de 1925 a Janeiro-Fevereiro de 1926 (números duplos). Foi uma revista de índole tradicionalista, reunindo influências do Decadentismo, Simbolismo, Nacionalismo ou Saudosismo, estando na linha de outras revistas como A Tradição (1920), A Crisálida/A Nossa Revista (1921/1921–1922) ou a Bysancio (1923) na base do aparecimento da revista coimbrã Presença (1927). No texto de apresentação da segunda série é justificada a inflexão na orientação editorial, afirmando A Direcção279 que “a «Labareda» não pretende continuar a ser, como até aqui, uma simples colectânea de produções literárias”, integrando-se então no movimento nacionalista que procurava impulsionar “o melhor da nossa geração [da época]”, procurando uma unidade de pensamento seguindo o “culto da Tradição.” As duas séries tiveram com o editor Joaquim Marques de Carvalho, e como directores Heitor Monteiro, Artur Carvalho e Vasco Rodrigues. A primeira série contou com a colaboração literária de, entre outros, Teixeira de Pascoais, Castro Guimarães, Parente de Figueiredo, Luís Veiga, Alfredo Brochado e Narciso d'Azevedo. Na segunda somaram-se os nomes de Afonso Lopes Vieira, Carlos Dias, Pinheiro Torres, Domingos de Gusmão, Mário Beirão, Américo Durão, João Ameal, Maria Cândido Azevedo Pinto, entre outros. Não há indicação de um director artístico nas duas séries, não apresentando a primeira qualquer tipo de colaboração artística. Na segunda série registamos a reprodução de obras de António Carneiro, Joaquim Lopes e Carlos Carneiro. As duas séries apresentam características gráficas distintas, justificando uma análise individualizada. Projecto gráfico: 1ª série (1924), 12 números. A primeira série da Labareda foi impressa na Tipografia Gonçalves, no Porto, apresentando formatos distintos na capa,280 180x270 mm, e páginas interiores, 160x235 mm. A capa mole foi impressa em cartolina calandrada a uma cor, variando entre o castanho, verde ou laranja. O interior foi constituído por um corpo que variou entre as 32 e as 48 páginas, impressas em papel Corrente calandrado a uma cor (preto nos textos ou a usada na capa nas imagens e verso da capa). Para a impressão da revista recorreram à tradicional impressão tipográfica (na capa usaram alguns tipos de madeira) e fotogravura (similigravura nos meios tons e zincogravura nos desenhos a traço). A encadernação foi brochada e cosida. Capa A primeira série da Labareda apresentou uma capa (fig. 5.372) que nos 12 números não sofreu modificações na sua composição, variando unicamente a cor usada na sua impressão. Não se encontrou indicação da autoria da capa, podendo ser uma criação da própria oficina tipográfica responsável pela sua produção, o que poderia inclusivamente justificar a apresentação do termo de impressão na capa. Contudo o desenho das letras apresentam diversas debilidades, analisadas adiante, o que nos induz a um autor com desconhecimento de algumas regras básicas da proporção das letras, o que em princípio anularia a ideia apresentada anteriormente (criação própria da Tipografia Gonçalves), podendo por isso considerar-se como mais provável a autoria de algum dos colaboradores artísticos. 278 A segunda série subintitulou-se revista de crítica e letras. Labareda, n. 1 e 2, 2ª Série, Porto, Janeiro-Fevereiro de 1925: pp. 2–3. A capa formava abas de reforço, mas a medida aqui apresentada refere-se ao formato da capa sem abas. 279 280 491 A composição desta capa é dominada pela apresentação do título Labareda fragmentado em 4 pares de letras correspondentes à mesma quantidade de sílabas do termo. Essa composição mostra os pares de letras em posição ziguezagueante, mas respeitando um eixo vertical que divide o espaço em duas metades. O espaço é complementado com auxílio de barras duplas horizontais, formando um conjunto graficamente apelativo e enigmático. Como referimos anteriormente, as letras apresentam deficiências no traçado tipográfico, podendo algumas imperfeições terem como origem a técnica usada. O conjunto das letras e barras que dominam gráfica e visualmente a capa são executados numa matriz de madeira. As letras têm como base um tipo sem patilha e seu o desenho foi ajustado à largura das metades da composição, circunstância que terá forçado o carácter expandido de alguns caracteres, notando-se sobretudo nas hastes horizontais do “L” e “E” e nas barrigas do “B”, “R” e “D”. Por outro lado a técnica parece ter condicionado também o desenho de algumas das letras, notando-se sobretudo na geometrização das curvas do “B”, “R” e “D”, na modulação do traço do “R” junto à haste diagonal da perna ou nos remates das horizontais superior e inferior do “E”. Figura 5.372. Capa da Labareda, n. 5, 1ª série, Lisboa, Maio de 1924. A composição da capa é ainda complementada com o “termo de impressão”, em rodapé alinhado à esquerda com o conjunto gráfico, e a indicação do número na parte superior, composto em tipo sem patilha e inserido num rectângulo em filete duplo. Páginas interiores O interior da revista iniciou sempre com uma “página preliminar” impressa no verso da capa (fig. 5.373), apresentando um conjunto de informações técnicas e o sumário. A estrutura desta página organizava-se segundo um eixo central e repartia a informação por diversos núcleos. Na parte superior apresentava-se o título e dos nomes dos directores da publicação, seguindo-se o sumário ladeado (em posição vertical) pelos valores de assinatura e os preços dos anúncios, rematando na parte inferior com a indicação do preço, morada e identificação do editor e proprietário. Esta página foi impressa na mesma cor da capa ou a preto, recorrendo a tipos de letra fantasia (no título e identificação do sumário) e a um tipo 492 romano (no resto da informação). A hierarquia é definida apenas pela sequência da informação, alguns recursos gráficos (inserção em rectângulos de filete simples) ou orientação de alguns elementos – a colocação de alguma informação (valores de assinatura e os preços dos anúncios) em posição vertical reduz a sua importância –, criando uma solução simplesmente efectiva. O pouco investimento gráfico nesta página talvez se justifique no facto desta publicação estar pensada para ser encadernada, indiciada pela numeração contínua das páginas entre números consecutivos. O corpo textual da Labareda inicia na primeira página seguindo uma estrutura de uma única coluna de texto, que na prosa mostra margens fixas, variando estas nos poemas, consoante a extensão dos versos (fig. 5.374). Os únicos elementos que quebram esta regularidade da paginação da Labareda são os títulos dos textos que, alinhados à margem esquerda, beneficiam fundamentalmente da alternância de tipos usados – romanos, sem patilha e fantasia. Os textos são todos compostos no mesmo tipo de letra romano, com uma marcação de parágrafo com um recuo sobredimensionado, uma entrelinha equilibrada que abre ligeiramente nos versos, compensando o espaço vazio; o alinhamento é justificado e forma uma mancha homogénea na página. A separação entre texto e títulos é intercalada com a identificação do autor do texto em caixa alta cursiva, que equilibra a generosa separação entre as partes. Figura 5.373. Labareda, n. 5, Lisboa, 1ª série, Maio de 1924: verso da capa; p. 81. As páginas são ainda caracterizadas por um título corrente (fig. 5.374) mostrando o nome e número da publicação em rodapé, e o número de página em cabeçalho, ambos compostos no mesmo tipo romano do texto e centrados com a mancha gráfica definida pelas margens. Uma última referência para a inserção das imagens. Estas surgiram normalmente de forma isolada numa página, complementadas pelo título da obra mostrada, indicação de autor e título corrente, sendo todos os elementos impressos a preto ou na cor usada na capa. 493 Figura 5.374. Labareda, n. 5, Lisboa, 1ª série, Maio de 1924: pp. 98–99. Em conclusão, esta revista fica marcada por um grafismo das páginas interiores simples, mas criteriosamente composto. Destacamos o grafismo da capa que, apesar de não condizer com o seu interior, atribui a esta revista uma modernidade visual muito interessante. Projecto gráfico: 2ª série (1925–1926), 10 números. Como referimos na apresentação desta revista, a segunda série trouxe um novo projecto editorial apresentando-se “integrada em espírito no movimento nacionalista.” 281 Esta nova linha trouxe consigo, também, uma reformulação da imagem da revista, verificando-se um novo grafismo da capa e páginas interiores, que passamos a analisar de seguida. A segunda série da Labareda continuou a ser impressa na Tipografia Gonçalves (Porto), mas apresentava agora um formato menor na capa, 175x255 mm, enquanto as páginas interiores passavam a ser ligeiramente maiores com 165x240 mm, reduzindo assim a diferença entre as duas partes. A capa mole foi nesta série impressa em papel Craft a uma cor, variando agora entre vermelho e verde. O corpo interior continuou a variar entre as 32 e as 48 páginas, impressas em papel Corrente a uma cor (preto). A impressão e acabamento da revista foram semelhantes, recorrendo à tradicional tipografia de chumbo e fotogravura (similigravura nos meios tons e zincogravura nos desenhos a traço), e com a encadernação brochada e cosida. Capa A capa desta segunda série da Labareda (fig. 5.375) mostra um grafismo renovado que se aproxima mais da sua proposta estética e literária, abandonando a modernidade gráfica apresentada na capa da primeira série, e da qual uma vez mais não encontrámos referência à autoria. 281 Labareda, n. 1 e 2, 2ª Série, Porto, Janeiro-Fevereiro de 1925: p. 2. 494 Figura 5.375. Capa da Labareda, n. 1 e 2, 2ª série, Lisboa, Janeiro-Fevereiro de 1925. A informação presente nesta capa foi incrementada não só com a presença do subtítulo revista de crítica e letras, inexistente anteriormente, mas também com a inclusão de uma ilustração, data e apresentação dos colaboradores do número. A sua estrutura pode dividirse tecnicamente em duas partes: na metade superior apresenta um conjunto litográfico original (título, subtítulo e ilustração), enquanto na metade inferior a informação técnica e sujeita a mutação é composta tipograficamente com tipos romano (nomes dos colaboradores e ano da publicação) e sem patilha (data, série, número e referência à colaboração). Esta metade inferior parece formar um conjunto que sustenta a parte superior, uma base configurada pela soma dos elementos tipográficos e filetes que dividem as diferentes informações apresentadas. Em rodapé, o ano da publicação tem um corpo que equilibra a mancha gráfica da composição, sendo coadjuvado pela aplicação de um ponto tipográfico em cada um dos lados que solidificam aquela base. Sobre esse conjunto gravita um desenho de uma chama (labareda), símbolo que interpreta a parte do programa onde se afirma: “A nossa Labareda é uma labareda crepitante de Fé: – que à sua volta se agrupem todos os novos, iluminados pelo clarão da luz, vivificados pelo calôr da sua chama!”282 A autoria da ilustração não é identificada, mas mostra um desenho de linha delicada, fina e tecnicamente bem executado. Coroando a capa surge o título e subtítulo, apresentando um desenho de estilo Art Deco que, apesar da irregularidade no traçado das letras, mostram um desenho interessante no título, sendo menos uniforme a qualidade tipográfica do subtítulo. Ali, a falta de uniformidade na quantidade de caracteres por linha obrigou a espaçamentos desequilibrados entre letras. Ainda assim, importa aqui salientar a aproximação da mensagem transmitida pela composição ao conceito teórico da publicação. Destaque-se ainda o facto desta capa ter passado a ser impressa a vermelho ou verde, as duas cores da bandeira nacional, indo de encontro ao nacionalismo promovido no seu programa editorial. 282 Labareda, n. 1 e 2, 2ª Série, Porto, Janeiro-Fevereiro de 1925: p. 3. 495 Páginas interiores O interior da Labareda continua a abrir com uma página preliminar no verso da capa (fig. 5.376) praticamente igual à da primeira série, tanto no conteúdo como na composição gráfica, somando na parte inferior o “termo de impressão” e sendo impressa sempre a preto. O miolo da revista apresentava agora um frontispício com o título, subtítulo, nome dos directores, ano e série. A estrutura deste frontispício é pouco organizada, pois apesar de estar distribuída sobre um eixo central, o alinhamento do nome dos autores é ajustado à esquerda, desestabilizando o equilíbrio da composição. O título e subtítulo, compostos em tipo sem patilha, seguem uma organização que parece imitar a da capa, mas resulta num conjunto frágil na sua composição tipográfica, sobretudo na relação da entrelinha com o espaçamento exagerado de algumas letras – como vimos na capa, a diferença de caracteres por linha também já tinha provocado problemas no espaçamento das letras, embora com outros resultados. Figura 5.376. Labareda, n. 1 e 2, 2ª série, Lisboa, Janeiro-Fevereiro de 1925: verso da capa e frontispício. As restantes páginas seguem um modelo que apresenta duas opções, um com uma coluna de texto e outro com duas. No modelo com uma coluna, usado em verso e prosa, a composição do texto mantém-se com as mesmas características da série anterior, mudando apenas a organização dos títulos, que passaram a estar alinhados ao centro com a mancha de texto. O modelo de duas colunas (fig. 5.377) é usado apenas em textos em prosa de secções temáticas específicas (“As ideias e factos”, “Panorama internacional”, “Livros”, “Arte” e “Nota Final”), novidade nesta segunda série, estando as colunas divididas por um corondel, com os compostos em tipo romano, com marcação de parágrafo com recuo e uma entrelinha equilibrada na relação com a largura da coluna. O alinhamento do texto é justificado e não apresenta muitas incorrecções tendo em conta a largura da coluna tão escassa. 496 Figura 5.377. Labareda, n. 1 e 2, 2ª série, Lisboa, Janeiro-Fevereiro de 1925: pp. 10–11. Figura 5.378. Labareda, n. 1 e 2, 2ª série, Lisboa, Janeiro-Fevereiro de 1925: pp. 14–15. 497 Comparativamente com a primeira série, a uniformidade do corpo da letra usada nos textos não foi aqui mantida, criando variações na cor da mancha tipográfica das páginas, inexistentes anteriormente. Os títulos continuam a ser compostos em diferentes tipos de letra, podendo ser em romano, sem patilha ou fantasia de diversos estilos. As nomenclaturas das secções temáticas supra-referidas distinguem-se dos títulos ordinários por estarem inseridas num rectângulo de filete fino com pequenos ornamentos nos vértices (fig. 5.378). As imagens passaram a ser em maior número (entre 1 a 5) em cada edição, sendo reproduzidas em página isolada (fig. 5.378) ou junto com os textos e respeitando as margens. Nota-se uma clara intenção na apresentação de obras de qualidade, sobretudo de desenhos lineares, tendo sido escolhidos nomes de relevo a nível nacional para as colaborações artísticas. Uma última referência para a anulação do uso de título corrente, mantendo-se porém o número de página em cabeçalho e com as mesmas características da série anterior. Em conclusão, verifica-se uma intenção de mudança formal e estilística no grafismo da revista, procurando um equilíbrio de identidade na relação entre o programa editorial e a sua aparência. Este nota-se sobretudo nas alterações provocadas na capa, enquanto as páginas interiores mantêm alguma neutralidade. Ainda assim, com o uso da variação de modelo de uma ou duas colunas, somando-se a caracterização das secções temáticas, a Labareda ganhou um ritmo gráfico que a distancia de modelos relacionados com a tradicional composição de livros de literatura. Porém, o grafismo da revista perdeu algum rigor na estabilidade da mancha tipográfica verificada na série anterior. 498 5.2.38. Lusitania, revista de estudos portugueses (1924–1927) Apresentação A revista Lusitania teve dez números publicados em Lisboa entre Janeiro de 1924 e Outubro de 1927.283 Esta revista que pretendeu ser um órgão da cultura portuguesa, posta ao serviço da reconstrução nacional, contou com a mais erudita colaboração da época, reunindo escritores, artistas e intelectuais de diferentes áreas do conhecimento, sendo normalmente ligada também ao renomado “Grupo da Biblioteca”284 e não sendo conotada com qualquer partido político. No editorial285 de abertura da revista indicam que esta foi criada como independente e posta “ao serviço da Reconstrução Nacional”, tentando ainda arquivar e desenvolver o “património da Cultura nacional”. O título da revista reforça esta ideia nacionalista, pois Lusitânia (em latim: Lusitania) foi o nome atribuído no período pré-romano ao território oeste da Península Ibérica, correspondente a grande parte do actual território português e considerada a origem ancestral de Portugal.286 Esta revista subintitulada revista de estudos portugueses foi dirigida literariamente por Carolina Michaellis de Vasconcelos. O editor foi Câmara Reis, e contou com a colaboração literária de, entre outros, Afonso Lopes Vieira, António Sérgio, Reinaldo dos Santos, Viana da Mota, António Sardinha, Carlos Malheiro Dias, Faria de Vasconcelos, José Leite de Vasconcelos. Na colaboração artística encontramos os nomes de José de Figueiredo e Reynaldo dos Santos. Projecto gráfico A revista Lusitania foi impressa nas Oficinas Gráficas da Biblioteca Nacional de Lisboa, apresentando-se com um formato 170x230 mm287 e com um volume de páginas acima das 146 páginas por número. A capa mole foi impressa a uma cor (preto) em Cartolina colorida (variável entre os números), as páginas do miolo e as imagens foram impressas, respectivamente, em papel Corrente e em papel Couché a uma cor (preto) – nas encadernações em volumes usaram excepcionalmente mais uma cor (vermelho) nos respectivos anterrosto e frontispício. Para a impressão da revista recorreram à tradicional impressão tipográfica e fotogravura (similigravura nos meios tons e zincogravura nos desenhos a traço). Os vestígios encontrados nos volumes consultados deixam-nos supor que a encadernação foi brochada e grampada. Capa A capa (fig. 5.379) foi idêntica em todos os números. Apresenta uma configuração clássica, remetendo historicamente para os séculos XV – XVI, caracterizada pelo uso de um tipo romano de estilo antigo em caixa alta e pela aplicação do escudo da Bandeira Nacional estabelecida em 1485 por D. João II,288 o “Príncipe Perfeito”. Este Rei de Portugal desempenharia um importante papel na boa aceitação da arte de imprimir em Portugal, 283 O décimo número fica fora do arco temporal definido para o nosso estudo (o nono tem data de Abril de 1926), mas podemos dizer que a análise engloba o último porque graficamente é idêntico aos demais. 284 O “Grupo da Biblioteca” foi constituído por um conjunto de intelectuais que nos anos 1920 foi responsável por uma grande actualização biblioteconómica da Biblioteca Nacional de Portugal (Lisboa). 285 Lusitânia, nº 1, Lisboa, Janeiro de 1924: p. 4. Mattoso, José (dir.). História de Portugal. Volume I: Antes de Portugal. Lisboa: Círculo de Leitores, 1992. 286 Os dois exemplares originais disponíveis para consulta na BPMP encontravam-se encadernados e com as páginas aparadas, não sendo possível verificar a verdadeira dimensão da revista. 288 Na imagem o escudo mostra uma orla com oito castelos, tendo sido mais tarde, erradamente, reduzidos para sete, número que permaneceria até à actual bandeira. Ver: Bandeira Portuguesa. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003–2012. [Consulta: 19 de Janeiro de 2012]. Disponível em: 287 499 sendo fundamental para a introdução da tipografia no território nacional.289 A imagem do escudo reforça a ideia de referência a um tempo passado, sendo ainda vincado pelo uso da letra “V” no lugar do “U”, típico do latim antigo. Figura 5.379. Capa da Lusitania, n. 1, Lisboa, Janeiro de 1924. A capa divide-se em duas partes, estando a principal inserida num rectângulo de filete ondulado onde se incluem o título, subtítulo, local de publicação e o escudo supra-referido, sendo secundada em rodapé e fora desse rectângulo pela numeração e data de edição. Esta separação denota uma clara intenção de distinção dessas duas partes, notando-se inclusivamente no uso de letra cursiva no rodapé, onde uma vez mais houve uma vontade de remeter ao antigo na letra “s” de “Fasciculo” usado normalmente como ligatura tipográfica. Como referimos, os originais consultados estavam aparados mas, observando os cortes, podemos supor que a parte inferior da revista tivesse mais espaço de branco, o que configuraria uma maior elegância e proporção à composição da capa (comparativamente com a da imagem aqui mostrada). Páginas interiores A revista Lusitania tem uma configuração semelhante à de um livro de literatura tradicional, abrindo com um frontispício seguido de ficha técnica no verso daquele e do sumário (geralmente em duas páginas). O frontispício (fig. 5.380) mostra o título, subtítulo, escudo, nome da directora e dos colaboradores (“redacção”), numa composição clássica de eixo central acentuada pela formação do texto na listagem dos nomes dos colaboradores, mostrando uma redução gradual em forma de triângulo invertido. Esta composição em triângulo não é visualmente complexa, mas acentua o carácter gráfico e mostra capacidades técnicas dos impressores. O frontispício do primeiro número teve o título Lusitania excepcionalmente a vermelho. A dupla página após o frontispício mostra a ficha técnica da publicação e o sumário (fig. 5.381), seguindo de forma estrita as normas tradicionais da organização de um livro. Nesta duas páginas assinala-se o uso de um único tipo romano de letra na sua composição, estabelecendo hierarquias bem definidas, diferenciando-se apenas 289 Consultar o capítulo: 2.2.1. Introdução da tipografia no território nacional 500 o título e subtítulo da publicação em tipo litográfico de estilo romano igual ao da capa. Junto a estes colocaram sempre o escudo, também igual ao da capa que, juntamente com o título e subtítulo, era alinhado ao centro da mancha de composição. Figura 5.380. Lusitania, n. 1, Lisboa, Janeiro de 1924: frontispício. Figura 5.381. Lusitania, n. 1, Lisboa, Janeiro de 1924: ficha técnica e sumário. 501 Figura 5.382. Lusitania, n. 1, Lisboa, Janeiro de 1924: pp. 6–7. Figura 5.383. Lusitania, n. 1, Lisboa, Janeiro de 1924: hors-texte e p. 39. 502 Figura 5.384. Lusitania, n. 1, Lisboa, Janeiro de 1924: pp. 142–143. As páginas de texto da Lusitania têm duas estruturas, uma com uma coluna de texto (fig. 5.382) e outra com duas colunas (fig. 5.384), sendo esta última usada apenas numa secção da revista denominada por “Marginalia” dedicada às questões biblioteconómicas da Biblioteca Nacional de Lisboa. A composição tipográfica das páginas interiores desta revista é bastante sóbria e clássica, utilizando um só tipo romano e suas variantes – só muda de família tipográfica nas indicações do título e subtítulo. O texto tem um alinhamento justificado, com bom entrelinhamento, os parágrafos são bem marcados com recuo e iniciam sempre com uma capitular simples da mesma família tipográfica do texto. Os títulos são compostos em caixa alta, corpo bastante superior ao do texto e alinhados ao centro, tal como os subtítulos ou entradas de texto (quando existem). As páginas são ainda caracterizadas pela presença de um título corrente em cabeçalho (fig. 5.382), excepto nas páginas de início de texto, mostrando o título da revista na página par e o título do texto na página ímpar, e pela presença de número página em rodapé. O título corrente e o número de página são compostos em cursiva, o primeiro em caixa alta, e centrados com a mancha de texto que tem uma posição assimétrica na página. Uma vez mais o corte das páginas não nos permitiu verificar a verdadeira dimensão das margens, mas o facto de apresentar uma composição clássica com a margem interior menor que a exterior, leva-nos a pensar que a parte inferior foi aparada impedindo-nos de realizar uma análise criteriosa – nos originais guilhotinados consultados as margens superiores (31 mm) e inferiores (30 mm) apresentam sensivelmente a mesma dimensão. Os textos ficaram ainda marcados graficamente pelo uso de uma letra capitular no início dos textos (fig. 5.383), ocupando quatro linhas no caso dos textos compostos numa única coluna, ou duas linhas nos textos em duas colunas (fig. 5.384), equilibrando desta forma a relação do seu peso visual com o das manchas de texto. As imagens (desenhos e reproduções de obras de arte) aparecem em pouca quantidade, tendo uma expressão quase nula na paginação, pois foram sempre impressas numa página hors-texte independente do texto (fig. 5.383). Registe-se ainda o uso de ornamentos ou 503 vinhetas tipográficas de desenho clássico e diversas tipologias colocados, regra geral, no centro do espaço vazio no final de cada texto (fig. 5.384). Em conclusão, trata-se de uma publicação que se assemelha a um livro de literatura tradicional, mostrando uma composição tipográfica rigorosa e de boa execução técnica. 504 5.2.39. Tríptico, arte poesia crítica (1924–1925) Apresentação A revista Tríptico foi publicada em Coimbra entre 1 de Abril de 1924290 e 20 de Abril de 1925, tendo saído nove números em total. Foi dirigida e editada por um grupo de personalidades formado por Afonso Duarte, Alberto Utra Machado, António de Souza, Augusto Telo, Branquinho da Fonseca, Augusto de Figueiredo, Guilherme Filipe, João Gaspar Simões, Luís Guedes de Oliveira, Mário de Castro e Vitorino Nemésio. Na colaboração literária somaramse outros nomes, entre os quais destacamos José Régio ou Aquilino Ribeiro. É mais uma revista de índole tradicionalista na linha da A Tradição (1920), A Crisálida/A Nossa Revista (1921/1921–1922), Bysancio (1923) ou Labareda (1924–1926) analisadas anteriormente, apresentando nos seus textos ecos do Saudosismo, do Decadentismo finissecular e do Simbolismo, sendo uma revista que está na base do aparecimento da revista coimbrã Presença (1927). Relativamente a essa eclética conjunção de linhas estéticas-literárias, e a respeito do envio por Filippo Marinetti de uma série de manifestos acompanhados do livro Les mots en liberté futuriste, afirmavam em nota: “Nós, não somos futuristas, mas também não pertencemos à categoria dos intolerantes. Todas as ideias dos homens nos interessam.”291 Esta revista subintitulada arte poesia crítica apresenta na colaboração artística de TellesMachado, Diogo de Macedo, João Carlos, Álvaro Cebreiro, Eva Aggerholm292 e Milly Possoz, não sendo identificado qualquer director artístico. Projecto gráfico A Tríptico teve o primeiro número impresso na Tipografia Peninsular, situada na Figueira da Foz, e os restantes oito números na Tipografia da Gráfica Conimbricense, de Coimbra. Não encontrámos qualquer razão para esta alteração, excepto a questão da distância – Figueira da Foz está situada a cerca de 45 km de Coimbra – e, possivelmente, questões orçamentais, mas que neste caso não justificariam a primeira escolha. A revista apresentou dois tamanhos distintos não coincidentes com a alteração da oficina tipográfica responsável pela impressão, sendo nos primeiros três números 255x365 mm e 250x330 mm nos últimos seis. Esta revista foi concebida em forma de tríptico, sendo as suas páginas posteriormente guilhotinadas e grampadas, questão que determinou não só o número de páginas, seis (incluindo nestas a capa), mas determinou também a nomenclatura deste projecto editorial, como observaremos adiante. Às seis páginas referidas somaram-se em casos específicos mais uma folha em “separata”293 com uma imagem (números 4, 5, 7, 8 e 9) ou um poema (número 3), todas impressas numa única cor (preto) em papel Corrente forte. No nono número há uma imagem excepcionalmente impressa em papel Couché e colada sobre a folha de papel Corrente da separata. Para a impressão desta revista recorreram à tradicional impressão tipográfica, fotogravura (similigravura nos meios tons e zincogravura nos desenhos a traço), xilogravura e calcografia em algumas gravuras. Em Abril de 1924 foi publicado também em Coimbra um folheto de título Tripticozinho, sendo uma resposta imediata à publicação do primeiro número da Tríptico. Editado e dirigido por Manuel Antunes Xavier Monteiro, o folheto constituiu uma paródia à Tríptico, denunciando a sua intenção no uso do diminutivo no título e na construção do subtítulo poetofobia, artofobia, criticofobia – anti-revista, mostrando nos seus textos um intuito de desvalorização da Tríptico do ponto de vista literário, satirizando sobretudo uma falta de definição e posicionamento cultural e ideológico daquela revista. Sobre esta questão consultar: Neves, Op. Cit, 2010, p. 203. 291 290 Tríptico, n. 3, Coimbra, 1 de Junho de 1924: p. 6. Esta pintora dinamarquesa casou em 1911 com o pintor espanhol Daniel Vázquez Díaz. Assim denominada numa nota em: Tríptico, n. 4, Coimbra, 15 de Novembro de 1924: p. 4. 292 293 505 Capa e páginas A excepcionalidade da concepção gráfica desta revista, partindo de um tríptico, levou-nos a unir aqui a análise da capa e das páginas, ainda que estas na realidade não se confundam, mantendo-se por isso a sua normal designação. Como referimos, a construção da publicação em 3 partes motivou o título da revista, Tríptico, definindo também o seu programa em três partes apresentado no subtítulo, Arte, poesia, crítica. Segundo Branquinho da Fonseca, terá sido um dos directores literários, Afonso Duarte, a dar o nome a esta publicação: (…) com alguns amigos fundei uma revista que por ser uma simples folha de papel dobrada em três partes se chamou ‘Tríptico’. Se bem me lembro foi o Afonso Duarte que lhe pôs o apelido.294 Contudo essa configuração de um “quadro” sobre três planos, onde dois deles se dobram sobre o do meio, determinou não só a que a capa correspondesse à primeira página – ainda que não fosse numerada, a página seguinte surgiu sempre com a número dois –, mas provocou também um erro constante na numeração das páginas, tendo os compositores confundido a posição da página três com a cinco. Em todo o caso, a construção da revista mostra uma interessante ideia de projecto, rompendo com o tradicionalismo na concepção da esmagadora maioria das revistas aqui analisadas. A capa (ou primeira página) formou-se quase sempre com a mesma base de quatro elementos – título, subtítulo, número e imagem –, prescindindo do subtítulo no quarto número, ou somando em casos específicos o local de publicação (números 7 e 9 – fig. 5.391 e 5.393), data (número 7) ou a temática (o número 8 é dedicado ao “Centenário” do escritor Camilo Castelo Branco [1825–1890] – fig. 5.392). O título ocupou sempre o cabeçalho da capa, sendo nos primeiros quatro números um desenho original, reproduzido em gravura, formando um expressivo elemento de identidade visual. Este título é composto em caixa baixa que mostra deficiências na construção harmónica das letras, notando-se sobretudo na desproporção da altura da ascendente dos “t”, na descompensada altura x da barriga do “p”; verificam-se também erros de construção na modelação do traço de algumas letras, sendo mais notório no remate inferior dos dois “t”, na orelha do “r” ou ainda na terminação superior do “c”. A autoria destas letras não é identificada, mas é possível que fosse de Telles-Machado (1897–1969), pintor que assina as ilustrações das capas dos números 1, 2, 5, 7 e 9, que apresentam quase todas (excepto a primeira) a mesma temática: representação de um cântaro, que nalguns casos dão suporte a flores (números 2 e 9 – fig. 5.386 e 5.393) ou acompanhada pela figura feminina da Tricana (número 5 – fig. 5.389). Como vimos na revista Conímbriga (1923),295 a temática da olaria de Coimbra e da Tricana (por inerência) foi recorrente na literatura coimbrã no início do século XX. Sobre esta temática encontrou-se um livro de carácter pedagógico, Barros de Coimbra (1925),296 com ilustrações e capa mostrando um cântaro e texto (desenhado) da autoria de Telles Machado, apresentando algumas semelhanças com a capa da Tríptico, e que apresenta também diversas deficiências no desenho das letras. Esta coincidência permite-nos admitir com alguma segurança que o desenho do título da Tríptico seja da autoria deste artista. 294 Branquinho da Fonseca em entrevista a Manuel do Nascimento em: Encontros, 1º volume. Lisboa: Edição do Autor, 1961: pp. 71–72. 295 Consultar: 5.2.32. Conímbriga, revista mensal de arte, letras, sciência e crítica (1923). 296 Duarte, Afonso. Barros de Coimbra, lições de Afonso Duarte. Lisboa: Lumen, 1925. Este livro vem anunciado em nota (com edição para breve) no terceiro número da Tríptico (Junho de 1924: p. 6). 506 Figura 5.385. Capa da Tríptico, n. 1, Coimbra, 1 de Abril de 1924. Figura 5.386. Capa da Tríptico, n. 2, Coimbra, 1 de Maio de 1924. Figura 5.387. Capa da Tríptico, n. 3, Coimbra, 1 de Junho de 1924. Figura 5.388. Capa da Tríptico, n. 4, Coimbra, 15 de Novembro de 1924. 507 Figura 5.389. Capa da Tríptico, n. 5, Coimbra, 15 de Janeiro de 1925. Figura 5.390. Capa da Tríptico, n. 6, Coimbra, 15 de Janeiro de 1925. Figura 5.391. Capa da Tríptico, n. 7, Coimbra, 15 de Fevereiro de 1925. Figura 5.392. Capa da Tríptico, n. 8, Coimbra, 20 de Março de 1925. 508 Alberto Wanhœrtre de Telles-Machado, artista de “breve” carreira,297 teve o seu momento de maior destaque no III Salão dos Humoristas (Lisboa, 1920), onde apresentou 16 desenhos juntamente com, entre vários outros, Diogo Macedo e Milly Possoz, e na qual se destacou a presença do espanhol Daniel Vázquez Díaz, marido de Eva Aggerholm. Destacamos aqui ainda a sua colaboração como escritor no sétimo número da revista Contemporânea. Observando a colaboração nessa outra revista, salvaguardando as diferenças qualitativas e as características gráficas, encontramos também alguns paralelismos gráficos da página onde surge seu texto298 não só com a capa da Tríptico (o uso da caixa baixa no título, o grande espaçamento entre letras que o constituem e a expressividade dos números na composição), mas também no desenho das páginas. Ou seja, num âmbito geral, encontramos paralelismos entre o grafismo das duas revistas, nomeadamente no uso de títulos com grande expressão gráfica, uso de capitulares no início do texto e de filetes de intestação na separação de alguns conteúdos. Questões que nos levam a considerar a possibilidade de Telles-Machado ter sido o responsável pelo grafismo de toda a Tríptico. Para além daquela temática das capas (supra-mencionadas) relacionada com a olaria e a Tricana, que marcou ainda a capa do quarto número (fig. 5.388), executada neste caso pelo escultor Diogo de Macedo (1889–1959) num desenho de linhas geometrizadas,299 as capas mostraram ainda outros assuntos que passamos a descrever. A capa do primeiro número (fig. 5.385) mostra ilustração com uma varina (vendedora ambulante de peixe), da autoria de Telles-Machado, sendo uma óbvia alusão à temática dos textos desse número que remetem para a Figueira da Foz (cidade costeira mais próxima de Coimbra) ou a relação com o mar e o Sol – recordemos que o primeiro número foi inclusivamente impresso numa oficina daquela cidade. O terceiro número (fig. 5.387) apresenta alguns textos vinculados com a religião, e sendo o número de Junho (1924), mês em que se celebra S. João (a separata deste número é dedicado às tradicionais “fogueiras de S. João”), apresenta uma xilogravura expressionista com um busto de S. João Baptista realizada por João Carlos (1889–1960).300 O sexto número (fig. 5.390) mostra um retrato da autoria do artista galego Álvaro Cebreiro (1903–1956),301 que supomos ser um auto-retrato (apesar de ser normalmente representado com óculos) com um crucero gallego por trás, ilustrando um número que apresenta poemas de alguns autores galegos. O oitavo número (fig. 5.392), dedicado ao centenário do escritor Camilo Castelo Branco, mostra uma flor de autoria não identificada, mas que é parte de uma gravura usada na separata do terceiro número. Com referimos, a parte textual das primeiras quatro capas apresentava o título com uma letra caligráfica ou litográfica, passando nos restantes números a ser composto em tipo romano didodiano na variante negra comprimida, ocupando sempre a mesma posição em cabeçalho. A restante informação (subtítulo, número, ano e/ou local de publicação, tema de capa e autor da imagem) variou em quantidade e organização, havendo apenas uma relação entre dimensão das imagens e quantidade de elementos textuais apresentados. Porém, uma característica gráfica une essa informação secundária em todas as capas, pois foram sempre compostas numa variante negra que marca um claro protagonismo na composição. 297 França, Op. Cit., 1991, p. 46. Segundo José-Augusto França, Teles Machado dedicar-se-ia mais tarde a uma pintura religiosa e sobretudo à escrita, tendo colaborado literariamente na Athena (1924–1925) e Contemporânea (1922–1926), entre outras. 298 Contemporânea, n. 7, Lisboa, Janeiro de 1923: p. 14 Ver fig. 5.316 no capítulo: 5.2.29. Contemporânea, grande revista mensal (1922–1926) 299 O desenho mostra influências da obra de Amedeo Modigliani que Diogo de Macedo conheceu enquanto estudante em Paris no início da década de 1910. 300 João Carlos Celestino Gomes, médico, escritor e artista plástico, dedicou-se desde cedo ao desenho, passou por um período vanguardista em 1925 (de referências futuristas tardias), apresentou uma obra com influenciada na de Amadeo de Souza-Cardoso. Para mais informação consultar: França, Op. Cit., 1991, pp. 315–316. 301 Para mais informação sobre a vida e obra deste importante artista galego ver: Álvaro Cebreiro / Su Vida. Museo de Belas Artes da Coruña [Em linha]. [consulta: 24 de Janeiro de 2012]. Disponível em: (Contém informação bibliográfica). 509 Essas informações foram quase sempre compostas em tipo romano, mas variando as famílias tipográficas, sendo os números do segundo e terceiro exemplares excepcionalmente compostos em tipo sem patilha. Refira-se ainda que nos números oito e nove, os dois últimos, a indicação do tema de capa e o local de publicação, respectivamente, foi sublinhada com um filete de intestação, curiosamente colocado em diferentes posições nos dois casos. Figura 5.393. Capa da Tríptico, n. 9, Coimbra, 20 de Abril de 1925. O corpo textual da revista iniciava na página dois, correspondendo nesta revista pela sua configuração ao verso da capa. As cinco páginas de texto apresentaram dois modelos estruturais de base, variando normalmente entre o uso de duas (fig. 5.395) ou três (fig. 5.396) colunas de texto sem uma ordem ou uso específico – nos dois primeiros números registam-se ainda dois textos compostos em apenas um bloco de texto na largura da mancha (fig. 5.394)302 . As colunas de texto são bem compostas em ambos os casos, com entrelinha equilibrada, marcação de parágrafo recuado, uso de capitular simples no início dos textos e uma separação entre colunas com um branco aberto (proporcional ao uso de duas ou três colunas). A mancha gráfica foi centrada na página, exceptuando os três primeiros números, de maior formato, onde esta aparece assimétrica com margens exteriores e inferiores maiores que as suas opostas. Em termos tipográficos, os três primeiros números também se diferenciam dos demais fundamentalmente nos textos. Naqueles verifica-se um uso de diversificadas famílias tipográficas romanas no corpo de texto, e as capitulares de início de texto variam entre diferentes famílias de tipos romano e fantasia, mas com uma presença pouco vincada. Nos restantes seis números as capitulares dos textos em prosa são mais expressivas, com um corpo grande e normalmente em tipo romano didodiano negro condensado, sendo mais neutros na poesia e usando uma versão regular do tipo romano didodiano. No corpo de texto destes últimos seis números verifica-se uma uniformização do tipo de letra usado, passando a um só tipo romano que varia ligeiramente o corpo consoante é usado em poemas, numa 302 Por uma questão de coerência com os originais, manteve-se a ordem das páginas e o erro na sua numeração. 510 estrutura de duas colunas (corpo maior) ou noutras opções compositivas. Os títulos, em todos os números, foram usados de forma expressiva, normalmente com corpos grandes, por vezes em versão negra (mais neutro nos poemas) e variando entre tipos sem patilha, romano e fantasia. Figura 5.394. Tríptico, n. 1, Coimbra, 1 de Abril de 1924: pp. 4–3. Figura 5.395. Tríptico, n. 6, Coimbra, 15 de Janeiro de 1925: pp. 4–3. 511 Figura 5.396. Tríptico, n. 7, Coimbra, 15 de Fevereiro de 1925: pp. 2–5. Figura 5.397. Tríptico, n. 8, Coimbra, 20 de Março de 1925: p. 6. 512 A composição gráfica das páginas apresenta ainda o número de página na parte inferior da mancha, em posição central e composto em tipo romano, e usa filetes de intestação para criar separações de pequenas notas nas páginas, e ainda na marcação da ficha técnica da revista. Esta última ocupa uma incomum colocação no final da publicação, na parte inferior da última página, e apresenta a numeração e data, compostas em tipo sem patilha, e o corpo editorial, preço, morada e “termo de impressão” em tipo romano. Uma última referência às imagens no interior da revista. Esta surgem normalmente em separatas, exceptuando duas pequenas imagens inseridas no texto (a que surge na página 2 do sétimo número é uma repetição da usada na capa do quinto número – fig. 5.396), apresentando em quase todas um estilo expressionista, ou no caso da realizada por Eva Aggerholm, um estilo que nos lembra Amedeo Modigliani, sendo na sua maioria gravuras em xilogravura e no caso da artista dinamarquesa reproduzida em calcografia. Em conclusão, a Tríptico mostra uma forte afirmação gráfica, notando-se uma intencionalidade projectual não só na concepção em forma de tríptico, mas também na expressividade tipográfica conseguida fundamentalmente com a composição dos títulos. Este é caso que se diferencia dos demais pelo seu carácter projectual, como referimos anteriormente, não seguindo o modelo de publicação periódica tradicional, com alicerces na revista ou jornal. Ou seja, há uma relação objectiva entre a forma e o título, a quantidade de páginas e o número de secções temáticas. Refira-se, ainda, que encontramos alguns paralelismos no tratamento gráfico entre esta revista e a Contemporânea, ao qual não será estranho a participação do principal colaborador da Tríptico, Alberto de Telles-Machado, naquela outra publicação, uma revista que é considerada como um grande facto cultural nacional no período em que foi publicada (1922–1926).303 303 Ver: França, Augusto. “Nota sobre a Contemporânea”. Em: Jackson, Op. Cit., 2003, pp. 363–366. Ver também: Pires, Daniel; Oliveira, António (ed.). Pacheko, Almada e Contemporânea. Lisboa: Centro Nacional de Cultura: Bertrand Editora, 1993. 513 5.2.40. Dionysos, revista mensal de philosofia, sciencia e arte (1912–1928) Apresentação Após um intervalo de doze anos a revista Dionysos voltou a ser publicada com uma terceira série entre 1925–1927 (6 números), e ainda uma quarta série em 1928 (2 números).304 Um interregno que o director Aarão de Lacerda justifica305 afirmando que se deveu a “dificuldades que se acumulavam” e que impediram a continuidade. Voltava assim em 1925 com a ajuda da “mão amiga” da Companhia Portuguesa Editora, Lda. (Porto), e ainda que tenha alterado o seu subtítulo para revista bimestral de filosofia, ciência e arte, mantinha os mesmos princípios e uma colaboração literária muito semelhante (ver a primeira parte da análise). Nesta terceira série, a Companhia Portuguesa Editora surge não só como proprietária e editora, mas também como responsável pela impressão da Dionysos. Relativamente à colaboração artística, a partir da terceira série as imagens surgiriam de forma mais consistente, destacando-se então a colaboração artística de José Cyrne (autor da capa) e Teixeira de Carvalho nas ilustrações. Continuou a não existir referência a qualquer director artístico. Projecto gráfico: 3ª série (1925–1927), 6 números306 Esta revista apresentou-se então com uma cara renovada, alterando o projecto gráfico, aumentando a dimensão para 185x251mm, e passando a apresentar um número constante de 64 páginas. Relativamente aos materiais de suporte, a capa passou a ser impressa num papel Corrente forte colorido, as páginas interiores em papel Vergê, existindo ainda algumas páginas hors-texte onde as imagens surgiam impressas em papel Couché. Relativamente ao uso de cores, a capa continuou a ser impressa a duas cores (vermelho e preto), e as páginas interiores e as hors-texte a uma cor (preto). A publicação foi impressa com recurso à tipografia tradicional de chumbo e fotogravura (imagens a traço reproduzidas por zincogravura e os meios tons por similigravura), sendo a sua encadernação brochada e cosida. Capa A capa desta terceira série, da autoria de José Cyrne,307 diverge totalmente das duas séries anteriores (fig. 5.398), reduzindo bastante a quantidade de elementos na sua apresentação. Nesta nova configuração apresentou apenas dois itens: o título da revista (a vermelho) e uma ilustração (a preto). Esta última mostra uma representação clássica da figura mitológica grega Diónisos com uma taça de vinho na mão. As letras que compõem o título da revista são também desenhadas manualmente, facto constatável nas divergências do desenho das letras O e S, apresentando as características de um tipo romano. Esta composição gráfica da capa seria constante em toda a terceira série, variando apenas a cor do papel usado na sua impressão. 304 Foram apenas analisados os números publicados dentro do intervalo temporal definido no nosso estudo, não tendo sido analisados os de data posterior a 1926. 305 Dionysos, n. Especimén, 3ª Série, Porto, Julho de 1925: p. 2. Aparentemente não terá melhorado muito a situação, pois apresenta-se agora em subtítulo como uma revista bimestral, mas nunca chegou a cumprir esse princípio tendo publicado dois números em 1925, um em 1926 e outros dois em 1927. Refira-se ainda que as colaborações literárias se mantêm quase as mesmas das duas primeiras séries. 306 Apenas os três primeiros números desta terceira série se inserem dentro do período temporal do nosso estudo. Contudo, a continuidade do projecto gráfico desta série, sem alterações notórias, permite-nos afirmar que a análise aqui elaborada seria semelhante nos três números publicados em 1927. 307 Não encontrámos informação sobre este artista, supondo apenas que terá morrido em 1925, pois no número dois desta revista (Outubro de 1925, p. 65) há uma nota referindo o seu falecimento. Verificámos nas consultas que José Cyrne colaborou (ilustração da capa e outras) noutro projecto editorial, a revista de crónicas regionalistas Lucernas (s.d. – 1923), tendo também como director Aarão de Lacerda e editor a Companhia Portuguesa Editora, Lda. (Porto). José-Augusto França refere-se brevemente a este artista da Diónysos, mas diz que este se chamaria Jaime Cyrne e afirmando apenas que teve uma morte precoce. Consultar: França, Op. Cit., 1991, p. 109. 514 Figura 5.398. capa da Dionysos, n. 2, 3ª Série, Porto, Outubro de 1925. Páginas interiores As páginas da terceira série da revista Dionysos também foram alteradas. O sumario passa a estar incluído num página de frontispício (fig. 5.399) não numerada – as páginas seriam numeradas sequencialmente entre os diferentes números, estando pensadas para encadernação em volumes, não estando incluídas nessa numeração páginas eventuais como o frontispício, as hors-texte e a página final de publicidade. O frontispício é graficamente enquadrado por um filete simples, tal como as restantes páginas. Apresenta um cabeçalho de identificação na parte superior, constituído pela identidade da revista, número da série e subtítulo. Esse cabeçalho era seguido pela apresentação dos nomes do director/secretário/proprietário e editor, e morada de contacto. Enquadrado por um outro fio simples está o sumário que é encabeçado pelo número da revista. A nível da informação, esta página é rematada com o “termo de impressão”. Esta página recorre a uma diversidade de filetes (simples, duplos, de intestação e azurados) para ornamentação e separação de informações. Os tipos de letra usados variam entre o romano, sem patilha e fantasia de estilo Art Déco. Esta composição do frontispício mantevese sempre igual em toda a terceira série. Refira-se como curiosidade que nas costas do frontispício se imprimia, a partir do segundo número desta série, o sumário do número anterior. Apesar das diferenças de tamanho e do projecto gráfico, as páginas de texto (fig. 5.400) desta terceira série mantêm algumas relações com as das séries anteriores. A composição do texto segue um princípio que a relaciona com a composição tradicional de um livro de literatura, com uma coluna em posição descentrada, com diferenças de dimensão das margens inferior/superior interior/exterior. 515 Figura 5.399. Dionysos, número espécimen, 3ª Série, Porto, Julho de 1925: s.n. Figura 5.400. Dionysos, n. 2, 3ª Série, Porto, Outubro de 1925: pp. 88–89. 516 Estas páginas de texto, à semelhança do frontispício, também são enquadradas por uma moldura de filete simples. Os títulos dos textos voltam a compostos com uma variedade de famílias tipográficas tal como na primeira série, usando letras romanas, sem patilha ou fantasia, mas sem um critério aparentemente definido. Os textos são iniciados com uma capitular simples, continuando a ser compostos em tipo romano e a apresentar vinhetas ilustradas no seu início e final. Algumas dessas vinhetas são as mesmas que foram usados na série anterior. Como referimos, esta era uma situação normal na época (foi verificada mais de uma vez na análise das revistas), indicando que as vinhetas eram nalguns casos propriedade dos autores das publicações ou dos ilustradores, e não das oficinas tipográficas. O título corrente existente nas séries anteriores não é aqui usado, sendo a numeração das páginas colocada na parte inferior centrado com a mancha de texto. Registase ainda um uso neutro de filetes e ornamentos tipográficos na marcação de períodos nos textos. Finalmente, uma referência às imagens. Aparecendo em número reduzido (entre uma a cinco por número), a sua tipologia variava entre ilustrações, reproduções de desenhos ou gravuras e fotografias. Algumas eram inseridas no meio dos textos ilustrando algum assunto nele tratado. Noutros casos, alguns hors-texte não apresentavam qualquer relação com o conteúdo dos textos, sendo apenas reproduções de obras artísticas. Nas colaborações artísticas destacam-se os nomes de José Cyrne e Teixeira de Carvalho. Em conclusão, a terceira série apresenta-se graficamente com um carácter sóbrio, apesar do uso da cercadura linear nas páginas e de algumas opções pouco refinadas na escolha dos tipos de letra e vinhetas. Continuou a apresentar-se como uma revista de características próximas às de um tradicional livro de literatura, onde é dada pouca relevância ao uso de imagens como elemento enriquecedor e potenciador de vendas de uma publicação periódica. 517 5.2.41. Portugália, revista de cultura, tradição e renovação nacional (1925–1926) Apresentação A revista Portugália foi editada em Lisboa, tendo sido publicados seis números entre Outubro de 1925 e Março de 1926. Foi dirigida por Fidelino Figueiredo e editada pelo Conselho Director Central das Juventudes Monarchicas, apresentando como colaboradores literários Oliveira Lima, Luiz de Magalhães, Armando Guerra, Carlos Pereira, Ayres de Ornellas, Luís Chaves, Correia Marques, João Ameal, entre outros. Não apresenta colaboração artística para além da gravura da capa da autoria de Saavedra Machado. Esta publicação subintitulada revista de cultura, tradição e renovação nacional, insere-se na linha das revistas de feição política, pretendendo ser o “órgão de quantos não estão conformes com a presente situação do país.”308 Apresentou uma orientação monárquica e restauracionista, assumindo mais um papel de divulgação de orientações estilísticas do que apresentação de criações originais.309 Projecto gráfico A Portugália apresentou um formato 173x250 e foi constituída por capa mole e um corpo de 64 páginas, impressas respectivamente a duas cores (preto e vermelho) em papel Pardo e a uma cor (preto) em papel Corrente. A revista foi impressa na Tipografia da “Portugália”, em Lisboa, recorrendo à tipografia tradicional de chumbo e fotogravura (zincogravura) e a encadernação foi brochada, cosida e colada. Capa Figura 5.401. capa da Portugalia, n. 1, Lisboa, Outubro de 1925. 308 Portugália, n. 1, Lisboa, Outubro de 1925: p. 6. Rocha, Op. Cit., 1985, p. 378. A autora apresenta erroneamente esta revista como tendo sido editada em 1924. 309 518 A capa apresenta de forma clara o cunho monárquico da revista, não só pelo uso de um tipo Nacional de estilo gótico, mas sobretudo pelo bordo ilustrado repleto de iconografia denotativa daquela ideologia (fig. 5.401). Exceptuando o número e data de edição em rodapé (altera a localização entre o lado direito e esquerdo) que é em tipo romano, o resto da composição da capa é realizado numa gravura que se repete em todos os números. Esta é da autoria de Saavedra Machado e inclui no interior da bordadura a indicação do título, subtítulo, nome do director e local de edição, sendo o primeiro o único elemento da revista na cor vermelha. Os elementos textuais estão organizados sob um eixo central, havendo alguma falha hierárquica na diferenciação entre o subtítulo e nome do director. Esta área central é ainda complementada pela cruz da Ordem dos Templários inserida num círculo negro. A bordadura está repleta de símbolos relacionados com a monarquia, mostrando alguns escudos diferentes, uma esfera armilar e cruzes de diferentes Ordens religiosas e militares – Avis, Cristo e Santiago. O resto dos ornamentos são elementos florais que complementam e uniformizam o desenho de toda a bordadura. Refira-se ainda que a composição gráfica ocupa uma posição horizontal assimétrica na capa, tendo a margem direita o dobro do tamanho da esquerda. Páginas interiores À imagem das capas, também o interior desta revista manteve um grafismo idêntico em todos os seis números, apresentando o primeiro número excepcionalmente um anterrosto (fig. 5.402) e frontispício. Estas duas páginas eventuais indiciam que a revista foi pensada de raiz com a inclusão de encadernação em volumes, vindo inclusivamente indicado no primeiro número que a primeira série seria constituída por seis números. Pela sua exclusividade funcional considerámos estas duas páginas de menor importância, indicando apenas que apresentam uma configuração gráfica clássica, de alinhamento central e com a informação bem hierarquizada. Os seis números da Portugália abrem com uma página preliminar no verso da capa (fig. 5.402) apresentando sempre o mesmo tipo de informação técnica: título, subtítulo, director, editor, nota da redacção, contactos da redacção e administração e o sumário. A página está organizada sobre um eixo central, com o texto composto em diferentes tipos de letra romano, com pequenos filetes finos a separar a informação e o sumário inserido num rectângulo também de filete finos. É uma página que tem uma função meramente informativa, estando bem organizada e hierarquizada. A primeira página de texto (fig. 5.403) mostrou sempre com um cabeçalho de identificação da publicação, incluindo nesta o título, subtítulo, numeração e data respectivas. Este cabeçalho está enquadrado num rectângulo de filete fino e foi todo composto em caixa alta e com três tipos de letras distintos: o título em romano, o subtítulo em sem patilha numa variante condensada e a numeração e data num romano de patilhas cuneiformes. Estes foram os únicos elementos das páginas do miolo desta revista que usaram variação tipográfica, sendo todas as demais páginas compostas usando um único tipo de letra romano, variando apenas o corpo da letra consoante as necessidades de hierarquização de títulos, subtítulos, notas de rodapé, entre outras partes do texto. O corpo textual da revista iniciava logo após o cabeçalho da primeira página, mantendo as páginas partir daí uma regularidade gráfica e tipográfica constante. A revista é na globalidade bastante sóbria (fig. 5.404), os textos são bem compostos, com uma entrelinha equilibrada, com os parágrafos bem marcados com recuo e formando uma mancha cinzenta regular. O início dos textos ou temas (literatura, arte e música) deixaram uma margem superior mais aberta, marcando uma distinção gráfica (fig. 5.405). As páginas são ainda marcadas graficamente com um título corrente em cabeçalho. Este era formado pelo título da revista na página par e o título do texto na página impar, alinhados ao centro da mancha de texto, e a numeração de página alinhada com as margens exteriores. O título corrente era prescindido nas páginas de início de texto. Como referimos, esta revista não teve qualquer colaboração artística além da capa, não apresentando assim nenhuma imagem nas suas páginas. 519 Figura 5.402. Portugalia, n. 1, Lisboa, Outubro de 1925: contra-capa e anterrosto. Figura 5.403. Portugalia, n. 1, Lisboa, Outubro de 1925: pp: 4–5. 520 Figura 5.404. Portugalia, n. 1, Lisboa, Outubro de 1925: pp: 6–7. Figura 5.405. Portugalia, n. 1, Lisboa, Outubro de 1925: pp: 24–25. Em resumo, trata-se de uma revista bem paginada, graficamente sóbria e neutra, seguindo os modelos tradicionais de um livro de literatura. O seu carácter nacionalista e monárquico foram visualmente assinalados no grafismo da capa, através de toda a iconografia e desenho de letras góticas. 521 522 III. CONCLUSÕES 524 6. CONCLUSÕES O movimento de vanguarda histórica português surgiu na década de 1910 com uma proposta de revolução das artes e cultura nacional. Uma proposta de ruptura com a tradição que, desde meados do século XIX, se tinha limitado a seguir os padrões institucionalizados, primeiro do Romantismo e, posteriormente, do Naturalismo. A vanguarda cultural portuguesa manifestou-se através de práticas artístico-literárias, com raízes no movimento futurista italiano, encontrando nas revistas literárias um meio de expressão preferencial. A sua escolha relacionou-se com a maior liberdade oferecida relativamente ao peso simbólico das normas, e regulamentações próprias da edição de outros meios. Uma autonomia que tornava as publicações periódicas ideais para a experimentação, para a argumentação de ideias, e que oferecia diferentes possibilidades relativamente à sua formalização material e gráfica. Foi também nesse momento que as revistas literárias deixaram de ter uma orientação estética unívoca, passando a surgir sincronicamente associadas a grupos, ou tendências estético-literárias, segundo duas linhas de orientação: a da tradição e a da vanguarda. Ainda que as revistas literárias não tivessem como objectivo primário o questionamento ou afirmação dos seus métodos formais (gráfico-visuais) ou técnicos, em diversos casos a intenção de assinalar uma posição cultural, através do seu conteúdo literário e artístico, foi acompanhada ou acentuada através da sua formalização gráfica. Nesse contexto, aquelas publicações podem ser tidas como um espelho dos padrões gráficos que se podiam encontrar na época, verificando-se ainda que alguns casos contribuíram de forma concreta para a manutenção ou reformulação desses modelos gráficos. As propostas da “geração de Orpheu” surgiram numa envolvente e condições particulares. A liberdade de expressão aportada pela implantação da República, ocorrida a 5 de Outubro de 1910, abriu o espaço necessário ao livre pensamento e à livre publicação das ideias. A eclosão do conflito bélico na Europa forçou o regresso de artistas e intelectuais que estudavam ou trabalhavam no estrangeiro. Esses jovens artistas e escritores, influenciados pelos movimentos de vanguarda internacionais, juntaram-se aos que já haviam iniciado a tentativa de mudar o status quo. Uma tentativa de renovação do panorama cultural português, que atingiu o seu apogeu com a publicação dos dois números da revista literária Orpheu, em 1915, rematada dois anos mais tarde com a tentativa de lançamento da Portugal Futurista. O estudo gráfico do corpus de análise mostrou-nos que, grosso modo, os estilos gráficos/tipográficos aplicados nas revistas eram determinados pelas oficinas tipográficas que as produziam. Essas oficinas foram identificadas em 37 dos 38 casos analisados – não se identificou na revista Eh Real! –, entre os quais existem 10 títulos com a identificação de um director artístico, que terá sido responsável ou co-responsável pelo grafismo dessas publicações. Em todo o caso, eram os constrangimentos materiais e humanos das oficinas tipográficas que esculpiam os estilos ou modelos gráficos, pois só podiam ser verdadeiramente aplicados se tivessem disponível um catálogo tipográfico (tipos de letra e/ou ornamentos), sistemas de reprodução, matéria-prima (papéis e tintas) e, sobretudo, capacidade técnica para dar resposta às necessidades de formalização da expressão pretendida. A escolha das oficinas tipográficas estava, naqueles casos, sujeita a duas questões fundamentais. Por um lado relacionava-se com a formação dos directores e editores das revistas literárias, os responsáveis por essa eleição. Estes eram quase todos escritores com experiência editorial, tendo por isso prévias relações com oficinas onde imprimiam os seus livros ou outras publicações. As escolhas incidiam naturalmente sobre essas, havendo inclusivamente algumas oficinas conhecidas por essa afinidade, e que normalmente 525 apresentavam uma boa qualidade na impressão de obras literárias. Nesse âmbito, destacamos a Tipografia Costa Carregal (Porto) e a Imprensa Libânio da Silva (Lisboa). Por outro lado, relacionava-se com as limitações orçamentais dos projectos editoriais. Esta segunda questão era mais condicionadora. A precariedade orçamental revelada em diversas revistas era o factor que mais restringia a escolha das oficinas tipográficas, pois as melhores e com mais recursos materiais e técnicos eram as mais caras, restando nos casos de maior fragilidade financeira o acesso a oficinas menos preparadas. O grafismo das revistas literárias na época da “geração de Orpheu” assentava, na sua maioria, num arco estilístico definido entre o neoclássico e o Arte Nova. O estilo neoclássico (Didot) foi introduzido em Portugal em finais do século XVIII através da influência cultural e comercial francesa, tendo imperado no meio literário nacional até finais do século XIX. A continuidade deste estilo no século XX justificava-se por uma questão de tradição. Ou seja, no contexto das obras literárias (livros e revistas) as oficinas tipográficas optavam por seguir aquele modelo tradicional: uso de uma ou duas famílias tipográficas romanas, corpo de texto composto simetricamente apenas numa coluna, com alinhamento justificado, títulos bem hierarquizados e com alinhamento centrado, uso de título corrente em cabeçalho e aplicação de imagens (quando existiam) intercalando o texto ou em páginas hors-texte (quando implicava alteração de recursos técnicos). Assim, fomos capazes de concluir que o uso do modelo neoclássico se relacionava com uma questão de hábito. A convocação da composição gráfica idêntica à de um livro de literatura agradaria ao corpo editorial das revistas literárias, na sua maioria escritores, sentindo-se estes confortáveis com aquele modelo tradicional. Apesar da ilusória simplicidade do modelo neoclássico, verificámos que a sua boa aplicação implicava bons conhecimentos técnicos e uma criteriosa selecção estilística do material tipográfico. Porém, percebe-se que estas condições estariam acessíveis apenas num limitado número de oficinas tipográficas de maiores recursos, situadas normalmente nos principais centros urbanos da época (Lisboa, Porto e Coimbra). Apesar de, naquele período já existirem as máquinas de composição a quente (Monotype e Linotype), podendo estas resolver o problema da disponibilidade de caracteres de uma determinada fonte tipográfica, em Portugal essas máquinas apenas se difundiram na década de 1930, e a impressão continuava a ser feita somente através do tradicional processo tipográfico de chumbo. Confirmámos assim alguns dos alertas que Libânio da Silva apresentou no seu Manual do typographo de 1908. Percebemos que o estilo neoclássico atravessava um declínio na sua afirmação, verificando-se que são poucas as revistas analisadas onde não existe alguma poluição provocada pela introdução de elementos tipográficos exógenos. Esta questão introduzia uma debilidade estilística do vocabulário neoclássico, relacionando-se com o seguinte conjunto de factores: a) a proliferação de pequenas oficinas tipográficas que recorriam a impressores com falta de formação técnico-profissional e cultural; b) uma crise económica que afectava a indústria gráfica e condicionava a modernização das oficinas, conduzindo-as à aquisição e utilização de material sem qualidade ou de segunda-mão; c) um mercado consumidor interno reduzido, centrado nos principais centros urbanos, com pouca capacidade aquisitiva e qualitativamente pouco exigente. A questão da proliferação das pequenas oficinas tipográficas, abertas por uma perspectiva de mercado, prenuncia também a quebra de um ciclo. Isto é, rompia-se a ideia da arte gráfica ser feita somente por “homens do ofício”, em que o tradicional aprendizado se fazia com o mestre, metodologia pela qual se construía o perfil criativo de um bom impressor. Essa ruptura introduziu nas oficinas uma mão-de-obra sem formação, ou com limitações técnicas, que fragilizou o vocabulário e a riqueza daquele estilo. 526 Certificámos também que, à imagem do que sucedeu por toda a Europa, a entrada no novo século abrira o apetite pela busca de um estilo “moderno”, que espelhasse o ambiente da época. Essa demanda desembocou, a nível nacional, na importação do estilo Art Nouveau, de origem francesa. Sem embargo, enquanto o estilo neoclássico foi introduzido nas artes gráficas por meio da própria indústria, estabilizando-se numa época onde o tempo corria devagar; a “velocidade” do novo século encontrou um país não só industrialmente atrasado, mas também com carências de bases para perceber o enfoque poético do vocabulário Arte Nova. O tradicionalismo naturalista da arte e cultura nacional, somado à debilidade de entendimento do Simbolismo, limitaram assim o espaço das propostas daquele designado “estilo moderno”. Um contexto onde o atraso da indústria nacional tampouco permitia uma boa ligação entre a arte e ciência, ou uma reflexão sobre questões de funcionalismo, que aquele estilo exigia. A adopção do estilo Arte Nova em Portugal assumiu então um carácter decorativo e/ou ornamental, não suficiente para se afirmar nem para desencadear uma renovação abrangente no âmbito das artes gráficas. A aceitação irreflectida daquele vocabulário Arte Nova nas artes gráficas foi ainda condicionada pelo historicismo da cultura artística portuguesa, conduzindo a uma incoerente mistura entre os estilos Art Nouveau e o historicista Fin-de-siècle. Ou seja, salvaguardando algumas poucas excepções, encontrámos com maior frequência uma expressão gráfica com um carácter específico: uma mistura do historicismo revivalista, inerente ao século XIX, com o beaux-artismo e apontamentos Art Nouveau. A aplicação superficial de elementos (tipográficos ou ornamentais) estilo Art Nouveau no grafismo das revistas literárias configurava, sobretudo, uma tentativa de valorização embelezadora, ou uma expressão de um suposto “bom gosto”, apreciada pela elite burguesa. Estes aspectos indiciam um préstimo daqueles elementos também como um expediente de persuasão, ou de atracção de novos públicos para as revistas literárias, dominando sobre outras tipologias estilísticas, graças à expressividade. Verificámos ainda que algumas revistas foram misturando apontamentos gráficos de outros estilos que, de alguma forma, acabaram por marcar a expressão visual de publicações com temáticas específicas. Um caso notório regista-se nalgumas revistas tradicionalistas de feição nacionalista ou monárquicas. Não apresentando um estilo homogéneo, vão misturando características finisseculares, Arte Nova e neoclássicas, mas diferenciando-se pela aplicação de elementos tipográficos e simbólicos de estilo Gótico. O uso desses elementos pretenderia criar uma ligação com o passado, remetendo normalmente para momentos chave da história nacional, com a intenção de retorno aos valores da tradição e conotar visualmente as revistas com os princípios monarquistas e nacionalistas advogados. Por último, registámos dois títulos que seguiram uma configuração gráfica semelhante à de um jornal diário. Esta opção verificada na revista Gente Nova (1912) e nos dois primeiros números da Alma Nova (1914) é coincidente com a notória fragilidade económica daqueles projectos – no segundo caso só terá ganho fôlego orçamental com a mudança para Lisboa, melhorando então paulatinamente a sua qualidade gráfica. Problemas financeiros que eram determinantes em diversos aspectos da edificação das revistas, limitando o acesso às melhores oficinas tipográficas ou o uso de materiais com mais qualidade, destacando-se nestes casos o papel. Estes eram problemas comuns a todas as revistas com mais dificuldades económicas, que optavam por oficinas baseando-se nos valores de produção em detrimento da qualidade. Essas oficinas estavam, grosso modo, mais direccionadas para trabalhos comerciais, com menores preocupações no rigor tipográfico dos estilos pretendidos, percebendo-se ainda que a nível de produção e material existiam algumas limitações – menor rigor na composição tipográfica e uso de papéis de qualidade inferior. 527 As melhores oficinas tipográficas distinguiam-se pela capacidade de resposta nos aspectos gráficos/tipográficos, técnicos e materiais. Entre aquelas identificadas no nosso estudo distinguimos a Tipografia Costa Carregal (Porto), a Imprensa Libânio da Silva (Lisboa), a Typographia do Annuario Comercial (Lisboa), as Oficinas da Imprensa Lucas & Cª (Lisboa), as Oficinas Gráficas da Biblioteca Nacional de Lisboa (Lisboa) e a Imprensa da Universidade de Coimbra (Coimbra). Verificámos que as revistas produzidas naquelas oficinas detinham geralmente uma boa qualidade tipográfica e estilística. Porém, percebemos também que é nesse grupo que se encontraram as revistas mais caras. A título de exemplo referimos a revista A Águia que duplicou o seu preço quando, na segunda série, passou a ser impressa na Tipografia Costa Carregal, usando papel de boa qualidade e melhorando substancialmente a sua qualidade tipográfica e estilística. Percebemos a importância da capacidade financeira nos resultados gráficos quando analisamos os casos em que há apenas um estilo gráfico, pois foram todas impressas naquele grupo de oficinas tipográficas: A Vida Portuguesa na Tipografia Costa Carregal; Atlântida e Athena na Imprensa Libânio da Silva; A Rajada, Centauro e Pela Grei na Typographia do Annuário Comercial; Folhas de Arte nas Oficinas da Imprensa Lucas & Cª; Lusitânia nas Oficinas Gráficas da Biblioteca Nacional de Lisboa. Exceptuando A Rajada, em estilo Sezessionstil, todas as demais apresentaram um grafismo neoclássico bem aplicado, confirmando que estas oficinas eram capazes na interpretação técnica do estilo, e que aquele estilo manteve sempre a sua aceitação no meio literário. O nosso estudo centrou-se na análise gráfica de três elementos essenciais da estrutura gráfico-editorial das revistas: a capa, o índice/sumário e “páginas tipo” – página ou conjunto de páginas que definam um modelo gráfico, ou que se distingam pela sua construção macrotipográfica. Se a observação das páginas-tipo nos permitiu retirar conclusões sobre os modelos gráficos que imperavam naquela época, referidos atrás, as outras levaram-nos a conclusões diferentes. O índice ou sumário eram normalmente introduzidas em páginas preliminares, incluindo essa informação juntamente com a ficha técnica e/ou outra informação complementar – podia ser, entre outras, o valor de assinatura, o preço avulso, publicidade a outras publicações e anúncios de carácter comercial. Estas páginas seguiam normalmente o mesmo estilo compositivo que se podia observar no miolo das respectivas revistas. Contudo, verificamos que nalguns casos a composição era feita com recurso a uma grande diversidade de estilos tipográficos. Este recurso decimonónico tinha as suas origens ligadas a questões comunicativas da publicidade comercial do século XIX. Configurava uma elaboração gráfica que servia para os impressores demonstrarem não só as suas capacidades técnicas, mas também a oferta de diversidade tipológica da oficina tipográfica. Representava, nestes casos analisados, uma mera aplicação de um costume estabelecido, não questionado por quem o executava e não constituindo, por si só, um estilo ou um modelo. A influência tipográfica da publicidade comercial novecentista deixaria ainda outra marca no grafismo das revistas, caracterizada pela proliferação de tipos de letra egípcios e de fantasia. As capas das revistas configuraram um caso particular na análise gráfica. Exceptuando as duas publicações que seguiram o formato de jornal diário com uma típica primeira página, todas as demais apresentaram capa. De uma forma geral, este elemento de apresentação das revistas revela sempre algum tipo de investimento gráfico ou artístico, um reconhecimento do seu valor na afirmação e comunicação perante o público. Ainda assim, verificou-se que um largo conjunto de revistas estava pensado desde a sua fundação para ter os seus números agregados em volumes. Um processo no qual, regra geral, se subtraíam as capas de cada número. Este princípio justifica a quantidade de revistas que analisámos e cuja capa foi imutável durante o período em que foram editadas. 528 Entre os casos em que as capas se mantiveram idênticas, há alguns em que se notou uma variação de algumas características. Essas mudanças incidiam principalmente na informação constante na capa, coincidindo normalmente com o início de uma nova série, mudança de subtítulo ou, ainda, pela alteração da oficina tipográfica onde se produzia a revista. Quando neste último caso se mantinham semelhanças, as alterações ocorriam pela indisponibilidade do mesmo catálogo de fontes tipográficas e ornamentos, implicando escolhas alternativas. As imagens das capas tinham menor tendência a variar, pois na maioria das vezes os seus clichés seriam propriedade dos directores artísticos ou das direcções das publicações, justificando a sua continuidade independentemente da oficina que produzia a revista. Noutros casos mudou somente a cor do papel em que foram impressas. Esta situação ocorria por duas razões: a) servia como um diferenciador dos números do título, sobrepondose comunicativamente à imutabilidade do grafismo da capa, ou b) significava somente que a capa tinha sido impressa usando o papel que estava disponível na oficina tipográfica, explicando os títulos em que a cor e/ou o tipo de papel variavam no mesmo número. A expressão gráfica das capas dividiu-se entre as exclusivamente verbais – algumas complementadas por ornamentos tipográficos – e as compostas por elementos verbais e icónicos (imagens fotográficas ou ilustrações). A opção por uma expressão exclusivamente verbal não seguiria nenhuma outra regra além da estilística. Entre todas as revistas, esta opção foi justificada unicamente no segundo número de revista Orpheu, através de uma nota introdutória. Entre as capas exclusivamente verbais destacam-se pela sua qualidade gráfica os seguintes títulos: a Atlântida (primeiros números) e a Athena, ambas em estilo neoclássico, a historicista Ícaro, ou ainda a distinta abordagem Art Déco na Nova Phenix Renascida. Entre as revistas que apresentaram capas com elementos verbais e icónicos distinguem-se as que expõem um valor artístico assinalável. Destacamos neste caso o trabalho de Correia Dias n’A Águia e A Rajada, de António Carneiro na Límia ou o de Saavedra Machado e Roberto Nobre na Alma Nova. Roberto Nobre destacar-se-ia também na Seara Nova, juntamente com Leal da Câmara, Humberto Pelágio, Jorge Barradas, José Tagarro, Mário Eloy e Rodrigues Miguéis. Destacamos ainda a colaboração de Raul Lino na capa da Folhas de Arte, António Carneiro na Límia e José Pacheko nas capas da Orpheu e Contemporânea. Nesta última colaborou também José de Almada-Negreiros, identificando-se todos eles com os princípios da “geração de Orpheu”. A colaboração destes artistas nas capas surgiu normalmente como um trabalho independente, contratado e pago, ou como complemento do trabalho de director artístico. Significava também um reconhecimento da sua capacidade artística. Estes jovens artistas “modernos” aportaram novas e ecléticas abordagens discursivas, ainda que nalguns casos não fossem condizentes com o estilo gráfico do interior das revistas. Destacaram-se ainda pela capacidade semântica e simbólica na construção iconográfica. Entre as capas realizadas por aqueles artistas encontramos influências que vão do Jugendstil ao o Secession vienense, passando pela variante escocesa da Escola de Glasgow, influências dos trabalhos do Wienner Werkstatte ou do expressionismo alemão, encontrando-se ainda os primeiros passos da expressão Art Déco e do neo-realismo em Portugal. Uma contribuição que constituiu uma mais valia inestimável do ponto de vista artístico e gráfico, dando-nos pistas para os primeiros passos nacionais de alguns desses estilos. *** A história conta-nos que o crescimento da indústria tipográfica e dos meios impressos, ocorrido em Portugal a partir de meados século XIX, esteve na origem de um grande número de oficinas tipográficas com uma perspectiva comercial. Muitas dessas oficinas abriram materialmente mal apetrechadas, contavam com uma mão-de-obra com deficiências de 529 formação e apresentavam uma débil capacidade de resposta estilística. Porém, esses factos que estiveram na origem da decadência das artes gráficas nacionais, há imagem do que sucedeu noutros países, abriram espaço para o surgimento de um novo protagonista naquele meio, o director artístico. Este actuava como um interface entre o corpo editorial e os compositores tipográficos e impressores, dando instruções e coordenando detalhes da execução gráfica e artística dos artefactos impressos. No conjunto das revistas analisadas há 10 casos com director artístico identificado. Exceptuando os casos de Tarquínio Bettencourt na revista A Galera, do qual se desconhece a formação, e Germano Vieira na Conímbriga, médico de formação e artista autodidacta, todos os demais tinham formação em artes plásticas. Foram eles António Carneiro n’A Águia (da segunda à quinta série), Correia Dias n’A Rajada, José Pacheko na Contemporânea, Joaquim Lopes n’A Labareda e Gente Lusa, Humberto Pelágio e Leal da Câmara na Seara Nova, Ruy Vaz na Athena, enquanto a Alma Nova foi a princípio dirigida por Carlos Lyster Franco e Samora Barros, e posteriormente por Saavedra Machado. Ainda que estes artistas não tivessem formação específica na área gráfica ou tipográfica, souberam sobrepor essa carência de formação com o seu sentido estético. Foram importantes na criação de elos entre o discurso editorial e o gráfico-visual, na tradução dos modelos e opções gráficasvisuais que alguns artistas e escritores traziam das suas passagens por publicações estrangeiras. Aportavam ainda uma sensibilidade artística que lhes permitia contestar o uso de alguns estilos gráficos, usados muitas vezes somente por questões de moda ou tradição. De uma forma geral verificámos que a intervenção dos directores artísticos modelou uma harmonia estilística no grafismo das revistas, incluindo a selectiva escolha de imagens e colaborações artísticas. Destacamos neste âmbito o trabalho de José Pacheko, Ruy Vaz, António Carneiro e Correia Dias. Os dados encontrados sobre o desempenho e o papel dos directores artísticos na concretização gráfica das publicações, permitem-nos considerar a hipótese de estarmos perante um conjunto de personalidades que desempenharia, naquela época, uma actividade projectual que se poderia já considerar de “designer gráfico”. Neste âmbito verificámos uma participação activa dos artistas da “geração de Orpheu, permitindonos averiguar como se visualizou graficamente o conceito português da modernidade. Os jovens artistas da “geração de Orpheu” sustentaram os seus princípios nas modernas ideias vindas de fora. Isto é, perseguiam uma arte cosmopolita e desnacionalizada vinda da Europa que, segundo Fernando Pessoa, naquela época era “a região civilizada que dá[va] o tipo e a direcção a todo o mundo”. A proposta de inovação e ruptura com a tradição passou, assim, pela abertura do meio cultural português às novas disruptivas estéticas que se afirmavam nos principais centros culturais europeus. Do ponto de vista gráfico, a importação dessas ideias significava não só o reconhecimento da mais valia daqueles modelos estilísticos, mas mostrava ser também o reflexo das vivências de alguns artistas e escritores noutros países onde, não raras vezes, colaboraram ou tiveram contacto com publicações locais, identificando-se diversas influências vindas da Europa. De França encontramos paralelos com a revista L’Assiete au beurre, na qual colaborou Leal da Câmara, e ainda influências do Art Nouveau e, posteriormente, do Art Déco. Da Áustria percebemos influências do vienense Sezessionstil e da revista Ver Sacrum apresentadas por Correia Dias. Este mesmo artista mostrou ainda ecos da geometrização típica do estilo introduzido pela Escola de Glasgow, Escócia. Da Alemanha encontramos referências ao Jugendstil nas ilustrações de Jorge Barradas, ao expressionismo da revista Der Sturm no traço de Rodrigues Miguéis e Roberto Nobre, ou ainda dos princípios do Deutsche Werkbund nos trabalhos de Leal da Câmara e José Pacheko. Verificámos ainda uma particular influência de alguns artistas espanhóis, salientando-se a singular relação com os artistas catalães Xavier Gosé e Lluis Bagaria i Bou, ou por meio das revistas El Día Gráfico e a Veu de Catalunya. 530 A importação de “outras ideias” trazida pelos jovens artistas e escritores pretendia mudar a forma de transmitir as suas ideias, uma forma de questionamento dos modelos tradicionais. Uma opção que nas revistas literárias contribuiu para a exploração de direcções gráficas alternativas ou ex novos, lutando assim contra os modismos superficiais de carácter ornamental. Foram ainda resultado de uma importação mais intelectualizada, percebendo-se a tentativa de relacionamento com as linhas editoriais das revistas, plasmadas nos conteúdos literários, artísticos, políticos e ideológicos. Enquanto nas artes plásticas ou literatura os artistas podiam expressar as suas ideias de forma livre, no meio tipográfico continuava a usar-se em Portugal a tradicional impressão tipográfica de chumbo. Uma técnica que impunha mais restrições expressivas do que liberdades, sendo somente revezada pela litografia ou processos de fotogravura nalgumas capas e páginas com imagens. Contudo, a maior parte do trabalho tipográfico era executado pelos impressores e compositores, nalguns casos sobre indicações dos directores artísticos. Nesse percurso, as revistas associadas aos princípios da “geração” anteriores à publicação da Orpheu mostraram duas tendências gráficas principais, afastando-se das influências superficiais Art Nouveau ou Fin-de-siècle que iam marcando várias revistas da tradição. Uma conduzia ao estilo neoclássico como a opção de neutralidade gráfica. A outra optou por uma via discursiva próxima ao Sezessionstil ou ao simbolismo. No primeiro caso percebe-se um paralelismo com o despertar do clássico que ocorreu também, naquela época, na Catalunha ou na Itália, onde este estilo de raiz latina surgia como alternativa às formas Art Nouveau que chegavam do norte da Europa. No entanto, o estilo neoclássico nem sempre foi tratado de forma hermética, convivendo nalguns casos com o progressista Sezessionstil ou o simbolismo. Estilos que foram adoptados para as capas, modelando uma exploração das possibilidades expressivas e discursivas além dos limites impostos na tradição académica, além de cumprirem as fundamentais funções persuasivas. O segundo caso identificou-se na revista A Rajada (1912), dirigida artisticamente por Correia Dias. Este artista aplicou ali o vienense Sezessionstil em todo o seu esplendor, sendo a única revista que se aproximou do hodierno princípio de obra de arte total. Correia Dias realizou ali um dos mais completos e interessantes projectos gráficos da época, mostrando conhecimento e domínio dos elementos da linguagem gráfica. Um trabalho global de edição de assinalável qualidade, ao qual se deve dar crédito à cuidadosa execução gráfica da Typographia do Annuário Comercial. Contudo, a ida de Correia Dias para o Brasil em 1914, constituiu não só uma grave perda na estratégia de implementação da vanguarda em Portugal, mas também para o desenvolvimento da área do design gráfico português. O ano de 1915 ficou marcado pela publicação da revista Orpheu (1915), a mais importante realização da vanguarda histórica portuguesa, seguida dois anos mais tarde pela tentativa de publicação da Portugal Futurista. O grafismo destas duas revistas forma um espelho do processo de ruptura da tradição lançado pela “geração de Orpheu”. Ainda que estas duas publicações tenham apresentado algumas soluções gráficas/tipográficas inovadoras no contexto nacional, deixou-nos uma sensação de acção epidérmica, configurando uma subversão gráfica que escassamente ultrapassou os limites da composição tipográfica ortogonal. Ou seja, a aproximação à “rivoluzione” tipográfica proposta pelos futuristas italianos – abordada por Bettencourt-Rebelo na Portugal Futurista –, através da qual procuravam aumentar o significado das palavras, criando uma comunicação literária mais intensa, expressiva e de ruptura, não foi além de tímidas tentativas. A aproximação à vanguarda cultural de cariz futurista realizou-se apenas no segundo número da Orpheu – no primeiro continuavam os estilos gráficos que dominava até então as publicações literárias próximas à ideologia da “geração”, uma capa simbolista com um interior neoclássico, neutro e harmónico, apropriado ao conteúdo exclusivamente poético. Contudo, a tentativa de ruptura gráfica surgiu apenas no texto de Mário de Sá-Carneiro, uma ruptura com o tradicional ao nível gráfico e literário, ampliando dessa forma o seu valor 531 semântico. Uma situação confirmada na Portugal Futurista, que apenas apresenta vestígios da “rivoluzione” tipográfica proposta pelos futuristas italianos. Opções que foram novamente aplicadas nos textos de Almada-Negreiros e Raul Leal, confirmando que eram ideias que se restringiam à individualidade de alguns artistas. Mas mesmo essas rupturas estavam condicionadas às limitações impostas pelos catálogos tipográficos das oficinas tipográficas. Ainda assim, os textos daqueles autores foram modelados de acordo com fascínio pela máquina e as metrópoles, ou pelos trabalhos de âmbito comercial e publicitário. A mesma ideia que esteve na base da capa do segundo número da Orpheu, ou na capa e interior da Portugal Futurista, onde se verifica uma valorização de tipos de letra egípcios e sem patilha, ou o uso da composição diagonal (ideia de dinamismo futurista), que naquela época eram pouco usados fora do âmbito publicitário. Constituíram tentativas de manipulação gráfica que configurava a procura de uma nova sintaxe, uma nova semântica poética e tipográfica que rompesse com a tradicional organização dos textos na página. No entanto, voltamos a concluir que eram opções timidamente concretizadas, vestígios de uma ruptura tipográfica que se diluem no conjunto do corpo da revista. A ruptura dos modelos tradicionais necessitava não só de uma abertura criativa, mas exigia também maior capacidade técnica de todos os envolvidos, artistas, compositores e impressores. Contudo, o meio gráfico/tipográfico nacional não estava preparado no âmbito cultural e técnico para uma revolução tipográfica. Estas limitações afectavam objectivamente a qualidade do meio gráfico e tipográfico português naquela época. Por outro lado, essa seria também uma opção que tornaria os projectos editoriais mais dispendiosos, situação que sempre foi uma forte condicionante das publicações periódicas nacionais. Depois daquela fase de afirmação áurea da vanguarda, concretizada segundo os princípios futuristas, assistiu-se a um claro declínio nas actividades da “geração”na tentativa de renovação estética e social, sem que isso tenha implicado o abandono da linguagem de vanguarda. Apesar disso, todas aquelas ideias e conceitos não se esgotaram naquela primeira fase, pois o enfoque teórico deixado através dos manifestos, textos e das experimentações consolidou uma contribuição gráfica e tipográfica indelével. Ainda que a sociedade continuasse arraigada aos valores estéticos oitocentistas (que nunca largara), o conjunto de agitadores acontecimentos vanguardistas captou a atenção do público, em grande parte devido ao papel desempenhado pelas publicações literárias. Nos anos 20, com o início do designado período de “euforia urbana” – vivido fundamentalmente em Lisboa e no Porto – iniciava-se o caminho para uma segunda fase vanguardista, designado por Segundo Modernismo e correspondente ao internacional Modernism. É um período que vai ficar marcado pela edição de duas revistas de literatura e arte: a Contemporânea e a Athena, títulos que por si só demonstram as suas diferentes orientações. A primeira foi um projecto pessoal de José Pacheko, que no ano de 1915 esteve envolvido no lançamento da Orpheu e fez uma primeira tentativa de publicação da Contemporânea. Um projecto que só teve continuidade em 1922, mas que viria a tornar-se num dos mais marcantes e influentes projectos editoriais e gráficos nacionais. A segunda, mais clássica, foi dirigida artisticamente por Ruy Vaz e deu continuidade ao uso do estilo neoclássico. Na sua maioria, as revistas ligadas à tradição mantiveram a mesma abordagem gráfica, prolongando no tempo a presença do estilo Art Noveau que se mantinha como o estilo considerado de “bom gosto” pela burguesia. Sem embargo, as revistas que se opunham a essa linha tradicionalista encetaram um caminho divergente, que conduziria em Portugal à introdução de novas e, nalguns casos, inovadoras direcções estilísticas. A década de 1920 foi o período em que algumas revistas literárias abandonaram o princípio de continuidade das capas. As revistas Contemporânea, Seara Nova (1921), Alma Nova 532 (terceira e quarta série, a partir de 1922) e Tríptico (1924), importaram o princípio usado noutras tipologias editoriais, variando não só de estilos, mas também em termos discursivos, entre capas verbais e verbais-icónicas. Esta opção relacionou-se com o “espírito da época” vivido sobretudo em Lisboa, onde se editaram 3 daquelas 4 revistas. Um momento que anunciava a entrada na comunicação de massas na qual existia uma intenção de diversificação dos públicos. Houve assim uma abertura da temática discursiva na qual se nota um crescente uso da imagem feminina nas capas, procurando introduzir um estereótipo de urbanidade que marcava o início daquela década. No discurso dos “novos” artistas a imagem da mulher, ou as referências à moda, iam substituindo a caricatura e o humorismo que naquela época pareciam esgotar-se. As colaborações artísticas e gráficas mais importantes surgiram sobretudo nas capas, tendo optado nas páginas interiores por um caminho de maior sobriedade no tratamento gráfico. Aquela era uma opção que potenciava também o carácter apelativo das revistas e as vendas, questão que justifica a colaboração dos artistas escolhidos ou a reprodução de obras de nomes consagrados (nacionais e alguns internacionais). Funcionava também como um meio de divulgação artística e dos valores da cultura nacional. O investimento artístico destas revistas nos “jovens” artistas acarretou um investimento no discurso semântico reformulado, um discurso icónico e verbal edificado numa multiplicidade temática e estilística. De uma forma geral, não houve um estilo claramente definido, observando-se um intercalar de temáticas e discursos gráficos. Assim, o Sezessionstil ou o Jugendstil foram dando lugar ao Art Déco através de uma sintetização do seu discurso gráfico e pictórico. O estilo Art Déco não era uma novidade, vinha sendo anunciado pelos artistas próximos aos princípios da “geração de Orpheu”, como por exemplo nas ilustrações de Almada Negreiros e Jorge Barradas no número specimen da Contemporânea (1915). Era um estilo que se adaptava a uma ilusão cosmopolita de modernidade pretendida pela “geração”, assinalando também uma transição de uma cultura popular a uma cultura de massas. A questão da sintetização tipográfica foi um legado do Futurismo e da Portugal Futurista, percebendo-se o crescente uso de tipos sem patilha em títulos e capas de diversas revistas. Uma influência que se estendeu inclusivamente a capas de revistas ligadas à tradição, como por exemplo nos casos da Nova Phenix Renascida (1921) ou da Labareda (1ª série, 1924) – o corpo dessas revistas mantinham o estilo de um clássico livro de literatura, onde os títulos iam variando entre diversos estilos tipográficos. A nível iconográfico assistimos na Seara Nova e na Tríptico à introdução de estilos antiestablishment como o futuro-expressionista – de ascendência alemã e que terá chegado através da revista Der Sturm –, a vanguarda pictórica realista ou ainda os primeiros passos do Neo-Realismo nacional. Estes estilos configuraram fundamentalmente uma eclética opção de afastamento de um gosto popular e burguês. É importante destacar o papel desempenhado pelos directores artísticos, que conseguiram determinar uma identidade própria sobre a variedade temática, conseguida através do reconhecimento, valorização e uso de alguns elementos gráficos – filetes, ornamentos ou logótipos. A questão da identidade, onde sobressaem os logótipos da Alma Nova, Seara Nova, e Contemporânea, foi, neste último caso, tratada de forma exemplar por José Pacheko. No estudo desta revista pudemos encontrar documentação onde o conceito de imagem de identidade está perfeitamente estabelecido e aplicado, por exemplo, em papel de carta usado na correspondência com os colaboradores. O estilo neoclássico continuava a marcar presença, sendo este aplicado segundo dois conceitos. Por um lado surgiu aqui como resposta alternativa à Arte Nova, constituindo uma defesa do latino frente aos ornamentos e formas da Arte Nova francófona. Neste âmbito distinguem-se as revistas com uma coerente e rigorosa aplicação daquele estilo: a Homens Livres (1923), a Athena (1924) e a Lusitania (1924). 533 Por outra via, a recuperação do latinismo português pela via do neoclássico agregou um conjunto de recuperações historicistas, usando uma diversidade de elementos tipográficos e gráfico-visuais (filetes, ornamentos, gravuras, entre outros), construindo uma nova semântica gráfica através do distanciamento do seu contexto original. Esta proposta foi trazida por Leal da Câmara na Seara Nova e José Pacheko na Contemporânea, sendo na segunda, pela individualidade e independência do projecto, onde mais se destacou. Das contribuições de José Pacheko ao design gráfico nacional destacamos o carácter de recuperação historicista que convocou os princípios do Deutsche Werkbund, evocando conotações positivas de qualidade e do bem-fazer. Manifestou-se com uma vocação latinista, que passava pelo neo-academismo e valorização do tradicional classicismo oitocentista. Esta proposta não ignorou as concepções desenvolvidas pela vanguarda nacional, mas actualizouas segundo uma perspectiva comunicacional diferenciada. Ou seja, as recuperações historicistas tomaram uma nova dimensão expressiva através da construção de uma nova semântica gráfica, conseguida através de uma reformulada relação entre a mancha de texto e os títulos. A intenção de manipular os valores semânticos contidos nos títulos, através dos jogos tipográficos de junção/oposição de estilos, cores, orientação e escala, juntou-se à capacidade de criar riqueza rítmica e cromática na composição gráfica das páginas. Essas opções gráficas e compositivas aportavam aos elementos clássicos um papel distante do contexto original donde eram retirados, mas que se revelou fundamental para a construção de novos significados. São opções que testemunham o nascimento de uma nova expressão gráfica que haveria de conduzir o Design Gráfico nacional no caminho do internacional Modernism. José Pacheko e a Contemporânea marcaram, sem dúvida, o tempo com um novo discurso gráfico, criando uma influência que foi extensível a outras publicações editadas posteriormente a 1922. Neste estudo encontramos esses reflexos em várias publicações, mas destacamos aqui os projectos gráficos das revistas Tríptico (1924) e Folhas de Arte (1924) que foram mais além de uma simples replicação das ideias gráficas. A primeira distingue-se pela inusitada relação conceptual entre o título e a sua estruturação em forma de “tríptico”, bem como pelo paralelismo entre a quantidade de páginas e o número de secções temáticas. No segundo caso destaca-se também a exploração material e gráfica do corpo da revista, organizada em partes separadas (folhas soltas ou dobradas), com papéis de diferentes texturas e cores, e com um trabalho gráfico rigoroso e ricamente ilustrado. Um projecto onde aventuramos a hipótese (não confirmada) de existir uma coordenação gráfica de Raul Lino, figura maior da arquitectura portuguesa, cuja obra também ficou marcada pela valorização do espírito latino e do classicismo oitocentista, entre outros aspectos. Durante o decorrer do presente estudo foram surgindo dados que possibilitam novas linhas de investigação, apontando situações que ocorreram paralelamente ao contexto do estudo, assim como em períodos anteriores ou posteriores. Finalmente deve-se referir que este estudo induziu um estímulo maior para o decorrer da minha actividade como docente, alargando as bases do conhecimento nas áreas da tipografia e da história do design, sobretudo no que concerne ao contexto português. Informação de grande valia que pode contribuir com um conjunto de subsídios para a elaboração detalhada de uma história do design nacional. 534 IV. BIBLIOGRAFIA 535 A Acciaiouli, Margarida. “As capas das revistas e magazines”. Em: Ribeiro, José Sommer (org.). Grafismo e ilustração nos anos 20 (catálogo). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian – Centro de Arte Moderna, 1986: s.p. Adams, Chris; Cremoncini, Roberta. “The futurist graphic revolution”. Em: Baseline (International Typographics Magazine) n.º 28. Kent, 1999: pp. 5–12. Aldrige, Alfred. “Ancients and Moderns in the eighteenth century”. Em: Wiener, Philip (ed.). The dictionary of the history of ideas. (Tomo I). New Yorq: Charles Scribner’s Sons, 1973– 1974: pp. 77–87. Alexandre, Valentim. “Ideologia, economia e política: a questão colonial na implantação do Estado Novo”. Em: Análise Social, XXVIII, 123–124. Lisboa: ISCTE-IUL, 1993: pp. 1117–1136. Almeida, Teresa. “Nacionalismo e Modernismo: o projecto Exílio”. Em: Jackson, David. 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DIRECÇÃO ARTÍSTICA: não referenciada COLABORAÇÃO LITERÁRIA: Afonso Duarte, Afonso Lopes Vieira, Anjelo Vaz, António Sérgio, Teixeira de Pascoais, Vergílio Ferreira, João de Deus Ramps, entre muitos outros. COLABORAÇÃO ARTÍSTICA: Christiano Cruz, Correia Dias, António Carneiro e Jaime Cortesão, entre outros de menor relevo. DESCRIÇÃO/CONTEXTO Esta primeira série apresenta-se como uma Revista quinzenal ilustrada de literatura e crítica, constituindo o órgão da sociedade portuense “Renascença Portuguesa”. Nas páginas de A Águia, cuja colaboração é extremamente variada, participaram com predomínio os autores ligados ao movimento saudosista. Nas páginas da revista assumiu especial relevo a polémica entre Pascoaes e António Sérgio, que põe limitações àquele movimento. Destaca-se ainda a publicação de artigos de Fernando Pessoa, onde defende e anuncia o nitzschiano aparecimento de um "supra-camões" na literatura nacional. Participação de diferentes personalidades: os fundadores do "grupo de coimbra", os caricaturistas e ilustradores Christiano Cruz e Correia Dias, e ainda desenhos de Jaime Cortesão e António Carneiro. REVISTAS LITERÁRIAS FORMA E MATERIAIS ELEMENTOS COMPOSITIVOS TIPO DE PUBLICAÇÃO: Jornal TIPOS DE LETRA capa: Fantasia, Romano e Sem Patilha DIMENSÃO: 215x297 mm títulos: Romano, Fantasia e Sem Patilha Nº PÁGINAS: 8 a 16 texto: Romano, Fantasia e Sem Patilha TIPO DE CAPA: mole, 1 cor TIPOS DE IMAGENS: ilustrações e desenhos reproduzidos TIPO DE SUPORTE: papel de jornal Nº DE IMAGENS: 5 a 10 FRONTISPÍCIO: não CORES - ELEMENTOS TIPOGRÁFICOS: 1 cor (preto) CORES - IMAGENS: 1 cor (preto) ENCADERNAÇÃO: brochado e grampado COLUNAS/DIMENSÃO/CORONDEL: 3 / 60 / 5 (dimensões em milímetros) 2 / 80 / 4 TÉCNICAS DE IMPRESSÃO: Tipografia Fotogravura OUTROS ELEMENTOS GRÁFICOS: capitulares, filetes bastante variados e vinhetas INFLUÊNCIAS ESTILÍSTICAS: Nesta primeira série, Arte Nova nos ornamentos gráficos. Humorismo e Caricaturismo OBSERVAÇÕES: Todos os volumes da primeira série apresentam um formato maior que os das demais séries. Participação dos fundadores do "grupo de coimbra", os caricaturistas e ilustradores Christiano Cruz e Correia Dias, e ainda desenhos de Jaime Cortesão e António Carneiro. Fotogravuras: Zincogravuras (desenhos a traço) e Similigravura (meios tons) REVISTAS LITERÁRIAS IDENTIDADE E ORIGEM TÍTULO: Águia, A (2ª a 5ª séries) DATA: 1912-1932 EXEMP. CONSULTADO: original LUGAR DE EDIÇÃO: Nº PUBLICADOS: TIPOGRAFIA/IMPRESSOR: Porto 195, da 2ª a 5ª séries Tipografia Costa Carregal, Porto EDITOR: Álvaro Pinto DIRECTOR: Álvaro Pinto, Teixeira de Pascoaes, Leonardo Coimbra, Hernâni Cidade, Casais Monteiro, Delfim Santos, entre outros que se foram alternando ao longo do tempo. DIRECÇÃO ARTÍSTICA: António Carneiro COLABORAÇÃO LITERÁRIA: Teixeira de Pascoaes, Jaime Cortesão, José Teixeira Rêgo, Augusto Casimiro, Leonardo Coimbra, Artur Ribeiro Lopes, entre outros. COLABORAÇÃO ARTÍSTICA: Correia Dias (capa), Soares dos Reis e António Carneiro DESCRIÇÃO/CONTEXTO Apresenta-se, a partir da segunda série com o título Revista mensal de literatura, arte, ciência, filosofia e crítica social . Órgão da sociedade portuense “Rensacença Portuguesa”. Veja-se A Águia (1ª série) REVISTAS LITERÁRIAS FORMA E MATERIAIS ELEMENTOS COMPOSITIVOS TIPO DE PUBLICAÇÃO: Revista TIPOS DE LETRA capa: Caligráfica ou Litográfica DIMENSÃO: 175x260 mm títulos: Romano Nº PÁGINAS: 16 a 32 texto: Romano TIPO DE CAPA: semi-rígida , 2 cores TIPOS DE IMAGENS: ilustrações, desenhos reproduzidos e fotografias TIPO DE SUPORTE: capa: cartolina colorida textos: papel corrente, forte imagens: hors-text impressas em papel couché grampadas ou coladas em papel gofrado colorido Nº DE IMAGENS: 1 a 5 (incuindo capa) FRONTISPÍCIO: sim CORES - ELEMENTOS TIPOGRÁFICOS: 1 cor CORES - IMAGENS: 1 cor (primária) ENCADERNAÇÃO: brochado e grampado COLUNAS/DIMENSÃO/CORONDEL: 1 / 113 / 0 (dimensões em milímetros) 2 / 53 / 6 (Bibliografia) TÉCNICAS DE IMPRESSÃO: Tipografia Fotogravura OUTROS ELEMENTOS GRÁFICOS: capitulares, filetes e vinhetas (poucos) INFLUÊNCIAS ESTILÍSTICAS: OBSERVAÇÕES: Com relação à primeira série, estas demais séries apresentam menor quantidade de elementos tipográficos ornamentais (filetes e vinhetas). Com um formato menor em relação à primeira série, o tipo de paginação apresenta-se menos dinâmica. Capas com cartolina colorida de diferentes cores em números iguais. Desenho da capa de Correia Dias (gravura sobre zinco em relevo). Número 24 apresenta uma reprodução em fotogravura monocromática a meios tons de uma escultura de Soares dos Reis (preto e branco) e de um desenho de António Carneiro (laranja) Fotogravuras: na maioria Similigravuras (meios tons) e algumas Zincogravuras (a traço), nomeadamente a da capa. REVISTAS LITERÁRIAS IDENTIDADE E ORIGEM TÍTULO: Límia DATA: 1910-1912 EXEMP. CONSULTADO: original LUGAR DE EDIÇÃO: Nº PUBLICADOS: TIPOGRAFIA/IMPRESSOR: Viana do Castelo 8 nº 1 e 2, Andre J. Pereira & Fº, Viana nº 3 a 6, Tipografia Universal, Porto nº7 e 8, Tipografia Modêlo, Viana Empresa da Límia EDITOR: DIRECTOR: João da Rocha DIRECÇÃO ARTÍSTICA: não referenciada COLABORAÇÃO LITERÁRIA: Júlio Brandão, Pascoaes, Lopes Vieira, João de Barros Augusto Gil, entre outros. COLABORAÇÃO ARTÍSTICA: António Carneiro (capa), Álvaro Cerveira Pinto, Correia Dias, Franciso Valença e Christiano de Carvalho (gravador) DESCRIÇÃO/CONTEXTO Revista mensal ilustrada de letras, ciências e artes . REVISTAS LITERÁRIAS FORMA E MATERIAIS ELEMENTOS COMPOSITIVOS TIPO DE PUBLICAÇÃO: Revista TIPOS DE LETRA capa: Caligráfica ou Litográfica e Romano DIMENSÃO: 160x235 mm títulos: Sem Patilha, Romano, Caligráfica e Fantasia Nº PÁGINAS: 16 a 40 texto: Romano TIPO DE CAPA: mole, 1 cor TIPOS DE IMAGENS: ilustrações, desenhos/gravuras reproduzidos e fotografias gravuras em cobre (algumas) Nº DE IMAGENS: 5 a 10 FRONTISPÍCIO: não CORES - ELEMENTOS TIPOGRÁFICOS: 1 cor (preto) CORES - IMAGENS: 1 cor (preto) TIPO DE SUPORTE: capa: papel corrente calandrado, colorido, fino; interior: papel couché branco (texto, e algumas ilustrações e desenhos) em alguns casos colorido (publicidade). ENCADERNAÇÃO: brochado e grampado COLUNAS/DIMENSÃO/CORONDEL: 1 / 120 / 0 (texto principal) (dimensões em milímetros) 2 / 56 / 4 (secções finais) TÉCNICAS DE IMPRESSÃO: Tipografia Fotogravura Calcografia OUTROS ELEMENTOS GRÁFICOS: Capitulares, filetes e vinhetas. Vinhetas de cabeçalho INFLUÊNCIAS ESTILÍSTICAS: Arte Nova, Humorismo OBSERVAÇÕES: Segundo Daniel Pires, “essa revista caracteriza-se pelo apurado grafismo”. Entretanto, falta unidade gráfica no uso de tipos nos títulos (Arte Nova, Nacionais, Sem Patilha e Caligráficas) e no corpo do texto Referências à autoria das vinhetas (Cristiano de Carvalho) e propriedade das gravuras (oficinas de Cristiano de Carvalho, pintor e gravurista). Índice organizado logo na contracapa. Cabeçalho de 1ª página constante em todos os números; a Publicidade varia sua localização, surgindo ora na primeira página, ora na última. Letras desenhadas à mão e muitas ilustrações (clichés) nos cabeçalhos das secções temáticas de notícias curtas (Bibliografia, Panorama, etc). O 1º número apresenta a parte de anúncios num papel vegetal colorido (laranja), e um filete duplo por baixo do nome, na capa. Capa: reprodução de um desenho de António Carneiro. Manteve, sempre, a mesma estrutura gráfica em todos os números. Fotogravuras: Similigravura (meios tons) e Zincogravura (a traço) REVISTAS LITERÁRIAS IDENTIDADE E ORIGEM TÍTULO: Ave, O DATA: 1912-1913 EXEMP. CONSULTADO: original LUGAR DE EDIÇÃO: Nº PUBLICADOS: TIPOGRAFIA/IMPRESSOR: Famalicão 6 + 1 suplementar (1913). Os nºs 4, 5 e 6 surgem na mesma edição Typographia Minerva, Famalicão EDITOR: José Coelho de Andrade DIRECTOR: José Coelho de Andrade DIRECÇÃO ARTÍSTICA: não referenciada COLABORAÇÃO LITERÁRIA: Afonso Duarte, João de Lebre e Lima, Júlio Brandão, entre outros. COLABORAÇÃO ARTÍSTICA: Marques Abreu (gravador) e Ayres (capa e vinhetas) DESCRIÇÃO/CONTEXTO Conhecida como Gazeta de Santo Tyrso. Revista local, literária e artística. Revista Mensal REVISTAS LITERÁRIAS FORMA E MATERIAIS ELEMENTOS COMPOSITIVOS TIPO DE PUBLICAÇÃO: Revista TIPOS DE LETRA capa: Caligráfica ou Litográfica e Sem Patilha títulos: Fantasia e Romano DIMENSÃO: 167x225 mm Nº PÁGINAS: 16 a 32 texto: Romano e Sem Patilha TIPO DE CAPA: semi-rígida , 2 cores TIPOS DE IMAGENS: ilustrações, desenhos/gravuras reproduzidos e fotografias TIPO DE SUPORTE: capa: cartolina vergé ou artesanal, colorida texto e imagens: papel couché Nº DE IMAGENS: 5 a 10 FRONTISPÍCIO: sim + anterosto (só no nº 1) CORES - ELEMENTOS TIPOGRÁFICOS: 1 cor (preto) CORES - IMAGENS: 1 cor (preto) ENCADERNAÇÃO: brochado e grampado COLUNAS/DIMENSÃO/CORONDEL: 2 / 60 / 10 (principal) (dimensões em milímetros) 1 / 127 / 0 (poesia) TÉCNICAS DE IMPRESSÃO: Tipografia Fotogravura Calcografia OUTROS ELEMENTOS GRÁFICOS: vinhetas, filetes e cercaduras em grande quantidade INFLUÊNCIAS ESTILÍSTICAS: Arte Nova OBSERVAÇÕES: Apresenta no nº 6 ( edição 4 - 6), página 124, um pequeno texto em braille. Forte influência de Arte Nova. Utilização abundante de vinhetas e filetes. Variação na estrutura das páginas, usando uma e sobretudo duas colunas. Capas em cartolina colorida: nº 1, azul marinho, nº2, cinza, nº3, vermelho carmim, nº4-6, azul-cinza e nº suplementar terra claro (este número não apresenta índice na contracapa; contém algumas colagens/montagens fotográficas curiosas). No sumário (índice) de todos os números, com exepção do suplementar, faz-se menção ao artista-gravador Marques de Abreu, aparecendo mais uma vez com destaque nesta primeira década de 1900. Não apresenta qualquer tpo de anúncio ou publicidade, ainda que no sumário se faça menção a isso. Na primeira página, uso de ornamentação Arte Nova, onde surge a identificação dos números da revista e da correspondente série. Aqui surge a designação "Gazeta de Stº Thyrso", caligraficamente com um desenho de pouco rigor e qualidade gráfica. A ornamentação de influência Arte Nova varia entre a tipográfica e a desenhada manualmente, sendo esta, geralmente, de fraca qualidade. Fotogravuras: na maioria Similigravuras (meios tons) e algumas Zincogravuras (a traço); Gravura Calcográfica na capa. REVISTAS LITERÁRIAS IDENTIDADE E ORIGEM TÍTULO: Dionysos (1ª série) DATA: 1912 EXEMP. CONSULTADO: original LUGAR DE EDIÇÃO: Nº PUBLICADOS: TIPOGRAFIA/IMPRESSOR: Coimbra 5 nº 1, Casa Minerva, Coimbra nº 2-3, Tip. Universal, Porto nº 4-5, Imprensa da Universidade, Coimbra Francisco França e António Amado (nº2-4) A. J. d’Almeida (nº5) Aarão de Lacerda e J. de Lebre e Lima EDITOR: DIRECTOR: DIRECÇÃO ARTÍSTICA: não referenciada COLABORAÇÃO LITERÁRIA: António Sardinha, Lopes Vieira, Bernardo de Passos, Silva Gaio, Mário Beirão, Afonso Duarte, João de Barros, entre outros COLABORAÇÃO ARTÍSTICA: João de Brito e Silva (capa), Jorge da Cruz Jorge e António Carneiro DESCRIÇÃO/CONTEXTO Foi editada em quatro séries, sendo que a quarta foi editada em data posterior ao período temporal por nós analisado. Revista mensal de filosofia, ciência e arte deve sua fundação a Aarão de Lacerda e J. de Lebre e Lima. Na continuidade desta revista aparecerão, já nos anos 30, Museu e Prisma. REVISTAS LITERÁRIAS FORMA E MATERIAIS ELEMENTOS COMPOSITIVOS TIPO DE PUBLICAÇÃO: Revista TIPOS DE LETRA capa: Romano e Sem Patilha DIMENSÃO: nº 1, 165x230 mm nº 2 a 5, 165x240mm títulos: Romano, Fantasia e Sem Patilha Nº PÁGINAS: 60 a 80 texto: Romano TIPO DE CAPA: semi-rígida , 2 cores TIPOS DE IMAGENS: ilustrações e desenhos/gravuras reproduzidos TIPO DE SUPORTE: capa: papel corrente, branco, forte; texto e vinhetas: papel corrente. : imagens: algumas impressas em papel couché e coladas sobre cartolina colorida Nº DE IMAGENS: 1 a 5 (incuindo capa) FRONTISPÍCIO: não CORES - ELEMENTOS TIPOGRÁFICOS: 1 cor CORES - IMAGENS: 1 cor (preto) ENCADERNAÇÃO: brochado e cosido (volume encadernado) COLUNAS/DIMENSÃO/CORONDEL: 1 / 100 / 0 (nº 1) (dimensões em milímetros) 1 / 113 / 0 (demais números) TÉCNICAS DE IMPRESSÃO: Tipografia Fotogravura OUTROS ELEMENTOS GRÁFICOS: Capitulares, filetes e vinhetas INFLUÊNCIAS ESTILÍSTICAS: Clássico com elementos Arte Nova OBSERVAÇÕES: 1ª Série é caracterizada por uma grande sobriedade gráfica, ausência do uso de fotografias (somente presente no nº 4 desta série) e poucos elementos de ornamentação. Presença de cartas manuscritas. Fotogravuras: Zincogravuras (a traço) REVISTAS LITERÁRIAS IDENTIDADE E ORIGEM TÍTULO: Dionysos (2ª série) DATA: 1913 EXEMP. CONSULTADO: original LUGAR DE EDIÇÃO: Nº PUBLICADOS: TIPOGRAFIA/IMPRESSOR: Porto 4 Tip. A.J. D'Almeida, Porto EDITOR: A. J. D'Almeida DIRECTOR: Aarão de Lacerda e Raul Martins DIRECÇÃO ARTÍSTICA: não referenciada COLABORAÇÃO LITERÁRIA: António Sardinha, Lopes Vieira, Bernardo de Passos, Silva Gaio, Mário Beirão, Afonso Duarte, João de Barros, entre outros COLABORAÇÃO ARTÍSTICA: António Carneiro, Armando de Basto. DESCRIÇÃO/CONTEXTO Veja-se a 1ª série desta revista REVISTAS LITERÁRIAS FORMA E MATERIAIS ELEMENTOS COMPOSITIVOS TIPO DE PUBLICAÇÃO: Revista TIPOS DE LETRA capa: Sem Patilha e Romano DIMENSÃO: 152x216 mm títulos: Sem Patilha, Fantasia e Romano Nº PÁGINAS: 20 a 40 texto: Romano TIPO DE CAPA: semi-rígida , 2 cores TIPOS DE IMAGENS: ilustrações e desenhos/gravuras reproduzidos TIPO DE SUPORTE: capa: papel corrente branco, forte; texto e vinhetas: papel : corrente. imagens: algumas impressas em papel couché e coladas sobre cartolina colorida Nº DE IMAGENS: 1 a 5 (incuindo capa) FRONTISPÍCIO: sim CORES - ELEMENTOS TIPOGRÁFICOS: 1 cor (preto) CORES - IMAGENS: 1 cor (primária) ENCADERNAÇÃO: brochado COLUNAS/DIMENSÃO/CORONDEL: 1 / 110 / 0 (dimensões em milímetros) TÉCNICAS DE IMPRESSÃO: Tipografia Fotogravura OUTROS ELEMENTOS GRÁFICOS: Capitulares e vinhetas INFLUÊNCIAS ESTILÍSTICAS: Estilo Clássico e Arte Nova nos últimos números da 2ª série OBSERVAÇÕES: Permanece a sobriedade gráfica, porém com maior utilização de vinhetas (no cabeçalho e rodapé do texto), ilustrações, desenhos e gravuras reproduzidos. Fotografias continuam em pouca quantidade; e nota-se quase ausência de filetes. As vinhetas e filetes de cabeçalho vão-se repetindo em todos os números da 2ª série e apresentam uma influência Arte Nova. Na capa, mantém-se sempre a mesma vinheta na margem lateral esquerda da capa. Fotogravuras: na maioria Zincogravuras (a traço) e poucas Similigravuras (meios tons) REVISTAS LITERÁRIAS IDENTIDADE E ORIGEM TÍTULO: Gente Nova DATA: 1912-1913 EXEMP. CONSULTADO: original LUGAR DE EDIÇÃO: Nº PUBLICADOS: TIPOGRAFIA/IMPRESSOR: Coimbra 7 Tipografia Popular EDITOR: Félix Horta DIRECTOR: Félix Horta DIRECÇÃO ARTÍSTICA: não referenciada COLABORAÇÃO LITERÁRIA: Augusto Casimiro, Afonso Duarte, Lebre e Lima, entre outros COLABORAÇÃO ARTÍSTICA: Correia Dias DESCRIÇÃO/CONTEXTO Órgão da Academia de Coimbra. Saíram 7 números, sendo 1 especial e correspondente ao nº 2, dedicado à actriz italiana Mimi Aguglia REVISTAS LITERÁRIAS FORMA E MATERIAIS ELEMENTOS COMPOSITIVOS TIPO DE PUBLICAÇÃO: Jornal TIPOS DE LETRA capa: DIMENSÃO: 305x485 mm (excepto nº 2) títulos: Caligráfica ou Litográfica, Fantasia, Romano e Sem Patilha Nº PÁGINAS: 4 texto: Romano TIPO DE CAPA: sem capa TIPOS DE IMAGENS: ilustrações, desenhos/gravuras reproduzidos e fotografias TIPO DE SUPORTE: papel de jornal, liso Nº DE IMAGENS: 1 a 2 FRONTISPÍCIO: não CORES - ELEMENTOS TIPOGRÁFICOS: 1 cor CORES - IMAGENS: 1 cor (preto) ENCADERNAÇÃO: 1 folha em duas laudas COLUNAS/DIMENSÃO/CORONDEL: 4 / 59 / 5 (dimensões em milímetros) TÉCNICAS DE IMPRESSÃO: Tipografia Fotogravura OUTROS ELEMENTOS GRÁFICOS: filetes, vinhetas e cercaduras em grande quantidade INFLUÊNCIAS ESTILÍSTICAS: Arte Nova e Humorismo. OBSERVAÇÕES: Presença de diferentes tipos de filetes separadores; variedade de tipos de letra serifados e não serifados; cercaduras de gosto duvidoso. Margens: Superior 10mm; exterior 35mm; inferior altera por consequência do corte; interior (aproximadamente) 20mm.Última página dedicada a anúncios com presença de cercaduras grosseiras e de várias tipologias.Última página, na zona de assinaturas, surge a identificação da publicação com tipo diferente. Fotogravuras: Similigravuras (meios tons) e na maioria, Zincogravuras (desenhos a traço) REVISTAS LITERÁRIAS IDENTIDADE E ORIGEM TÍTULO: Gente Nova (edição especial) DATA: 1912 EXEMP. CONSULTADO: original LUGAR DE EDIÇÃO: Nº PUBLICADOS: TIPOGRAFIA/IMPRESSOR: Coimbra edição especial- corresponde ao nº 2 Tipografia Popular EDITOR: Félix Horta DIRECTOR: Félix Horta DIRECÇÃO ARTÍSTICA: não referenciada COLABORAÇÃO LITERÁRIA: Augusto Casimiro, Afonso Duarte, Lebre e Lima, entre outros COLABORAÇÃO ARTÍSTICA: Correia Dias DESCRIÇÃO/CONTEXTO Correspondente ao segundo número (edição especial), sendo dedicado à actriz italiana Mimi Aguglia, com data de 17 de Novembro de 1912. Mimi Aguglia esteve presente em Coimbra e apresentou-se no Teatro Avenida (ainda existente) numa peça de teatro. REVISTAS LITERÁRIAS FORMA E MATERIAIS ELEMENTOS COMPOSITIVOS TIPO DE PUBLICAÇÃO: Jornal TIPOS DE LETRA capa: Caligráfica ou Litográfica, Romano e Sem Patilha títulos: Fantasia, Romano e Sem Patilha DIMENSÃO: capa: 200x290 mm texto: 177x240 mm Nº PÁGINAS: 8 texto: Romano TIPO DE CAPA: mole, 2 cores TIPOS DE IMAGENS: ilustrações, desenhos/gravuras reproduzidos e fotografias TIPO DE SUPORTE: capa: papel gofrado texto: papel de jornal Nº DE IMAGENS: 4 FRONTISPÍCIO: não CORES - ELEMENTOS TIPOGRÁFICOS: 1 cor (preto) CORES - IMAGENS: 1 cor (preto) ENCADERNAÇÃO: 1 folha em quatro laudas grampados à capa COLUNAS/DIMENSÃO/CORONDEL: 2 / 59 / 5 (dimensões em milímetros) TÉCNICAS DE IMPRESSÃO: Tipografia Fotogravura OUTROS ELEMENTOS GRÁFICOS: filetes, vinhetas e cercaduras em grande quantidade INFLUÊNCIAS ESTILÍSTICAS: Arte Nova e Humorismo OBSERVAÇÕES: Exemplar, com 8 páginas, em formato menor que os demais. Existência de capa com formato ligeiramente maior, em papel tipo gofrado colorido, contendo a identidade do periódico e uma ilustração da actriz italiana. Fotogravuras: Zincogravuras (a traço) Margens: Superior 15mm; exterior 27mm; inferior 30mm; interior 27mm. REVISTAS LITERÁRIAS IDENTIDADE E ORIGEM TÍTULO: Rajada, A DATA: 1912 EXEMP. CONSULTADO: original LUGAR DE EDIÇÃO: Nº PUBLICADOS: TIPOGRAFIA/IMPRESSOR: Coimbra 4 + edição especial Typographia do Annuário Comercial, Lisboa EDITOR: Moita de Deus DIRECTOR: Affonso Duarte DIRECÇÃO ARTÍSTICA: Correia Dias COLABORAÇÃO LITERÁRIA: Mário Beirão, Augusto Casimiro, Jaime Cortesão, João de Barros, Veiga Simões, Lebre e Lima, M. Eugênio Massa, entre outros COLABORAÇÃO ARTÍSTICA: Augusto Casimiro, Luis Filipe, Silvio Duarte, Christiano Cruz, Almada Negreiros e Jorge Barradas. Christiano de Carvalho e Marques de Abreu gravuristas. DESCRIÇÃO/CONTEXTO Desta Revista de Crítica, arte e letras saíram 4 números, sendo um especial dedicado à Mimi Anguglia, uma artista dramática que actuou em Coimbra. É uma revista que se pode considerar ligada ao movimento saudosista e continuou a sua publicação no Brasil (2ª série), embora sem a direcção de Afonso Duarte e com características literárias diferentes. REVISTAS LITERÁRIAS FORMA E MATERIAIS ELEMENTOS COMPOSITIVOS TIPO DE PUBLICAÇÃO: Revista TIPOS DE LETRA capa: Fantasia e Sem Patilha DIMENSÃO: 200x270 mm títulos: Romano e Fantasia Nº PÁGINAS: 16 a 32 texto: Romano e Sem Patilha (legendas) TIPO DE CAPA: mole, 1 cor TIPOS DE IMAGENS: ilustrações e desenhos/gravuras reproduzidos TIPO DE SUPORTE: capa: papel gofrado colorido textos, ilustrações e imagens: papel vergé, forte,creme. algumas imagens em papel couché coladas sobre papel gofrado colorido. Nº DE IMAGENS: 5 a 10 FRONTISPÍCIO: não CORES - ELEMENTOS TIPOGRÁFICOS: 2 cores (preto +1) CORES - IMAGENS: 1 cor (preto) ENCADERNAÇÃO: brochado e cosido COLUNAS/DIMENSÃO/CORONDEL: 1 / 130 / 0 (poesia) (dimensões em milímetros) 2 / 6 / 5 (texto prosa) TÉCNICAS DE IMPRESSÃO: Tipografia Fotogravura Calcografia Xilogravura (algumas capitulares) OUTROS ELEMENTOS GRÁFICOS: Capitulares ornamentais desenhadas/gravadas à mão, filetes e vinhetas ornamentais (a vermelho) INFLUÊNCIAS ESTILÍSTICAS: Ver Sacrum e Humorismo (caricaturas) OBSERVAÇÕES: Uma das poucas revistas da época (1912) que se encontra impressa a duas cores. Interessantes capitulares e cabeçalhos desenhados à mão, fazendo referência ao autor das vinhetas (Correia Dias) e autores das gravuras (Christiano de Carvalho e Marques de Abreu, os grandes gravuristas em metal da época). Podemos dizer que existe aqui uma declarada separação entre a arte de desenhar/ilustrar e a arte dos gravuristas, demonstrando o frequente trabalho em equipa (artistas e mestres impressores/gravadores) presente nas tipografias de então. Outro destaque importante a ser referenciado é que no sumário da revista está uma nota com o seguinte texto: "Annuncios. Sempre illustrados: sendo o desenho e gravura por conta da Revista." Existência de anúncios no verso da capa e na contracapa. Cabeçalho desenhado na primeira página. Ausência de fotografias. Presença de algumas reproduções de desenhos/caricaturas e gravuras coladas posteriormente em papel gofrado colorido. Capitulares desenhadas, titulares, filetes entre colunas e cercaduras a vermelho. Texto e vinhetas a preto. A partir do nº 2, uso de capitulares variadas (capitulares tipográficas). Pela primeira vez, no nº 4 da Rajada, é publicada a reprodução de um desenho de Jorge Barradas assinado como NICTOHON BARRADAS. Apresenta um grafismo cuidado. Fotogravuras: na maioria Zincogravuras (a traço) Calcografia nas gravuras de Almada Negreiros REVISTAS LITERÁRIAS IDENTIDADE E ORIGEM TÍTULO: Vida Portuguesa, A DATA: 1912-1915 EXEMP. CONSULTADO: original LUGAR DE EDIÇÃO: Nº PUBLICADOS: TIPOGRAFIA/IMPRESSOR: Porto 39 Tipografia Costa Carregal, Porto EDITOR: Costa Júnior DIRECTOR: Jaime Cortesão, Álvaro Pinto DIRECÇÃO ARTÍSTICA: não referenciada COLABORAÇÃO LITERÁRIA: Álvaro Pinto, Jaime Cortesão, Augusto Martins, Teixeira de Pascoaes, António Sérgio, entre outros. COLABORAÇÃO ARTÍSTICA: DESCRIÇÃO/CONTEXTO Quinzenário de inquérito à vida nacional, apresenta o formato de jornal e foi propriedade do movimento Renascença Portuguesa. Continha artigos de política, economia, notícias sobre a obra da Renascença Portuguesa e publicidade a livros. REVISTAS LITERÁRIAS FORMA E MATERIAIS ELEMENTOS COMPOSITIVOS TIPO DE PUBLICAÇÃO: Jornal TIPOS DE LETRA capa: DIMENSÃO: 240x325 mm títulos: Fantasia, Romano e Sem Patilha Nº PÁGINAS: 60 a 80 texto: Romano TIPO DE CAPA: sem capa TIPOS DE IMAGENS: Sem imagens TIPO DE SUPORTE: papel de jornal Nº DE IMAGENS: FRONTISPÍCIO: não CORES - ELEMENTOS TIPOGRÁFICOS: 1 cor (preto) CORES - IMAGENS: ENCADERNAÇÃO: 2 laudas, dobrada COLUNAS/DIMENSÃO/CORONDEL: 3 colunas (dimensões em milímetros) TÉCNICAS DE IMPRESSÃO: Tipografia OUTROS ELEMENTOS GRÁFICOS: Filetes e vinhetas (poucos), algumas capitulares INFLUÊNCIAS ESTILÍSTICAS: OBSERVAÇÕES: Carácter de jornal, com ausência de qualquer tipo de imagens, mas com utilização muito subtil de vinhetas e filetes. Grafismo de feição informativa, sem grande ênfase estética REVISTAS LITERÁRIAS IDENTIDADE E ORIGEM TÍTULO: Alma Nova (1ª série) DATA: 1914-1915 EXEMP. CONSULTADO: original LUGAR DE EDIÇÃO: Nº PUBLICADOS: TIPOGRAFIA/IMPRESSOR: Faro/Lisboa 12 nº 1 e 2, Tipografia Minerva Comercial, Évora nº 3 ao 10, Tipografia A Modesta, Lisboa nº 11 e 12, Tipografia José Soares e Irmão, Lisboa Mateus Martins Moreno EDITOR: DIRECTOR: Mateus Martins Moreno DIRECÇÃO ARTÍSTICA: Samora Barros e Lyster Franco (só a partir do nº 10) COLABORAÇÃO LITERÁRIA: Braga Paixão, Marcos Algarve, Severinho, Teófilo Braga, Guerra Junqueiro, José Dias Sancho, Bernardo de Passos entre outros algarvios. COLABORAÇÃO ARTÍSTICA: Francisco Padinha (clichés fotográficos), Boaventura Passos, Samora Barros e Lyster Franco DESCRIÇÃO/CONTEXTO A primeira série desta Publicação ilustrada de moral, crítica e literatura apresenta uma orientação de propaganda à região do Algarve. Trata de assuntos relativos especificamente à região, bem como promove artistas de origem algarvia. REVISTAS LITERÁRIAS FORMA E MATERIAIS ELEMENTOS COMPOSITIVOS TIPO DE PUBLICAÇÃO: Revista TIPOS DE LETRA capa: Fantasia, Romano e Sem Patilha DIMENSÃO: 210 x 285mm títulos: Fantasia, Romano e Sem Patilha Nº PÁGINAS: 8 texto: Romano TIPO DE CAPA: mole, 1 cor (só o nº11-12 tem 2 cores na capa) TIPO DE SUPORTE: capa e interior: papel de jornal capa nº 6, 7, 8 e 9 em papel tipo jornal colorido capa nº 11-12 em papel couché fino TIPOS DE IMAGENS: ilustrações, desenhos/gravuras reproduzidos e fotografias Nº DE IMAGENS: 5 a 10 FRONTISPÍCIO: não CORES - ELEMENTOS TIPOGRÁFICOS: 1 cor (preto) CORES - IMAGENS: 1 cor (preto) ENCADERNAÇÃO: brochado COLUNAS/DIMENSÃO/CORONDEL: 3 / 55 / 5 (dimensões em milímetros) 2 / 85 / 5 TÉCNICAS DE IMPRESSÃO: Tipografia Fotogravura OUTROS ELEMENTOS GRÁFICOS: Capitulares, filetes, vinhetas e cercaduras, em grande quantidade e variedade. INFLUÊNCIAS ESTILÍSTICAS: Arte Nova nas vinhetas e cercaduras e em alguns tipos de letra. OBSERVAÇÕES: Esta primeira série da Alma Nova assemelha-se a uma jornal, tanto no tipo de papel, como na encadernação (as folhas são só dobradas) e composição de página. Uso da fotografia em todos os números, em sua maioria impressas directamente sobre o papel de jornal (excepto os nº 6, 7 e 8, imagens impressas em couché e coladas posteriormente na capa da revista). Apresenta muita variedade e pouca uniformidade na composição, ora apresentando capa, ora não. uso variado de diversos tipos de letra em um mesmo nº. Os nº 6, 7, 8 e 9 apresentam um projecto de capa único, variando apenas a imagem utilizada e o conteúdo. Bem como no interior, com o uso do mesmo tipo de letra e ornamentos tipográficos nos cabeçalhos de 1ª página. Os nº 10, 11 e 12 (os últimos desta primeira série) mudam significativamente o seu aspecto gráfico, quando aparecem os redactores/directores artísticos Samora Barros e Carlos Lyster Franco. A apresentação do sumário não é constante em todos os números. Presença de publicidade e anúncios no verso da capa. Alguns números impressos a 1 cor diferente do preto (azul, verde, castanho) Capitulares lisas e ornamentadas Reproduções fotográficas em clichés (fotogavura com meios tons - similigravuras) Quando impressa em Évora (nº1 e 2) a capa apresenta variação gráfica, inclusive no título. Pouco rigor na estrutura e composição. REVISTAS LITERÁRIAS IDENTIDADE E ORIGEM TÍTULO: Alma Nova (2ª série) DATA: 1916-1918 EXEMP. CONSULTADO: original LUGAR DE EDIÇÃO: Nº PUBLICADOS: TIPOGRAFIA/IMPRESSOR: Lisboa 18 (do 13 ao 25) não identificada EDITOR: Mateus Martins Moreno DIRECTOR: A. Bustorff e Mateus Martins Moreno DIRECÇÃO ARTÍSTICA: Saavedra Machado COLABORAÇÃO LITERÁRIA: Fidelino de Figueiredo, Mário de Sá-Carneiro, Aquilino Ribeiro, Afonso Lopes Vieira, António Ferro, Alberto de Sousa, Ana de Castro Osório, Armando de Lucena, Augusto de Santa-Rita, Júlio Dantas, entre outros, e ainda os brasileiros Corrêa Leite e Ronald de Carvalho. Saavedra Machado, Joaquim Lopes, Eduardo Romero, Martinho da Fonseca, Armando Lucena, Rui Pacheco, Rafael Bordalo Pinheiro, Diogo de Macedo, entre outros. COLABORAÇÃO ARTÍSTICA: DESCRIÇÃO/CONTEXTO Revista Mensal Ilustrada – pelo ressurgimento das Artes, Letras, Sciencias e da Patria. Esta segunda série de Alma Nova deu mais ênfase à literatura e à arte, prolongando-se até janeiro de 1918 REVISTAS LITERÁRIAS FORMA E MATERIAIS ELEMENTOS COMPOSITIVOS TIPO DE PUBLICAÇÃO: Revista TIPOS DE LETRA capa: DIMENSÃO: 180 x 260mm títulos: Sem Patilha, Fantasia e Romano Nº PÁGINAS: 16 a 32 texto: Romano e Sem Patilha TIPO DE CAPA: sem capa TIPOS DE IMAGENS: ilustrações e desenhos/gravuras reproduzidos TIPO DE SUPORTE: texto: papel corrente forte, imagens: impressas em papel couché coladas posteriormente sobre cartolina artesanal colorida, ou inseridas nos cadernos Nº DE IMAGENS: 5 a 10 FRONTISPÍCIO: não CORES - ELEMENTOS TIPOGRÁFICOS: 1 cor (preto) CORES - IMAGENS: 1 cor (primária); mais de 3 cores ENCADERNAÇÃO: brochado e grampado COLUNAS/DIMENSÃO/CORONDEL: Variada (dimensões em milímetros) 2 / 70 / 6 (prosa) 1 / 75 / 0 (poesia) TÉCNICAS DE IMPRESSÃO: Tipografia Fotogravura OUTROS ELEMENTOS GRÁFICOS: Filetes e vinhetas. Capitulares e vinhetas de cabeçalho INFLUÊNCIAS ESTILÍSTICAS: OBSERVAÇÕES: A segunda série de Alma Nova , com a mudança de direcção artística e da oficina tipográfica, apresenta um formato e um carácter estético/formal bastante diferentes da 1ª série. É menor e indica uma certa permanência na escolha dos tipos de letra e composição de página. Secções permanentes da revista identificadas com um vinheta de cabeçalho de Saavedra Machado que, ao nosso ver, utiliza grande parte da revista para divulgar sua própria obra, uma vez que é o principal artista colaborador e director artístico. Capitulares ornamentadas Fotogravuras: Similigravuras (meios tons), algumas em tricromia (reprodução de aguarelas de Eduardo Romero) e Zincogravuras (a traço) Margens sup./inf. 25mm; int/ext 15mm (revista cortada nos topos para encadernação) REVISTAS LITERÁRIAS IDENTIDADE E ORIGEM TÍTULO: Boemia, A (1ª série) DATA: 1914 EXEMP. CONSULTADO: original LUGAR DE EDIÇÃO: Nº PUBLICADOS: TIPOGRAFIA/IMPRESSOR: Porto 3 Typographia Cunha, Porto EDITOR: Amadeu Santos DIRECTOR: Alfredo Mota DIRECÇÃO ARTÍSTICA: não referenciada COLABORAÇÃO LITERÁRIA: Redactores: Amadeu Santos, Adelino Guimarães e Luiz Dias. Colaboração de Eugênio de Castro, Manuel de Moura, João Grave, Julio Brandão, entre outros. COLABORAÇÃO ARTÍSTICA: DESCRIÇÃO/CONTEXTO Revista Mensal de Literatura e arte. REVISTAS LITERÁRIAS FORMA E MATERIAIS ELEMENTOS COMPOSITIVOS TIPO DE PUBLICAÇÃO: Revista TIPOS DE LETRA capa: Romano e Sem Patilha DIMENSÃO: 160x240 mm títulos: Fantasia, Romano Nº PÁGINAS: 8 a 16 texto: Romano e Fantasia TIPO DE CAPA: mole, 1 cor TIPOS DE IMAGENS: desenhos/gravuras reproduzidos TIPO DE SUPORTE: capa: papel corrente, calandrado, colorido; texto e imagens: papel corrente calandrado Nº DE IMAGENS: 1 a 5 FRONTISPÍCIO: não, só cabeçalho de 1ª página CORES - ELEMENTOS TIPOGRÁFICOS: 1 cor (preto) CORES - IMAGENS: 1 cor (preto) ENCADERNAÇÃO: brochado e grampado COLUNAS/DIMENSÃO/CORONDEL: 1 / 113 / 0 (dimensões em milímetros) TÉCNICAS DE IMPRESSÃO: Tipografia Fotogravura OUTROS ELEMENTOS GRÁFICOS: Titulares, capitulares (poucas), vinhetas, filetes e cercaduras INFLUÊNCIAS ESTILÍSTICAS: OBSERVAÇÕES: O número 3 da primeira série, apresenta algumas vinhetas de pé de página curiosas. A capa não apresenta imagens, é tipográfica e contém o sumário. Capitulares lisas e ornamentadas. Grande variedade de tipos usados nos títulos e na identificaçãodos autores, demonstrando incoerência. A fraca qualidade do papel unida à falta de rigor gráfico permite-nos dizer que a oficina tipográfica não teria grandes recursos técnicos e de mão-de-obra. margem inf. variav., sup. 21mm e laterais 25mm REVISTAS LITERÁRIAS IDENTIDADE E ORIGEM TÍTULO: Boemia, A (2ª série) DATA: 1914 EXEMP. CONSULTADO: original LUGAR DE EDIÇÃO: Nº PUBLICADOS: TIPOGRAFIA/IMPRESSOR: Porto 2 Empresa Gráfica "A Universal", Porto EDITOR: Adelino Guimarães DIRECTOR: Alfredo Mota DIRECÇÃO ARTÍSTICA: não referenciada COLABORAÇÃO LITERÁRIA: Eugênio de Castro, Manuel de Moura, João Grave, Julio Brandão, Matias Lima, entre outros. COLABORAÇÃO ARTÍSTICA: João A. Ribeiro (capa), Virgílio Ferreira (caricatura) DESCRIÇÃO/CONTEXTO Revista Mensal de Literatura e arte. REVISTAS LITERÁRIAS FORMA E MATERIAIS ELEMENTOS COMPOSITIVOS TIPO DE PUBLICAÇÃO: Revista TIPOS DE LETRA capa: Sem Patilha e Caligráfica ou Litográfica títulos: Sem Patilha DIMENSÃO: 150x220 mm Nº PÁGINAS: 16 a 32 texto: Romano e Sem Patilha TIPO DE CAPA: mole, 1 cor TIPOS DE IMAGENS: ilustrações, desenhos/gravuras reproduzidos e fotografias TIPO DE SUPORTE: capa, textos e imagens interiores em papel couché Nº DE IMAGENS: 1 a 5 (incuindo capa) FRONTISPÍCIO: não CORES - ELEMENTOS TIPOGRÁFICOS: 1 cor (preto) CORES - IMAGENS: 1 cor (preto) ENCADERNAÇÃO: brochado e grampado COLUNAS/DIMENSÃO/CORONDEL: 1 / 110 / 0 (dimensões em milímetros) TÉCNICAS DE IMPRESSÃO: Tipografia Fotogravura OUTROS ELEMENTOS GRÁFICOS: Capitulares, vinhetas, filetes e cercaduras INFLUÊNCIAS ESTILÍSTICAS: Arte Nova (ligeira) nos elementos de ornamentação. OBSERVAÇÕES: Esta segunda série apresenta-se graficamente bastante diferente da primeira, tendo um caracter mais clássico e apresentando uma coerência de composição gráfica em todas as páginas da revista. A capa desta série, ao contrário da primeira série, apresenta uma reprodução de um desenho em fotogravura com meios tons, com letras desenhadas à mão. O sumário/índice da revista aparece na contracapa. Capitulares lisas. Presença de publicidade a Marques Abreu. Fotogravuras: em sua maioria Similigravuras (meios tons). REVISTAS LITERÁRIAS IDENTIDADE E ORIGEM TÍTULO: Galéra, A DATA: 1914-1915 EXEMP. CONSULTADO: original LUGAR DE EDIÇÃO: Nº PUBLICADOS: TIPOGRAFIA/IMPRESSOR: Coimbra 6 Typographia Minerva, Famalicão EDITOR: José E. da Costa Cabral DIRECTOR: António Alves Martins, A. Ferreira Monteiro, Garcia Pulido entre outros DIRECÇÃO ARTÍSTICA: Tarquinio de Bettencourt (nº 1) COLABORAÇÃO LITERÁRIA: Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, Alfredo Guisado, Eugênio de Castro, A. Lopes Vieira, V. de Vila-Moura, entre muitos outros COLABORAÇÃO ARTÍSTICA: Traquínio Bettencourt (capa) DESCRIÇÃO/CONTEXTO Revista quinzenal de arte e ciência. O número conjunto 5-6 é dedicado a António Nobre e nele aparecem reunidos Fernando Pessoa ("Para a memória de António Nobre"), Sá-Carneiro (o poema "Anto") e alfredo Guisado (um soneto "Só"). O número 2 de 20 de dezembro de 1914, apresenta o título Revista de Lettras, Arte e Sciencia . REVISTAS LITERÁRIAS FORMA E MATERIAIS ELEMENTOS COMPOSITIVOS TIPO DE PUBLICAÇÃO: Revista TIPOS DE LETRA capa: Caligráfica ou Litográfica e Nacional títulos: Fantasia, Romano e Sem Patilha DIMENSÃO: 170x245 mm Nº PÁGINAS: 16 a 32 texto: Romano TIPO DE CAPA: mole, 1 cor TIPOS DE IMAGENS: ilustrações e desenhos/gravuras reproduzidos TIPO DE SUPORTE: capa: papel couché fino (nº 1) e papel corrente clandrado (nº2) texto: papel corrente calandrado imagens: papel couché coladas sobre cartolina colorida Nº DE IMAGENS: 1 a 5 (incuindo capa) FRONTISPÍCIO: sim, com uma epígrafe (em latim) CORES - ELEMENTOS TIPOGRÁFICOS: 1 cor (preto) CORES - IMAGENS: 3 cores (preto + 2) ENCADERNAÇÃO: brochado e grampado COLUNAS/DIMENSÃO/CORONDEL: 1 / 110 / 0 prosa (dimensões em milímetros) 1 / 50 a 70 / 0 poesia TÉCNICAS DE IMPRESSÃO: Tipografia Fotogravura OUTROS ELEMENTOS GRÁFICOS: Capitulares, filetes e vinhetas INFLUÊNCIAS ESTILÍSTICAS: Arte Nova OBSERVAÇÕES: Assim como a grande maioria das revistas editadas em Coimbra, a Galera apresenta uma forte influência Arte Nova, mesmo nos exemplares da revista quase totalmente tipográficos. Composição equilibrada na grelha (margem sup. 25mm, inferior, e laterais 32mm) e no uso das vinhetas e filetes. Desenho de capitulares e vinhetas com motivos florais. Capitulares ornamentais e filigranadas. O número 1 apresenta uma capa diferente. No interior, os tipos usados variam, sobretudo nos títulos. Também as capitulares são de famílias bastante diferentes. No segundo número, regista-se uma ligeira estabilidade dos recursos e começam a aparecer páginas de publicidade. Fotogravuras: Similigravuras (meios tons) e Zincogravuras (desenho a traço) REVISTAS LITERÁRIAS IDENTIDADE E ORIGEM TÍTULO: Labarêda, A DATA: 1914 EXEMP. CONSULTADO: original LUGAR DE EDIÇÃO: Nº PUBLICADOS: TIPOGRAFIA/IMPRESSOR: Porto 2 Typographia Costa Carregal, Porto EDITOR: Manuel de Azevedo DIRECTOR: Narciso de Azevedo DIRECÇÃO ARTÍSTICA: Joaquim Lopes COLABORAÇÃO LITERÁRIA: Eugénio de Castro, Mário Beirão, Teixeira de Pascoaes, Afonso Duarte, António Patrício, entre outros. COLABORAÇÃO ARTÍSTICA: Soares Lopes (capa), António Carneiro, Vieira Portuense e Domingos Sequeira, Joaquim Lopes. DESCRIÇÃO/CONTEXTO Revista mensal de literatura e arte. Saíram apenas dois números REVISTAS LITERÁRIAS FORMA E MATERIAIS ELEMENTOS COMPOSITIVOS TIPO DE PUBLICAÇÃO: Revista TIPOS DE LETRA capa: Caligráfica ou Litográfica DIMENSÃO: 170x250 mm títulos: Romano Nº PÁGINAS: 16 texto: Romano TIPO DE CAPA: mole, 2 cores TIPOS DE IMAGENS: desenhos/gravuras reproduzidos TIPO DE SUPORTE: capa: cartolina colorida textos: papel de jornal calandrado imagens: papel couché Nº DE IMAGENS: 1 a 5 (incuindo capa) FRONTISPÍCIO: não CORES - ELEMENTOS TIPOGRÁFICOS: 1 cor (preto) CORES - IMAGENS: 1 cor (preto ou sépia) ENCADERNAÇÃO: brochado e grampado COLUNAS/DIMENSÃO/CORONDEL: 1 / 100 / 0 (dimensões em milímetros) TÉCNICAS DE IMPRESSÃO: Tipografia Fotogravura Calcografia OUTROS ELEMENTOS GRÁFICOS: Vinheta no sumário; Títulos com pequenos ornamentos INFLUÊNCIAS ESTILÍSTICAS: Arte Nova (ligeira) OBSERVAÇÕES: Capa dos dois números, com ilustração de Soares Lopes apresentando carácter Arte Nova. Letras desenhadas à mão. Interior da revista bastante sóbrio graficamente, com apenas um tipo de letra (em suas variantes itálico, negro, caixas alta e baixa) e ausência de quaisquer filetes, capitulares ou vinhetas. Utilização dos dois pontos sobrepostos como elemento de ornamentação nos titulares dos textos. Fotogravuras: Similigravuras (meios tons). Gravura clacográfica a cores na capa. REVISTAS LITERÁRIAS IDENTIDADE E ORIGEM TÍTULO: Nação Portuguesa (1ª série) DATA: 1914-1916 EXEMP. CONSULTADO: original LUGAR DE EDIÇÃO: Nº PUBLICADOS: TIPOGRAFIA/IMPRESSOR: Coimbra 11 Tipografia Teixeira – Mário Antunes Leitão, Porto EDITOR: França Arménio DIRECTOR: Alberto Monsaraz DIRECÇÃO ARTÍSTICA: não referenciada COLABORAÇÃO LITERÁRIA: António Sardinha, Hipólito Raposo, Luís de Almeida Braga, Pequito Rebelo, Rolão Preto, Alberto de Monsaraz, Alfredo Pimenta, entre outros. COLABORAÇÃO ARTÍSTICA: DESCRIÇÃO/CONTEXTO Revista de cultura nacionalista. Apresentou-se como um órgão do Integralismo Lusitano, um movimento monarquista nacionalista, tradicionalista por opção estético-filosófica, como diziam os seus arautos, e afirmandose mais pela recusa de modelos, ideações políticas ou credos do que por autêntica criação projectiva. REVISTAS LITERÁRIAS FORMA E MATERIAIS ELEMENTOS COMPOSITIVOS TIPO DE PUBLICAÇÃO: Revista TIPOS DE LETRA capa: Fantasia DIMENSÃO: 180x237 mm títulos: Romano, Sem Patilha e Fantasia Nº PÁGINAS: 100 a 120 texto: Romano TIPO DE CAPA: semi-rígida, 2 cores TIPOS DE IMAGENS: desenhos/gravuras reproduzidos e fotografias TIPO DE SUPORTE: capa: papel vergé forte textos: papel corrente imagens: papel couché colado posteriormente em espaço reservado (no papel corrente) Nº DE IMAGENS: 1 a 5 (incuindo capa) FRONTISPÍCIO: sim, com anterosto CORES - ELEMENTOS TIPOGRÁFICOS: 1 cor (preto) CORES - IMAGENS: 1 cor (preto) ENCADERNAÇÃO: brochado e cosido (encadernado) COLUNAS/DIMENSÃO/CORONDEL: 1 / 140 / 0 (dimensões em milímetros) 2 / 6 / 5 TÉCNICAS DE IMPRESSÃO: Tipografia Fotogravura OUTROS ELEMENTOS GRÁFICOS: poucas vinhetas, alguns filetes INFLUÊNCIAS ESTILÍSTICAS: Arte Nova nas vinhetas, Gótico na capa OBSERVAÇÕES: Assemelha-se a um livro, mais do que a uma revista. Anúncios nas últimas páginas com cercaduras exageradas. Provavelmente a revista era vendida em números avulsos, ainda que os números consultados faziam parte de TOMOS (agrupadas em alguns fascículos/números). Por essa razão não se sabe ao certo o verdadeiro tipo de capa correspondente a cada série. Estilo gráfico sui generis, com o uso de letras Nacionais (góticas) na capa e vinhetas e algumas titulares Arte Nova. Fotogravuras: Similigravuras (meios tons) e Zincogravuras (a traço), em pouca quantidade. REVISTAS LITERÁRIAS IDENTIDADE E ORIGEM TÍTULO: Renascença, A DATA: 1914 EXEMP. CONSULTADO: original LUGAR DE EDIÇÃO: Nº PUBLICADOS: TIPOGRAFIA/IMPRESSOR: Lisboa 1 Tipografia do Anuario Comercial, Lisboa EDITOR: A. Tavares DIRECTOR: Carvalho Mourão DIRECÇÃO ARTÍSTICA: não referenciada COLABORAÇÃO LITERÁRIA: Júlio Dantas, Coelho Pacheco, Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro e Alfredo Guisado COLABORAÇÃO ARTÍSTICA: DESCRIÇÃO/CONTEXTO Revista mensal de crítica, literatura, arte e sciencia. REVISTAS LITERÁRIAS FORMA E MATERIAIS ELEMENTOS COMPOSITIVOS TIPO DE PUBLICAÇÃO: Revista TIPOS DE LETRA capa: Caligráfica ou Litográfica DIMENSÃO: 160x230 mm títulos: Romano Nº PÁGINAS: 16 texto: Romano TIPO DE CAPA: mole, 2 cores TIPOS DE IMAGENS: ilustração (capa) TIPO DE SUPORTE: capa e interior: papel corrente Nº DE IMAGENS: 1 (capa) FRONTISPÍCIO: sim CORES - ELEMENTOS TIPOGRÁFICOS: 2 cores (preto +1) CORES - IMAGENS: 2 cores (preto +1) na capa ENCADERNAÇÃO: brochado e grampado COLUNAS/DIMENSÃO/CORONDEL: 1 / 103 / 0 (dimensões em milímetros) TÉCNICAS DE IMPRESSÃO: Tipografia Fotogravura OUTROS ELEMENTOS GRÁFICOS: capitulares, filetes, cercaduras e vinhetas (6 variações) INFLUÊNCIAS ESTILÍSTICAS: Arte Nova OBSERVAÇÕES: Número único. Duas cores na capa e no interior da revista. Titulares a vermelho, com vinhetas a vermelho. Capitulares ornamentais e filigranadas a vermelho e preto, texto a preto. Cercaduras a vermelho; filetes variam de vermelho a preto. Muita semelhança com A Rajada na composição Gráfica. Forte influência Arte Nova. O uso dos títulos apresenta uma característica interessante: funcionando como cabeçalho, o corpo varia entre o título do artigo (texto) e a continuação do texto (corpo menor). Mantém uma continuidade gráfica, excepto na página 3, onde surge o nome do autor (Petrus Ivanovitch Zagoriansky) e dedicatória (nome da irmã do poeta), usando um tipo sem patilha, e na página 14, em datas que dividem o texto. A primeira palavra de cada texto utiliza uma capitular ornamentada e versalitas. Fotogravuras: na maioria Similigravuras (meios tons) REVISTAS LITERÁRIAS IDENTIDADE E ORIGEM TÍTULO: Atlantida DATA: 1915-1920 EXEMP. CONSULTADO: original LUGAR DE EDIÇÃO: Nº PUBLICADOS: TIPOGRAFIA/IMPRESSOR: Lisboa 48 agrupados em 12 volumes Imprensa Libânio da Silva, Lisboa EDITOR: Pedro Bordalo Pinheiro DIRECTOR: No Brasil: João do Rio Em Portugal: João de Barros DIRECÇÃO ARTÍSTICA: não referenciada COLABORAÇÃO LITERÁRIA: Entre outros, José Pacheko, António Patrício, Nuno Simões, Leonardo Coimbra, Olavo Bilac. COLABORAÇÃO ARTÍSTICA: Entre outros, Raul Lino, Santos Silva (vinhetas e ilustrações), João de Deus, António Carneiro e Manoel Gustavo Bordallo Pinheiro. DESCRIÇÃO/CONTEXTO Apresenta-se como Mensário artístico, literário e social para Portugal e Brasil. Diversificada colaboração; note-se a circunstância de nas suas páginas terem aparecido vários poemas de António Patrício, que depois seriam recolhidos postumamente em Poesias. Referência ainda para o desenvolvido artigo de Nuno Simões "Sobre o Bailado Encantamento e a Princesa dos Sapatos de Ferro" (suplemento do nº 32, dois bailados de Rui Coelho, o primeiro, com libreto de Martinho Nobre de Melo e cenários e figurinos de Raul Lino, e o segundo, de José Pacheco e Almada Negreiros - colaborando este último na cenografia). Destaca-se, também, um artigo sobre Walt Whitman de Edmond Jaloux , no nº 38. REVISTAS LITERÁRIAS FORMA E MATERIAIS ELEMENTOS COMPOSITIVOS TIPO DE PUBLICAÇÃO: Revista TIPOS DE LETRA capa: Caligráfica ou Litográfica DIMENSÃO: 185x260 mm títulos: Romano Nº PÁGINAS: mais de 64 texto: Romano TIPO DE CAPA: mole, 1 cor TIPOS DE IMAGENS: ilustrações e desenhos/gravuras reproduzidos TIPO DE SUPORTE: capa: papel corrente forte texto: papel corrente forte imagens: papel couché forte publicidade e suplementos: papel de jornal Nº DE IMAGENS: 5 a 10 FRONTISPÍCIO: sim CORES - ELEMENTOS TIPOGRÁFICOS: 1 cor (preto) CORES - IMAGENS: 1 cor (primária) e 3 ou mais cores ENCADERNAÇÃO: brochado, grampado (cadernos) e colado COLUNAS/DIMENSÃO/CORONDEL: 1 / 110 / 0 (dimensões em milímetros) TÉCNICAS DE IMPRESSÃO: Tipografia Fotogravura Litografia OUTROS ELEMENTOS GRÁFICOS: vinhetas INFLUÊNCIAS ESTILÍSTICAS: Clássica OBSERVAÇÕES: Revista de carácter assumidamente clássico. Composição gráfica de grande rigor, com unidade em toda a revista: uso do mesmo tipo de letra e tipo de grelha de página. Utilizados papéis de boa e diversificada qualidade. Capas monocromáticas com cores de mistura (azul escuro, castanho, bordô, laranja, verde) A partir do volume 2, a revista ganha vinhetas e desenhos/estampas de cabeçalho, mantendo, contudo, a grelha de página e estrutura/composição gráfica. Presença de publicidade e suplementos no início da revista (em papel de jornal). A capa foi sofrendo alterações ao longo do tempo, iniciando sem imagem, passando a ter uma pequena ilustração, até chegar à inclusão de imagens impressas em papel couché (fotogravura em tricromia), coladas na capa. Em 1919 esta revista tem uma capa ilustrada por Jorge Barradas. A partir aproximadamente do número 17, o tipo de papel muda de vergé para corrente forte e aparece a introdução de mais fotogravuras em tricromia no interior da revista. No número 5 de 1915, anúncio com grande pesar da morte de Libânio da Silva. Fotogravuras: Na maioria Similigravuras (meios tons), Zincogravuras (a traço) principalmente nas ilustrações e Litografia (imagens policromáticas). REVISTAS LITERÁRIAS IDENTIDADE E ORIGEM TÍTULO: Contemporânea (Specimen) DATA: 1915 EXEMP. CONSULTADO: facsímile LUGAR DE EDIÇÃO: Nº PUBLICADOS: TIPOGRAFIA/IMPRESSOR: Lisboa 1 Imprensa Libânio da Silva EDITOR: Eduardo Costa DIRECTOR: João Corrêa D'Oliveira DIRECÇÃO ARTÍSTICA: José Pacheco COLABORAÇÃO LITERÁRIA: António Sardinha, Agostinho de Campos, Hipolyto Rapozo; Vasco de Carvalho, Maria Amália Vaz de Carvalho, Alfredo Guimarães, Teixeira de Queiroz, Justino Montalvão, Carlos Franco e Albertina Paraíso. COLABORAÇÃO ARTÍSTICA: António Carneiro, Jorge Barradas (ilustrações) e Almada Negreiros (capa) DESCRIÇÃO/CONTEXTO Este número espécimen é caracterizado pelo ecletismo: arte, literatura, teatro, desporto, moda e sociedade eram os temas abordados. Propunha ser um lugar de agitação a todos os que se interessavam pela arte em Portugal. Com os olhos postos nos movimentos vanguardistas europeus, recusavam o "estaticismo" nacional, tendo sido lançada pelos jovens artistas que tinham vivido em Paris. REVISTAS LITERÁRIAS FORMA E MATERIAIS ELEMENTOS COMPOSITIVOS TIPO DE PUBLICAÇÃO: Revista TIPOS DE LETRA capa: Caligráfica ou Litográfica, Romano DIMENSÃO: 238x315 mm títulos: Romano, Fantasia, Caligráfica ou Litográfica e Sem Patilha (secções) Nº PÁGINAS: 16 a 32 texto: Romano; Fantasia e Sem Patilha (em alguns anúncios) TIPOS DE IMAGENS: ilustrações, desenhos/gravuras reproduzidos e fotografias TIPO DE CAPA: mole, 3 ou mais cores TIPO DE SUPORTE: capa e algumas páginas interiores com imagens, papel couché texto em papel tipo jornal, amarelo Nº DE IMAGENS: mais de 20 FRONTISPÍCIO: não CORES - ELEMENTOS TIPOGRÁFICOS: 1 cor (preto) CORES - IMAGENS: mais de 3 cores ENCADERNAÇÃO: brochado e grampado COLUNAS/DIMENSÃO/CORONDEL: 3 / 60 / 5 (dimensões em milímetros) 2 / 91 / 6 TÉCNICAS DE IMPRESSÃO: Tipografia Fotogravura Litografia (capa) OUTROS ELEMENTOS GRÁFICOS: capitulares, filetes, vinhetas, cercaduras e logótipo da revista INFLUÊNCIAS ESTILÍSTICAS: Arte Nova Francesa, Expressionismo (em desenhos) e "japonesismos" nas artes decorativas. Art Deco em ilustrações OBSERVAÇÕES: O interior da revista varia entre a imagem de jornal e de revistas de assuntos correntes (magazines), tanto no formato quanto na diversidade de conteúdo, com grande quantidade de imagens inseridas na composição do texto ou em páginas isoladas. Riqueza na variedade de tipos de papel, ilustrações, grafismos e tipos de letra. Capitulares lisas e ornamentais. Consultado o fax símile presente no livro Pacheko, Almada e a "Contemporânea". Esta revista apresenta como particularidade a presença, em cabeçalho, de logótipo da publicação, sendo este em costume pouco ususal nas revistas consultadas. Com uma secção feminina, está atenta às questões da moda, sobretudo nas composições realizadas por Jorge Barradas. Presença de publicidade no verso da capa e contracapa (moda, fotografia, máquina de escrever, perfumes). Páginas dedicadas ao desporto. Grande influência da Art Deco nas ilustrações de Jorge Barradas Fotogravuras: grande quantidade de reproduções de desenhos, caricaturas, ilustrações, quadros em Similigravura (meios tons) e Zincogravura (a traço). REVISTAS LITERÁRIAS IDENTIDADE E ORIGEM TÍTULO: Eh Real! DATA: 1915 EXEMP. CONSULTADO: facsímile LUGAR DE EDIÇÃO: Nº PUBLICADOS: TIPOGRAFIA/IMPRESSOR: Lisboa 1 não identificada, Rua de São Bento, 24 EDITOR: João Camoezas DIRECTOR: João Camoezas DIRECÇÃO ARTÍSTICA: não referenciada COLABORAÇÃO LITERÁRIA: Fernando Pessoa, Artur Ribeiro Lopes, Sérgio Silvio, João C. Simões da Costa, entre outros. COLABORAÇÃO ARTÍSTICA: DESCRIÇÃO/CONTEXTO Panfleto semanal de crítica e doutrinação política. No nº 1 (único editado) foi pela primeira vez publicado "O preconceito da ordem" de Fernando Pessoa, sendo este o único motivo de interesse da publicação REVISTAS LITERÁRIAS FORMA E MATERIAIS ELEMENTOS COMPOSITIVOS TIPO DE PUBLICAÇÃO: Panfleto TIPOS DE LETRA capa: Fantasia, Sem Patilha e Romano DIMENSÃO: 160x210 mm títulos: Fantasia, Sem Patilha e Romano Nº PÁGINAS: 10 a 20 texto: Romano TIPO DE CAPA: mole, 1 cor TIPOS DE IMAGENS: sem imagens TIPO DE SUPORTE: capa: papel de jornal, colorido texto: papel de jornal Nº DE IMAGENS: FRONTISPÍCIO: não CORES - ELEMENTOS TIPOGRÁFICOS: 1 cor (preto) CORES - IMAGENS: ENCADERNAÇÃO: brochado COLUNAS/DIMENSÃO/CORONDEL: 1 / 115 / 0 (dimensões em milímetros) TÉCNICAS DE IMPRESSÃO: Tipografia OUTROS ELEMENTOS GRÁFICOS: Filetes e vinhetas (pouca quantidade) INFLUÊNCIAS ESTILÍSTICAS: Futurismo OBSERVAÇÕES: Ausência de imagens. Logo na capa aparece o sumário/índice. Primeira página com cabeçalho de identificação da revista. Salienta-se a página 4, que apresenta uma composição tipográfica que reforça a mensagem irónica comunicada. REVISTAS LITERÁRIAS IDENTIDADE E ORIGEM TÍTULO: Centauro DATA: 1916 EXEMP. CONSULTADO: original e facsímile LUGAR DE EDIÇÃO: Nº PUBLICADOS: TIPOGRAFIA/IMPRESSOR: Lisboa 1 Tipografia do Annuario Commercial, Lisboa EDITOR: Lemos de Napoles DIRECTOR: Luis de Montalvor DIRECÇÃO ARTÍSTICA: não referenciada COLABORAÇÃO LITERÁRIA: Camilo Pessanha, Alberto Osorio de Castro, Raul Leal, Fernando Pessoa, Julio de Vilhena e Silva Tavares. COLABORAÇÃO ARTÍSTICA: Christiano Cruz DESCRIÇÃO/CONTEXTO Revista trimestral de literatura. Número único, foi nesta revista que saiu pela primeira vez uma recolha de poemas, então inéditos, de Camilo Pessanha. Esta revista publicada entre a Orpheu e a Portugal Futurista foi fundamental no processo de definição da Vanguarda em Portugal, sobretudo a que enveredou pelo percurso da influência simbolista (do exemplo de Stéphane Mallarmé). Declara-se como uma "Tentativa de uma ensaio sobre a decadência". REVISTAS LITERÁRIAS FORMA E MATERIAIS ELEMENTOS COMPOSITIVOS TIPO DE PUBLICAÇÃO: Revista TIPOS DE LETRA capa: Caligráfica ou Litográfica DIMENSÃO: 180x250mm títulos: Romano Nº PÁGINAS: 88 texto: Romano TIPO DE CAPA: semi-rígida, 1 cor (verde) TIPOS DE IMAGENS: desenhos/gravuras reproduzidos TIPO DE SUPORTE: capa: cartão liso cru texto: papel corrente forte imagem: papel couché colado sobre papel gofrado Nº DE IMAGENS: 1 FRONTISPÍCIO: sim, com anterosto CORES - ELEMENTOS TIPOGRÁFICOS: 1 cor (preto) CORES - IMAGENS: 2 cores (preto +1) ENCADERNAÇÃO: brochado e cosido COLUNAS/DIMENSÃO/CORONDEL: 1 / 110 / 0 (prosa) (dimensões em milímetros) 1 / 60 / 0 (poesia) TÉCNICAS DE IMPRESSÃO: Tipografia Fotogravura OUTROS ELEMENTOS GRÁFICOS: inexistentes INFLUÊNCIAS ESTILÍSTICAS: Clássico OBSERVAÇÕES: Ausência de elementos tipográficos de ornamentação. A exemplo da Orpheu, contém páginas introdutórias aos textos e poemas, com o nome do autor e títulos. "Tentativa de um ensaio sobre a decadência". Reprodução de um desenho a carvão "hors-texte" especial de Christiano Cruz em papel couché colado sobre papel gofrado branco. Toda a revista apresenta uma paginação que se assemelha a um livro. Trata-se de um projecto gráfico consistente e bem realizado, recorrendo a um único tipo, com cabeçalhos (títulos) centrados, com caixa alta na prosa. Uma única fotogravura a duas cores na reprodução do desenho de Christiano Cruz (Similigravura - meios tons) REVISTAS LITERÁRIAS IDENTIDADE E ORIGEM TÍTULO: Orpheu DATA: 1915 EXEMP. CONSULTADO: original, facsímile e fotocópias LUGAR DE EDIÇÃO: Nº PUBLICADOS: TIPOGRAFIA/IMPRESSOR: Lisboa 2 Tipografia do Comercio, Lisboa (rua da Oliveira, 10, ao Carmo) EDITOR: António Ferro DIRECTOR: Luis de Montalvor (Lisboa) e Ronald de Carvalho (Brasil), no nº1 e Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro no nº2 DIRECÇÃO ARTÍSTICA: não referenciada COLABORAÇÃO LITERÁRIA: Alfredo Guisado, Almada Negreiros, Côrtes-Rodrigues, Raul Leal, o brasileiro Eduardo Guimaraens e ainda o poeta simbolista Ângelo de Lima. Santa Rita Pintor no nº2 COLABORAÇÃO ARTÍSTICA: José Pacheco (capa nº 1), Santa Rita Pintor nº2. DESCRIÇÃO/CONTEXTO Com esta revista, fez-se de um modo decisivo, a afirmação da Vanguarda em Portugal. É na linha do Orpheu, concorrendo para uma afirmação da Vanguarda, que aparecerão, posteriormente, outras revistas (Exílio, Centauro, Portugal Futurista, Contemporânea e Athena), havendo ocasionalmente na colaboração dessas revistas a marca de influências duma época que ficou ainda ligada ao Decadentismo e Simbolismo. REVISTAS LITERÁRIAS FORMA E MATERIAIS ELEMENTOS COMPOSITIVOS TIPO DE PUBLICAÇÃO: Revista TIPOS DE LETRA capa: Caligráfica ou Litográfica (nº 1) Fantasia (nº 2) títulos: Romano (nº 1), Romano e Fantasia (nº 2) DIMENSÃO: 165x240 mm Nº PÁGINAS: mais de 64 texto: Romano (nº 1), Romano e Sem Patilha (nº 2) TIPOS DE IMAGENS: Reprodução de quadros de Santa Rita Pintor, no nº2 Nº DE IMAGENS: 1 a 5 no nº 2, nº1 só a da capa FRONTISPÍCIO: sim, com anterosto CORES - ELEMENTOS TIPOGRÁFICOS: 1 cor (preto) CORES - IMAGENS: 1 cor (preto) TIPO DE CAPA: mole, 2 cores (número 1) mole, 1 cor (número 2) TIPO DE SUPORTE: capa: papel couché texto: papel corrente imagens: papel couché ENCADERNAÇÃO: brochado e cosido COLUNAS/DIMENSÃO/CORONDEL: 1 / 150 / 0 (prosa) (dimensões em milímetros) 1 / 70 a 90 / 0 (poesia) TÉCNICAS DE IMPRESSÃO: Tipografia Fotogravura OUTROS ELEMENTOS GRÁFICOS: Filetes e vinhetas INFLUÊNCIAS ESTILÍSTICAS: Futurismo no número 2 OBSERVAÇÕES: No nº 1: fotogravura da capa (composição de José Pacheco) executada nos ateliers Ilustradora. Existência de uma folha introdutória ao textos e poemas, com o título e nome do autor. Quase ausência de vinhetas. Poemas de Côrtes-Rodrigues com estrutura desalinhada de versos. No nº 2: Poemas sem suporte, de Mário de Sá-Carneiro faz uso da tipografia como expressão plástica e quase fonética dos versos, palavras e letras. Quadros reproduzidos de Santa Rita Pintor. O nº 2 tem uma capa 100% tipográfica e contém uma interessante explicação do porquê da opção estética na contracapa, título "Serviço da Redacção". Existência de provas de página do Orpheu 3, que nunca chegou a sair. Consultado o fac-símile do nº2 e o original (sem capa) do nº 1. Fotogravuras: Similigravuras (meios tons) REVISTAS LITERÁRIAS IDENTIDADE E ORIGEM TÍTULO: Exílio DATA: 1916 EXEMP. CONSULTADO: facsímile LUGAR DE EDIÇÃO: Nº PUBLICADOS: TIPOGRAFIA/IMPRESSOR: Lisboa 1 Tipografia A. J. Ferros & Ferros Filhos, Lisboa (Rua dos Retroseiros) EDITOR: Rodrigues & C.ª DIRECTOR: Augusto de Santa Rita, Pedro de Meneses, António Ferro e Armando Cortês-Rodrigues DIRECÇÃO ARTÍSTICA: não referenciada COLABORAÇÃO LITERÁRIA: Augusto de Santa Rita, Pedro de Meneses, Theófilo Braga, Fernando Pessoa, António Ferro e Armando Côrtes-Rodrigues. COLABORAÇÃO ARTÍSTICA: DESCRIÇÃO/CONTEXTO Número único publicado em Lisboa. Revista Mensal - artes, letras e sciencias que, em contraste com a Orpheu, passou de maneira sóbria pela imprensa. Preparava-se a edição de Portugal Futurista servindo de veículo de apresentação dos ideais de F. T. Marinetti. REVISTAS LITERÁRIAS FORMA E MATERIAIS ELEMENTOS COMPOSITIVOS TIPO DE PUBLICAÇÃO: Revista TIPOS DE LETRA capa: Caligráficas ou Litográficas DIMENSÃO: 185x240 mm títulos: Sem Patilha e Fantasia Nº PÁGINAS: 32 a 48 texto: Romano TIPO DE CAPA: mole, 2 cores TIPOS DE IMAGENS: desenhos/gravuras reproduzidos TIPO DE SUPORTE: capa: (provavelmente) papel corrente colorido texto: papel corrente imagem: impressa em papel couché colada posteriormente sobre cartolina colorida Nº DE IMAGENS: 1 FRONTISPÍCIO: sim, com anterosto CORES - ELEMENTOS TIPOGRÁFICOS: 1 cor, índice 2 cores (verm. e preto) CORES - IMAGENS: 1 cor (sépia) ENCADERNAÇÃO: brochado COLUNAS/DIMENSÃO/CORONDEL: 1 / 110 / 0 (prosa) (dimensões em milímetros) variável (poesia) TÉCNICAS DE IMPRESSÃO: Tipografia Fotogravura OUTROS ELEMENTOS GRÁFICOS: Titulares com diferentes tipos de letra, capitulares, filetes e cercaduras. Algumas vinhetas INFLUÊNCIAS ESTILÍSTICAS: OBSERVAÇÕES: Capa com letras desenhadas manualmente. O índice/sumário é a duas cores (cercaduras, título da revista e sub-títulos do índice a vermelho, os demais textos a preto). A capa consultada no fac-símile tem uma moldura a vermelho, e a contra capa a vermelho também. Titulares dos textos com diversos tipos de letra diferentes. Capitulares ornamentais e filigranadas. Fotogravura: Similigravura (meios tons) Grelha: Margem int. 35mm, ext. 40mm, superior 40mm e inferior 30mm. REVISTAS LITERÁRIAS IDENTIDADE E ORIGEM TÍTULO: Gente Lusa (1ª série) DATA: 1916 EXEMP. CONSULTADO: original LUGAR DE EDIÇÃO: Nº PUBLICADOS: TIPOGRAFIA/IMPRESSOR: Praia da Granja 5, agrupados num volume Tipografia Porto Médico, Magalhães & Mendes LDA, Porto EDITOR: António Reis DIRECTOR: Carlos de Morais e Zacarias Correia DIRECÇÃO ARTÍSTICA: Joaquim Lopes COLABORAÇÃO LITERÁRIA: Leonardo Coimbra, Afonso Duarte, Ruy Vaz, Júlio Brandão, Camilo Castelo Branco, António Patrício, entre outros COLABORAÇÃO ARTÍSTICA: Joaquim Lopes (capa da primeira série), Amadeu Souza Cardoso, Soares dos Reis, António Carneiro, António Lima (capa da segunda série) e Teixeira Lopes. DESCRIÇÃO/CONTEXTO Saíram 10 números agrupados em 2 séries. Arquivo de letras e artes REVISTAS LITERÁRIAS FORMA E MATERIAIS ELEMENTOS COMPOSITIVOS TIPO DE PUBLICAÇÃO: Revista TIPOS DE LETRA capa: Caligráfica ou Litográfica DIMENSÃO: 160x240 mm títulos: Fantasia (verificar) Nº PÁGINAS: 16 a 32 (cada número) texto: Romano TIPO DE CAPA: semi-rígida, 1 cor TIPOS DE IMAGENS: ilustrações, desenhos/gravuras reproduzidos e fotografias TIPO DE SUPORTE: capa: papel tipo kraft, forte texto e ilustrações: papel corrente imagens: papel couché colado sobre cartolina colorida ou grampadas nos cadernos Nº DE IMAGENS: 10 a 20 FRONTISPÍCIO: sim CORES - ELEMENTOS TIPOGRÁFICOS: 1 cor (preto) CORES - IMAGENS: 1 cor (preto) e 1 cor (primária) ENCADERNAÇÃO: brochado e cosido (volume) COLUNAS/DIMENSÃO/CORONDEL: 1 / 115 / 0 (dimensões em milímetros) 2 / 55 / 5 (últimas secções) TÉCNICAS DE IMPRESSÃO: Tipografia Fotogravura OUTROS ELEMENTOS GRÁFICOS: capitulares, vinhetas e vinhetas de cabeçalho INFLUÊNCIAS ESTILÍSTICAS: OBSERVAÇÕES: Capa da 1ª série (1º volume de 5 números) bastante diferente da 2ª série. Diversidade no tipo de imagens utilizadas que acarreta, possivelmente, a utilização de diferentes técnicas de impressão (tipografia, fotogravura ou zincogravura). O Volume consultado contém os primeiros 5 números agrupados, mas estes também eram vendidos avulsos, com uma encadernação provavelmente diferente, brochado e grampado. Cada número avulso continha aproximadamente 25 páginas. Ainda que haja recursos a elementos Arte Nova em alguns tipos nos títulos e pequenos elementos de ornamentação, a revista apresenta uma estrutura gráfica essencialmente clássica. Remete para a estrutura de um livro. Capitulares lisas. Fotogravuras: Similigravuras nas reproduções (meios tons) e Zincogravuras (a traço) na capa e ilustrações. REVISTAS LITERÁRIAS IDENTIDADE E ORIGEM TÍTULO: Gente Lusa (2ª série) DATA: 1917 EXEMP. CONSULTADO: original LUGAR DE EDIÇÃO: Nº PUBLICADOS: TIPOGRAFIA/IMPRESSOR: Praia da Granja 5, agrupados num volume Tipografia Porto Médico, Magalhães & Mendes LDA, Porto EDITOR: António Reis DIRECTOR: Carlos de Morais e Zacarias Correia DIRECÇÃO ARTÍSTICA: Joaquim Lopes COLABORAÇÃO LITERÁRIA: António Correia de Oliveira, Pinto Ferreira, António Patrício, entre outros. COLABORAÇÃO ARTÍSTICA: Joaquim Lopes, Amadeu Souza Cardoso, Soares dos Reis, António Carneiro e Teixeira Lopes DESCRIÇÃO/CONTEXTO Ver Gente Lusa 1ª série. REVISTAS LITERÁRIAS FORMA E MATERIAIS ELEMENTOS COMPOSITIVOS TIPO DE PUBLICAÇÃO: Revista TIPOS DE LETRA capa: Caligráfica ou Litográfica DIMENSÃO: 160x240 mm títulos: Fantasia (verificar) Nº PÁGINAS: 16 a 32 texto: Romano TIPO DE CAPA: semi-rígida, 2 cores TIPOS DE IMAGENS: ilustrações, desenhos/gravuras reproduzidos e fotografias TIPO DE SUPORTE: capa: papel tipo kraft, forte texto e ilustrações: papel corrente imagens: papel couché colado sobre cartolina colorida ou grampadas nos cadernos Nº DE IMAGENS: 10 a 20 FRONTISPÍCIO: sim CORES - ELEMENTOS TIPOGRÁFICOS: 1 cor (preto) CORES - IMAGENS: 1 cor (preto) e 1 cor (primária) ENCADERNAÇÃO: brochado e cosido (volume) COLUNAS/DIMENSÃO/CORONDEL: 1 / 115 / 0 (dimensões em milímetros) 2 / 55 / 5 (últimas secções) TÉCNICAS DE IMPRESSÃO: Tipografia Fotogravura Calcografia OUTROS ELEMENTOS GRÁFICOS: capitulares, vinhetas e vinhetas de cabeçalho INFLUÊNCIAS ESTILÍSTICAS: OBSERVAÇÕES: Nesta segunda série mantém-se o grafismo da 1ª série, as mesmas opções de tipos de letra e suporte (papéis) utilizados, bem como técnicas de reprodução de imagens. Gravura a buril/ponta seca na capa, da autoria de António Lima. António Carneiro continua aparecendo como prinicpal colaborador artístico da revista. Esta capa da segunda série apresenta no seu desenho uma estrutura de motivos góticos (nacionalismo religioso). Fotogravuras: Similigravuras (meios tons) e Zincogravuras (a traço) Gravura calcográfica (manual, buril ou ponta seca) na capa. REVISTAS LITERÁRIAS IDENTIDADE E ORIGEM TÍTULO: Nação Portuguesa (2ª e 3ª série) DATA: 1924-1926 EXEMP. CONSULTADO: original LUGAR DE EDIÇÃO: Nº PUBLICADOS: TIPOGRAFIA/IMPRESSOR: Lisboa 12 + 12 Tipografia Beleza, Lisboa EDITOR: José Fernandes Júnior DIRECTOR: Antonio Sardinha DIRECÇÃO ARTÍSTICA: não referenciada COLABORAÇÃO LITERÁRIA: Manuel Múrias, Rolão Preto, João Ameal, António Sardinha, entre outros. COLABORAÇÃO ARTÍSTICA: DESCRIÇÃO/CONTEXTO Revista de cultura nacionalista. A sua direcção sofreu alterações (Alberto de Monsaraz, António Sardinha). Apresenta-se como órgão do Integralismo Lusitano. Em 1932, seguindo uma linha idêntica, aparecerá a revista Integralismo Lusitano . Revista de carácter ultranacionalista. REVISTAS LITERÁRIAS FORMA E MATERIAIS ELEMENTOS COMPOSITIVOS TIPO DE PUBLICAÇÃO: Revista TIPOS DE LETRA capa: Fantasia DIMENSÃO: 180x237 mm títulos: Romano, Sem Patilha e Fantasia Nº PÁGINAS: 100 a 120 texto: Romano TIPO DE CAPA: semi-rígida, 2 cores TIPOS DE IMAGENS: desenhos/gravuras reproduzidos e fotografias TIPO DE SUPORTE: capa: papel vergé forte textos: papel corrente imagens: papel couché colado posteriormente em espaço reservado (no papel corrente) Nº DE IMAGENS: 1 a 5 (incuindo capa) FRONTISPÍCIO: sim, com anterosto CORES - ELEMENTOS TIPOGRÁFICOS: 1 cor (preto) CORES - IMAGENS: 1 cor (preto) ENCADERNAÇÃO: brochado e cosido (encadernado) COLUNAS/DIMENSÃO/CORONDEL: 1 / 140 / 0 (dimensões em milímetros) 2 / 6 / 5 TÉCNICAS DE IMPRESSÃO: Tipografia Fotogravura OUTROS ELEMENTOS GRÁFICOS: poucas vinhetas, alguns filetes INFLUÊNCIAS ESTILÍSTICAS: Arte Nova nas vinhetas OBSERVAÇÕES: Assemelha-se a um livro, mais do que a uma revista. Anúncios nas últimas páginas com cercaduras exageradas. Provavelmente a revista era vendida em números avulsos, ainda que os números consultados faziam parte de TOMOS (agrupadas em alguns fascículos/números). Por essa razão não se sabe ao certo o verdadeiro tipo de capa correspondente a cada série. Estilo gráfico sui generis, com o uso de letras Nacionais (góticas) na capa e vinhetas e algumas titulares Arte Nova. Fotogravuras: Similigravuras (meios tons) e Zincogravuras (a traço), em pouca quantidade. REVISTAS LITERÁRIAS IDENTIDADE E ORIGEM TÍTULO: Pela Grei DATA: 1918-1919 EXEMP. CONSULTADO: original LUGAR DE EDIÇÃO: Nº PUBLICADOS: TIPOGRAFIA/IMPRESSOR: Lisboa, depois Porto 7 nº 1, 2 e 3 Tip. do Anuário Comercial, Lisboa; nº 4, 5, 6 e 7 Tip. da Renascença Portuguesa, Porto. EDITOR: António Sérgio DIRECTOR: António Sérgio DIRECÇÃO ARTÍSTICA: não referenciada COLABORAÇÃO LITERÁRIA: Silva Telles, Ezequiel de Campos, Barros Queiroz, João Perestrello, António Sérgio, entre outros COLABORAÇÃO ARTÍSTICA: DESCRIÇÃO/CONTEXTO Revista para o Ressurgimento Nacional pela formação e intervenção de uma opinião pública consciente, foi uma revista de carácter social, pedagógico e económico, com reduzida colaboração literária. No entanto, todos os seus colaboradores virão mais tarde participar na Seara Nova . REVISTAS LITERÁRIAS FORMA E MATERIAIS ELEMENTOS COMPOSITIVOS TIPO DE PUBLICAÇÃO: Revista TIPOS DE LETRA capa: Romano DIMENSÃO: 180 x240 mm títulos: Romano Nº PÁGINAS: 48 a 64 texto: Romano TIPO DE CAPA: mole, 1 cor TIPOS DE IMAGENS: sem imagens TIPO DE SUPORTE: papel de jornal Nº DE IMAGENS: FRONTISPÍCIO: sim, com o sumário, na 1ª follha CORES - ELEMENTOS TIPOGRÁFICOS: 1 cor (preto) CORES - IMAGENS: ENCADERNAÇÃO: brochado e cosido (volume encadernado) COLUNAS/DIMENSÃO/CORONDEL: 1 / 120 / 0 (dimensões em milímetros) TÉCNICAS DE IMPRESSÃO: Tipografia OUTROS ELEMENTOS GRÁFICOS: Filetes no cabeçalho da 1ª folha, capitular no início do 1º capítulo da 1ª página. INFLUÊNCIAS ESTILÍSTICAS: OBSERVAÇÕES: Existe um "Programa da Revista" que provavelmente antecedeu à publicação da mesma, contendo uma espécie de contexto e explicação do seu conteúdo. Não existe nenhum tipo de ornamento gráfico. Os exemplares consultados estavam encadernados num único volume. Ligeira mudança no tipo de letra utilizado na Tipografia de Lisboa, para a Tipografia do Porto. Capitulares lisas. REVISTAS LITERÁRIAS IDENTIDADE E ORIGEM TÍTULO: Ícaro DATA: 1919-1920 EXEMP. CONSULTADO: original LUGAR DE EDIÇÃO: Nº PUBLICADOS: TIPOGRAFIA/IMPRESSOR: Coimbra 3 não identificada EDITOR: Luiz de Vasconcelos DIRECTOR: Ernesto Gonsalves DIRECÇÃO ARTÍSTICA: não referenciada COLABORAÇÃO LITERÁRIA: Afonso Lopes Vieira, Cabral do Nascimento, Eugênio de Castro, Teixeira de Pascoaes, entre outros COLABORAÇÃO ARTÍSTICA: DESCRIÇÃO/CONTEXTO Publicada em Coimbra, a partir da iniciativa de Cabral do Nascimento, Alfredo Brochado, Cortez Pinto, entre outros. Ícaro, A Tradição, Nova Phoenix Renascida, A Nossa Revista, Bysancio, Conimbriga, Tríptico, Labareda são revistas onde confluem tendências que serão ainda muito influentes nos anos 20: Decadentismo, Simbolismo, Nacionalismo Literário, Saudosismo. Aliás, estas componentes - a que outra marcada pelo exemplo da geração de Orpheu se há de juntar - constituem o terreno que prepara o aparecimento da Presença (estando muito directamente na origem das revistas Bysancio e Triptico). REVISTAS LITERÁRIAS FORMA E MATERIAIS ELEMENTOS COMPOSITIVOS TIPO DE PUBLICAÇÃO: Revista TIPOS DE LETRA capa: Romano DIMENSÃO: 160x230 mm títulos: Romano (Arte Nova) Nº PÁGINAS: 16 a 32 texto: Romano TIPO DE CAPA: mole, 2 cores TIPOS DE IMAGENS: sem imagens TIPO DE SUPORTE: capa: papel tipo vergé, colorido texto : papel corrente, forte Nº DE IMAGENS: FRONTISPÍCIO: não CORES - ELEMENTOS TIPOGRÁFICOS: 2 cores (preto +1) CORES - IMAGENS: ENCADERNAÇÃO: brochado e grampado COLUNAS/DIMENSÃO/CORONDEL: 1 / 103 / 0 (dimensões em milímetros) TÉCNICAS DE IMPRESSÃO: Tipografia OUTROS ELEMENTOS GRÁFICOS: capitulares, pouca variação de vinhetas e filetes (que se mantêm uniformes em todos os números) INFLUÊNCIAS ESTILÍSTICAS: Arte Nova OBSERVAÇÕES: Pouca variação de vinhetas, sempre de motivos florais (Arte Nova), inexistência de qualquer tipo de imagens, nem na capa. Composição de página bastante clássica. Revista toda a duas cores: capitulares filigranadas a preto e vermelho, vinhetas a preto e filetes a vermelho. Na capa, a capitular ornamentada "I" tem a letra a preto e o contorno e moldura a vermelho, assim como os filetes. Revista com apurado rigor gráfico. Mantém a estrutura clássica de uma coluna em todo seu corpo. O uso de vinhetas e ornamentos, de influência Arte Nova, é constante e com aplicação cuidada e rigorosa. O tipo usado no texto é sempre o mesmo. A primeira palavra de cada texto está composta com uma capitular seguida de uma caixa alta. REVISTAS LITERÁRIAS IDENTIDADE E ORIGEM TÍTULO: Tradição, A DATA: 1920 EXEMP. CONSULTADO: original LUGAR DE EDIÇÃO: Nº PUBLICADOS: TIPOGRAFIA/IMPRESSOR: Coimbra 1 tomo, fascículos 1 a 5 Casa Tipográfica Alves & Mourão, Adro de Cima, 10, 11 e 12, Coimbra EDITOR: Camilo Valente DIRECTOR: Camilo Valente DIRECÇÃO ARTÍSTICA: não referenciada COLABORAÇÃO LITERÁRIA: Afonso Duarte, Augusto Casimiro, Alfredo Brochado, entre outros COLABORAÇÃO ARTÍSTICA: Fausto Gonçalves (capa), Alberto de Sousa, João Augusto Machado, Abel Eliseu, Joaquim Salgado e José Seabra (ilustrações) DESCRIÇÃO/CONTEXTO Esta Revista académica coimbrã teve editado apenas um número espécimen e um tomo (fascículos de 1 a 5). Segundo Fernando Guimarães, esta revista é uma das que prepara o surgimento da revista Presença . REVISTAS LITERÁRIAS FORMA E MATERIAIS ELEMENTOS COMPOSITIVOS TIPO DE PUBLICAÇÃO: Revista TIPOS DE LETRA capa: Caligráfica ou Litográfica DIMENSÃO: 180x240 mm títulos: Fantasia Nº PÁGINAS: 16 a 32 texto: Romano e Sem Patilha TIPO DE CAPA: mole, 1 cor TIPOS DE IMAGENS: ilustrações, desenhos/gravuras reproduzidos e fotografias TIPO DE SUPORTE: capa: papel corrente ilustrações e textos: papel corrente imagens: papel corrente calandrado. Nº DE IMAGENS: 10 a 20 FRONTISPÍCIO: não CORES - ELEMENTOS TIPOGRÁFICOS: 1 cor (preto) CORES - IMAGENS: 1 cor (preto) ENCADERNAÇÃO: brochado e cosido ( tomo) COLUNAS/DIMENSÃO/CORONDEL: 1 / 120 / 0 (prosa) (dimensões em milímetros) 1 / 40 a 70 / 0 (poesia) TÉCNICAS DE IMPRESSÃO: Tipografia Fotogravura OUTROS ELEMENTOS GRÁFICOS: Vinhetas, filetes e cercadura só no sumário e nos cabeçalhos das páginas INFLUÊNCIAS ESTILÍSTICAS: Algum Humorismo (caricaturismo) nas ilustrações de pé de página e alguma Arte Nova OBSERVAÇÕES: Quase ausência de vinhetas ou outros elementos tipográficos como capitulares e filetes. Capa desenhada por Fausto Gonçalves, apresenta as letras desenhadas do título bastante semelhantes às da revista A Rajada, também editada em Coimbra. Fotogavuras: Similigravuras (meios tons) nas reproduções de desenhos e fotografias e Zincogravuras (a traço) na capa e ilustrações. Paginada como um livro, faz uso de cabeçalho de fólio, apresentando influência Arte Nova (uso de pontos decorativos) REVISTAS LITERÁRIAS IDENTIDADE E ORIGEM TÍTULO: Crisálida, A DATA: 1921 EXEMP. CONSULTADO: original LUGAR DE EDIÇÃO: Nº PUBLICADOS: TIPOGRAFIA/IMPRESSOR: Porto 2 (correspondem aos 2 primeiros números d'A Nossa Revista) nº 1 - Tipografia Oficina S. José do Porto nº 2 - Tipografia Gonçalves, Porto EDITOR: José Martins Ferreira DIRECTOR: Baltasar Cardoso Valente DIRECÇÃO ARTÍSTICA: não referenciada COLABORAÇÃO LITERÁRIA: Sales Lima, Pina Morais, José Marinho, Pereira Cardoso, entre outros COLABORAÇÃO ARTÍSTICA: DESCRIÇÃO/CONTEXTO Corresponde aos 2 primeiros números da edição A Nossa Revista. Mensário fundado pelos alunos da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Esses dois primeiros números vêm com o título Mensário de Literatura, Sciência, Arte e Crítica. REVISTAS LITERÁRIAS FORMA E MATERIAIS ELEMENTOS COMPOSITIVOS TIPO DE PUBLICAÇÃO: Revista TIPOS DE LETRA capa: Caligráfica ou Litográfica DIMENSÃO: 210x295 (capa do nº 1) 190x285mm títulos: Romano, Sem Patilha e Fantasia Nº PÁGINAS: 16 texto: Romano TIPO DE CAPA: mole, 1 cor TIPOS DE IMAGENS: ilustração da capa TIPO DE SUPORTE: capa e interior: papel de jornal fino, calandrado Nº DE IMAGENS: 1 (capa) FRONTISPÍCIO: não CORES - ELEMENTOS TIPOGRÁFICOS: 1 cor CORES - IMAGENS: ENCADERNAÇÃO: brochado e grampado COLUNAS/DIMENSÃO/CORONDEL: nº1 - 2 / 68 / 9 (dimensões em milímetros) nº2 - 1 / 70; 2 / 68 / 6 TÉCNICAS DE IMPRESSÃO: Tipografia Zincogravura OUTROS ELEMENTOS GRÁFICOS: Capittular na 1ª página; vinhetas e filetes. INFLUÊNCIAS ESTILÍSTICAS: Arte Nova OBSERVAÇÕES: O nº 1 da Crisálida apresenta-se diferente em termos de composição gráfica, dos outros números seguintes (Crisálida e A Nossa Revista), talvez pelo facto de haver sido impressa numa tipografia diferente. A capa e verso da capa tem um formato maior que os cadernos que compõem o interior da revista. Uso de vinhetas pouco comuns. O nº 2 apresenta-se bastante semelhante à Nossa Revista, tanto em termos de tipos de letra, como filetes e vinhetas utilizados, bem como a própria composição de página. Presença de publicidade no interior do verso da capa. Nenhum dos dois números apresenta qualquer tipo de imagem no interior da revista. Grande variedade no corpo dos tipos do número 1. REVISTAS LITERÁRIAS IDENTIDADE E ORIGEM TÍTULO: Nossa Revista, A DATA: 1921-1922 EXEMP. CONSULTADO: original LUGAR DE EDIÇÃO: Nº PUBLICADOS: TIPOGRAFIA/IMPRESSOR: Porto 7 Tipografia Gonçalves, Rua do Almada, Porto EDITOR: José Martins Ferreira DIRECTOR: Baltasar Cradoso Valente Leonardo Coimbra (director honorário) DIRECÇÃO ARTÍSTICA: não referenciada COLABORAÇÃO LITERÁRIA: Afonso Duarte, Alfredo Brochado, Américo Durão, José Régio, Teixeira de Pascoaes, entre outros COLABORAÇÃO ARTÍSTICA: António Carneiro e João Peralta DESCRIÇÃO/CONTEXTO Começa no nº 3, sendo os dois primeiros editados com o primeiro título da revista A Crisálida. Mensário fundado pelos alunos da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. REVISTAS LITERÁRIAS FORMA E MATERIAIS ELEMENTOS COMPOSITIVOS TIPO DE PUBLICAÇÃO: Revista TIPOS DE LETRA capa: Caligráfica ou Litográfica DIMENSÃO: 190x280 (nº3), 215x297 (nº4), 212x300 (nº6 e 7), 200x290 (nº8), 210x280 (nº9) mm. títulos: Sem Patilha, Romano, Fantasia e Caligráfica texto: Romano Nº PÁGINAS: 16 a 32 TIPO DE CAPA: mole, 1 cor TIPOS DE IMAGENS: ilustrações e desenhos/gravuras reproduzidos TIPO DE SUPORTE: capa e textos: papel de jornal fino(capa papel colorido) imagens: papel couché colado sobre cartolina colorida ou grampado directamente nos cadernos Nº DE IMAGENS: 1 a 5 (incuindo capa) FRONTISPÍCIO: não CORES - ELEMENTOS TIPOGRÁFICOS: 1 cor CORES - IMAGENS: 1 cor (preto) e 3 cores ENCADERNAÇÃO: brochado e grampado COLUNAS/DIMENSÃO/CORONDEL: 1 / 140 / 0 (prosa) (dimensões em milímetros) 2 / 67 / 6 (prosa) 1 / 70 / 0 (poesia) TÉCNICAS DE IMPRESSÃO: Tipografia Fotogravura OUTROS ELEMENTOS GRÁFICOS: filetes, vinhetas e cercaduras INFLUÊNCIAS ESTILÍSTICAS: Arte Nova OBSERVAÇÕES: Capas dos nº 3, 4 e 5 diferentes das capas dos seguintes numeros, 6, 7, 8 e 9. Formatos variados nos diversos números das revistas, ainda que tivessem sido sempre impressas na mesma tipografia. Artigo fixo "Arquivo Mensal", com letras desenhadas à mão (apenas no nº9 é usada uma tipografia diferente). Grelha de página bastante variada, (1 coluna com margens iguais, 2 colunas ou 1 coluna com margens esquerda e direita de diferentes medidas) e vinhetas e filetes bastante floreados e desenhados. A partir do nº 6, quando as capas também mudam, nota-se muito menos influência estética de Arte Nova e um consequente menor uso de ornamentos e ausência de imagens. No número 9 de Março de 1922, em nota da direcção, anuncia-se o último número publicado, pela necessidade de "interromper a sua publicação" por algum tempo, com o fim de lhe "introduzir várias alterações" (p.142). O uso de publicidade é constante em todos os números. Poucas fotogravuras: Similigravuras (meios tons) e na maioria Zincogravuras (a traço) REVISTAS LITERÁRIAS IDENTIDADE E ORIGEM TÍTULO: Nova Phénix Renascida DATA: 1921 EXEMP. CONSULTADO: original LUGAR DE EDIÇÃO: Nº PUBLICADOS: TIPOGRAFIA/IMPRESSOR: Coimbra 1 Tipografia F. França Amado, Rua Ferreira Borges 103-108, Coimbra EDITOR: Luiz de Souza e Vasconcellos DIRECTOR: Luís Vieira de Castro DIRECÇÃO ARTÍSTICA: não referenciada COLABORAÇÃO LITERÁRIA: Manuel de Menezes, João Cabral do Nascimento, Ernesto Gonsalves, Camilo Castelo Branco, Luís Vieira de Castro e Álvaro Manso de Sousa COLABORAÇÃO ARTÍSTICA: DESCRIÇÃO/CONTEXTO Nesta revista são publicadas cartas inéditas de Camilo Castelo Branco. REVISTAS LITERÁRIAS FORMA E MATERIAIS ELEMENTOS COMPOSITIVOS TIPO DE PUBLICAÇÃO: Revista TIPOS DE LETRA capa: Sem Patilha DIMENSÃO: 165x250 mm títulos: Romano e Fantasia Nº PÁGINAS: 32 texto: Romano TIPO DE CAPA: semi-rígida, 1cor TIPOS DE IMAGENS: sem imagens TIPO DE SUPORTE: capa: papel tipo vergé forte, colorido (azul-cinza) interior: papel tipo vergé, forte Nº DE IMAGENS: FRONTISPÍCIO: não, só cabeçalho 1ª pág CORES - ELEMENTOS TIPOGRÁFICOS: 1 cor (preto) CORES - IMAGENS: ENCADERNAÇÃO: brochado e grampado COLUNAS/DIMENSÃO/CORONDEL: 1 / 105 / 0 (prosa) (dimensões em milímetros) 1 / 70 / 0 (poesia) TÉCNICAS DE IMPRESSÃO: Tipografia OUTROS ELEMENTOS GRÁFICOS: filetes INFLUÊNCIAS ESTILÍSTICAS: OBSERVAÇÕES: Assemelha-se mais a um livro, com uma composição clássica e uma quase ausência de ornamentos de página, tais como vinhetas ou capitulares. Todo o interior é composto practicamente em dois tipos de letra, dois romanos no texto (prosa em romano redondo e verso em romano itálico). Presença de filetes no cabeçalho de 1ª página e no início de cada novo capítulo/tema (sonetos, texto, versos ou cartas), utilizado sempre da mesma maneira. Cercaduras no sumário (contracapa) e no interior do verso da capa (anúncio). Margens: superior (em abertura de capítulo) 68mm (com filete incluido a 30mm), em pág simples 30mm; margem inferior 45mm na prosa e 50 nos versos; exterior 35mm e interior 20mm. REVISTAS LITERÁRIAS IDENTIDADE E ORIGEM TÍTULO: Seara Nova DATA: 1921-1979 EXEMP. CONSULTADO: original LUGAR DE EDIÇÃO: Nº PUBLICADOS: TIPOGRAFIA/IMPRESSOR: Lisboa 1599 (72 números analisados de 1921 a 1926) nº1, Tipografia Ibérica; nº2 a 27, Associação Compositores Tipográficos; nº28 a 72, Tipografia Torres, Lisboa EDITOR: Empresa de Publicidade Seara Nova DIRECTOR: Diversos: Aquilino Ribeiro, Augusto Casimiro, Jaime Cortesão, Raul Brandão, Raul Proença, Câmara Reis, António Sérgio, entre outros. DIRECÇÃO ARTÍSTICA: Humberto Pelágio e Leal da Câmara COLABORAÇÃO LITERÁRIA: Jaime Cortesão, Raul Brandão, Quirino de Jesus, Câmara Reis, Augusto Casimiro, Raul Proença, Florbela Espanca, entre muitos outros COLABORAÇÃO ARTÍSTICA: Leal da Câmara, Humberto Pelágio (capas), Cervantes de Haro, Rodrigues Miguéis e José Tagarro (capas e ilustrações), Jorge Barradas, Souza Lopes, entre outros DESCRIÇÃO/CONTEXTO Esta Revista de Doutrina e Crítica teve várias direcções ao longo dos anos. O seu aparecimento está relacionado com a cisão ocorrida no grupo "Renascença Portuguesa" por parte de António Sérgio, Raul Proença e Jaime Cortesão. A colaboração é de natureza predominantemente ensaísta e doutrinária, embora haja também vários textos literários, onde se faz sentir de início uma certa influência dos saudosistas e posteriormente dos presencistas. Nasceu da cisão da revista Águia, e viria mais tarde a ser um elemento de oposição à ditadura de Salazar. Em 1980, 81 e 82 foram publicados números simbólicos desta revista. REVISTAS LITERÁRIAS FORMA E MATERIAIS ELEMENTOS COMPOSITIVOS TIPO DE PUBLICAÇÃO: Revista TIPOS DE LETRA capa: Caligráficas ou Litográficas, Romano, Sem Patilha e Fantasia títulos: Romano, Caligráficas ou Litográficas, Sem Patilha e Fantasia texto: Romano DIMENSÃO: 210x300 mm Nº PÁGINAS: 32 a 48 TIPO DE CAPA: mole, 2 cores TIPOS DE IMAGENS: ilustrações, desenhos/gravuras reproduzidos e fotografias TIPO DE SUPORTE: capa: papel couché ou papel corrente calandrado textos e imagens: papel couché ou papel de jornal calandrado Nº DE IMAGENS: 5 a 10 FRONTISPÍCIO: não CORES - ELEMENTOS TIPOGRÁFICOS: 1 cor (preto) CORES - IMAGENS: 1 cor (primária) ENCADERNAÇÃO: brochado e grampado COLUNAS/DIMENSÃO/CORONDEL: 2 / 85 / 6 (dimensões em milímetros) TÉCNICAS DE IMPRESSÃO: Tipografia Fotogravura OUTROS ELEMENTOS GRÁFICOS: Grande riqueza nas capas, poucas vinhetas e filetes. Ausência de capitulares INFLUÊNCIAS ESTILÍSTICAS: Variável, mas na marioria Arte Nova (principalmente nas capas de Leal Câmara), Humorismo e Expressionismo OBSERVAÇÕES: Nº 1 a nº 18 capas de Humberto Pelágio e Leal da Câmara, nº 19 de Jorge Barradas. Direcção Artística só do nº7 ao 18 (1922), onde surge uma espécie de "marca" da revista; nos 72 nº analisados, capa frente e verso nas mesmas (duas) cores. Grande variedade de capas e capistas: nº 20 a 22 capas de H. Pelágio (nº 22 sumário na capa); nº 23 ao 27, capas de mesma estrutura, tipográficas, a duas cores (só o título da revista muda de cor, verde, vermelho, etc). A partir do nº 28 (com a mudança do Impressor), apesar de manter a estrutura, a capa muda (nº 28 ao 32, capas de José Tagarro); nº 33 (1924), capa de Mário Eloy; capa do nº 35 igual à capa do nº 13 (1922) de J. Pelágio, em cores diferentes. A partir do nº 38 a capa muda bastante (R. Miguéis); nº 40, capa de Hugo Sarmento; nº41, capa de Leal da Câmara, igual ao nº 2 de 1921; nº 44(1925), capa de L.Câmara igual ao nº 6 de 1922; o mesmo com o nº 48, de L.C., capa igual ao nº 12 de 1922;do nº51 ao 72, a estrutura da capa permanece constante, com filetes e ilustrações de motivos florais, variando mais o tipo de letra do título. A partir do nº 18 não se faz mais menção à direcção artística da revista. Nota-se um cuidadoso trabalho de composição para as capas da revista, no entanto o seu interior aparece sempre bastante sóbrio e clássico graficamente, sendo mais pobre. Capas a duas cores de mistura (castanhos, laranjas azuis) indicam uso da fotogravura em bicromia e tricromia. Alguma unidade gráfica com a Contemporânea . Fotogravuras: nas capas, Similigravuras (meios tons) em tricromia e no interior algumas Similigravuras e mais Zincogravuras (a traço). Margem inf 35mm, laterais 25mm, superior variável REVISTAS LITERÁRIAS IDENTIDADE E ORIGEM TÍTULO: Alma Nova (3ª série) DATA: 1922-1925 EXEMP. CONSULTADO: original LUGAR DE EDIÇÃO: Nº PUBLICADOS: TIPOGRAFIA/IMPRESSOR: Lisboa 36 nº1 a 3, Tipografia América, Escola Politécnica, Lisboa nº4 a 27, Typographia Minerva, V. N. Famalicão nº28 a 36, Imprensa Lucas & Cª, Lisboa Mateus Moreno EDITOR: DIRECTOR: Mateus Moreno DIRECÇÃO ARTÍSTICA: Saavedra Machado COLABORAÇÃO LITERÁRIA: Afonso Lopes Vieira, Armando Cortês-Rodrigues, Augusto Casimiro, Diogo de Macedo, Fidelino de Figueiredo, Guerreiro Murta, José Dias Sancho, Sebastião da Costa, entre outros COLABORAÇÃO ARTÍSTICA: Saavedra Machado, Rafael Bordalo Pinheiro, Eduardo Romero, Bernardo Marques, Francisco Valença, António Carneiro, Mily Possoz, Isaura Cavalheiro (desenhos, ilustrações e caricaturas), Diogo de Macedo, José Planes, Raul Xavier e Francisco Franco (escultura) DESCRIÇÃO/CONTEXTO Depois de uma ausência de dois anos, a Alma Nova regressa em abril de 1922, com esta 3ª série, subintitulando-se Revista de Ressurgimento Nacional . Reaparece com um novo aspecto gráfico e um conteúdo cultural mais ampliado, não focado somente em assuntos algarvios, como as séries anteriores. Propôs-se fazer o intercâmbio luso-brasileiro. Publicou o conto "Peregrinação" acompanhado de um desenho, ambos de José Rodrigues Miguéis, bem como o conto de Ferreira de Castro "O Fracassado". Apresenta, esta série, uma colaboração artística e literária bastante variada, com artistas de todo o país, e procura divulgar o estado da Arte Moderna em Portugal, e suas actividades (exposições, conferências, análises ou críticas) a ela ligadas. Revista ligada às questões da vida moderna como a moda e incluindo uma "página feminina" e alguns anúncios a carros. REVISTAS LITERÁRIAS FORMA E MATERIAIS ELEMENTOS COMPOSITIVOS TIPO DE PUBLICAÇÃO: Revista TIPOS DE LETRA capa: Caligráfica ou Litográfica, Sem Patilha e Romano títulos: Caligráfica ou Litográfica, Sem Patilha, Fantasia e Romano DIMENSÃO: 220x305 mm Nº PÁGINAS: 16 a 32 texto: Romano e Sem Patilha TIPO DE CAPA: mole, 1 a 2 cores TIPOS DE IMAGENS: ilustrações, desenhos/gravuras reproduzidos e fotografias TIPO DE SUPORTE: papel corrente calandrado (acetinado) (na maioria dos números) e algumas imagens em couché coladas sobre cartão colorido Nº DE IMAGENS: 10 a 20 FRONTISPÍCIO: não CORES - ELEMENTOS TIPOGRÁFICOS: 2 cores (preto +1) CORES - IMAGENS: 1 cor (preto) e 1 cor ENCADERNAÇÃO: brochado e cosido (volume III) COLUNAS/DIMENSÃO/CORONDEL: 2 / 78 / 5 (dimensões em milímetros) TÉCNICAS DE IMPRESSÃO: Tipografia Fotogravura OUTROS ELEMENTOS GRÁFICOS: Capitulares, filetes e cercaduras. Vinhetas de cabeçalho INFLUÊNCIAS ESTILÍSTICAS: Arte Nova Francesa e Humorismo OBSERVAÇÕES: Esta 3ª série da Alma Nova, surgindo já no período dos anos 20, apresenta-se muito diferente das anteriores. A revista é, quase na totalidade dos números, impressa numa variedade de suportes (papel calandrado, papel de jornal, papel pardo acetinado, papel couché), demonstrando uma evolução na técnica de impressão e montagem final da publicação. Boa qualidade de reprodução das fotografias com meios tons. Páginas monocromáticas com cores diferentes num mesmo número e algumas páginas a 2 cores. Presença constante de vinheta de cabeçalho (com o título da revista) na primeira página e em algumas capas. Possui secções temáticas ricamente ilustradas com uma vinheta de cabeçalho e letras desenhadas (temas: caricatura, arquitectura, artes, etc). Apresenta bastante influência de outras revistas "modernas" que apareceram nos anos 20, por exemplo, a Contemporânea e a Seara Nova, principalmente na composição gráfica e no uso de imagens, reproduções e ilustrações em grande quantidade. Índice organizado na contracapa e anúncios ou no verso da capa, ou em folhas avulsas. Interessante presença de mulheres ilustradoras (Milly Possoz e Isaura Cavalheiro) Capitulares lisas Revista muito ilustrada com Similigavuras (meios tons) e muitas Zincogravuras (a traço) Começa a sentir-se uma abertura à Art Deco, notória nos elementos decorativos, nos filetes (pontos quadrados) que emolduram toda a página. Importância ilustrativa a elementos tradicionais. Margens: sup. e ext. 15mm, inf.35mm e int.20mm REVISTAS LITERÁRIAS IDENTIDADE E ORIGEM TÍTULO: Alma Nova (4ª série) DATA: 1926-1927 EXEMP. CONSULTADO: original LUGAR DE EDIÇÃO: Nº PUBLICADOS: TIPOGRAFIA/IMPRESSOR: Lisboa 18 (até 1927) Oficinas da Escola Politécnica, Lisboa EDITOR: M. B. Carmona DIRECTOR: Mateus Moreno e Emílio Salgueiro DIRECÇÃO ARTÍSTICA: não referenciada COLABORAÇÃO LITERÁRIA: José Rodrigues Miguéis, António Sérgio, Irene Lisboa, Ferreira de Castro, Câmara Reis, José Dias Sancho, José Leite de Vasconcelos, Luís de Oliveira, entre outros. COLABORAÇÃO ARTÍSTICA: Saavedra Machado (já não referido como director artístico), Roberto Nobre (capas e vinhetas), Martinho da Fonseca, Carlos Carneiro, Ramalho Louro (ilustrações), Domingos Assunção (vinhetas). DESCRIÇÃO/CONTEXTO Esta 4ª série da Alma Nova aparece subinitulada como Revista quinzenal de ressurgimento, vida moderna e cultura. Ainda existiu uma 5ª série da revista, de junho de 1927 a dezembro de 1929, e um número único da 6ª série em 1930. REVISTAS LITERÁRIAS FORMA E MATERIAIS ELEMENTOS COMPOSITIVOS TIPO DE PUBLICAÇÃO: Revista TIPOS DE LETRA capa: Caligráfica ou Litográfica, Sem Patilha e Romano títulos: Caligráfica ou Litográfica, Fantasia, Sem Patilha e Romano DIMENSÃO: 220x300 mm Nº PÁGINAS: 20 texto: Romano e Sem Patilha TIPO DE CAPA: mole, 2 cores TIPOS DE IMAGENS: ilustrações, desenhos/gravuras reproduzidos e fotografias TIPO DE SUPORTE: capa: papel couché fino e papel vergé em alguns números; interior: papel de jornal calandrado. Alguns números em papel couché fino na totalidade da revista Nº DE IMAGENS: mais de 20 FRONTISPÍCIO: não CORES - ELEMENTOS TIPOGRÁFICOS: 1 cor (preto) CORES - IMAGENS: 1 cor (preto) ou 1 cor (primária) ENCADERNAÇÃO: brochado e grampado COLUNAS/DIMENSÃO/CORONDEL: 2 / 85 / 6 (dimensões em milímetros) TÉCNICAS DE IMPRESSÃO: Tipografia Fotogravura OUTROS ELEMENTOS GRÁFICOS: Capitulares, filetes e vinhetas INFLUÊNCIAS ESTILÍSTICAS: Magazines Revista Contemporanea especimen 1915 OBSERVAÇÕES: Nº 1, ausência de sumário/índice. Vinheta de cabeçalho na primeira página desenhada por Roberto Nobre. Capas sempre a 2 cores. Apresenta uma composição gráfica mais repetitiva e com menos variedade nas ornamentações e colocação de imagens nas páginas, talvez devido a ausência de uma director artístico (não aparece mencionado em nenhum número a presença de uma direcção artística). Muda também a colaboração artística e literária da revista. Dá menos destaque à caricatura. Secção de publicidade em papel de jornal. Os números consultados 5 e 6 apresentam bastantes semelhanças com a revista Contemporanea de 1915, com um carácter de magazine, tanto no grafismo, como na quantidade de imagens utilizadas. Apresenta bastante diversidade nos artigos, desde literários, de arte, moda e futebol, o que sugere uma certa ligeireza de conteúdo. As questões da moda continuam presentes. Nesta revista se comprova a influência da Contemporânea, principalmente na composição da relação entre títulos, textos e vinhetas, mas executada com menos capacidade. Aumenta a quantidade de publicidade. Capitulares lisas. Capas: fotogravuras a 2 cores (preto +1) Repetição no uso de algumas vinhetas de cabeçalho (quinzena, curiosidades) - clichés de António Nobre. Interior de alguns números desta séria a 2 cores (1 cor por página) Fotogravuras: Similigravuras (meios tons) e Zincogravuras (a traço). Margens: sup. e inf. 35mm, ext. 25mm e int. 15mm REVISTAS LITERÁRIAS IDENTIDADE E ORIGEM TÍTULO: Contemporânea DATA: 1922-1926 EXEMP. CONSULTADO: original e facsímile LUGAR DE EDIÇÃO: Nº PUBLICADOS: TIPOGRAFIA/IMPRESSOR: Lisboa 13 Imprensa Libânio da Silva, Lisboa EDITOR: Agostinho Fernandes DIRECTOR: José Pacheco DIRECÇÃO ARTÍSTICA: José Pacheco COLABORAÇÃO LITERÁRIA: Almada Negreiros, António Botto, António Ferro, Aquilino Ribeiro, Camilo Pessanha, Eugénio de Castro, Fernando Pessoa, José Régio, Leonardo Coimbra, Sá-Carneiro, Teixeira de Pascoaes, entre outros. COLABORAÇÃO ARTÍSTICA: Amadeo Souza Cardoso (póstumo), António Carneiro, Bernardo Marques, Columbano Bordalo Pinheiro, Jorge Barradas, Stuart de Carvalhais, Francisco Franco, Ernesto do Canto, Eduardo Viana, entre outros. António Soares, Almada Negreiros e Stuart de Carvalhais (vinhetas) DESCRIÇÃO/CONTEXTO Lançada por jovens que tinham vivido em Paris e, recuperando o projecto lançado no número especimen de 1915, esta "revista civilizada" insurge-se contra a apatia e inércia que se observava na Sociedade Nacional de Belas-Artes. A Contemporânea faria a ligação entre o primeiro e o segundo modernismo literário português, tendo colaborações inéditas de algumas das principais personalidades da cultura portuguesa da época. Constituiu um projecto cultural ambicioso, combatendo o tradicional provincianismo nacional. Dos colaboradores internacionais há a destacar a presença de F.T. Marinetti. REVISTAS LITERÁRIAS FORMA E MATERIAIS ELEMENTOS COMPOSITIVOS TIPO DE PUBLICAÇÃO: Revista TIPOS DE LETRA capa: Caligráfica ou litográfica, Sem Patilha e Romano títulos: Romano e Sem Patilha DIMENSÃO: 200x297 mm Nº PÁGINAS: 48 a 64 texto: Romano TIPO DE CAPA: semi-rígida, 3 ou mais cores TIPOS DE IMAGENS: ilustrações, desenhos/gravuras reproduzidos e fotografias TIPO DE SUPORTE: Capas: papel vergé, papel couché forte, papel craft e cartolina. texto e ilustrações: papel vergé, papel couché, papel corrente forte, papel gofrado. Imagens: papel couché forte brilhante e mate, coladas. Nº DE IMAGENS: 10 a 20 FRONTISPÍCIO: não CORES - ELEMENTOS TIPOGRÁFICOS: mais de 3 cores CORES - IMAGENS: 1 cor (preto ou outra) ENCADERNAÇÃO: brochado, cosido e encadernado em volumes COLUNAS/DIMENSÃO/CORONDEL: 1 / 145 / 0 (prosa) (dimensões em milímetros) variável (poesia) TÉCNICAS DE IMPRESSÃO: Tipografia Fotogravura Calcografia Xilogravura OUTROS ELEMENTOS GRÁFICOS: Capitulares coloridas, filetes, vinhetas desenhadas à mão e cercaduras nos anúncios. INFLUÊNCIAS ESTILÍSTICAS: Arte Nova em algumas vinhetas e Futurismo na composição tipográfica OBSERVAÇÕES: O intervalo entre o primeiro número espécimen de 1915 (de grande influência Arte Nova francesa) até as primeiras edições da Contemporânea de 1922 permitiu a grande mudança estética da revista, que a partir de 22 começou a dar maior importância ao uso da tipografia como meio expressivo e compositivo, a experimentação do uso de mais de 2 cores nas capas e interiores da revista (é interessante notar que cada página analisada individualmente possiu 2 cores no máximo (preto+1), mas a revista toda tem 4 cores, em todos os números. As cores são bastante expressivas e também pouco usuais, se comparadas com as revistas da mesma época (roxo, amarelo, verde claro, azul claro, vermelho forte, rosa choque). É uma revista esteticamente muito revolucionária em relação às demais. Vinhetas personalizadas (desenhadas por diversos artistas), todo o trabalho gráfico recebe o seu crédito no índice/sumário final. O projecto gráfico de José Pacheco é claramente perceptível desde o nº 1 de 1922 ao nº 13 de 1926. Destaca-se aqui o uso interessante da técnica de fotogravura para a criação de algumas vinhetas, extraídas de motivos de azulejos portugueses tradicionais. Reproduções em Similigravura (fotogravura com meios tons) e Zincogravuras (a traço). Gravuras artísticas calcográficas de Almada em algumas ilustrações. Margem superior 23mm, inferior 46 a 50mm, exterior 37mm e interior 16mm REVISTAS LITERÁRIAS IDENTIDADE E ORIGEM TÍTULO: Nação Portuguesa (2ª e 3ª série) DATA: 1924-1926 EXEMP. CONSULTADO: original LUGAR DE EDIÇÃO: Nº PUBLICADOS: TIPOGRAFIA/IMPRESSOR: Lisboa 12 + 12 Tipografia Beleza, Lisboa EDITOR: José Fernandes Júnior DIRECTOR: Antonio Sardinha DIRECÇÃO ARTÍSTICA: não referenciada COLABORAÇÃO LITERÁRIA: Manuel Múrias, Rolão Preto, João Ameal, António Sardinha, entre outros. COLABORAÇÃO ARTÍSTICA: DESCRIÇÃO/CONTEXTO Revista de cultura nacionalista. A sua direcção sofreu alterações (Alberto de Monsaraz, António Sardinha). Apresenta-se como órgão do Integralismo Lusitano. Em 1932, seguindo uma linha idêntica, aparecerá a revista Integralismo Lusitano . Revista de carácter ultranacionalista. REVISTAS LITERÁRIAS FORMA E MATERIAIS ELEMENTOS COMPOSITIVOS TIPO DE PUBLICAÇÃO: Revista TIPOS DE LETRA capa: Fantasia DIMENSÃO: 180x237 mm títulos: Romano, Sem Patilha e Fantasia Nº PÁGINAS: 100 a 120 texto: Romano TIPO DE CAPA: semi-rígida, 2 cores TIPOS DE IMAGENS: desenhos/gravuras reproduzidos e fotografias TIPO DE SUPORTE: capa: papel vergé forte textos: papel corrente imagens: papel couché colado posteriormente em espaço reservado (no papel corrente) Nº DE IMAGENS: 1 a 5 (incuindo capa) FRONTISPÍCIO: sim, com anterosto CORES - ELEMENTOS TIPOGRÁFICOS: 1 cor (preto) CORES - IMAGENS: 1 cor (preto) ENCADERNAÇÃO: brochado e cosido (encadernado) COLUNAS/DIMENSÃO/CORONDEL: 1 / 140 / 0 (dimensões em milímetros) 2 / 6 / 5 TÉCNICAS DE IMPRESSÃO: Tipografia Fotogravura OUTROS ELEMENTOS GRÁFICOS: poucas vinhetas, alguns filetes INFLUÊNCIAS ESTILÍSTICAS: Arte Nova nas vinhetas OBSERVAÇÕES: Assemelha-se a um livro, mais do que a uma revista. Anúncios nas últimas páginas com cercaduras exageradas. Provavelmente a revista era vendida em números avulsos, ainda que os números consultados faziam parte de TOMOS (agrupadas em alguns fascículos/números). Por essa razão não se sabe ao certo o verdadeiro tipo de capa correspondente a cada série. Estilo gráfico sui generis, com o uso de letras Nacionais (góticas) na capa e vinhetas e algumas titulares Arte Nova. Fotogravuras: Similigravuras (meios tons) e Zincogravuras (a traço), em pouca quantidade. REVISTAS LITERÁRIAS IDENTIDADE E ORIGEM TÍTULO: Bysancio DATA: 1923-1924 EXEMP. CONSULTADO: original LUGAR DE EDIÇÃO: Nº PUBLICADOS: TIPOGRAFIA/IMPRESSOR: Coimbra 6 Imprensa Académica de Coimbra EDITOR: José Veiga DIRECTOR: Alberto Martins de Carvalho, Alberto Simões Pereira, Alexandre de Aragão, Fausto dos Santos, João de Almeida, João Lumbrades e Luís Veiga DIRECÇÃO ARTÍSTICA: não referenciada COLABORAÇÃO LITERÁRIA: Alexandre de Aragão, João de Almeida, Fausto dos Santos, José Tavares, Fernão da Beira, José Régio, Vitorino Nemésio, entre outros. COLABORAÇÃO ARTÍSTICA: Fausto Gonçalves, José de Seabra, João Carlos DESCRIÇÃO/CONTEXTO Revista coimbrã de artes e letras. Segundo Fernando Guimarães (1982), apresenta ainda influência do simbolismo ou decadentismo. A aproximação dos seus colaboradores com os da Tríptico contribuiu para a criação da Presença . REVISTAS LITERÁRIAS FORMA E MATERIAIS ELEMENTOS COMPOSITIVOS TIPO DE PUBLICAÇÃO: Revista TIPOS DE LETRA capa: Caligráfica ou Litográfica DIMENSÃO: 170 x220 mm títulos: Romano, Fantasia e Sem Patilha Nº PÁGINAS: 16 a 32 texto: Romano TIPO DE CAPA: mole, 1 cor TIPOS DE IMAGENS: ilustrações e desenhos/gravuras reproduzidos TIPO DE SUPORTE: capa e interior: papel corrente imagens: papel couché coladas posteriormente sobre a página Nº DE IMAGENS: 5 a 10 FRONTISPÍCIO: não CORES - ELEMENTOS TIPOGRÁFICOS: 2 cores (preto e vermelho) CORES - IMAGENS: 1 cor (preto) + 1 cor (sépia) ENCADERNAÇÃO: brochado e cosida COLUNAS/DIMENSÃO/CORONDEL: 2 / (rever) (prosa (dimensões em milímetros) variável (verso) TÉCNICAS DE IMPRESSÃO: Tipografia Fotogravura Xilogravura Gravura manual sobre zinco OUTROS ELEMENTOS GRÁFICOS: capitulares, filetes, vinhetas e cercaduras INFLUÊNCIAS ESTILÍSTICAS: Arte Nova e algum Humorismo OBSERVAÇÕES: Cor altera na capa, consoante o número da revista. Publicidade no verso da capa, interior e exterior. Cercaduras, filetes e algumas capitulares na cor vermelha; maior parte do texto a preto, mas em alguns casos também aparece a vermelho. REVISTAS LITERÁRIAS IDENTIDADE E ORIGEM TÍTULO: Conímbriga DATA: 1923 EXEMP. CONSULTADO: original LUGAR DE EDIÇÃO: Nº PUBLICADOS: TIPOGRAFIA/IMPRESSOR: Coimbra 1 Lumen, Coimbra EDITOR: António Gomes de Oliveira DIRECTOR: Valdemar da Silva Lopes (gerente) e Campos de Figueiredo (literário) DIRECÇÃO ARTÍSTICA: Dr. Germano Vieira COLABORAÇÃO LITERÁRIA: Augusto Gonçalves, T. de Pascoaes, Augusto Casimiro, Afonso Lopes Vieira, António Ferreira Monteiro, Correa Calderón, Valdemar Lopes, Campos de Figueiredo, Vitorino Nemésio, G. de Oliveira, Meneses Cardoso COLABORAÇÃO ARTÍSTICA: Dr. Germano Vieira, Vázques Díaz e José de Seabra. DESCRIÇÃO/CONTEXTO Revista mensal de Arte, Letras, Sciências e Crítica. Saiu um único número. REVISTAS LITERÁRIAS FORMA E MATERIAIS ELEMENTOS COMPOSITIVOS TIPO DE PUBLICAÇÃO: Revista TIPOS DE LETRA capa: Caligráfica ou Litográfica DIMENSÃO: 200x260 mm títulos: Sem Patilha, Romano e Fantasia Nº PÁGINAS: 24 texto: Romano TIPO DE CAPA: semi-rígida, 1 cor TIPOS DE IMAGENS: ilustrações e desenhos/gravuras reproduzidos TIPO DE SUPORTE: capa: papel kraft forte texto: papel vergé imagens: papel couché Nº DE IMAGENS: 1 a 5 (incuindo capa) FRONTISPÍCIO: sim CORES - ELEMENTOS TIPOGRÁFICOS: 1 cor (preto) CORES - IMAGENS: 1 cor (preto) + 1 cor (sépia) ENCADERNAÇÃO: brochado e cosida COLUNAS/DIMENSÃO/CORONDEL: 1 / 117 / 0 (dimensões em milímetros) TÉCNICAS DE IMPRESSÃO: Tipografia Xilogravura Fotogravura OUTROS ELEMENTOS GRÁFICOS: Capitulares, filetes e vinhetas. Cercaduras só nas páginas de anúncios (contracapa e verso) INFLUÊNCIAS ESTILÍSTICAS: Arte Nova nas vinhetas OBSERVAÇÕES: O uso da tipografia como elemento de destaque, como elemento compositivo e não só de informação, aparece nesta revista, mesclado com as vinhetas de caracter Arte Nova. Os titulares dos textos e poemas aparece com um tamanho e destaque pouco usual, se comparado às outras revistas da época, assim como as vinhetas aparecem numa escala bastante exagerada. Sumário no verso do frontispício e verso da capa e contracapa com anúncios. Poderá ter influência no grafismo da revista Contemporânea. Xilogravuras na capa e interior; Fotogravuras em Similigravura (meios tons) e Zincogravura (a traço). Margem superior 34, inferior 36mm, exterior 45 e interior 25 mm. Presença de uma partitura musical na pág 17. REVISTAS LITERÁRIAS IDENTIDADE E ORIGEM TÍTULO: Homens Livres DATA: 1923 EXEMP. CONSULTADO: original LUGAR DE EDIÇÃO: Nº PUBLICADOS: TIPOGRAFIA/IMPRESSOR: Lisboa 2 Tipografia do Comércio, rua Oliveira, ao Carmo, 8, Lisboa EDITOR: Reynaldo dos Santos DIRECTOR: António Sérgio DIRECÇÃO ARTÍSTICA: não referenciada COLABORAÇÃO LITERÁRIA: Afonso Lopes Vieira, Agostinho de Campos, António Sardinha, Aquilino Ribeiro, Augusto Casimiro, Augusto SantaRita, Raul Lino, Raul Proença, Jaime Cortesão, entre muitos outros COLABORAÇÃO ARTÍSTICA: DESCRIÇÃO/CONTEXTO Esta revista de carácter doutrinário, foi publicada em Lisboa. O redactor principal é António Sérgio, provindo os seus colaboradores principais do grupo integralista e dos seareiros (Seara Nova). Saíram apenas dois números desta revista de Livres da Finança e dos Partidos. REVISTAS LITERÁRIAS FORMA E MATERIAIS ELEMENTOS COMPOSITIVOS TIPO DE PUBLICAÇÃO: Jornal TIPOS DE LETRA capa: DIMENSÃO: 230x320 mm títulos: Romano Nº PÁGINAS: 16 texto: Romano TIPO DE CAPA: sem capa TIPOS DE IMAGENS: ilustrações TIPO DE SUPORTE: papel de jornal Nº DE IMAGENS: 1 FRONTISPÍCIO: não CORES - ELEMENTOS TIPOGRÁFICOS: 1 cor (preto) CORES - IMAGENS: 1 cor (preto) ENCADERNAÇÃO: brochado COLUNAS/DIMENSÃO/CORONDEL: 2 / 85 / 6 (dimensões em milímetros) TÉCNICAS DE IMPRESSÃO: Tipografia OUTROS ELEMENTOS GRÁFICOS: Capitulares e filetes INFLUÊNCIAS ESTILÍSTICAS: OBSERVAÇÕES: Revista assemelha-se mais a um jornal. Não há intenção de qualquer apuro gráfico na composição, que apresenta-se muito rígida e sempre com a mesma solução em todas as páginas. Grande destaque e escala para o cabeçalho de primeira página (com as letras do título da revista bastante grandes). A revista, com um carácter ideológico "liberal", não se apoia em nenhum movimento - quer artístico, literário ou filosófico - nem se "rotula" modernista, doutrinária ou academista, daí, talvez, a pouca ênfase dada a Arte e ainda o quase nulo trabalho de composição gráfica. Margens: sup.50 mm, inf. e ext. 35mm, int. 15mm REVISTAS LITERÁRIAS IDENTIDADE E ORIGEM TÍTULO: Revista Portuguesa DATA: 1923 EXEMP. CONSULTADO: original e facsímile LUGAR DE EDIÇÃO: Nº PUBLICADOS: TIPOGRAFIA/IMPRESSOR: Lisboa 24 Victor Falcão - Oficinas Tipográficas, Rua do Mundo, 116, Lisboa EDITOR: Victor Falcão DIRECTOR: Victor Falcão DIRECÇÃO ARTÍSTICA: não referenciada COLABORAÇÃO LITERÁRIA: Américo Durão, Mário Saa, Ivo Cruz, José Bragança, Carlos Óscar da Silva, José Dias Sancho, Correia da Costa e Rebelo de Bettencourt COLABORAÇÃO ARTÍSTICA: António Soares, Bernardo Marques, Mário de Saa, Christiano Cruz, Diogo de Macedo, Jorge Barradas DESCRIÇÃO/CONTEXTO Revista de Literatura, crítica d'arte, sport, teatro, música, vida estrangeira, que, apesar de receber um apoio inicial da Contemporânea de Pacheko e até fazer propaganda à mesma, segundo Cecília Barreira na introdução do facsímile, aparece como uma alternativa que "fizera um esforço de popularização: quer pelo preço acessível, até ao formato", frente à elistista Contemporânea. "A revista de Victor Falcão coloca uma questão primordial: como ser vanguarda (intelectual e artística) em Portugal nos anos que então decorriam?" "Num país dividido pelos partidos, pelas claques - vendilhões de templos inesgotáveis, vacilando na corrupção -, pelos mass-media: este o quadro que nos é apresentado. Modernistas mas, também, tradicionalistas. Conservadores, nunca." Apresenta-se claramente uma rivalidade editorial (a partir do nº 3), estética, política e intelectual, em 1923, entre a Revista Portuguesa - dita popular - e a Contemporânea - com seu carácter de "modernismo elitista". REVISTAS LITERÁRIAS FORMA E MATERIAIS ELEMENTOS COMPOSITIVOS TIPO DE PUBLICAÇÃO: Revista TIPOS DE LETRA capa: Romano DIMENSÃO: 128x185 mm títulos: Romano Nº PÁGINAS: 32 a 48 texto: Romano e Sem Patilha TIPO DE CAPA: mole, 1 cor (verde, laranja ou vermelho) TIPO DE SUPORTE: capa e contracapa: papel de jornal calandrado. textos e desenhos: papel de jornal. TIPOS DE IMAGENS: ilustrações e desenhos/gravuras reproduzidos Nº DE IMAGENS: 1 a 5 (incuindo capa) FRONTISPÍCIO: sim CORES - ELEMENTOS TIPOGRÁFICOS: 1 cor (preto) CORES - IMAGENS: 1 cor (preto) ENCADERNAÇÃO: brochado e grampado COLUNAS/DIMENSÃO/CORONDEL: 1 / 84 / 0 (dimensões em milímetros) TÉCNICAS DE IMPRESSÃO: Tipografia Fotogravura OUTROS ELEMENTOS GRÁFICOS: Filetes e algumas cercaduras. Vinheta só a da capa, que é sempre a mesma INFLUÊNCIAS ESTILÍSTICAS: OBSERVAÇÕES: Apresentando-se como uma "rival" da Contemporânea , uma alternativa popular e acessível a esta. A Revista Portuguesa esteticamente toma opções bastante diferentes das que encontramos na Contemporânea . Sendo claramente uma revista vendida a preços mais populares, tecnicamente é impressa num formato menor, em papel de jornal, a uma cor, com poucas reproduções de imagens, mas, segundo os estudiosos, com uma grande riqueza e variedade de conteúdos. Os desenhos reproduzidos aparecem sempre no verso do frontispício. Alinhamento central de titulares de artigos. Margem inferior e exterior 25mm, interior 15mm, superior 10 a 15mm. Nos inícios dos artigos, a margem superior é variável, de acordo com o espaço que o título ocupa. Em todos os números apresenta críticas vorazes ao "modernismo elitista" presente em Portugal neste ano, e o nº 3 contém uma matéria de Álvaro Maia bastante ríspida em relação ao nº 7 da Contemporânea e ao facto de Fernando Pessoa publicar versos em francês. Fotogravuras: Similigravuras (meios tons) e Zincogravuras (a traço). REVISTAS LITERÁRIAS IDENTIDADE E ORIGEM TÍTULO: Athena DATA: 1924-1925 EXEMP. CONSULTADO: original e facsímile LUGAR DE EDIÇÃO: Nº PUBLICADOS: TIPOGRAFIA/IMPRESSOR: Lisboa 5 Imprensa Libânio da Silva, Lisboa EDITOR: Paulo Vaz e Gil Vaz DIRECTOR: Fernando Pessoa DIRECÇÃO ARTÍSTICA: Ruy Vaz COLABORAÇÃO LITERÁRIA: Almada Negreiros, Luis de Montalvor, Raul Leal, Mário Saa, Augusto Ferreira Gomes, António Botto, Fernando Pessoa, Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos (crítica) COLABORAÇÃO ARTÍSTICA: Almada Negreiros, Mily Possoz, Lino António, Bordalo Pinheiro, Soares dos Reis, Bartolozzi (gravuras), Tiepolo e Miguel Lupi DESCRIÇÃO/CONTEXTO Segundo Teresa de Almeida, na introdução ao fac-símile da Athena, esta Revista de arte aparece como uma alternativa ao período de desistências e impasse do pós-Orpheu. O fracasso do projecto cultural da Contemporânea faz com que a Athena procure uma "reflexão teórica, practicamente inexistente em Portugal". "Era o momento para o modernismo de poder pensar enquanto proposta teórica, fazendo o balanço do passado ou propondo novas vias para o futuro". Segundo a autora, Fernando Pessoa, "assinando sob diferentes nomes, textos e posições teóricas divergentes, procurou fazer dela (Athena) o espaço de uma utopia", representando uma reacção à "vanguarda decadente". Coloca lado a lado, no critério artístico, colaboradores vanguardistas como Almada e Mily Possoz, e tradicionalistas como Bordalo Pinheiro e Soares dos Reis. É publicada num momento em que a Contemporânea atravessa um momento delicado devido à doença de José Pacheko. Seguia a linha da Orpheu e inseria-se no conjunto das revistas que confirmariam o vanguardismo português. Tratou-se sobretudo do veículo de apresentação da obra de Fernando Pessoa. (Daniel Pires) REVISTAS LITERÁRIAS FORMA E MATERIAIS ELEMENTOS COMPOSITIVOS TIPO DE PUBLICAÇÃO: Revista TIPOS DE LETRA capa: Caligráfica ou Litográfica, Romano e e Sem Patilha títulos: Romano DIMENSÃO: 200x265 mm Nº PÁGINAS: 20 a 40 texto: Romano TIPO DE CAPA: mole, 2 cores TIPOS DE IMAGENS: ilustrações, desenhos/gravuras reproduzidos e fotografias TIPO DE SUPORTE: capa: papel gofrado colorido texto/algumas gravuras e ilustrações: papel vergé forte branco. imagens: papel couché forte encadernado. Xilogravuras em papel corrente liso Nº DE IMAGENS: mais de 20 FRONTISPÍCIO: sim, com anterosto CORES - ELEMENTOS TIPOGRÁFICOS: 1 cor (preto) CORES - IMAGENS: 1 cor (preto) ENCADERNAÇÃO: brochado e cosido COLUNAS/DIMENSÃO/CORONDEL: 1 / 127 / 0 (prosa) (dimensões em milímetros) variável (poesia) 2 / 60 /5 (secção arte) TÉCNICAS DE IMPRESSÃO: Tipografia Fotogravura Xilogravura OUTROS ELEMENTOS GRÁFICOS: Capitulares, filetes e vinhetas INFLUÊNCIAS ESTILÍSTICAS: Arte Nova em algumas vinhetas e tipografia, Neoclassicismo na composição e outras vinhetas OBSERVAÇÕES: Composição gráfica da revista bastante rigorosa e clássica, com a divisão e localização dos artigos de Literatura (prosa, poesia e crítica) no início da revista, e os artigos de Arte na parte final, juntamente com as reproduções dos desenhos, gravuras e quadros, que aparecem todos juntos, nas páginas finais de cada número. Existe alguma variação no tamanho e tipo de letra utilizados dentro de um mesmo número da revista. As capas são constantes, a duas cores (preto+outra), sobre papel colorido. Presença de anúncios nas páginas finais da revista. No nº 2 , na parte final, aparece uma imagem a 2 cores impressa em papel couché e colada posteriormente na página ("Jordan challenges the world"). Apesar do "neoclassicismo" gráfico, a revista Athena pretendia, com seu ecletismo de conteúdo artístico e literário, ser um novo modelo cultural representativo e definidor do que seria (ou deveria ser) o modernismo português da época. O número 5 de 1925 apresenta a única fotogravura a coores de todas as edições, sobre papel couché protegido com uma folha de papel velino. Xilogravuras originais de Mily Possoz. Fotogravuras: Similigravuras (meios tons) e Zincogravuras (a traço) REVISTAS LITERÁRIAS IDENTIDADE E ORIGEM TÍTULO: Folhas de Arte DATA: 1924 EXEMP. CONSULTADO: original LUGAR DE EDIÇÃO: Nº PUBLICADOS: TIPOGRAFIA/IMPRESSOR: Lisboa 2 Oficinas da Imprensa Lucas & Cª, Lisboa EDITOR: Augusto de Santa-Rita DIRECTOR: Augusto de Santa-Rita DIRECÇÃO ARTÍSTICA: não referenciada COLABORAÇÃO LITERÁRIA: António Nobre, Afonso Lopes Vieira, Augusto Gil, Américo Durão, Fernando Pessoa, Gomes leal, entre outros. COLABORAÇÃO ARTÍSTICA: Raul Lino (capa) DESCRIÇÃO/CONTEXTO Segundo Daniel Pires, esta publicação foi constituída por facsímiles de poemas e composições musicais. * Os poemas não aparecem no nº consultado (nº2). Este parece incompleto, com falta de cadernos/folhas. REVISTAS LITERÁRIAS FORMA E MATERIAIS ELEMENTOS COMPOSITIVOS TIPO DE PUBLICAÇÃO: Revista TIPOS DE LETRA capa: Romano DIMENSÃO: 300 x 380 mm títulos: Romano Nº PÁGINAS: 32 a 48 texto: Romano TIPO DE CAPA: mole, 2 cores TIPOS DE IMAGENS: ilustrações e fotografias TIPO DE SUPORTE: capa: papel vergé forte beige Textos e partituras: vergé forte branco imagens: papel couché colado sobre cartolina colorida Nº DE IMAGENS: 5 a 10 FRONTISPÍCIO: sim, com anterosto CORES - ELEMENTOS TIPOGRÁFICOS: 3 cores (2 por página) CORES - IMAGENS: 1 cor (preto) ENCADERNAÇÃO: folhas dobradas COLUNAS/DIMENSÃO/CORONDEL: 1 / 120 / 0 (dimensões em milímetros) TÉCNICAS DE IMPRESSÃO: Tipografia Fotogravura OUTROS ELEMENTOS GRÁFICOS: Capitulares desenhadas, filetes e vinhetas. Cercadura na capa INFLUÊNCIAS ESTILÍSTICAS: Arte Nova e Neoclassicismo OBSERVAÇÕES: Practicamente a metade do nº 2 desta revista é dedicado à música (com versos de autores famosos), e à publicação de várias partituras. Apresenta o DÍSTICO e o SUMÁRIO a 2 cores (preto no texto e vermelho em alguns títulos, nomeadamente PUBLICAÇÃO MENSAL, DIRECTOR, SUMMARIO e capitulares) e com uma cercadura extremamente rebuscada, feita por Raul Lino. Todas as páginas de cartão colorido que levam as imagens coladas apresentam uma espécie de "selo" com o "logótipo" da revista e apresentam-se soltas no interior. Apuro e rigor gráfico na composição da revista, escolha das cores e do papel. Margens variadas, mantendo-se sempre uma proporção considerável de "branco" na margem superior e interior. Margem inferior constante 30mm. Esta publicação apresenta alguns elementos compositivos curiosos: tendo sido impressa em 1924, comparativamente com as demais revistas "modernas" da época (Contemporânea, Tríptico, Seara Nova, entre outras) tem um carácter quase Neoclássico e Revivalista, ao mesmo tempo que introduz elementos "estranhos", como a presença da ilustração de uma avião no desenho rebuscado da capitular "P" (de cor verde) do artigo "Portugal resurge...". Ao mesmo tempo, apresenta composições tipográficas muito similares às encontradas na revista Contemporânea, como é o caso da mancha de texto de forma triangular do artigo "Poesia Contemporânea I". Composição assimétrica de página de texto pouco usual nas revistas da época. O valor do espaço em branco e o uso de cor nas capitulares e títulos demonstra um trabalho tipográfico de qualidade. o número 2 regista o uso de um tipo Sem Patilha no verso da contracapa, anunciando a próxima revista. Fotogravuras: Similigravuras (meios tons), mas na maioria Zincogravuras (a traço) nas ornamentações e vinhetas de Raul Lino. REVISTAS LITERÁRIAS IDENTIDADE E ORIGEM TÍTULO: Labareda (1ª série) DATA: 1924 EXEMP. CONSULTADO: original LUGAR DE EDIÇÃO: Nº PUBLICADOS: TIPOGRAFIA/IMPRESSOR: Porto 12 Tipografia Gonçalves, rua do Almada, Porto EDITOR: Joaquim Marques de Carvalho DIRECTOR: Heitor de Campos Monteiro, Artur Marques de Carvalho e Vasco Rodrigues DIRECÇÃO ARTÍSTICA: não referenciada COLABORAÇÃO LITERÁRIA: Teixeira de Pascoais, Castro Guimarães, Parente de Figueiredo, Luis Veiga, Alfredo Brochado, Narciso d'Azevedo, entre outros. COLABORAÇÃO ARTÍSTICA: DESCRIÇÃO/CONTEXTO Existem 2 séries desta revista, publicada entre 1924 e 1926, 12 números na primeira série e 10 números na 2ª. Revista marcada pelo Decadentismo e o Simbolismo. REVISTAS LITERÁRIAS FORMA E MATERIAIS ELEMENTOS COMPOSITIVOS TIPO DE PUBLICAÇÃO: Revista TIPOS DE LETRA capa: Sem Patilha DIMENSÃO: capa: 180x270 mm interior: 160x235 mm títulos: Fantasia, Sem Patilha e Roamano Nº PÁGINAS: 32 a 48 texto: Romano TIPO DE CAPA: semi-rígida, 1 cor (castanho, verde, laranja) TIPO DE SUPORTE: capa: cartolina branca interior: papel corrente calandrado TIPOS DE IMAGENS: desenhos/gravuras reproduzidos Nº DE IMAGENS: 1 a 5 FRONTISPÍCIO: não CORES - ELEMENTOS TIPOGRÁFICOS: 1 cor (preto) CORES - IMAGENS: 1 cor (primária) ENCADERNAÇÃO: brochado e cosido COLUNAS/DIMENSÃO/CORONDEL: 1 / 117 / 0 (prosa) (dimensões em milímetros) variável (poesia) TÉCNICAS DE IMPRESSÃO: Tipografia Fotogravura OUTROS ELEMENTOS GRÁFICOS: INFLUÊNCIAS ESTILÍSTICAS: Futurismo na capa Arte Nova nos titulares OBSERVAÇÕES: Revista de formato bastante curioso, com uma capa tipográfica interessantíssima, com abas e com um tamanho bastante maior que o caderno interior, mas que tampouco condiz esteticamente com esse interior da revista, que usa uma tipografia de influência Arte Nova (títulos). Ausência de quaisquer elementos tipográficos de ornamentação nas páginas de texto (somente alguns filetes e cercaduras no sumário e nos anúncios). O sumário e ficha técnica apresentam-se na contracapa e os anúncios/propaganda estão no verso da capa (interior e exterior). Os números da primeira série são completamente diferentes, tanto no carácter estético como teórico, dos da segunda série da revista, ainda que os directores se mantenham os mesmos. Pouca utilização de imagens, fotogravuras em similigravura (meios tons) e zincogravura (a traço). REVISTAS LITERÁRIAS IDENTIDADE E ORIGEM TÍTULO: Labareda (2ª série) DATA: 1925-1926 EXEMP. CONSULTADO: original LUGAR DE EDIÇÃO: Nº PUBLICADOS: TIPOGRAFIA/IMPRESSOR: Porto 10 Tipografia Gonçalves, rua do Almada, Porto EDITOR: Joaquim Marques de Carvalho DIRECTOR: Heitor de Campos Monteiro, Artur Marques de Carvalho e Vasco Rodrigues DIRECÇÃO ARTÍSTICA: não referenciado COLABORAÇÃO LITERÁRIA: Afonso Lopes Vieira, Carlos Malheiro Dias, Pinheiro Torres, Domingos de Gusmão, Mário Beirão, Américo Durão, Luís Veiga, Parente de Figueiredo, João Ameal, Maria Cândido Azevedo Pinto, entre outros. COLABORAÇÃO ARTÍSTICA: António Carneiro, Joaquim Lopes e Carlos Carneiro DESCRIÇÃO/CONTEXTO Esta segunda série subintitulava-se Revista de crítica e letras, tendo constituído uma mudança de rumo na orientação da revista, assumindo-se como porta-voz do movimento nacionalista. REVISTAS LITERÁRIAS FORMA E MATERIAIS ELEMENTOS COMPOSITIVOS TIPO DE PUBLICAÇÃO: Revista TIPOS DE LETRA capa: Caligráfica e Litográfica, Sem Patilha e Romano títulos: Fantasia, Romano e Sem Patilha DIMENSÃO: 175x255 mm, capa 165x240 mm, interior Nº PÁGINAS: 32 a 48 texto: Romano TIPO DE CAPA: mole, 1 cor (vermelho, verde) TIPOS DE IMAGENS: desenhos/gravuras reproduzidos TIPO DE SUPORTE: Capa: papel craft fino interior: papel corrente Nº DE IMAGENS: 1 a 5 FRONTISPÍCIO: sim CORES - ELEMENTOS TIPOGRÁFICOS: 1 cor (preto) CORES - IMAGENS: 1 cor (preto) ENCADERNAÇÃO: brochado e cosido COLUNAS/DIMENSÃO/CORONDEL: 1 / 115 / 0; 2 / 54 / 4 com filete (dimensões em milímetros) (prosa) variável (poesia) TÉCNICAS DE IMPRESSÃO: Tipografia Fotogravura OUTROS ELEMENTOS GRÁFICOS: Filetes e cercaduras (poucos) INFLUÊNCIAS ESTILÍSTICAS: Arte Nova na tipografia utilizada e na capa OBSERVAÇÕES: Revista muda de linguagem estética e teórica nesta segunda série. Mudam os colaboradores literários e artísticos, ligados mais à Academia e ao movimento nacionalista. Capa completamete diferente da 1ª série, com influência de Arte Nova, letras desenhadas à mão juntamente com o uso de composição tipográfica. Capa e verso da capa na mesma cor e contracapa e interior do verso em outra cor diferente. A estrutura gráfica do sumário e sua localização na contracapa mantém-se nesta série, assim como a selecção dos tipos de letra utilizados no interior da revista, que mantém-se constantes nas duas séries. Há uma ligeira intenção de mudança formal e estética da revista, devido ao câmbio no seu conteúdo, mas esta sente-se mais presente nas capas desta segunda série, do que propriamente no interior. Anúncios no verso da capa. Maior presença de imagens (desenhos reproduzidos) Fotogravuras: Similigravuras (meios tons) e Zincogravuras (a traço). REVISTAS LITERÁRIAS IDENTIDADE E ORIGEM TÍTULO: Lusitania DATA: 1924-1927 EXEMP. CONSULTADO: original LUGAR DE EDIÇÃO: Nº PUBLICADOS: TIPOGRAFIA/IMPRESSOR: Lisboa 10 Oficinas Gráficas da Biblioteca Nacional de Lisboa EDITOR: Câmara Reis DIRECTOR: Carolina Michaëlis de Vasconcelos DIRECÇÃO ARTÍSTICA: não referenciado COLABORAÇÃO LITERÁRIA: Afonso Lopes Vieira, António Sardinha, António Sérgio, Malheiro Dias, Jaime Cortesão, entre outros COLABORAÇÃO ARTÍSTICA: José de Figueiredo e Reynaldo dos Santos DESCRIÇÃO/CONTEXTO Esta Revista de Estudos Portugueses foi publicada em Lisboa a partir da iniciativa e do convívio do chamado grupo da Biblioteca Nacional. Reunia a mais rigorosa e erudita colaboração que havia na época. REVISTAS LITERÁRIAS FORMA E MATERIAIS ELEMENTOS COMPOSITIVOS TIPO DE PUBLICAÇÃO: Revista TIPOS DE LETRA capa: Romano DIMENSÃO: 170x230 mm (volume encadernado/recortado) títulos: Romano Nº PÁGINAS: mais de 64 texto: Romano TIPO DE CAPA: mole, 2 cores TIPOS DE IMAGENS: desenhos/gravuras reproduzidos e fotografias TIPO DE SUPORTE: capa: cartolina colorida textos: papel corrente imagens: papel couché Nº DE IMAGENS: 1 a 5 (incuindo capa) FRONTISPÍCIO: sim, com anterosto CORES - ELEMENTOS TIPOGRÁFICOS: 1 cor (preto) CORES - IMAGENS: 1 cor (preto) ENCADERNAÇÃO: provavelmente brochado e grampado (volume encadernado posteriormente) COLUNAS/DIMENSÃO/CORONDEL: 1 / 120 / 0 (dimensões em milímetros) 2 / 54 / 6 (secção "marginalia") TÉCNICAS DE IMPRESSÃO: Tipografia Fotogravura OUTROS ELEMENTOS GRÁFICOS: Capitulares e (poucas) vinhetas INFLUÊNCIAS ESTILÍSTICAS: Neoclássica OBSERVAÇÕES: Revista maioritariamente de ênfase aos assuntos literários, que dedica poucas páginas às questôes das Artes Plásticas. Composição gráfica bastante sóbria e clássica, utilizando uma só família tipográfica em todas as suas variantes no interior, mudando apenas o tipo de letra da capa e dos títulos que surgem nos cabeçalhos das páginas. Aparecem apenas desenhos e quadros reproduzidos, bem como poucas fotografias, sendo as ilustrações meramente acessórios dos textos, não havendo por isso qualquer importante colaboração artística nesta revista. Fotogravuras: Similigravuras (meios tons) e Zincogravuras (a traço), em pouca quantidade. Margens sup.31, inf.30, int.15, ext.35 mm. REVISTAS LITERÁRIAS IDENTIDADE E ORIGEM TÍTULO: Tríptico DATA: 1924-1925 EXEMP. CONSULTADO: original LUGAR DE EDIÇÃO: Nº PUBLICADOS: TIPOGRAFIA/IMPRESSOR: Coimbra 9 nº 1, Tipografia Peninsular, F. da Foz nº 2 a nº 9, Tipografia da Gráfica Conimbricense, lda.Coimbra EDITOR: (ver Director) DIRECTOR: Afonso Duarte, Alberto Utra Machado, António de Souza, Augusto Telo, Branquinho da Fonseca, Augusto de Figueiredo, Guilherme Filipe, João Gaspar Simões, Luis Guedes de Oliveira, Mário de Castro e Vitorino Nemésio DIRECÇÃO ARTÍSTICA: não referenciada COLABORAÇÃO LITERÁRIA: Afonso Duarte, Alberto Utra Machado, António de Souza, Augusto Telo, Branquinho da Fonseca, Augusto de Figueiredo, Guilherme Filipe, João Gaspar Simões, Luis Guedes de Oliveira, Mário de Castro e V.Nemésio COLABORAÇÃO ARTÍSTICA: Telles Machado, Diogo de Macedo, João Carlos e Álvaro Cebreiro DESCRIÇÃO/CONTEXTO O nome deste periódico, intitulado Tríptico, arte, poesia, crítica , advém do facto de se tratar de uma folha única dobrada em três partes. Da aproximação deste grupo com a Bysancio, nasceria a Presença . Aludindo a uma frase de F.T. Marinetti, afirmavam no número 3: "Nós não somos futuristas, mas também não pertecemos à categoria dos intolerantes. Todas as ideias dos homens nos interessam". REVISTAS LITERÁRIAS FORMA E MATERIAIS ELEMENTOS COMPOSITIVOS TIPO DE PUBLICAÇÃO: Revista TIPOS DE LETRA capa: Caligráfica ou Litográfica e Romano DIMENSÃO: nº1 a 3, 255x365 mm nº4 a 9, 250x330 mm títulos: Romano e Sem Patilha Nº PÁGINAS: 6 (nº 1 ao 3) e 8 (nº 4 ao 9) texto: Romano TIPO DE CAPA: mole, 1 cor TIPOS DE IMAGENS: ilustrações e desenhos/gravuras reproduzidos TIPO DE SUPORTE: capa e interior: papel corrente, forte Nº DE IMAGENS: 1 a 5 (incuindo capa) FRONTISPÍCIO: não CORES - ELEMENTOS TIPOGRÁFICOS: 1 cor (preto) CORES - IMAGENS: 1 cor (preto) ENCADERNAÇÃO: 1 folha dobrada em 3, grampado COLUNAS/DIMENSÃO/CORONDEL: 2 / 9 / 5 a 10 (dimensões em milímetros) 3 / 6 / 6 a 10 TÉCNICAS DE IMPRESSÃO: Tipografia Xilogravura Fotogravura Calcografia OUTROS ELEMENTOS GRÁFICOS: Filetes e capitulares INFLUÊNCIAS ESTILÍSTICAS: OBSERVAÇÕES: Os três primeiros números apresentam um formato maior que os demais, e uso de tipografia mais aleatória no interior. Ausência de imagens nesses 3 primeiros números (somente a da capa). A partir do nº 4, uso practicamente de um ou dois tipos de letra no interior. Maior presença de imagens no interior, o nº 9 apresenta um desenho reproduzido de Eva Aggerholm impresso em couché e colado posteriormente. Assemelha-se a um jornal. Todos os números analisados apresentam uma mesma falha na numeração de páginas: a página 3 está trocada com a 5. Revista com uma forte afirmação gráfica. Ainda que exista variação no trabalho tipográfico, nota-se uma intencionalidade em marcar as diferentes partes da revista (com os títulos). A própria forma construtiva da revista é prova disso (ideia de projecto): a intenção do logótipo da revista (tipo desenhado, que muda no número 5) e a força expressiva do número do exemplar presente em cada capa. Quando muda de tamanho (do nº 4 ao nº 9), a Tríptico passa a ter 8 páginas, sendo que as duas que se acrescentam, uma fica a branco e a outra recebe uma imagem. Fotogravuras: na maioria Zincogravuras (a traço), algumas Similigravuras (meios tons) Xilogravuras em quantidade considerável, algumas Gravuras calcográficas. REVISTAS LITERÁRIAS IDENTIDADE E ORIGEM TÍTULO: Dionysos (3ª série) DATA: 1925-1927 EXEMP. CONSULTADO: original LUGAR DE EDIÇÃO: Nº PUBLICADOS: TIPOGRAFIA/IMPRESSOR: Porto 6 Companhia Portuguesa Editora, lda EDITOR: Companhia Portuguesa Editora DIRECTOR: Aarão de Lacerda DIRECÇÃO ARTÍSTICA: não referenciada COLABORAÇÃO LITERÁRIA: António Sardinha, A. Lopes Vieira, Bernardo de Passos, Silva Gaio, Mário Beirão, Afonso Duarte, João de Barros, entre outros COLABORAÇÃO ARTÍSTICA: José Cyrne (capa) e Teixeira de Carvalho (ilustração) DESCRIÇÃO/CONTEXTO Revista bimestral de filosofia, ciência e arte deve sua fundação a Aarão de Lacerda e J. de Lebre e Lima. Na continuidade desta revista aparecerão, já nos anos 30, Museu e Prisma. REVISTAS LITERÁRIAS FORMA E MATERIAIS ELEMENTOS COMPOSITIVOS TIPO DE PUBLICAÇÃO: Revista TIPOS DE LETRA capa: Caligráfica ou Litográfica DIMENSÃO: 185x251 mm títulos: Romano, Fantasia e Sem Patilha Nº PÁGINAS: 64 texto: Romano e Sem Patilha TIPO DE CAPA: mole, 2 cores TIPOS DE IMAGENS: ilustrações, desenhos/gravuras reproduzidos e fotografias TIPO DE SUPORTE: capa: papel corrente colorido texto e ilustrações: papel vergé imagens: fotografias sobre papel couché Nº DE IMAGENS: 1 a 5 FRONTISPÍCIO: sim CORES - ELEMENTOS TIPOGRÁFICOS: 1 cor (preto) CORES - IMAGENS: 1 cor (preto) ENCADERNAÇÃO: brochado e cosido COLUNAS/DIMENSÃO/CORONDEL: 1 / 126 / 0 (dimensões em milímetros) TÉCNICAS DE IMPRESSÃO: Tipografia Fotogravura OUTROS ELEMENTOS GRÁFICOS: capitulares, filetes, vinhetas e cercaduras INFLUÊNCIAS ESTILÍSTICAS: Clássica OBSERVAÇÕES: A terceira série apresenta-se graficamente diferente das anteriores, com uma composição mais sóbria, utilizando uma cercadura rectilínea nas páginas de texto. No entanto o grafismo interior mantém-se pouco apurado, com repetição de vinhetas de outras séries. Não existe uma coerência na escolha do tipo de vinhetas (Clássicas, Arte Nova, Victorianas), aparecendo, estas, bastante misturadas. Fraca presença de ilustrações e ausência total de qualquer referência à colaboração artística. Fotogravuras: Similigravuras (meios tons) e Zincogravuras (a traço) na capa e ilustrações. REVISTAS LITERÁRIAS IDENTIDADE E ORIGEM TÍTULO: Portugália DATA: 1925-1926 EXEMP. CONSULTADO: original LUGAR DE EDIÇÃO: Nº PUBLICADOS: TIPOGRAFIA/IMPRESSOR: Lisboa 6 Tipografia da "Portugália", rua do Diário de Notícias, Lisboa EDITOR: Conselho Director Central das Juventudes Monarchicas Conservadoras Fidelino de Figueiredo DIRECTOR: DIRECÇÃO ARTÍSTICA: não referenciado COLABORAÇÃO LITERÁRIA: Oliveira Lima, Luiz de Magalhães, Armando Guerra, Carlos Pereira, Ayres de Ornellas, Luis Chaves, Correia Marques, João Ameal, entre outros. COLABORAÇÃO ARTÍSTICA: DESCRIÇÃO/CONTEXTO Esta Revista de cultura, tradição e renovação nacional "pretende ser o órgão de quantos não estão conformes com a presente situação do país" e propõem o "regresso a uma mentalidade reconstrutiva, tradicionalista". REVISTAS LITERÁRIAS FORMA E MATERIAIS ELEMENTOS COMPOSITIVOS TIPO DE PUBLICAÇÃO: Revista TIPOS DE LETRA capa: Nacional DIMENSÃO: 173x250 mm títulos: Romano Nº PÁGINAS: mais de 64 texto: Romano TIPO DE CAPA: mole, 2 cores TIPOS DE IMAGENS: sem imagens TIPO DE SUPORTE: capa: papel pardo interior: papel corrente Nº DE IMAGENS: FRONTISPÍCIO: não CORES - ELEMENTOS TIPOGRÁFICOS: 1 cor (preto) CORES - IMAGENS: ENCADERNAÇÃO: brochado, cosido e colado COLUNAS/DIMENSÃO/CORONDEL: 1 / 115 / 0 (dimensões em milímetros) TÉCNICAS DE IMPRESSÃO: Tipografia OUTROS ELEMENTOS GRÁFICOS: Alguns poucos filetes INFLUÊNCIAS ESTILÍSTICAS: OBSERVAÇÕES: Revista de carácter Ultranacionalista, utilização de ícones tradicionalistas como imagens de caravelas e letras góticas manuscritas (na capa). Há uma preocupação com a extrema sobriedade gráfica da revista. Páginas de início de matérias/capítulos com margem superior maior. Todos os temas que aparecem na revista (literatura, arte ou múscia) estão completamente voltados para a exaltação a uma memória do séc XIX, quase que numa negação ou esquecimento do que havia ocorrido nessas 2 primeiras décadas do séc XX. V. ANEXOS B. Fichas “director de arte” 653 654 DIRECTOR ARTÍSTICO IDENTIFICAÇÃO: NOME: António Carneiro RESUMO BIOGRÁFICO: Foi um dos mais célebres pintores nacionais cuja obra representa a importante transição do Romantismo para o início da Arte Moderna em Portugal. Frequentou o curso de Desenho dirigido por Soares dos Reis na Academia de Belas Artes do Porto, sendo ainda discípulo de João Correia e Marques de Oliveira. Posteriormente leccionaria nessa mesma Academia no curso de Figura Humana. A sua actividade artística seria destacada no âmbito do retrato, da ilustração e da pintura, estando sempre muito ligado aos temas da literatura de cariz simbolista. Da sua convivência com importantes figuras da intelectualidade da época (António Patrício, Carolina Michäelis, Vila-Moura, Teixeira de Pascoaes) nasceria uma importante actividade como ilustrador de livros, retratos de autores e capista. Será nesse contexto, da literatura, que surge a sua importante participação no movimento portuense da Renascença Portuguesa , tornando-se director artístico da revista A Águia, a principal representante do início das primeiras vanguardas portuguesas. Foi ainda colaborador artístico, ilustrador e capista em grande número de publicações periódicas da época da Primeira República (ver quadro ao lado). Apesar da sua obra ter sido pouco reconhecida durante a sua vida, logo após a sua morte organizou-se uma importante exposição sobre seu percurso artístico intitulada “Homenagem ao Mestre Pintor António Carneiro” (1931). Teria ainda algum destaque como poeta com a sua obra póstuma Solilóquios (1936), editada pelo seu filho Carlos Carneiro. ACTIVIDADE: Pintor, artista plástico, ilustrador e poeta NASCIMENTO: MORTE: Amarante, 1872 Porto, 1930 PUBLICAÇÕES ÀS QUAIS CONTRIBUIU: A Águia (1910-1932) Límia (1910-1912) Diónysos (1912-1927) Alma Nova (1914-1929) A Labareda (1914) Contemporânea (número spécimen 1915; 1922-1926) Gente Lusa (1916) A Nossa Revista (1921-1922) Labareda (1924-1926) TIPO DE CONTRIBUIÇÃO: A Águia – direcção artística (da 2ª à 5ª série), colaboração artística e ilustração Límia – Capa e ilustração Diónysos – Ilustração e colaboração artística Alma Nova – lustração e colaboração artística A Labareda – lustração e colaboração artística Contemporânea (1915; 1922-1926) – lustração e colaboração artística Gente Lusa – lustração e colaboração artística A Nossa Revista – Ilustração e desenho Labareda – lustração e colaboração artística BIBLIOGRAFIA CONSULTADA: Lisboa, Eugénio . Dicionário Cronológico de Autores Portugueses. Lisboa: IPLB, 1988 Pamplona, Fernando; Silva, Ricardo. Dicionário de pintores e escultores portugueses ou que trabalharam em Portugal. Porto: Civilização, 1987-1988. Serra, João, et. al. Modern Art in Portugal 1910-1940. The Artist Contemporaries of Fernando Pessoa (catálogo). Zurich: Stemmle, 1998. IMAGENS DE REFERÊNCIA: DIRECTOR ARTÍSTICO IDENTIFICAÇÃO: NOME: Fernando Correia Dias RESUMO BIOGRÁFICO: Fernando Correia Dias é um artista que surge pouco referenciado nas suas participações nos "Salões de BelasArtes de Lisboa ou do Porto". No entanto, teve uma produção gráfica bastante extensa e reconhecida no âmbito das publicações periódicas portuguesas até 1914, data em que emigrou para o Brasil. Em 1912 já dirigia a revista A Rajada de Coimbra (onde estudava) e colaborou com o desenho simbólico da capa e inúmeras ilustrações, "charges" humorísticas e caricaturas na revista portuense A Águia. Expôs pela primeira vez o seu trabalho de ilustração e caricaturismo nas salas da Ilustração Portuguesa, em 1914. Nesse mesmo ano partia para o Brasil onde faria uma carreira sólida como ilustrador, caricaturista e sobretudo como decorador de espaços. Em 1922 casa-se com a famosa escritora modernista brasileira Cecília Meirelles (personagem importante da Semana de 22 ) e desenvolve, em grande sintonia com seus textos simbolistas, uma rica produção gráfica de capas, ilustrações de livros e cartazes. É junto com a escritora brasileira que inicia, em 1934, o projecto que constituiria a primeira biblioteca infantil do Brasil no Pavilhão Mourisco (Botafogo, Rio de Janeiro), e que seria notavelmente decorado por ele. O seu projecto seria divulgado numa grande quantidade de publicações, textos e folhetos ilustrados. Segundo José-Augusto França em A arte e Portugal no século XX, Correia Dias possuia “uma caligrafia miúda e sensível, de pequenos toques, prestava-se ao desenho da natureza e à «charge» com idêntica elegância”. Ceramista, vitralista, ilustrador, capista, cartazista, desenhador de móveis, tapetes e encadernações, Correia Dias foi um artista múltiplo e inovador que carregava no seu trabalho muitas das tendências e aspirações modernas e de vanguarda, apesar de ter desaparecido muito cedo da cena artística e cultural nacional. Rui Gonçalves afirma que a sua partida para o Brasil significou uma perda grave na estratégia da implementação da vanguarda em Portugal, uma vez que o público tendia a aceitar mais facilmente a modernidade nos objectos decorativos e utilitários do que na arte pura. ACTIVIDADE: Ilustrador, capista, cartazista, entre outros (ver texto) NASCIMENTO: MORTE: Penajóia Lamego, 1892 Rio de Janeiro (Brasil), 1935 PUBLICAÇÕES ÀS QUAIS CONTRIBUIU: A Águia (1910-1932) Límia (1910-1912) Gente Nova (1912-1913) A Rajada (1912) TIPO DE CONTRIBUIÇÃO: A Águia – Capista, ilustrador e caricaturista Límia – Ilustrador e caricaturista Gente Nova – Ilustrador e caricaturista A Rajada – Direcção artística BIBLIOGRAFIA CONSULTADA: França, José-Augusto. O Modernismo na Arte Portuguesa. Venda Nova: Biblioteca Breve-Instituto da Cultura Portuguesa, 1979. França, José-Augusto. A Arte em Portugal no Século XX . Lisboa: Bertrand Editora, 1991. Gonçalves, Rui. História da Arte em Portugal: Pioneiros da Modernidade. (Vol. 12). Lisboa: Publicações Alfa, 1993. http://modernosdescobrimentos.inf.br/desc/meireles/ meirelesnotempo1932.htm http://www.vidaslusofonas.pt/ceciliameirelles IMAGENS DE REFERÊNCIA: DIRECTOR ARTÍSTICO IDENTIFICAÇÃO: NOME: José Pacheco RESUMO BIOGRÁFICO: Segundo Gustavo Nobre em Pacheko, Almada e a Contemporânea , Pacheko (como assinava) pode ser considerado uma das mais ricas, e polivalentes, personalidades da vanguarda portuguêsa. Artista plástico, começou por estudar aquitectura na Academia de Belas-Artes de Lisboa, mas cedo partiu para Paris (cerca de 1910), onde inciou seus primeiros contactos e relações com importantes artistas que viriam formar a vanguarda portuguesa: Homem Cristo Filho, Santa-Rita Pintor, Carlos Franco, Amadeu de Souza Cardoso (com quem viveu, em Montparnasse), entre outros. Com o início da Primeira Guerra Mundial (1914), Pacheko, tal como vários outros artistas que se encontravam em Paris à data, regressa a Lisboa "cheio de ideias vanguardistas" que haveriam de revolucionar o panorama artístico nacional. Dedicou parte sua vida, entre 1910 e 1926, às principais acções e iniciativas da vida artística e intelectual portuguesa de vanguarda. Fez parte da “geração de Orpheu”, desenhando a capa do primeiro número da Orpheu, fundou a Galeria das Artes em 1916 (uma espécie de exposição permanente com renovação dos trabalhos expostos), foi um dos autores do manifesto sobre os Bailados Russos ( Portugal Futurista) assim como do seu correspondente portuguêsa, os Bailados Portuguese do São Carlos em 1918 (cenários de Pacheko, coreografia e figurinos de Almada Negreiros e música de Rui Coelho). No ano seguinte (1919) tentou fundar uma Sociedade Portuguesa de Arte Moderna (música, exposições, edições, conferências), com outros artistas, mas sem consequências. Em 1922 organizou um movimento para a modernização da Sociedade Nacional de Belas Artes, que logo fracassou e no mesmo ano relança a que seria a sua maior e mais apaixonante luta pela revolução das artes gráficas no país: a Contemporânea , através da qual Pacheko pôde promover e expor os seus ideais em conferências, exposições, concertos e prémios. Apesar de ser por vezes considerado um boémio, fantasista, insatisfeito, "simbolista" ou futurista, nunca se encaixou totalmente em qualquer corrente artística. Na sua actividade foi ainda director artístico de outras publicações, escreveu artigos doutrinários em revistas ícones da vanguarda nacional (Atlântida e Portugal Futurista) e fez projectos de decoração, sendo os mais famosos a decoração pictural do café "A Brasileira" – onde apoiou os artistas da modernidade portuguesa – e do Teatro Novo (Lisboa, 1925). Extremamente activo durante toda sua vida, revelou ser possuidor de originalidade e bom gosto. Após sua longa luta pela modernização da Arte em Portugal, morreu de tuberculose em 28 de Setembro de 1934. ACTIVIDADE: Artista plástico e arquitecto NASCIMENTO: MORTE: Lisboa, 1885 Lisboa, 1934 PUBLICAÇÕES ÀS QUAIS CONTRIBUIU: Orpheu (1915) Contemporânea (número spécimen, 1915) Atlântida (1915-1920) A Ideia Nacional (1915-1916) Portugal Futurista (1917) Contemporânea (1922-1926) TIPO DE CONTRIBUIÇÃO: Orpheu – Desenho da capa Contemporânea (número spécimen) – Direcção artística Atlântida – Artigo crítico A Ideia Nacional – Direcção artística Portugal Futurista – Artigo crítico e ilustrador Contemporânea – Direcção artística e promotor de eventos culturais. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA: Lisboa, Eugénio . Dicionário Cronológico de Autores Portugueses. Lisboa: IPLB, 1988. Pires, Daniel; Oliveira, António (ed.). Pacheko, Almada e a Contemporânea . Lisboa: Centro Nacional de Cultura; Bertrand, 1993. IMAGENS DE REFERÊNCIA: DIRECTOR ARTÍSTICO IDENTIFICAÇÃO: NOME: Joaquim Lopes RESUMO BIOGRÁFICO: Este pintor, discípulo de José de Brito e Marques de Oliveira, formou-se na Academia Portuense de Belas Artes onde foi considerado um exímio aluno. A partir de 1919, frequentou a Academia La Grande Chaumière, em Paris. A estadia na capital francesa aproximou-o da estética impressionista, tendo as suas obras imediatas revelado uma influência ao nível da técnica e do tratamento da cor e da luz, em detrimento do Naturalismo da produção inicial. Realizou ainda uma série de cursos e exposições dentro em fora do país, “sempre com bastante responsabilidade e destaque”. Foi director da Escola de Belas-Artes do Porto entre 1948 a 1952, onde também leccionou pintura (1930-56). Ganhou durante a sua vida alguns importantes prémios em exposições: Sociedade Nacional de Belas-Artes (1ª medalha, 1934; medalha de honra, 1937) e é distinguido com o 1º Prémio Silva Porto do SNI. A nível internacional, destaca-se a participação na Exposição Internacional do Rio de Janeiro (medalha de prata, 1922), na Exposição Ibero-Americana de Sevilha (medalha de ouro, 1929-30) e na Exposição Internacional de Barcelona (1929-30). Em nenhum dos textos consultados acerca do autor, existe qualquer referência à actividade de Joaquim Lopes como director artístico das revistas A Labareda, Gente Lusa ou da Alma Latina, esta última não situada dentro do âmbito do nosso estudo. Revistas que apresentam um carácter bastante diferente entre si: a Gente Lusa era assumidamente tradicionalista, desde o conteúdo editorial às ilustrações passando pela composição gráfica (ver detalhes da revista); a A Labareda e a Alma Latina, não tendo um considerável conteúdo literário e aparecendo somente com 2 números publicados cada, surge, ao nosso ver, com um carácter experimentalista por parte do director artístico. ACTIVIDADE: Pintor NASCIMENTO: MORTE: Vila Nova de Gaia, 1886 Foz do Douro, 1956 PUBLICAÇÕES ÀS QUAIS CONTRIBUIU: A Labareda (1914) Gente Lusa (1916) Alma Nova (1916) Labareda (1924) Ilustração Moderna (1926) TIPO DE CONTRIBUIÇÃO: A Labareda – Direcção artística Gente Lusa (1ª e 2ª séries) – Direcção artística, ilustrador e colaboração artística. Capa da primeira série. Alma Nova (2ª série) - colaboração artística Labareda - colaboração artística lustração Moderna - colaboração artística BIBLIOGRAFIA CONSULTADA: Pamplona, Fernando; Silva, Ricardo. Dicionário de pintores e escultores portugueses ou que trabalharam em Portugal. Porto: Civilização, 1987-1988. Exposição Retrospectiva de Mestre Joaquim Lopes. (Folheto). Porto: Escola Superior de Belas-Artes do Porto, 1967. Malhoa e Bordalo: Confluências duma Geração. Caldas da Rainha: IPM/Museu de José Malhoa, 2005: pp. 190-191. Museu Nacional de Soares dos Reis. Pintura Portuguesa. 1850-1950. Porto: IPM/ Museu Nacional de Soares dos Reis, 1996: pp.232 -234. Os Anos 40 na Arte Portuguesa (Vol. 2). Lisboa: Fundação Calouste IMAGENS DE REFERÊNCIA: DIRECTOR ARTÍSTICO IDENTIFICAÇÃO: NOME: Humberto José Pereira Pelágio RESUMO BIOGRÁFICO: Segundo António Ventura em O imaginário Seareiro, Humberto Pelágio é um artista plástico raramente citado nas enciclopédias de Arte Portuguesa. No entanto, quando referenciado é alvo de críticas ásperas, como a de JoséAugusto França, em A Arte em Portugal no século XX: "na Seara Nova , pelo fugaz director artístico, advogado e desenhador de modernismo precioso e talento reduzido (...)". A importância deste artista deve-se, sobretudo, à sua participação como um dos primeiros críticos e divulgadores dos movimentos plásticos modernos no meio das publicações periódicas, nomeadamente com artigos na revista Seara Nova – movimentos que eram normalmente ignorados pela maioria das revistas e jornais da época. Como advogado desenvolveu os seus estudos em Lisboa. Foi director artístico de uma outra publicação chamada Ressurreição, entre 1918 e 1920, e colaborou no jornal A Vida Académica, em Lisboa (publicações que não se enquadram no âmbito do nosso estudo). Pelágio foi alvo de inúmeras críticas devido ao "pouco brilhantismo" do seu trabalho como artista plástico e, principalmente, ilustrador, mas conseguiu algum mérito com os seus artigos e críticas sobre os movimentos artísticos em Portugal. Teve uma vida multidisciplinar activa e no campo da cultura desenvolveu progressos interessantes no intercâmbio das relações internacionais de Portugal com a Catalunha, nomeadamente com a colaboração em publicações periódicas catalãs como O Dia Gráfico, Voz da Catalunha e Revista, tendo sido agente em Portugal da Editorial Catalã de Barcelona. Em 1920 funda com Henrique Lopes de Mendonça a utópica Academia de Novos da Lusitânia, cujo objectivo era "orientar a Arte portuguesa, firmando-a num princípio de consciente renascimento". A sua participação na revista Seara Nova enquanto director artístico foi bastante significativa, principalmente na concepção de capas, ilustrações e vinhetas, bem como no contacto com os novos artistas. No entanto, o seu campo de actuação profissional foi bastante mais vasto, indo do Direito à Gestão, ou das Relações Internacionais às Finanças. Actividades que, segundo António Ventura, ofuscaram a carreira promissora (como ilustrador, capista e retratista) de Humberto Pelágio. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA: França, José-Augusto. A Arte em Portugal no Século XX . Lisboa: Bertrand Editora, 1991. Ventura, António. O Imaginário Seareiro. Ilustradores e Ilustrações da Revista Seara Nova (1921-1927). Lisboa: Instituto Nacional de Investigação Científica, 1989. ACTIVIDADE: Advogado, artista plástico e crítico de arte NASCIMENTO: MORTE: Lisboa, 1900 Lisboa, 1967 PUBLICAÇÕES ÀS QUAIS CONTRIBUIU: Seara Nova (1921-1979) TIPO DE CONTRIBUIÇÃO: Seara Nova – Direcção artística, ilustrador e capista. Autor de vinhetas e alegorias IMAGENS DE REFERÊNCIA: DIRECTOR ARTÍSTICO IDENTIFICAÇÃO: NOME: Tomás Júlio Leal da Câmara RESUMO BIOGRÁFICO: Leal da Câmara terá revelado desde muito cedo, durante seus estudos em Lisboa, capacidades no desenho, principalmente para a caricatura. Em 1896, com apenas 20 anos, abandonou o seu curso de Agronomia e Medicina Veterinária para dedicar-se totalmente à propaganda e defesa dos ideais republicanos em Portugal, na altura sob o regime monárquico. Colaborou como caricaturista em diversas publicações periódicas, dentre as quais destacamos A Corja e O Inferno, das quais foi director artístico, A Marselhesa , O Diabo, Os Ridículos e O Século. Na passagem do ano de 1899 para 1900 foi obrigado a exilar-se, primeiro em Madrid e depois em Paris, devido à sua actividade satírica nas referidas revistas, tendo sido considerado inimigo da Igreja e da Monarquia. Foi nesse exílio que Leal da Câmara pôde internacionalizar o seu trabalho como ilustrador e caricaturista, colaborando em inúmeras publicações periódicas espanholas ( Madrid Cómico, Almanach de la Vida Literária, Cronica, El Imparcial, La Esfera). Em 1900 encontrava-se em Paris como correspondente do El Imparcial , desenvolvendo na capital francesa o período mais produtivo e interessante de seu trabalho na imprensa humorística, destacando-se a sua colaboração no L'Assiette au Beurre. Ainda em Paris, desenhou inúmeros cartazes e postais, vincando sempre os seus ideais revolucionários republicanos. Com a instauração da República em Portugal (1910), Leal da Câmara regressa ao país a convite da Sátira (revista dirigida por Stuart de Carvalhais) e participa nos dois Salões dos Humoristas de 1912 e 1913. Em 1917 funda o grupo dos "Fantasistas" que, apesar dos esforços, reúne apenas Diogo de Macedo, Armando Basto e o próprio Leal da Câmara, deixando de fora Almada, Cristiano Cruz e Barradas. A sua participação na Seara Nova é desde o início de suma importância, sendo o único artista plástico a colaborar efectivamente na produção da revista, como director artístico e ilustrador (além de capista e desenhador de vinhetas, alegorias e o próprio logotipo da Empresa Seara Nova proprietária da revista). Desenvolveu ainda uma série de actividades paralelas à de caricaturista e ilustrador, tendo ido para o Brasil em 1922 para colaborar no projecto do Pavilhão português da Exposição do Rio de Janeiro. Quando se estabelece em Sintra, a partir de 1924, continua a colaborar na imprensa periódica e de livros, mas agora numa vertente menos satírica e de humor mais suave e, apesar de já afastado da Seara Nova desde 1922, sente uma forte ligação com a revista que ajudou a fundar, até ao fim de sua vida. ACTIVIDADE: Artista plástico, caricaturista, capista e ilustrador NASCIMENTO: MORTE: Pangim (Índia), 1876 Sintra, 1948 PUBLICAÇÕES ÀS QUAIS CONTRIBUIU: Seara Nova – (1921-1979) TIPO DE CONTRIBUIÇÃO: Seara Nova – Direcção artística, ilustração e caricatura BIBLIOGRAFIA CONSULTADA: França, José-Augusto. A Arte em Portugal no Século XX . Lisboa: Bertrand Editora, 1991. Ventura, António. O Imaginário Seareiro. Ilustradores e Ilustrações da Revista Seara Nova (1921-1927). Lisboa: Instituto Nacional de Investigação Científica, 1989. Pamplona, Fernando; Silva, Ricardo. Dicionário de pintores e escultores portugueses ou que trabalharam em Portugal. Porto: Civilização, 1987-1988. IMAGENS DE REFERÊNCIA: DIRECTOR ARTÍSTICO IDENTIFICAÇÃO: NOME: Germano de Sousa Vieira (Dr.) RESUMO BIOGRÁFICO: Germano Vieira é uma personalidade de destaque na cidade nortenha da Maia, pela sua faceta de médico e "artista nato". Iniciou os seus estudos no Porto, seguiu para Guimarães e terminaria a sua formação académica em Coimbra: licenciouse médico em 1923. Enquanto estudou em Coimbra, por motivos financeiros (o pai não lhe mandava dinheiro) usou de seus dotes de artista para sobreviver, trabalhando como decorador de cerâmicas na extinta "Fábrica Conimbricense" e assumindo a direcção artística do número único da revista Conimbriga (facto que não surge comentado na obra consultada). Após terminar seus estudos em Coimbra foi para França, onde intercalava as aulas de especialização médica com a vida boémia de artista pintando nas ruas. De volta a Portugal instalou-se novamente no Norte do país e exerceu a sua actividade como médico (nunca perdendo o gosto pelas Artes Plásticas) na região da Maia, onde permaneceu até ao fim de seus dias. Jamais se reconheceu qualquer talento artístico em Germano Vieira dentro da História da Arte Portuguesa, mas diz-se que chegou a receber um elogio do próprio mestre António Carneiro sobre um retrato feito pelo médico na sua juventude – facto referido na obra consultada mas que, por falta de referências, não pudemos confirmar. ACTIVIDADE: Médico e artista plástico autodidata NASCIMENTO: MORTE: Friães, 1896 Gueifães, 1970 PUBLICAÇÕES ÀS QUAIS CONTRIBUIU: Conímbriga (1923-1924) TIPO DE CONTRIBUIÇÃO: Conímbriga – Direcção artística BIBLIOGRAFIA CONSULTADA: Leite, Manuel. Da vida do médico e do artista. Maia: Câmara Municipal / Pelouro da Cultura, 1998. IMAGENS DE REFERÊNCIA: DIRECTOR ARTÍSTICO IDENTIFICAÇÃO: NOME: Ruy Vaz RESUMO BIOGRÁFICO: Ruy Vaz, filho do famoso pintor naturalista do Grupo Leão João Vaz, participou no 3º Salão dos Humoristas (1919-1920) mas, segundo José-Augusto França, abandonaria cedo o seu destino artístico. Na verdade, esse abandono a que se refere França não é totalmente definitivo, uma vez que Ruy Vaz se envolveu com José Pacheko e Leitão de Barros na promoção de um importante movimento de reforma nos estatutos da SNBA sendo ainda, posteriormente, chamado por Fernando Pessoa para dirigir consigo a revista Athena, demonstrando a sua contínua intervenção nos meios artísticos, ainda que não através da pintura. Além desses factos, continuou envolvido com actividades em prol do modernismo português, nomeadamente na decoração do Bristol-Club e ainda numa exposição realizada neste mesmo espaço em 1926, chamada "II Salão", organizada por José Pacheko. Nesse mesmo ano foi para Vila do Conde trabalhar como professor e director da Escola de Artes e Ofícios Baltasar do Couto, dando um grande impulso na divulgação e ensino das Rendas de Bilros: recupera pontos antigos e desenha novos. O desaparecimento de Ruy Vaz talvez se deva à importância que o seu pai teve na História da Pintura Naturalista Portuguesa. No entanto e apesar da pouca informação existente sobre este artista, destacamos a sua participação activa na vanguarda portuguesa e, principalmente, a direcção artística da revista Athena. ACTIVIDADE: Pintor, Artista Plástico NASCIMENTO: MORTE: (n.a.), 1891 (n.a.), 1955 PUBLICAÇÕES ÀS QUAIS CONTRIBUIU: Gente Lusa (1916) Athena (1924-1925) TIPO DE CONTRIBUIÇÃO: Gente Lusa (1916) - Artigo sobre Soares dos Reis Athena – Direcção Artística BIBLIOGRAFIA CONSULTADA: França, José-Augusto. A Arte em Portugal no Século XX . Lisboa: Bertrand Editora, 1991. http://www.mrbvc.net/menu/f.htm IMAGENS DE REFERÊNCIA: DIRECTOR ARTÍSTICO IDENTIFICAÇÃO: NOME: Carlos Augusto Lyster Franco RESUMO BIOGRÁFICO: Lyster Franco estabeleceu-se em Faro em 1901, onde foi professor e director da Escola Industrial e Comercial de Faro (Pedro Nunes), tendo ainda exercido outras actividades: comissário distrital de polícia, director do posto meteorológico Francisco Gomes, jornalista, pintor e presidente da Câmara Municipal de Faro (1919). Não se encontrou muita informação acerca da vida e obra deste artista que tanto representou na divulgação da cultura algarvia daquela época. Lyster Franco foi, juntamente com Samora Barros, um dos grandes divulgadores e propagandistas do Algarve não só pela sua contribuição importantíssima na revista Alma Nova , de carácter mais contido, mas principalmente pelo seu polémico trabalho no jornal O Heraldo de Faro. A partir da direcção de Lyster Franco (1917), este semanário republicano democrático passou a dedicar uma secção, intitulada “Gente Nova”, à divulgação do movimento futurista português e seus artistas. O jornal na edição de 4 de Fevereiro de 1917 mereceu o seguinte editorial do director: “Futurismo. O incremento que entre nós vem tomando o Futurismo, essa estranha escola que teve como pontífice máximo em Portugal o requintado espírito de poeta que foi Mário de Sá-Carneiro, e as constantes solicitações que de vários adeptos de tal escola nos têem sido dirigidas para que publiquemos no «Heraldo» algumas de suas composições futuristas, ao que aliás de muito bom grado já temos accedido, levam-nos a ampliar nossa secção «Gente Nova» que fica desde hoje definitivamente consagrada aos futuristas.” A partir de então são publicados vários poemas de futuristas algarvios, lisboetas e estrangeiros, com destaque às inúmeras cartas de agradecimento de Almada Negreiros e do “Comité Futurista” ao apoio dado pelo dito jornal. O prórpio Almada divulga o seu manisfesto K4 o quadrado azul, poesia terminus diz-se aqui o segredo do genio intransmissivel no jornal O Heraldo de Faro de 29 de Abril de 1917. Ainda neste mesmo ano Lyster Franco organiza em Faro uma exposição dos trabalhos de Jorge Barradas, regressado nesse ano de Paris, e que seria muito criticada por um discípulo de José Malhoa na edição de 17 de junho de 1917. Lyster Franco teve uma intensa e importante actividade na imprensa periódica do Algarve com a revista Alma Nova e principalmente com O Heraldo de Faro, de cuja oficina tipográfica era dono, acompanhando de perto toda a concepção, composição e produção final do periódico. Foi pois uma personalidade importante não só pelo desenvolvimento da cultura algarvia mas, também, pela participação activa na revolução e mudança da cultura nacional da época. ACTIVIDADE: Artista plástico, pintor NASCIMENTO: MORTE: Lisboa, 1880 Faro, 1959 PUBLICAÇÕES ÀS QUAIS CONTRIBUIU: Alma Nova (1914-1929) TIPO DE CONTRIBUIÇÃO: Alma Nova (1ª série, 1914-1915) – Direcção artística BIBLIOGRAFIA CONSULTADA: http://radix.cultalg.pt/visualizar.html?contexto=10&id=4082 O Heraldo, semanário republicano democrático. Faro: 1917. (Volume encadernado) IMAGENS DE REFERÊNCIA: DIRECTOR ARTÍSTICO IDENTIFICAÇÃO: NOME: José Ricardo Júdice Samora Barros RESUMO BIOGRÁFICO: Samora Barros, discípulo do pintor naturalista Veloso Salgado, destacou-se pela sua importante actividade em prol da divulgação e propaganda artística e cultural do Algarve, região que se encontrava nessa época bastante isolada relativamente ao resto do país. Barros chegou a estudar Direito em Coimbra, mas que cedo abandonaria para se dedicar à pintura no curso da Escola de Belas Artes de Lisboa. Ficaria então conhecido como o "pintor do Algarve", sobretudo pela figuração típica das pessoas, costumes e paisagens algarvias presentes nas suas aguarelas, óleos e pastéis. Barros participou em várias exposições da SNBA (1915, 1926 e 1946), e foi ainda fundador e professor da Escola Industrial e Comercial de Silves (Algarve), onde teve como aluna a importante ilustradora nacional Maria Keil. Merece-nos o destaque pela sua contribuição como director artístico, junto com Lyster Franco, da 1ª série da revista Alma Nova . Esta revista teve como principal objectivo promover a cultura, os artistas e a intelectualidade algarvia. ACTIVIDADE: Artista plástico, pintor e ilustrador NASCIMENTO: MORTE: Albufeira, 1887 Albufeira, 1972 PUBLICAÇÕES ÀS QUAIS CONTRIBUIU: Alma Nova (1914-1929) TIPO DE CONTRIBUIÇÃO: Alma Nova (1ª série, 1914-1915) – Direcção artística BIBLIOGRAFIA CONSULTADA: Lisboa, Eugénio . Dicionário Cronológico de Autores Portugueses. Lisboa: IPLB, 1988. http://educom3.sce.fct.unl.pt/~p-letr/personagens.htm http://radix.cultalg.pt/visualizar.html?contexto=30&id=7464 IMAGENS DE REFERÊNCIA: DIRECTOR ARTÍSTICO IDENTIFICAÇÃO: NOME: João Saavedra Machado RESUMO BIOGRÁFICO: Saavedra Machado destacou-se fundamentalmente na sua actividade de pintor como caricaturista e ilustrador de livros e jornais, tendo sido discípulo do pintor naturalista Ernesto Condeixa. A informação encontrada sobre Machado, nas obras referenciais da Arte portuguesa, é praticamente nula, talvez por ter dirigido o seu caminho apenas para o campo da ilustração humorística. É, no entanto, um dos nomes que formou parte, juntamente com outros ilustradores portugueses, no I Salão dos Humoristas Portugueses (Lisboa, 1912), e que se considera como a primeira manifestação de Arte Moderna em Portugal. Machado trabalhou também como desenhador no antigo Museu Etnológico em Lisboa, entre 1912 e 1920, desenhando e catalogando os objectos arqueológicos encontrados pelas equipas de escavação do Museu. Seria ainda ilustrador de inúmeros livros e de diversos autores (entre outros, Bocage e Camilo Castelo Branco), e caricaturista na imprensa periódica nacional, onde destacamos o seu trabalho como director e colaborador artístico na revista Alma Nova (2ª a 4ª séries). ACTIVIDADE: Pintor, ilustrador e caricaturista NASCIMENTO: MORTE: (n.a.), 1887 (n.a.), 1950 PUBLICAÇÕES ÀS QUAIS CONTRIBUIU: Alma Nova (1914-1929) TIPO DE CONTRIBUIÇÃO: Alma Nova (2ª e 3ª séries, 1916-1918; 1922-1925) – Direcção artística e colaboração artística. Alma Nova (4ª série, 1926-1929) – Colaboração artística BIBLIOGRAFIA CONSULTADA: França, José-Augusto. A Arte em Portugal no Século XX . Lisboa: Bertrand Editora, 1991. Pamplona, Fernando; Silva, Ricardo do Espírito Santo. Dicionário de pintores e escultores portugueses ou que trabalharam em Portugal . Porto: Civilização, 1987-1988. http://www.ipa.min-cultura.pt/pubs/RPA/v6n2/folder/083.pdf IMAGENS DE REFERÊNCIA: